“Existem alguns homens que se encontram, por assim dizer, de pé entre as ruínas e em meio à dissolução”, mas que, de maneira mais ou menos consciente, pertencem a outro Mundo [19], ao Mundo da Tradição, que não é senão o Mundo regido por princípios que transcendem os sós elementos puramente humanos. Dentre estes Homens singulares, podemos destacar um, filho legítimo da Roma dos Césares e depositário dos princípios de sua Tradição, em especial os de Imperium e de Auctoritas. Este Homem não é senão o Barão Giulio Cesare Andrea Evola, mais conhecido como Julius Evola.
Como afirmamos há pouco, Julius Evola, Mestre do denominado Tradicionalismo Integral e mais importante pensador esotérico antimoderno de todos os tempos ao lado de René Guénon, é, sem dúvida alguma, o autor mais influente nos círculos da denominada Nova Direita europeia.
No Brasil, contudo, permanece praticamente desconhecido o autor de Revolta contra o Mundo Moderno (Rivolta contro Il Mondo Moderno), mesmo nos círculos de resistência contra o Império de Calibã, isto é, contra a Idade das Trevas em que está mergulhado o Mundo em geral e o Ocidente em particular. Neste País só foi até hoje publicado, com efeito, um livro de Evola: O mistério do Graal [20]. As demais obras deste heróico homem contra o tempo são conhecidas, entre nós, por pouquíssimos privilegiados e por meio, sobretudo, das edições portuguesas e, mais recentemente, da rede mundial de computadores, onde há páginas em português do nível dos blogues Cadernos evolianos [21] e Grupo de Ur [22] , sem mencionar o Boletim Evoliano [23] e o próprio portal do Encontro Nacional Evoliano [24]. Agora, porém, com o Encontro Nacional Evoliano, que esperamos ser apenas o primeiro de muitos, e a publicação de Revolta contra o Mundo Moderno pelo instituto René Guénon de Estudos Tradicionais e de A Tradição Hermética pela Editora Ascese, certamente o nome e a obra do autor de A metafísica do sexo (La metafísica del sesso) serão bem mais conhecidos entre nós do que têm sido até hoje.
Isto posto, cumpre assinalar que muitos vêm conhecendo o pensamento evoliano por meio de traduções de obras em que há páginas a respeito do grande doutrinador antimoderno, tais como Sol Negro, de Nicholas Goodrick-Clarke [25], e Elogio da Tradição, de Marcello Veneziani [26]. No primeiro de tais livros, há um interessante e consideravelmente honesto capítulo dedicado a Evola, bem como igualmente interessantes e consideravelmente honestos capítulos dedicados a Savitri Devi, Miguel Serrano e outros pensadores que vêm exercendo influência sobre os círculos do vulgarmente denominado nazismo esotérico. No segundo livro, um rigoroso e vigoroso ensaio sobre a Tradição, publicado, no Brasil, pelas Edições Loyola, há também algumas interessantes páginas dedicadas a Evola. Seu autor, o escritor, filósofo e jornalista Marcello Veneziani, é, ainda, autor de duas importantes obras sobre Evola [27] .
O tema de nossa palestra não é, contudo, a penetração das ideias evolianas no Brasil, mesmo porque a respeito de tal tema há um excelente artigo da autoria do ilustre professor e pensador tradicionalista gaúcho César Ranquetat Junior [30]. O tema de nossa palestra é, sim, Julius Evola e seu revolucionário pensamento e Giovanni Gentile e seu igualmente revolucionário pensamento.
Havendo qualificado como revolucionário o pensamento de Evola, julgamos necessário destacar que pelo termo Revolução compreendemos a revolta contra um estado de coisas que traz a ideia de retorno, correspondendo à tradicional concepção astronômica da palavra, segundo a qual esta significa o retorno de um astro ao ponto de partida e o seu moto ordenado em torno de um centro. Este é o sentido que o próprio Evola considera o mais apropriado para tal palavra [31] e é, também, o sentido que preferimos, seguindo o exemplo de João Ameal [32], insigne pensador tradicionalista e historiador português, e de Plínio Salgado [33], fundador, Chefe Nacional e mais importante doutrinador do Integralismo Brasileiro e máximo expoente do pensamento tradicionalista no Brasil ao lado de José Pedro Galvão de Sousa, na abalizada opinião de Francisco Elías de Tejada y Spínola [34], mais importante pensador tradicionalista espanhol do século XX, que, diga-se de passagem, é autor de um fundamental estudo sobre Evola a partir dos ideais do tradicionalismo católico hispânico [35].
