sábado, 9 de outubro de 2010

RERUM NOVARUM

CARTA ENCÍCLICA
«RERUM NOVARUM»
DO PAPA LEÃO XIII

SOBRE A CONDIÇÃO DOS OPERÁRIOS

INTRODUÇÃO

1. A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.

Por toda a parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta pa ra mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo em exercício o génio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos governantes, e não há, presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano.

É por isto que, Veneráveis Irmãos, o que em outras ocasiões temos feito, para bem da Igreja e da salvação comum dos homens, em Nossas Encíclicas sobre a soberania política, a liberdade humana, a constituição cristã dos Estados (1) e outros assuntos análogos, refutando, segundo Nos pareceu oportuno, as opiniões erróneas e falazes, o julgamos dever repetir hoje e pelos mesmos motivos, falando-vos da Condição dos Operários. Já temos tocado esta matéria muitas vezes, quando se Nos tem proporcionado o ensejo; mas a consciência do Nosso cargo Apostólico impõe-Nos como um dever tratá-la nesta Encíclica mais explicita-mente e com maior desenvolvimento, a fim de pôr em evidência os princípios duma solução, conforme à justiça e à equidade. O problema nem é fácil de resolver, nem isento de perigos. E difícil, efectivamente, precisar com exactidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por outro lado, o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para excitar as multidões e fomentar desordens.

Causas do conflito

2. Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários.

A solução socialista

3. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.

A propriedade particular

4. De facto, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e a sua indústria, não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido será propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito da propriedade mobiliária e imobiliária? Assim, esta conversão da propriedade particular em propriedade colectiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu património e melhorarem a sua situação.

5. Mas, e isto parece ainda mais grave, o remédio proposto está em oposição flagrante com a justiça, por-que a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efectivamente, sob este ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais destituídos de razão. Estes não se governam a si mesmos; são dirigidos e governados pela natureza, mediante um duplo instinto, que, por um lado, conserva a sua actividade sempre viva e lhes desenvolve as forças; por outro, provoca e circunscreve ao mesmo tempo cada um dos seus movimentos. O primeiro instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo, à propagação da espécie; e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das coisas presentes e postas ao seu alcance. Por outro lado, seriam incapazes de transpor esses limites, porque apenas são movidos pelos sentidos e por cada objecto particular que os sentidos percebem. Muito diferente é a natureza humana. Primeiramente, no homem reside, em sua perfeição, toda.a virtude da natureza sensitiva, e desde logo lhe pertence, não menos que a esta, gozar dos objectos físicos e corpóreos. Mas a vida sensitiva mesmo que possuída em toda a sua plenitude, não só não abraça toda a natureza humana, mas é-lhe muito inferior e própria para lhe obedecer e ser-lhe sujeita. O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido.

Uso comum dos bens criados e propriedade particular deles

Uma consideração mais profunda da natureza humana vai fazer sobressair melhor ainda esta verdade. O homem abrange pela sua inteligência uma infinidade de objectos, e às coisas presentes acrescenta e prende as coisas futuras; além disso, é senhor das suas acções; também sob a direcção da lei eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é, de algum modo, para si a sua lei e a sua providência. É por isso que tem o direito de escolher as coisas que julgar mais aptas, não só para prover ao presente, mas ainda ao futuro. De onde se segue que deve ter sob o seu domínio não só os produtos da terra, mas ainda a própria terra, que, pela sua fecundidade, ele vê estar destinada a ser a sua fornecedora no futuro. As necessidades do homem repetem-se perpetuamente: satisfeitas hoje, renascem amanhã com novas exigências. Foi preciso, portanto, para que ele pudesse realizar o seu direito em todo o tempo, que a natureza pusesse à sua disposição um elemento estável e permanente, capaz de lhe fornecer perpetuamente os meios. Ora, esse elemento só podia ser a terra, com os seus recursos sempre fecundos. E não se apele para a providência do Estado, porque o Estado é posterior ao homem, e antes que ele pudesse formar-se, já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua existência. Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o facto de que Deus concedeu a terra a todo o género humano para a gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos. Tal não é o sentido dessa verdade. Ela significa, unicamente, que Deus não assinou uma parte a nenhum homem em particular, mas quis deixar a limitação das propriedades à indústria humana e às instituições dos povos. Aliás, posto que dividida em propriedades particulares, a terra não deixa de servir à utilidade comum de todos, atendendo a que não há ninguém entre os mortais que não se alimente do produto dos campos. Quem os não tem, supre-os pelo trabalho, de maneira que se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de prover às necessidades da vida, quer ele se exerça num terreno próprio, quer em alguma parte lucrativa cuja remuneração, sai apenas dos produtos múltiplos da terra, com os quais ela se comuta. De tudo isto resulta, mais uma vez, que a propriedade particular é plenamente conforme à natureza. A terra, sem dúvida, fornece ao homem com abundância as coisas necessárias para a conservação da sua vida e ainda para o seu aperfeiçoamento, mas não poderia fornecê-las sem a cultura e sem os cuidados do homem. Ora, que faz o homem, consumindo os recursos do seu espírito e as forças do seu corpo em procurar esses bens da natureza? Aplica, para assim dizer, a si mesmo a porção da natureza corpórea que cultiva e deixa nela como que um certo cunho da sua pessoa, a ponto que, com toda a justiça, esse bem será possuído de futuro como seu, e não será lícito a ninguém violar o seu direito de qualquer forma que seja.

A propriedade sancionada pelas leis humanas e divinas

A força destes raciocínios é duma evidência tal, que chegamos a admirar como certos partidários de velhas opiniões podem ainda contradizê-los, concedendo sem dúvida ao homem particular o uso do solo e os frutos dos campos, mas recusando-lhe o direito de possuir, na qualidade de proprietário, esse solo em que edificou, a porção da terra que cultivou. Não vêem, pois, que despojam assim esse homem do fruto do seu trabalho; porque, afinal, esse campo amanhado com arte pela mão do cultivador, mudou completamente de natureza: era selvagem, ei-lo arroteado; de infecundo, tornou-se fértil; o que o tornou melhor, está inerente ao solo e confunde-se de tal forma com ele, que em grande parte seria impossível separá-lo. Suportaria a justiça que um estranho viesse então a atribuir-se esta terra banhada pelo suor de quem a cultivou? Da mesma forma que o efeito segue a causa, assim é justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador.