Tal é, ademais, a opinião de José Antonio Primo de Rivera, fundador, principal doutrinador e Chefe da Falange Espanhola e mártir da Cruzada Espanhola de 1936-39, como podemos ver, por exemplo, em seu texto A Tradição e a Revolução (La Tradición y la Revolución), prólogo ao livro ¡Arriba España!, de J. Pérez de Cabo [36], e no artigo Acerca da Revolução (Acerca de la Revolución), publicado a 12 de outubro de 1935 no periódico Haz [37]. E é, ainda, a posição de Corneliu Zelea Codreanu, fundador, mais notável doutrinador e líder máximo do Movimento Legionário Romeno, além de mártir da Grande Romênia, que assim afirma:
“O homem novo e a nação renovada, pressupõem uma grande revolução espiritual de todo o povo, isto é, uma mudança da orientação espiritual moderna, e uma ofensiva categórica contra essa orientação” [38].
Ainda nesse sentido, Arlindo Veiga dos Santos, fundador, maior doutrinador e Chefe Geral do Patrianovismo, nos fala da “verdadeira Revolução, REVOLUÇÃO DA ORDEM, contra os aspectos vários da república ‘moderna’: demo-liberal; socialista; nazista ou comunista (totalitária); pagã e satânica” [39].
Feitas estas considerações acerca do termo Revolução, voltemos a tratar de Evola.
Nascido Giulio Cesare Andrea Evola em Roma no ano de 1898 no seio de uma família siciliana de nobres origens, o futuro autor de Cavalgar o tigre (Cavalcare la tigre) recebeu uma rigorosa educação católica, contra a qual logo se revoltou. Mais tarde, após uma longa fase em que o ódio que nutria contra o Catolicismo só não era maior do que aquele que nutria contra o judaísmo, o protestantismo e aquilo a que considerava o “cristianismo das origens”, Evola, aliás cada vez mais influenciado pelo pensamento de tradicionalistas católicos como Joseph De Maistre e Donoso Cortés, finalmente reconheceria o caráter tradicional do Catolicismo autêntico.
Ainda bastante jovem, logo depois da fase dos romances de aventuras, Evola – como relata em O caminho do cinábrio (Il cammino del cinabro), sua autobiografia espiritual – planejou compilar, juntamente com um amigo, uma história da Filosofia. Nesta época era ele atraído por autores como Oscar Wilde e Gabriele D’Annunzio. E é neste tempo, ainda, que, durante as longas horas que passava na biblioteca, tomou contato com a obra de pensadores como Friedrich Nietzsche, Carlo Michelstaedter e Otto Weininger [40], que muito contribuíram para a formação de sua cosmovisão.
Juntamente com os estudos universitários em Engenharia Industrial, que não terminaria por se recusar a discutir a tese de conclusão de curso em razão do desprezo que nutria por títulos acadêmicos, Evola cultivava vivo interesse pela Literatura vanguardista italiana, que gravitava em torno de intelectuais como Giovanni Papini, Giuseppe Prezzolini e Filippo-Tomaso Marinetti.
Papini, que por essa época ainda não se havia convertido ao Catolicismo, foi fundador, diretor e principal colaborador das revistas Il Leonardo, Voce e Lacerba, que, com sede em Florença e ideais autenticamente revolucionários, agitaram toda a Itália dos primeiros anos do século XX, constituindo, segundo Evola, “forças alérgicas ao clima da pequena Itália burguesa” daqueles tempos e cuja erupção marcou, ainda de acordo com o pensador e Homem de ação antimaterialista, um verdadeiro Sturm und Drang que conheceu a Nação Italiana [41].
Foi por esse tempo que Evola se aproximou do Futurismo, passando a manter relações pessoais com alguns de seus vultos, tais como Marinetti e o pintor Giacomo Balla [42].
Não demoraria, porém, para que ficassem patentes as profundas diferenças que separavam Evola dos futuristas e do grupo de Papini. Isto se deu por ocasião da I Grande Guerra, quando Evola – que, ao contrário destes, - era antinacionalista, havendo já certamente concebido a ideia, aliás, em nosso sentir, totalmente antitradicional, de pátria eletiva, defendeu que a Itália deveria entrar no conflito ao lado da Tríplice Aliança (Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano), enquanto os outros, bem como D’Annunzio e Mussolini, sustentaram que o país devia lutar ao lado da Tríplice Entente (França, Império Britânico e Império Russo), identificando os Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) à tirania e à barbárie.
Alguns simpatizantes burgueses da Kultur germânica, tais como Benedetto Croce, defendiam que a Itália permanecesse neutra, mas o jovem Evola, como vimos, sustentava não a simples neutralidade, mas a entrada do país na guerra ao lado dos Impérios Centrais. Ele admirava a “tradição mais essencial” dos povos germânicos em geral e da Alemanha em particular, que buscava em sua concepção de Estado, nos princípios de ordem e disciplina, na ética prussiana e nas sãs divisões sociais que subsistiam apesar da revolução do terceiro estado e do capitalismo, que não as havia comprometido senão parcialmente [43].
Por esses dias, Evola redigiu um artigo em que sustentou que, ainda que a Itália não combatesse ao lado da Alemanha, mas sim contra ela, “devia fazê-lo assumindo seus princípios, e não em nome das ideologias [sic.] [44] nacionalistas e irredentistas ou ideologias democráticas, sentimentais e hipócritas da propaganda aliada”. Havendo lido tal artigo, Marinetti disse a Evola que suas ideias estavam mais distantes das dele do que as de um esquimó [45].
Algum tempo depois da entrada da Itália no conflito, ao lado da Tríplice Entente, Evola, após haver recebido, em Turim, formação rápida para oficiais, seguiu para a frente de combate, permanecendo inicialmente nas montanhas perto de Asiago.
Ao final da guerra, Evola retornou a Roma. Em 1919, após haver participado da Exposição Nacional Futurista de Milão, rompeu para sempre com Marinetti e o Futurismo, aderindo no ano seguinte ao Dadaísmo, movimento de que logo se tornou o principal expoente em terras italianas. Suas pinturas carregadas de espiritualismo idealísitico foram expostas em Roma, Milão, Lausanne, Berlim e no Salon Dada de Paris, a Meca do Dadaísmo. No opúsculo Arte abstrata (Arte astratta), explicou os motivos de seu afastamento do Futurismo, cujos adeptos eram, a seu sentir, incapazes de percorrer coerentemente as vias do Voluntarismo e do Attualismo [46].
Foi por esse tempo, ainda, que Evola colaborou em revistas artísticas como Bleu e Noi, declamou seus revolucionários poemas em locais como o Cabaret Grotte dell’Augusteo, em Roma, e publicou, em Lausanne, o poemeto intitulado La parole obscure du paysage interieur.
Foi nos anos de militância dadaísta que Evola se aprofundou nos estudos filosóficos, em especial do Idealismo, corrente então predominante na Itália e cujos principais expoentes eram Giovanni Gentile e Benedetto Croce, e iniciou os estudos do Yoga, do Tantrismo, do Zen-Budismo, da magia e do ocultismo. Em 1923, ano em que parou de pintar, foi curador de uma tradução italiana do Tao-te-King, de Lao-Tsé.
Em 1926, Evola publicou um estudo a respeito do Tantra intitulado O homem como potência (L’uomo come potenza). Um ano antes, publicara a obra Ensaios sobre o idealismo mágico (Saggi sull’idealismo magico), que juntamente com a Teoria do Indivíduo absoluto (Teoria dell’Individuo assoluto) e a Fenomenologia do Indivíduo absoluto (Fenomenologia dell’Individuo assoluto), publicadas, respectivamente, em 1927 e 1930, embora escritas alguns anos antes, representam a passagem de Evola pela Filosofia do Idealismo.
Em meados da década de 1920, Evola colaborou nas revistas Atanòr e Ignis, dirigidas pelo tradicionalista pitagórico Arturo Reghini, e também nos jornais Il Mondo e Lo Stato democratico. Neste último, dirigido pelo Duque Giovanni Colonna di Cesarò, publicou Evola, em 1925, o trabalho Estado, potência, liberdade (Stato, potenza, libertà), onde criticou tanto o Fascismo quanto a liberal-democracia. Na mesma época colaborou também nas revistas Ultra, de Decio Calvari, presidente da Liga Teosófica Independente de Roma, e L’idealismo realistico, de Vittore Marchi, onde escreveu uma crítica desfavorável a um livro de René Guénon sobre o Vedanta [47]. A resposta de Guénon à crítica de Evola marcou o início da longa e fecunda correspondência entre os dois, que, ressalvadas algumas interrupções, em especial a provocada pela II Grande Guerra, durou até a morte do autor de O reino da quantidade e os sinais dos tempos (Le règne de la quantité et les signes des temps), no Cairo, em 1951.