É, pois, com razão, que a universalidade do género humano, sem se deixar mover pelas opiniões contrárias dum pequeno grupo, reconhece, considerando atentamente a natureza, que nas suas leis reside o primeiro fundamento da repartição dos bens e das propriedades particulares; foi com razão que o costume de todos os séculos sancionou uma situação tão conforme à natureza do homem e à vida tranquila e pacífica das sociedades. Por seu lado, as leis civis, que recebem o seu valor(1), quando são justas, da lei natural, confirmam esse mesmo direito e protegem-no pela força. Finalmente, a autoridade das leis divinas vem pôr-lhe o seu selo, proibindo, sob perla gravíssima, até mesmo o desejo do que pertence aos outros: «Não desejarás a mulher do teu próximo, nem a sua casa, nem o seu campo, nem o seu boi, nem a sua serva, nem o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença» (2) .

A família e o Estado

6. Entretanto, esses direitos, que são inatos a cada homem considerado isoladamente, apresentam-se mais rigorosos ainda, quando se consideram nas suas relações e na sua conexão com os deveres da vida doméstica. Ninguém põe em dúvida que, na escolha dum género de vida, seja lícito cada um seguir o conselho de Jesus Cristo sobre a virgindade, ou contrair um laço conjugal. Nenhuma lei humana poderia apagar de qualquer forma o direito natural e primordial de todo o homem ao casamento, nem circunscrever o fim principal para que ele foi estabelecido desde a origem: «Crescei e multiplicai-vos»(3). Eis, pois, a família, isto é, a sociedade doméstica, sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil, à qual, desde logo, será forçosamente necessário atribuir certos direitos e certos deveres absoluta-mente independentes do Estado. Assim, este direito de propriedade que Nós, em nome da natureza, rei-vindicamos para o indivíduo, é preciso agora transferi-lo para o homem constituído chefe de família. Isto não basta: passando para a sociedade doméstica, este direito adquire aí tanto maior força quanto mais extensão lá recebe a pessoa humana.

A natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos; vai mais longe. Como os filhos reflectem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum património que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna. Mas, esse património poderá ele criá-lo sem a aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possam transmitir-lhes por via de herança?

Assim como a sociedade civil, a família, conforme atrás dissemos, é uma sociedade propriamente dita, com a sua autoridade e o seu governo paterno, é por isso que sempre indubitavelmente na esfera que lhe determina o seu fim imediato, ela goza, para a escolha e uso de tudo o que exigem a sua conservação e o exercício duma justa independência, de direitos pelo menos iguais aos da sociedade civil. Pelo menos iguais, dizemos Nós, porque a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real, de que participam necessariamente os seus direitos e os seus deveres. E se os indivíduos e as famílias, entrando na sociedade, nela achassem, em vez de apoio, um obstáculo, em vez de protecção, uma diminuição dos seus direitos, dentro em pouco a sociedade seria mais para se evitar do que para se procurar.

Querer, pois, que o poder civil invada arbitraria-mente o santuário da família, é um erro grave e funesto. Certamente, se existe algures uma família que se encontre numa situação desesperada, e que faça esforços vãos para sair dela, é justo que, em tais extremos, o poder público venha em seu auxílio, porque cada família é um membro da sociedade. Da mesma forma, se existe um lar doméstico que seja teatro de graves violações dos direitos mútuos, que o poder público intervenha para restituir a cada um os seus direitos. Não é isto usurpar as atribuições dos cidadãos, mas fortalecer os seus direitos, protegê-los e defendê-los como convém. Todavia, a acção daqueles que presidem ao governo público não deve ir mais além; a natureza proíbe-lhes ultrapassar esses limites. A autoridade paterna não pode ser abolida, nem absorvida pelo Estado, porque ela tem uma origem comum com a vida humana. «Os filhos são alguma coisa de seu pai»; são de certa forma uma extensão da sua pessoa, e, para falar com justiça, não é imediatamente por si que eles se agregam e se incorporam na sociedade civil, mas por intermédio da sociedade doméstica em que nasceram. Porque os «filhos são naturalmente alguma coisa de seu pai... devem ficar sob a tutela dos pais até que tenham adquirido o livre arbítrio» (4). Assim, substituindo a providência partena pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços da família.

O comunismo, princípio de empobrecimento

7. Mas, além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria. Por tudo o que Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade colectiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer por todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular. Expliquemos agora onde convém procurar o remédio tão desejado.

A Igreja e a questão social

8. É com toda a confiança que Nós abordamos este assunto, e em toda a plenitude do Nosso direito; porque a questão de que se trata é de tal natureza, que, se não apelamos para a religião e para a Igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz. Ora, como é principalmente a Nós que estão confiadas a salvaguarda da religião e a dispensação do que é do domínio da Igreja, calarmo-nos seria aos olhos de todos trair o Nosso dever. Certamente uma questão desta gravidade demanda ainda de outros a sua parte de actividade e de esforços; isto é, dos governantes, dos senhores e dos ricos, e dos próprios operários, de cuja sorte se trata. Mas, o que Nós afirmamos sem hesitação, é a inanidade da sua acção fora da Igreja. E a Igreja, efectivamente, que haure no Evangelho doutrinas capazes de pôr termo ao conflito ou ao menos de o suavizar, expurgando-o de tudo o que ele tenha de severo e áspero; a Igreja, que se não contenta em esclarecer o espírito de seus ensinos, mas também se esforça em regular, de harmonia com eles a vida e os costumes de cada um; a Igreja, que, por uma multidão de instituições eminentemente benéficas, tende a melhorar a sorte das classes pobres; a Igreja, que quer e deseja ardentemente que todas as classes empreguem em comum as suas luzes e as suas forças para dar à questão operária a melhor solução possível; a Igreja, enfim, que julga que as leis e a autoridade pública devem levar a esta solução, sem dúvida com medida e com prudência, a sua parte do consenso.