O Sheik Abdel Wahid Yasha, mais conhecido pelo nome de René Guénon, com o qual foi batizado na pequena cidade medieval de Blois, no vale do Loire, influenciou muitíssimo o pensamento de Evola, que decerto não haveria escrito a Revolta contra o Mundo Moderno caso não houvesse lido A crise do Mundo Moderno. “O mestre de nossos tempos, o defensor do ‘tradicionalismo integral’, o mais radical de todos os ‘antimodernos’”, na expressão de Evola [48], somente, a nosso sentir, não influenciou mais o autor de O arco e a clava (L’arco e la clava) do que Friederich Nietzsche, o genial poeta de Assim falava Zaratustra (Also sprach Zarathustra) , maior poema em prosa da Literatura alemã, e profeta do Super-homem, do Eterno Retorno e da Vontade de Potência.
Como observa Francesco Lamendola, Evola recebeu de Guénon, em particular, o conceito de Tradição, compreendida, na opinião do pensador, filósofo e por meio de “escolas esotéricas tanto orientais quanto ocidentais”, com o fim precípuo de conduzir a humanidade através do nefasto Kali Yuga do Mundo Moderno, lhe permitindo, ou melhor, permitindo a alguns poucos privilegiados, “não perder o verdadeiro significado, que é – agora e sempre – aquele da total afirmação da liberdade interior através das práticas e da doutrina de um individualismo absoluto” [49].
Cumpre ressaltar que tal não é a nossa concepção de Tradição. Para nós, a Tradição é a cadeia sagrada que une os homens ao passado e ao futuro, aos ancestrais e aos descendentes; o patrimônio de valores comuns que herdamos de nossos pais e que devemos legar, aprimorado, a nossos descendentes; a base de todo progresso autêntico, que, ao contrário do que defende Evola, nunca se tornou invisível e secreta e não une poucos a poucos [50], não sendo, com efeito, somente esotérica e invisível, mas a um só tempo exotérica e esotérica, visível e invisível e ligando muitos a muitos. Do mesmo modo, rejeitamos por completo a ideia de liberdade total, bem como o individualismo, ao qual opomos o personalismo e o grupalismo e consideramos que o verdadeiro significado da existência humana repousa na busca da santidade.
Isto posto, cumpre ressaltar que, para Guénon e Evola, a Tradição teria este caráter esotérico, aristocrático e secreto apenas a partir do final da denominada Idade Média e do início da Idade Moderna, quando a Tradição inegavelmente perdeu o caráter universal.
Voltemos, contudo, à biografia de Evola. Em 1926-27, deu ele vida, ao lado de Arturo Reghini, Guido De Giorgio e outros, ao chamado Grupo de Ur, passando a publicar os cadernos mensais Ur (1927-28) e Krur (1929), reunidos na coletânea em três volumes intitulada Introdução à magia como ciência do Eu (Introduzione alla magia quale scienza dell'Io) e publicada entre os anos de 1955 e 1956. Em 1930, fundou a revista quinzenal La Torre, que chegou ao décimo número, sendo fechada por ordem das autoridades fascistas em virtude de suas visões pouco ortodoxas da Doutrina do Fascio, visões que Evola expressava desde 1927, quando se aproximara do Fascismo, passando a colaborar na revista Critica Fascista, de Giuseppe Bottai, onde escreveu artigos anticristãos também publicados em Vita Nuova e Il lavoro d’Italia.
Em 1928, Evola publicou a sua obra mais polêmica e radical: Imperialismo pagão: o fascismo diante do perigo euro-cristão (Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano). Em tal obra, o autor, que jamais ingressaria no Partido Nacional Fascista, defende um fascismo novo, um fascismo gibelino, um superfascismo livre dos valores cristãos e dos valores hegelianos e mazzinianos tão ao gosto de seus principais doutrinadores, em especial Giovanni Gentile, e clama pelo ressurgimento do Império e dos Deuses de Roma. Em uma palavra, Evola, dirigindo-se “a cada fascista que seja digno de tal nome, e que verdadeiramente vibre à vontade de regeneração, de dignidade romana, de potência proclamada pelo Duce” [51], proclama que “à superstição semítica de nossos pais nós hoje, reevocando Roma, opomos em tudo e por tudo a tradição verdadeira e antiga de nossos avós, a tradição mediterrânea” [52].
No ano anterior, Evola assim escrevera, na revista Critica Fascista:
"O pressuposto é: que o fascismo, na sua força mais pura, se identifique à vontade de império; que a sua reevocação da Águia e do Fascio possa não ser tão somente retórica; que, de qualquer modo, esta é a condição para que ele represente algo de novo, não uma revolução risível, mas uma ressurreição heróica" [53].
Isto posto, faz-se mister assinalar que, ao contrário do que então julgava o autor de O caminho do cinábrio (Il cammino del cinabro), o Catolicismo não é, de forma alguma, incompatível com a Vontade de Império, como, aliás, bem o sabia Mussolini, realizador do Pacto de Latrão, que, plenamente consciente de que a Itália, como herdeira e continuadora de Roma, foi destinada ao Império, assim aduziria, no X ano da Era Fascista, em trabalho sobre a doutrina política e social do Fascismo publicado na Enciclopédia Italiana:
"O Estado fascista é vontade de potência e de império. A tradição romana é aqui uma ideia de força. Na doutrina do fascismo o império não é apenas uma expressão territorial ou militar ou mercantil, mas espiritual ou moral. Pode-se pensar em um império, isto é, em uma nação que direta ou indiretamente guia outras nações, sem necessidade de se conquistar um só quilômetro de território" [54].
No ano de 1933, logo após a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, veio à luz, em Leipzig, a edição alemã, totalmente revista e ampliada, de Imperialismo pagão, Heidnischer Imperialismus, obra recebida como “uma espécie de evangelho do moderno gibelinismo”, fazendo enorme sucesso nos círculos nacional-socialistas [55].
Em 1934, Evola, que três anos antes publicara a obra A Tradição Hermética (La Tradizione Hermetica) e em 1932 lançara Máscara e vulto do espiritualismo contemporâneo (Maschera e volto dello spiritualismo contemporaneo), deu a lume sua obra-mestra, a Revolta contra o Mundo Moderno (Rivolta contro Il Mondo Moderno), que, a exemplo de Heraldo Barbuy, classificamos como “monumental” [56], a considerando mesmo uma das principais obras político-filosóficas de todo o século XX e a verdadeira “bíblia” do chamado Tradicionalismo Integral.
Em Revolta contra o Mundo Moderno, livro em que, ao contrário de em Imperialismo pagão, o anticristianismo não ocupa o papel central, Evola defende, em suma, que a única salvação possível ao Ocidente é “um retorno ao espírito tradicional em uma nova consciência ecumênica europeia”; o “retorno à tradição em sentido lato, universal, unânime, compreendendo todas as formas de vida e de luz; no sentido, outrossim, de um espírito e de uma ordem única que imperam soberanos em cada homem e em cada classe de homens. Não se trata da tradição em sentido aristocrático e secreto, como depósito custodiado por poucos”, pois, neste “sentido subterrâneo”, a Tradição, segundo Evola, sempre existiu e sempre existirá, mas isto não impediu o declínio da Civilização Ocidental [57].
Em 1937 foi publicado O mistério do Graal (Il mistero del Graal), obra em que o doutrinador antimoderno e antimaterialista analiza o caráter do mistério do Graal, que é, segundo ele, iniciático e regal, remontando a uma tradição anterior ao Cristianismo.
Em princípios do ano seguinte, Evola viajou para a Romênia, onde conheceu pessoalmente Mircea Eliade, com quem se correspondia desde fins da década de 1920, quando o pensador romeno estudava sânscrito e Filosofia Indiana na Universidade de Calcutá e já lia as obras do então jovem filósofo idealista italiano, admirando “sua inteligência e, sobretudo, a densidade e claridade de sua prosa” [58]. Foi também durante esta visita à Romênia que o autor de Revolta contra o Mundo Moderno (Rivolta contro Il Mondo Moderno) conheceu Corneliu Zelea Codreanu, fundador e líder máximo do Movimento Legionário, ao qual Eliade era então ligado e que, a despeito de sua posição nacionalista e ortodoxa romena confessional, contava com a profunda admiração de Evola, que, com efeito, o admirava mais do que qualquer outro dos diversos movimentos cívico-políticos europeus de caráter tradicionalista, patriótico e nacionalista surgidos no século XX como reação ao materialismo e ao espírito burguês. Mais tarde, Evola escreveu alguns seminais artigos a respeito do grande Homem de pensamento e de ação, que fisicamente parecia, segundo o metafísico italiano, “uma reaparição do mundo ário-itálico” [59] e que, assassinado em 1938, por ordem do Rei Carol II, na prisão de Jilava, juntamente com outros líderes do Movimento Legionário, transformou-se em um dos mais importantes mártires da História da heróica Dácia.