Não luta, mas concórdia das classes

9. O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os Socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença das suas respectivas condições.

Pelo que diz respeito ao trabalho em particular, o homem, mesmo no estado de inocência, não era destinado a viver na ociosidade, mas, ao que a vontade teria abraçado livremente como exercício agradável, a necessidade lhe acrescentou, depois do pecado, o sentimento da dor e o impôs como uma expiação: «A terra será maldita por tua causa; é pelo trabalho que tirarás com que alimentar-te todos os dias da vida» (5). O mesmo se dá com todas as outras calamidades que caíram sobre o homem: neste mundo estas calamidades não terão fim nem tréguas, porque os funestos frutos do pecado são amargos, acres, acerbos, e acompanham necessariamente o homem até ao derradeiro suspiro. Sim, a dor e o sofrimento são o apanágio da humanidade, e os homens poderão ensaiar tudo, tudo tentar para os banir; mas não o conseguirão nunca, por mais recursos que empreguem e por maiores forças que para isso desenvolvam. Se há quem, atribuindo-se o poder fazê-lo, prometa ao pobre uma vida isenta de sofrimentos e de trabalhos, toda de repouso e de perpétuos gozos, certamente engana o povo e lhe prepara laços, onde se ocultam, para o futuro, calamidades mais terríveis que as do presente. O melhor partido consiste em ver as coisas tais quais são, e, como dissemos, em procurar um remédio que possa aliviar os nossos males.

O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um todo exactamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital.

A concórdia traz consigo a ordem e a beleza; ao contrário, dum conflito perpétuo só podem resultar confusão e lutas selvagens. Ora, para dirimir este conflito e cortar o mal na sua raiz, as Instituições possuem uma virtude admirável e múltipla.

E, primeiramente, toda a economia das verdades religiosas, de que a Igreja é guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres, lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos os outros, os que derivam da justiça.

Obrigações dos operários e dos patrões

10. Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fiel-mente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas.

Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo.

Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vis-ta a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que comete-ria um crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer no preço dos seus labores: «Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama contra vós: e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus dos Exércitos»(6). Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o acto violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, porque este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a estas leis — pergunta-mos Nós — não bastaria, só de per si, para fazer cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas?

11. Todavia a Igreja, instruída e dirigida por Jesus Cristo, eleva o seu olhar ainda para mais alto; propõe um conjunto de preceitos mais completo, porque ambiciona estreitar a união das duas classes até as unir uma à outra por laços de verdadeira amizade. Ninguém pode ter uma verdadeira compreensão da vida mortal, nem estimá-la no seu devido valor, se não se eleva à consideração da outra vida que é imortal. Suprimi esta, e imediatamente toda a forma e toda a verdadeira noção de honestidade desaparecerá; mais ainda: todo o universo se tornará um impenetrável mistério.

Quando tivermos abandonado esta vida, só então começaremos a viver: esta verdade, que a mesma natureza nos ensina, é um dogma cristão sobre o qual assenta, como sobre o seu primeiro fundamento, toda a economia da religião.

Não, Deus não nos fez para estas coisas frágeis e caducas, mas para as coisas celestes e eternas; não nos deu esta terra como nossa morada fixa, mas como lugar de exílio. Que abundeis em riquezas ou outros bens, chamados bens de fortuna, ou que estejais privados deles, isto nada importa à eterna beatitude: o uso que fizerdes deles é o que interessa.

Pela Sua superabundante redenção, Jesus Cristo não suprimiu as aflições que formam quase toda a trama da vida mortal; fez delas estímulos de virtude e fontes de mérito, de sorte que não há homem que possa pretender as recompensas eternas, se não caminhar sobre os traços sanguinolentos de Jesus Cristo: «Se sofremos com Ele, com Ele reinaremos»(7). Por outra parte, escolhendo Ele mesmo a cruz e os tormentos, minorou-lhes singularmente o peso e a amargura, e, a fim de nos tornar ainda mais suportável o sofrimento, ao exemplo acrescentou a Sua graça e a promessa duma recompensa sem fim: «Porque o momento tão curto e tão ligeiro das aflições, que sofremos nesta vida, produz em nós o peso eterno duma glória soberana incomparável» (8).

Assim, os afortunados deste mundo são advertidos de que as riquezas não os isentam da dor; que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo(9); que eles devem tremer diante das ameaças severas que Jesus Cristo profere contra os ricos(10); que, enfim, virá um dia em que deverão prestar a Deus, seu juiz, rigorosíssimas contas do uso que hajam feito da sua fortuna.

Posse e uso das riquezas

12. Sobre o uso das riquezas, já a pura filosofia pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e extrema importância; mas só a Igreja no-los pode dar na sua perfeição, e fazê-los descer do conhecimento à prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa posse das riquezas e o seu legítimo uso.

A propriedade particular, já o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária(11). Agora, se se pergunta em que é necessário fazer consistir o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitação: «A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim por comuns, de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. E por isso que b Após-tolo disse: «Ordena aos ricos do século... dar facilmente, comunicar as suas riquezas» (12).

Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou decência Impõem à sua pessoa: «Ninguém com efeito deve viver contrariamente às conveniências»(13). Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres: «Do supérfluo dai esmolas» (14). É um dever, não de estrita justiça, excepto nos casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã, um dever, por consequência, cujo cumprimento se não pode conseguir pelas vias da justiça humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus, que nos persuade de todas as maneiras a dar habitualmente esmola: «É mais feliz», diz Ele, «aquele que dá do que aquele que recebe» (15), e o Senhor terá como dada ou recusada a Si mesmo a esmola que se haja dado ou recusado aos pobres: «Todas as vezes que tenhais dado esmola, a um de Meus irmãos, é a Mim que a haveis dado» (16). Eis, aliás, em algumas palavras, o resumo desta doutrina: Quem quer que tenha recebido da divina Bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento, e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros. «E por isso, que quem tiver o talento da palavra tome cuidado em se não calar; quem possuir superabundância de bens, não deixe a misericórdia entumecer-se no fundo do seu coração; quem tiver a arte de governar, aplique-se com cuidado a partilhar com seu irmão o seu exercício e os seus frutos» (17).

Dignidade do trabalho

13. Quanto aos deserdados da fortuna, aprendam da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio e que não se deve corar por ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. É o que Jesus Cristo Nosso Senhor confirmou com o Seu exemplo. Ele, que «de muito rico que era, Se fez indigente» (18) para a salvação dos homens; que, Filho de Deus e Deus Ele mesmo, quis passar aos olhos do mundo por filho dum artesão; que chegou até a consumir uma grande parte da Sua vida em trabalho mercenário: «Não é Ele o carpinteiro, o Filho de Maria?» (19). Quem ti-ver na sua frente o modelo divino, compreenderá mais facilmente o que Nós vamos dizer: que a verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o património comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a pessoa em quem se encontrem, obterão a recompensa da eterna felicidade. Mais ainda: é para as classes desafortunadas que o coração de Deus parece inclinar-se mais. Jesus Cristo chama aos pobres bem-aventurados (20): convida com amor a virem a Ele, a fim de consolar a todos os que sofrem e que choram(21); abraça com caridade mais terna os pequenos e os oprimidos. Estas doutrinas foram, sem dúvida alguma, feitas para humilhar a alma altiva do rico e torná-lo mais condescendente, para reanimar a coragem daqueles que sofrem e inspirar-lhes resignação. Com elas se acharia diminuído um abismo causado pelo orgulho, e se obteria sem dificuldade que as duas classes se dessem as mãos e as vontades se unissem na mesma amizade.

Comunhão de bens de natureza e de graça

14. Mas é ainda demasiado pouco a simples amizade: se se obedecer aos preceitos do cristianismo, será no amor fraterno que a união se operará. Duma parte e doutra se saberá e compreenderá que os homens são todos absolutamente nascidos de Deus, seu Pai comum; que Deus é o seu único e comum fim, que só Ele é capaz de comunicar aos anjos e aos homens uma felicidade perfeita e absoluta; que todos eles foram igualmente resgatados por Jesus Cristo e restabeleci-dos por Ele na sua dignidade de filhos de Deus, e que assim um verdadeiro laço de fraternidade os une,-quer entre si, quer a Cristo, seu Senhor, que é «o primogénito de muitos irmãos»(22). Eles saberão, enfim, que todos os bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem em comum e indistintamente a todo o género humano e que só os indignos é que são deserdados dos bens celestes: «Se vós sois filhos, sois também herdeiros, herdeiros de Deus, co-herdeiros de Jesus Cristo» (23) .

Tal é a economia dos direitos e dos deveres que ensina a filosofia cristã. Não se veria em breve prazo estabelecer-se a pacificação, se estes ensinamentos pudessem vir a prevalecer nas sociedades?

Exemplo e magistério da Igreja

15. Entretanto, a Igreja não se contenta com indicar o caminho que leva à salvação; ela conduz a esta e com a sua própria mão aplica ao mal o conveniente remédio. Ela dedica-se toda a instruir e a educar os homens segundo os seus princípios e a sua doutrina, cujas águas vivificantes ela tem o cuidado de espalhar, tão longe e tão largamente quanto lhe é possível, pelo ministério dos Bispos e do Clero. Depois, esforça-se por penetrar nas almas e por obter das vontades que se deixem conduzir e governar pela regra dos preceitos divinos. Este ponto é capital e de grandíssima importância, porque encerra como que o resumo de todos os interesses .que estão em litígio, e aqui a acção da Igreja é soberana. Os intrumentos de que ela dispõe para tocar as almas, recebeu-os, para este fim, de Jesus Cristo, e trazem em si a eficácia duma virtude divina. São os únicos aptos para penetrar até às profundezas do coração humano, que são capazes de levar o homem a obedecer às imposições do dever, a dominar as suas paixões, a amar a Deus e ao seu próximo com uma caridade sem limites, a ultrapassar corajosamente todos os obstáculos que dificultam o seu caminho na estrada da virtude.

Neste ponto, basta passar ligeiramente em revista pelo pensamento os exemplos da antiguidade. As coisas e factos que vamos lembrar estão isentos de controvérsia. Assim, não é duvidoso que a sociedade civil foi essencialmente renovada pelas instituições cristãs, que esta renovação teve por efeito elevar o nível do género humano, ou, para melhor dizer, chamá-lo da morte à vida, e guindá-lo a um alto grau de perfeição, como se não viu semelhante nem antes nem depois, e não se verá jamais em todo o decurso dos séculos. Que, enfim, destes benefícios foi Jesus Cristo o princípio e deve ser o seu fim: porque, assim como tudo partiu d'Ele, assim também tudo Lhe deve ser referido. Quando, pois, o Evangelho raiou no mundo, quando os povos tiveram conhecimento do grande mistério da encarnação do Verbo e da redenção dos homens, a vida de Jesus Cristo, Deus e homem, invadiu as sociedades e impregnou-as inteiramente com a Sua fé, com as Suas máximas e com as Suas leis. E por isso que, se a sociedade humana deve ser curada, não o será senão pelo regresso à vida e às instituições do cristianismo.

A quem quer regenerar uma sociedade qualquer em decadência, se prescreve com razão que a reconduza às suas origens (24). Porque a perfeição de toda a sociedade consiste em prosseguir e atingir o fim para o qual foi fundada, de modo que todos os movimentos e todos os actos da vida social nasçam do mesmo princípio de onde nasceu a sociedade. Por isso, afastar-se do fim é caminhar para a morte, e voltar a ele é readquirir a vida. E o que Nós-dizemos de todo o corpo social aplica-se igualmente a essa classe de cidadãos que vivem do seu trabalho e que formam a grandíssima maioria.

Nem se pense que a Igreja se deixa absorver de tal modo pelo cuidado das almas, que põe de parte o que se relaciona com a vida terrestre e mortal. Pelo que em particular diz respeito à classe dos trabalhadores, ela faz todos os esforços para os arrancar à miséria e procurar-lhes uma sorte melhor. E, certamente, não é um fraco apoio que ela dá a esta obra só pelo facto de trabalhar, por palavras e actos, para reconduzir os homens à virtude.