O Movimento Legionário surgira em 1927, com a fundação da Legião do Arcanjo Miguel por um grupo de jovens nacionalistas romenos encabeçado por Codreanu. Tendo como lema a divisa “Deus, Pátria, Rei, Família, Propriedade e Exército” e insistindo sobremaneira nos conceitos de Revolução Espiritual e de formação de um Novo Homem, que, em última análise, não é senão o Homem Tradicional, o Movimento Legionário, autêntico representante romeno dos grandes movimentos tradicionalistas e nacionalistas surgidos em todo o Mundo nos primeiros decênios do século XX, é, pela sua doutrina e pela fé e rigor moral, ético e cívico que inspira, uma prova cabal da grandeza moral a que podem chegar os movimentos defensores da Tradição e da Ordem Tradicional.
Estudioso das questões étnicas, Evola propugnou um racismo espiritual com o qual não concordamos e que a partir de 1938 se tornou predominante no Fascismo italiano, até então majoritariamente antirracista. Tal racismo está presente em obras como Três aspectos do problema hebraico (Tre aspetti del problema ebraico), de 1936, O mito do sangue (Il mito del sangue), de 1937, Diretrizes para uma educação racial (Indirizzi per una educazione razziale), de 1941, e Síntese de doutrina da raça (Sintesi di dottrina della razza), também de 1941, bem como em diversos artigos publicados na revista La difesa della razza.
Em 1941, Mussolini, - que havia lido a Síntese de doutrina da raça durante uma viagem à Alemanha e que via em Evola um teórico capaz de interpretar como nenhum outro o racismo espiritual que vinha defendendo e que não devia ser confundido com o racismo biológico do nacional-socialismo, convidou o autor para uma conversa com ele no Palazzo Venezia. Foi este o início da amizade que uniu o mais irredutível dos antimodernos e o último dos Césares.
Não sendo aceito como voluntário da frente soviética em virtude de não ser filiado ao Partido Nacional Fascista, Evola se dedicou então a escrever um ensaio sobre a ascese budista publicado em 1943 e intitulado A doutrina do despertar (La dottrina del risveglio). No mesmo ano viajou para a Alemanha, estando no Quartel-General de Hitler, em Rastenburg, Prússia Oriental, a 14 de setembro, quando Mussolini ali chegou após ter sido libertado de seus captores por Otto Skorzeny e seus homens. De volta à Itália, apoiou a República Social Italiana, fundada por Mussolini e também conhecida como República de Salò, apesar de ser antirrepublicano e possuir verdadeiro horror à palavra “social”. Em 1945 se encontrava em Viena, colaborando com as SS na tradução de textos maçônicos, quando foi gravemente ferido durante um bombardeio aliado ocorrido pouco antes da entrada dos soviéticos na antiga capital dos Habsburgos, quase morrendo e ficando paralítico até o fim de seus dias.
De volta à Itália em 1948, publicou, dois anos mais tarde, o opúsculo Orientações (Orientamenti), que, dirigido em particular aos jovens do Movimento Social Italiano (MSI), contém todas as ideias posteriormente desenvolvidas em Os homens e as ruínas (Gli uomini e le rovine), de 1953, Metafísica do sexo (Metafisica del sesso), de 1958, e Cavalgar o tigre (Cavalcare la tigre), de 1961, que constituem, em nossa singela opinião, as mais importantes obras do pensador e Homem de ação depois de Revolta contra o Mundo Moderno.
Em 1963, foi publicado O caminho do cinábrio (Il cammino del cinabro), espécie de autobiografia espiritual e intelectual de Evola, que constitui excelente roteiro de sua obra e de seu pensamento.
Falecido em Roma a 1º de junho de 1974, Evola, cujas cinzas foram depositadas em uma geleira do Monte Rosa, nos Alpes Italianos, se transformou em um símbolo da heróica luta em defesa dos valores autênticos, perenes e superiores da Tradição contra os valores inautênticos, passageiros e inferiores da Civilização Ocidental Contemporânea, que associava à Kali Yuga dos hindus, à Idade do Ferro dos helenos e romanos e à Idade do Lobo dos antigos germanos.