Os costumes cristãos, desde que entram em acção, exercem naturalmente sobre a prosperidade temporal a sua parte de benéfica influência; porque eles atraem o favor de Deus, princípio e fonte de todo o bem; reduzem o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que frequentes vezes lançam a amargura e o desgosto no próprio seio da opulência(25); contentam-se enfim com uma vida e alimentação frugal, e suprem pela economia a modicidade do rendimento, longe desses vícios que consomem não só as pequenas, mas as grandes fortunas, e dissipam os maiores patrimónios.

A Igreja e a caridade durante os séculos

16. A Igreja, além disso, provê também directamente à felicidade das classes deserdadas, pela fundação e sustentação de instituições que ela julga próprias para aliviar a sua miséria; e, mesmo neste género de benefícios, ela tem sobressaído de tal modo, que os seus próprios inimigos lhe fizeram o seu elogio. Assim, entre os primeiros cristãos, era tal a virtude da caridade mútua, que não raro se viam os mais ricos despojarem--se do seu património em favor dos pobres. Por isso, a indigência não era conhecida entre eles(26); os Após-tolos tinham confiado aos Diáconos, cuja ordem fora especialmente instituída para esse fim, a distribuição quotidiana das esmolas, e o próprio S. Paulo, apesar de absorvido por uma solicitude que abraçava todas as Igrejas, não hesitava em empreender penosas viagens para ir em pessoa levar socorros aos cristãos indigentes. Socorros do mesmo género eram espontaneamente oferecidos pelos fiéis em cada uma das suas assembleias: o que Tertuliano chama os «depósitos da piedade», porque eram empregados «em sustentar e sepultar as pessoas indigentes, os órfãos pobres de ambos os sexos, os domésticos velhos, as vítimas de naufrágio» (27).

Eis como pouco a pouco se formou esse património, que a Igreja sempre guardou com religioso cuidado como um bem próprio da família dos pobres. Ela chegou até a assegurar socorros aos infelizes, poupando-lhes a humilhação de estender a mão; porque esta mãe comum dos ricos e dos pobres, aproveitando maravilhosamente rasgos de caridade que ela havia provocado por toda a parte, fundou sociedades religiosas e uma multidão doutras instituições úteis que, pouco tempo depois, não deviam deixar sem alívio nenhum género de miséria.

Há hoje, sem dúvida, um certo número de homens que, fiéis ecos dos pagãos de outrora, chegam a fazer, mesmo dessa caridade tão maravilhosa, uma arma para atacar a Igreja; e viu-se uma beneficência estabelecida pelas leis civis substituir-se à caridade cristã; mas esta caridade, que se dedica toda e sem pensamento reservado à utilidade do próximo, não pode ser suprida por nenhuma invenção humana. Só a Igreja possui essa virtude, porque não se pode haurir senão no Sagrado Coração de Jesus Cristo, e é errar longe de Jesus Cristo estar afastado da Sua Igreja.

O concurso do Estado

17. Todavia não há dúvida de que, para obter o resultado desejado, não é de mais recorrer aos meios humanos. Assim, todos aqueles a quem a questão diz respeito, devem visar ao mesmo fim e trabalhar de harmonia cada um na sua esfera. Nisto há como que uma imagem da Providência governando o mundo: porque nós vemos de ordinário que os factos e os acontecimentos que dependem de causas diversas são a resultante da sua acção comum.

Ora, que parte de acção e de remédio temos nós o direito de esperar do Estado? Diremos, primeiro, que por Estado entendemos aqui, não tal governo estabelecido entre tal povo em particular, mas todo o governo que corresponde aos preceitos da razão natural e dos ensinamentos divinos, ensinamentos que Nós todos expusemos, especialmente na Nossa Carta Encíclica sobre a constituição cristã das sociedades (28).

Origem da prosperidade nacional

18. O que se pede aos governantes é um curso de ordem geral, que consiste em toda a economia das leis e das instituições; queremos dizer que devem fazer de modo que da mesma organização e do governo da sociedade brote espontaneamente e sem esforço a prosperidade, tanto pública como particular. Tal é, com efeito, o ofício da prudência civil e o dever próprio de todos aqueles que governam. Ora o que torna uma nação próspera, são os costumes puros, as famílias fundadas sobre bases de ordem e de moralidade, a prática e o respeito da justiça, uma imposição moderada e uma repartição equitativa dos encargos públicos, o progresso da indústria e, do comércio, uma agricultura florescente e outros elementos, se os há, do mesmo género: todas as coisas que se não podem aperfeiçoar, sem fazer subir outro tanto a vida e a felicidade dos cidadãos. Assim como, pois, por todos estes meios, o Estado pode tornar-se útil às outras classes, assim também pode melhorar muitíssimo a sorte da classe operária, e isto em todo o rigor do seu direito, e sem ter a temer a censura de ingerência; porque, em virtude mesmo do seu ofício, o Estado deve servir o interesse comum. E é evidente que, quanto mais se multiplicarem as vantagens resultantes desta acção de ordem geral, tanto menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condição dos trabalhadores.

Mas há outra consideração que atinge mais profundamente ainda o nosso assunto. A razão formal de toda a sociedade é só uma e é comum a todos os seus membros, grandes e pequenos. Os pobres, com o mesmo título que os ricos, são, por direito natural, cidadãos; isto é, pertencem ao número das partes vivas de que se compõe, por intermédio das famílias, o corpo inteiro da Nação, para não dizer que em todas as cidades são o grande número.

Como, pois, seria desrazoável prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se evidente que a autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Se ela faltar a isto, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é devido. A esse respeito S. Tomás diz muito sabiamente: «Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que pertence ao to-do pertence de alguma sorte a cada parte» (29). E por isso que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina lodos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva.

Mas, ainda que todos os cidadãos, sem excepção, devam contribuir para a massa dos bens comuns, os quais, aliás, por um giro natural, se repartem de novo entre os indivíduos, todavia as constituições respectivas não podem ser nem as mesmas, nem de igual medida. Quaisquer que sejam as vicissitudes pelas quais as formas do governo são chamadas a passar, haverá sempre entre os cidadãos essas desigualdades de condições, sem as quais uma sociedade não pode existir nem conceber-se. Sem dúvida são necessários homens que governem, que façam leis, que administrem justiça, que, enfim, por seus conselhos ou por via da autoridade, administrem os negócios da paz e as coisas da guerra. Que estes homens devem ter a proeminência em toda a sociedade e ocupar nela o primeiro lugar, ninguém o pode duvidar, pois eles trabalham directamente para o bem comum e duma maneira tão excelente.

Os homens que, pelo contrário, se aplicam às coisas da indústria, não podem concorrer para este bem comum nem na mesma medida, nem pelas mesmas vias; mas, entretanto, também eles, ainda que de maneira menos directa, servem muitíssimo os interesses da sociedade. Sem dúvida alguma, o bem comum, cuja aquisição deve ter por efeito aperfeiçoar os homens, é principalmente um bem moral.

Mas numa sociedade regularmente constituída deve encontrar-se ainda uma certa abundância de bens exteriores «cujo uso é reclamado para exercício da virtude»(30). Ora, a fonte fecunda e necessária de todos estes bens é principalmente o trabalho do operário, o trabalho dos campos ou da oficina. Mais ainda: nesta ordem de coisas, o trabalho tem uma tal fecundidade e tal eficácia, que se pode afirmar, sem receio de engano, que ele é a fonte única de onde procede a riqueza das nações. A equidade manda, pois, que o Estado se preocupe com os trabalhadores, e proceda de modo que, de todos os bens que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menos trabalho e privações (31). De onde resulta que o Estado deve favorecer tudo o que, de perto ou de longe, pareça de natureza a melhorar-lhes a sorte. Esta solicitude, longe de prejudicar alguém, tornar-se-á, ao contrário, em proveito de todos, porque importa soberanamente à nação que homens, que são para ela o princípio de bens tão indispensáveis, não se encontrem continuamente a braços com os horrores da miséria.

O Governo é para os governados e não vice-versa

19. Dissemos que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que aquele e esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contando que não atentem contra o bem geral, e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertence proteger a comunidade e as suas partes: a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservação ao poder soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a lei suprema, mas é a própria a causa e a razão de ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve visar só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos que lhe estão submetidos. Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé cristã. Por outra parte, a autoridade vem de Deus e é uma participação da Sua autoridade suprema; desde então, aqueles que são os depositários dela devem exercê-la à imitação de Deus, cuja paternal solicitude se não estende menos a cada uma das criaturas em particular do que a todo o seu conjunto. Se, pois, os interesses gerais, ou o interesse duma classe em particular, se encontram ou lesa-dós ou simplesmente ameaçados, e se não for possível remediar ou obviar a isso doutro modo, é de toda a necessidade recorrer à autoridade pública.

Obrigações e limites da intervenção do Estado

20. Ora, importa à salvação comum e particular que a ordem e a paz reinem por toda a parte; que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos de Deus e os princípios da lei natural; que a religião seja honrada e observada; que se vejam florescer os costumes públicos e particulares; que a justiça seja religiosamente graduada, e que nunca uma classe possa oprimir impunemente a outra; que cresçam robustas gerações, capazes de ser o sustentáculo, e, se necessário for, o baluarte da Pátria. É por isso que os operários, abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves, ameaçam a tranquilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam entre os trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes facilitando o cumprimento dos seus deveres para com Deus; que a promiscuidade dos sexos e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de exigências iníquas, ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e degradantes; que atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e desproporcionado com a sua idade e sexo: em todos estes casos é absolutamente necessário aplicar em certos limites a força e autoridade das leis. Esses limites serão determinados pelo mesmo fim que reclama o socorro das leis, isto é, que eles não devem avançar nem empreender nada além do que for necessário para reprimir os abusos e afastar os perigos.

Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na protecção dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a protecção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre(32).

O Estado deve proteger a propriedade particular

21. Mas, é conveniente descer expressamente a algumas particularidades. É um dever principalíssimo dos governos o assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias. Hoje especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever; porque, se a justiça lhe concede o direito de empregar os meios de melhorar a sua sorte, nem a justiça nem o bem público consentem que danifiquem alguém na sua fazenda nem que se invadam os direitos alheios sob pretexto de não que igualdade. Por certo que a maior parte dos operários quereriam melhorar de condição por meios honestos sem prejudicar a ninguém; todavia, não poucos há que, embebidos de máximas falsas e desejosos de novidade, procuram a todo o custo excitar e impelir os outros a violências. Intervenha portanto a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.

Impedir as greves

22. O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha dão, não poucas vezes, aos operários ocasião de greves. E preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e frequente, porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranquilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão--de nascer os conflitos entre os operários e os patrões.

Proteger os bens da alma

23. Muitas outras coisas deve igualmente o Estado proteger ao operário, e em primeiro lugar os bens da alma. A vida temporal, posto que boa e desejável, não é o fim para que fomos criados; mas é a via e o meio para aperfeiçoar, com o conhecimento da verdade e com a prática do bem, a vida do espírito. O espírito é o que tem em si impressa a semelhança divina, e no qual reside aquele principado em virtude do qual foi dado ao homem o direito de dominar as criaturas inferiores e de fazer servir à sua utilidade toda a terra e todo o mar: «Enchei a terra e tornai-vo-la sujeita, dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra»(33). Nisto todos os homens são iguais, e não há diferença alguma entre ricos e pobres, patrões e criados, monarcas e súbditos, «porque é o mesmo o Senhor de todos»(34). A ninguém é lícito violar impunemente a dignidade do homem, do qual Deus mesmo dispõe, com grande reverência, nem pôr-lhe impedimentos, para que ele siga o caminho daquele aperfeiçoamento que é ordenado para o conseguimento da vida interna; pois, nem mesmo por eleição livre, o homem pode renunciar a ser tratado segundo a sua natureza e aceitar a escravidão do espírito; porque não se trata de direitos cujo exercício seja livre, mas de deveres para com Deus que são absolutamente invioláveis.