Infelizmente Evola, – a exemplo de Nietzsche, por quem tanto foi influenciado, para o bem e para o mal, - nunca compreendeu o verdadeiro significado do Cristianismo, da Família, da Nação e do nacionalismo e mesmo da Pátria e do patriotismo, havendo chegado a pregar o fim da “superstição da ‘pátria’ e da ‘nação’”, por ele vistas como “larvais e tenazes resíduos do impersonalismo democrático” [60] e defendendo, mais tarde, que é na Ideia e somente na Ideia que se deve reconhecer a verdadeira Pátria [61], que, para ele, há muito perdeu o caráter original de terra dos pais [62]. Mesmo, porém, com estes e outros erros e falhas, tais como o desconhecimento da verdadeira essência do Direito Natural Tradicional, ou Clássico, Evola merece ser lido, estudado e reconhecido como um dos mais importantes mestres do pensamento tradicional, pois teve o mérito de condenar, com a argúcia e lucidez de poucos, a mediocridade burguesa, a superstição do progresso indefinido, a liberal-democracia, o comunismo, o coletivismo, a dessacralização da Sociedade, o cientificismo, o economicismo, ou, em uma palavra, o Mundo Moderno, a idade obscura, antitradicional por natureza.
Mais, porém, do que pelas críticas ao Mundo Moderno, Julius Evola merece ser lido, estudado e lembrado por sua defesa da restauração da Sociedade Tradicional, por ele definida como a Sociedade “regida por princípios que transcendem aquilo que é tão somente humano e individual”, como a Sociedade “em que cada domínio próprio é formado e ordenado do alto e para o alto” [63]. Merece ser evocado pela defesa da Monarquia Tradicional e de princípios tradicionais como os de Honra, Lealdade, Obediência, Fé, Hierarquia e Autoridade, bem como pela defesa do Estado Orgânico, que define como o Estado “que possui um centro, e este centro é uma ideia que informa a partir de si, de modo eficaz, aos diferentes domínios”, como o Estado que “ignora a excisão e a autonomização do particular e, em virtude de um sistema de participações hierárquicas, cada parte em sua relativa autonomia tem uma funcionalidade e uma íntima conexão com o todo” [64]. Merece, por derradeiro, ser recordado pela defesa da ideia transcendente de Imperium, Imperium que jamais se poderá erigir “sobre a base de fatores econômicos, militares, industriais, e mesmo ideais” [65].
Julius Evola, mestre incontestável do Tradicionalismo Integral e um dos mais geniais pensadores do século XX, foi a um só tempo brahmin e kshatriya, sábio e guerreiro, Homem de pensamento contemplativo e de ação. Tendo a consciência de que nada de grande e belo pode existir fora da Tradição e de que, como preleciona Heidegger, “não é na vida banal, mas na audácia angustiosa do Herói que repousa a grandeza final do existir humano” [66], teve a coragem de permanecer de pé entre as ruínas e de cavalgar o tigre da modernidade, sempre preparado para o momento do cansaço do tigre, que não se pode lançar contra quem o cavalga. Sua mais importante lição é esta: “A criação de um novo Estado e de uma nova civilização será sempre algo efêmero quando estes não tiverem como substrato um novo homem” [67].
[19] EVOLA, Julius. Cabalgar el tigre. Trad. argentina de Marcos Ghio. Buenos Aires: Ediciones Heracles, 1999, p. 22.
[20] Idem. O mistério do Graal. Trad. de Pier Luigi Cabra. São Paulo: Editora Pensamento, 1972.
[21] http://cadernosevolianos.blogspot.com/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[22] http://grupodeur.blogspot.com/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[23] http://www.boletimevoliano.pt.vu/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[24] http://encontronacionalevoliano.com.br/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[25] GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol Negro: Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. Trad. de Fábio Rezende. São Paulo: Madras, 2004.
[26] VENEZIANI, Marcello. De pai para filho: Elogio da Tradição. Trad. de Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
[27] As duas obras de Veneziani sobre Evola são: La ricerca dell'assoluto in Julius Evola. Palermo: Thule, 1979; Julius Evola tra filosofia e tradizione. Roma: Ciarrapico, 1984.
[28] Citamos de memória.
[29] CARVALHO, Olavo de. Livros que fizeram a minha cabeça. Disponível em: www.olavodecarvalho.org/textos/livros.htm. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[30] RANQUETAT JUNIOR, César. O pensamento de Julius Evola no Brasil. Disponível em: http://www.juliusevola.it/documenti/template.asp?cod=563. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[31] EVOLA, Julius. Introduzione. In GUÉNON, René. La crisi del Mondo Moderno, cit., p. 7.
[32] AMEAL, João. No limiar da Idade-Nova. Coimbra: 1934, pp. 12-14.
[33] Vide SALGADO, Plínio. Psicologia da Revolução. 6ª ed. In Idem . Obras Completas, 2ª ed., vol. 7. São Paulo: Editora das Américas, 1957.
[34] TEJADA, Francisco Elías de. Plínio Salgado na Tradição do Brasil. In VÁRIOS. Plínio Salgado – “In Memoriam” - vol. II. São Paulo: Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1985/1986, p. 70.