24. Daqui vem, como consequência, a necessidade do repouso festivo. Isto, porém, não quer dizer que se deve estar em ócio por mais largo espaço de tempo, e muito menos significa uma inacção total, como muitos desejam, e que é a fonte de vícios e ocasião de dissipação; mas um repouso consagrado à religião. Unido à religião, o repouso tira o homem dos trabalhos e das ocupações da vida ordinária para o chamar ao pensamento dos bens celestes e ao culto devido à Majestade divina. Eis aqui a principal natureza e fim do repouso festivo que Deus, com lei especial, prescreveu ao homem no Antigo Testamento, dizendo-lhe: «Recorda-te de santificar o sábado» (35); e que ensinou com o Seu exemplo, quando no sétimo dia, de-pois de criado o homem, repousou: «Repousou no sétimo dia .de todas as Suas obras que tinha feito» (36).

Protecção do trabalho dos operários, das mulheres e das crianças

25. No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma descrição, tanto das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo.

A actividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O exercício e o uso aperfeiçoam-na, mas é preciso que de quando em quando se suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem. Assim, o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade de repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos debaixo da terra, sendo mais pesa-do e nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta. Deve-se também atender às estações, porque não poucas vezes um trabalho que facilmente se suportaria numa estação, noutra é de facto insuportável ou somente se vence com dificuldade.

26. Enfim, o que um homem válido e na força da idade pode fazer, não será equitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança. Especialmente a infância — e isto deve ser estritamente observado — não deve entrar na oficina senão quando a sua idade tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físicas, intelectuais e morais: de contrário, como uma planta ainda tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce, e dar-se-á cabo da sua educação. Trabalhos há também quê se não adaptam tanto à mulher, a qual a natureza destina de preferência aos arranjos domésticos, que, por outro lado, salvaguardam admiravelmente a honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela sua natureza, ao que pede a boa educação dos filhos e a prosperidade da família. Em geral, a duração do descanso deve medir-se pelo dispêndio das forças que ele deve restituir. O direito ao descanso de cada dia assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser a condição expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários. Onde esta condição não entrar, o contrato não será justo, pois ninguém pode exigir ou prometer a violação dos deveres do homem para com Deus e para consigo mesmo.

O quantitativo do salário dos operários

27. Passemos agora a outro ponto da questão e de não menor importância, que, para evitar os extremos, demanda uma definição precisa. Referimo-nos à fixação do salário. Uma vez livremente aceite o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos desde que o pague e não é obrigado a mais nada. Em tal hipótese, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as suas condições; e neste último caso, com exclusão de qualquer outro, é que o poder público teria que intervir para fazer valer o direito de qual quer deles.

Semelhante raciocínio não encontrará um juiz equitativo que consinta em o abraçar sem reserva, pois não abrange todos os lados da questão e omite um deveras importante. Trabalhar é exercer a actividade com o fim de procurar o que requerem as diversas necessidades do homem, mas principalmente a sustentação da própria vida. «Comerás o teu pão com o suor do teu rosto» (37). Eis a razão por que o trabalho recebeu da natureza como que um duplo cunho: é pessoal, porque a força activa é inerente à pessoa, e porque a propriedade daquele que a exerce e a recebeu para sua utilidade; e é necessário, porque o homem precisa da sua existência, e porque a deve conservar para obedecer às ordens incontestáveis da natureza. Ora, se não se encarar o trabalho senão pelo seu lado pessoal , não há dúvida de que o operário pode a seu bel-prazer restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o trabalho pode contentar-se com uma pequena remuneração ou mesmo não exigir nenhuma. Mas já é outra coisa, se ao carácter de personalidade se juntar o de necessidade, que o pensamento pode abstrair, mas que na realidade não se pode separar. Efectivamente, conservar a existência é um dever imposto a todos os homens e ao qual se não podem subtrair sem crime. Deste dever nasce necessariamente o direito de procurar as coisas necessárias à subsistência, e que o pobre as não procure senão mediante o salário do seu trabalho.

Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.

Mas, sendo de temer que nestes casos e em outros análogos, como no que diz respeito às horas diárias de trabalho e à saúde dos operários, a intervenção dos poderes públicos seja importuna, sobretudo por causa da variedade das circunstâncias, dos témpos e dos lugares, será preferível que a solução seja confiada às corporações ou sindicatos de que falaremos, mais adiante, ou que se recorra a outros meios de defender os interesses dos operários, mesmo com o auxílio e apoio do Estado, se a questão o reclamar(38).

A economia como meio de conciliação das classes

28. O operário que receber um salário suficiente para ocorrer com desafogo às suas necessidades e às da sua família, se for prudente, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própria natureza: aplicar-se-á a ser parcimonioso e agirá de forma que, com. prudentes economias, vá juntando um pequeno pecúlio, que lhe permita chegar um dia a adquirir um modesto património. Já vimos que a presente questão não podia receber solução verdadeiramente eficaz, se se não começasse por estabelecer como princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade particular. Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito de propriedade, o reanimem e desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares.

Uma vez obtido, este resultado seria a fonte dos mais preciosos benefícios, e em primeiro lugar duma repartição dos bens certamente mais equitativa. A violência das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes e cavou entre elas um imenso abismo. Dum lado, a omnipotência na opulência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, desvia o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais; facção que aliás tem na sua mão mais dum motor da administração pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem. Ah, estimule-se a industriosa actividade do povo com a perspectiva da sua participação na prosperidade do solo, e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria, o operar-se a aproximação das duas classes. Demais, a terra produzirá tudo em maior abundância, pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não só o estritamente necessário, mas ainda uma certa fartura. Não há quem não descubra sem esforço os efeitos desta duplicação da actividade sobre a fecundidade da terra e sobre a riqueza das nações. A terceira utilidade será a suspensão do movimento de emigração; ninguém, com efeito, quereria trocar por uma região estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse os meios de levar uma vida mais tolerável.