[35] Idem. Julius Evola desde el Tradicionalismo Hispánico. In Ethos, ano I, nº 1, Buenos Aires, 1973.
[36] PRIMO de Rivera, José Antonio. Obras completas. Edição cronológica. Recopilação de Agustín del Río Cisneros. Madri: Delegación Nacional de la Sección Feminina de FET y de las JONS, 1954, pp. 645-649.
[37] Idem, pp. 661-664.
[38] CODREANU, Corneliu Zelea. Manual del Jefe de la Guardia de Hierro.Trad. para o espanhol de Manuel de la Isla Paulin. 2ªed. Barcelona: Ediciones Ojeda, 2004, p. 93.
[39] SANTOS, Arlindo Veiga dos. As raízes históricas do Patrianovismo. São Paulo: Pátria Nova, 1946, p. 18.
[40] EVOLA, Julius. Il cammino del cinabro. I capítulo, p. 5. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/2596256/Julius-Evola-Il-Cammino-del-Cinabro Acesso em 17 de novembro de 2010.
[41] Idem, p. 6.
[42] Idem, loc. cit.
[43] Idem, loc. cit.
[44] Para nós, que neste aspecto temos posição contrária à de Evola, o verdadeiro nacionalismo não é uma ideologia, mas uma Doutrina sã e intimamente ligada à Tradição. Concordamos, pois, com Marcello Veneziani, para quem a defesa da Identidade Nacional e da Tradição Nacional, longe de ser “uma negação da ideia de Tradição” (como querem Guénon e Evola), é como que “um defender a tradição e a identidade de um povo da erradicação e do cosmopolitismo, da colonização e da globalização” (VENEZIANI, Marcello. De pai para filho: Elogio da Tradição, cit., p. 130). Do mesmo modo, consideramos o Irredentismo parte nobilíssima da Tradição e da História Italiana.
[45] EVOLA , Julius. Il cammino del cinabro, cit., loc. cit.
[46] LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit..
[47] Idem. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit.
[48] EVOLA, Julius. René Guénon, un maestro de los tiempos últimos. Trad. argentina de Marcos Ghio. Serie Cuadernos Tradicionales, nº 4. Buenos Aires: Ediciones Heracles, 2001, p. 7.
[49] LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit.
[50] EVOLA, Julius. Heidnischer Imperialismus. II ed. italiana revisada com Imperialismo pagano. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004, p. 197.
[51] Idem. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano. 4ª ed. corrigida, com dois apêndices e Heidnischer Imperialismus. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004,p. 177.
[52] Idem, p. 76.
[53] Idem, p. 177.
[54] MUSSOLINI, Benito, apud PAGLIARO, A. L’azione storica del fascismo. In PNF (Partito Nazionale Fascista). Fascismo (republicação fac-similar do verbete Fascismo do Dizionario di política do PNF, do ano de 1937). Milão: ARS, 1999, pp. 81-82; Idem. A Doutrina do Fascismo. Trad. para o português. Florença: Vallecchi Editore, 1935-XIII, pp. 38-39.
[55] LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit.
[56] BARBUY, Heraldo. Cristianismo e angústia. In BARBUY, Heraldo. O problema do Ser e outros ensaios. São Paulo: Convívio/EDUSP, 1984, p. 249, nota.
[57] EVOLA, Julius. Rivolta contro Il Mondo Moderno. 2ª ed. revista e ampliada. Milão: Fratelli Boca Editori, 1951, pp. 453-454.
[58] ELIADE, Mircea. Exile’s Odyssey. Chicago: University of Chicago Press, 1988, p. 152.
[59] EVOLA, Julius. Colloquio col capo delle “Guardie di Ferro”. In Il Regime Fascista, 22/03/1938. Disponível em http://www.centrostudilaruna.it/evolalegionarismoascetico.html. Acesso em 18 de novembro de 2010.
[60] EVOLA, Julius. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano, cit., p. 88.
[61] Idem. Los hombres y las ruinas.Trad. argentina de Marcos Ghio. Buenos Aires: Ediciones Heracles, 1994, p, 43.
[62] Idem, p. 42.
[63] Idem. Cabalgar el tigre, cit., p. 21.
[64] Idem. Los hombres y las ruínas, cit., p. 64.
[65] Idem. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano, cit, p. 62.
[66] HEIDEGGER, Martin apud BARBUY, Heraldo. Sartre e Heidegger. In BARBUY, Heraldo. O problema do Ser e outros ensaios, cit., p. 211.
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