Mas uma condição indispensável para que todas estas vantagens se convertam em realidades, é que a propriedade particular não seja esgotada por um excesso de encargos e de impostos. Não é das leis humanas, mas da natureza, que emana o direito de propriedade individual; a autoridade pública não o pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e conciliá-lo com o bem comum. É por isso que ela age contra a justiça e contra a humanidade quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desmedidamente os bens dos particulares.

Benefício das corporações

29. Em último lugar, diremos que os próprios patrões e operários podem singularmente auxiliar a solução, por meio de todas as obras capazes de aliviar eficazmente a indigência e de operar uma aproximação entre as duas classes. Pertencem a este número as associações de socorros mútuos; as diversas instituições, devidas à iniciativa particular, que têm por fim socorrer os operários, bem como as suas viúvas e órfãos, em caso de morte, de acidentes ou de enfermidades; os patronatos que exercem uma protecção benéfica para com as crianças dos dois sexos, os adolescentes e os homens feitos. Mas o primeiro lugar pertence às corporações operárias, que abrangem quase todas as outras. Os nossos antepassados experimentaram por muito tempo a benéfica influência destas associações. Ao mesmo tempo que os artistas encontravam nelas inapreciáveis vantagens, as artes receberam delas novo brilho e nova vida, como o proclama grande quantidade de monumentos. Sendo hoje mais cultas as gerações, mais polidos os costumes, mais numerosas as exigências da vida quotidiana, é fora de dúvida que se não podia deixar de adaptar as associações a estas novas condições. Assim, com prazer vemos Nós irem-se formando por toda a parte sociedades deste género, quer compostas só de operários, quer mistas, reunindo ao mesmo tempo operários e patrões: é para desejar que aumentem a sua acção. Conquanto nos tenhamos ocupado delas mais duma vez (39), que-remos expor aqui a sua oportunidade e o seu direito de existência e indicar como devem organizar-se é qual deve ser o seu programa de acção.

As associações particulares e o Estado

30. A experiência que o homem adquire todos os dias da exiguidade das suas forças, obriga-o e impele-o a agregar-se a uma cooperação estranha.

É nas Sagradas Letras que se lê esta máxima: «Mais valem dois juntos que um só, pois tiram vantagem da sua associação. Se um cai, o outro sustenta-o. Desgraçado do homem só, pois; quando cair, não terá ninguém que o levante» (40). E estoutra: «O irmão que é ajudado por seu irmão, é como uma cidade forte» (41). Desta propensão natural, como dum único germe, nasce, primeiro, a sociedade civil; depois, no próprio seio desta, outras sociedades que, por serem restritas e imperfeitas, não deixam de ser sociedades verdadeiras.

Entre as pequenas sociedades e a grande, há profundas diferenças, que resultam do seu fim próximo. O fim da sociedade civil abrange universalmente todos os cidadãos, pois este fim está no bem comum, isto é, num bem do qual todos e cada um têm o direito de participar em medida proporcional. Por isso se chama público, porque «reúne os homens para formarem uma nação»(42). Ao contrário, as sociedades que se constituem no seu seio são frágeis, porque são particulares, e o são com efeito, pois a sua razão de ser imediata é a utilidade particular e exclusiva dos seus membros: «A sociedade particular é aquela que se forma com um fim particular, como quando dois ou três indivíduos se associam para exercerem em comum o comércio» (43). Ora, pelo facto de as sociedades particulares não terem existência senão no seio da sociedade civil, da qual são como outras tantas partes, não se segue, falando em geral e considerando apenas a sua natureza, que o Estado possa negar-lhes a existência. O direito de existência foi-lhes outorgado pela própria natureza; e a sociedade civil foi instituída para proteger o direito natural, não para o aniquilar. Por esta razão, uma sociedade civil que proibisse as sociedades públicas e particulares, atacar-se-ia a si mesma, pois todas as sociedades públicas e particulares tiram a sua origem dum mesmo princípio: a natural sociabilidade do homem. Certamente se dão conjunturas que autorizam as leis a opor-se à fundação duma sociedade deste género.

Se uma sociedade, em virtude mesmo dos seus estatutos orgânicos, trabalhasse para um fim em oposição flagrante com a probidade, com a justica, com a segurança do Estado, os poderes públicos teriam o direito de lhe impedir a formação, ou o direito de a dissolver, se já estivesse formada. Mas deviam em tudo isto proceder com grande circunspecção para evitar usurpação dos direitos dos cidadãos, e para não determinar, sob a cor da utilidade pública, alguma coisa que a razão houvesse de desaprovar. Pois uma lei não merece obediência, senão enquanto é conforme com a recta razão e a lei eterna de Deus(44).

31. Aqui, apresentam-se ao Nosso espírito as confrarias, as congregações e as ordens religiosas de todo o género, nascidas da autoridade da Igreja e da piedade dos fiéis. Quais foram os seus frutos de salvação para o género humano até aos nossos dias, a História o diz suficientemente. Considerando simplesmente o ponto de vista da razão, estas sociedades aparecem como fundadas com um fim honesto, e, consequentemente, sob os auspícios do direito natural: no que elas têm de relativo à religião, não dependem senão da Igreja. Os poderes públicos não podem, pois, legitimamente, arrogar-se nenhum direito sobre elas, atribuir-se a sua administração; a sua obrigação é antes respeitá-las, protegê-las e, em caso de necessidade, defendê-las. Justamente o contrário é o que Nós temos sido condenados a ver, principalmente nestes últimos tempos. Em não poucos países, o Estado tem deitado a mão a estas sociedades, e tem acumulado a este respeito injustiça sobre injustiça: sujeição às leis civis, privações do direito legítimo de personalidade, espoliação dos bens. Sobre estes bens, a Igreja tinha todavia os seus direitos: cada um dos membros tinha os seus; os doadores, que lhe haviam dado uma aplicação, e aqueles, enfim, que delas auferiam socorros e alívio, tinham os seus. Assim não podemos deixar de deplorar amargamente espoliações tão iníquas e tão funestas; tanto mais que se ferem de proscrição as sociedades católicas na mesma ocasião em que se afirma a legalidade das sociedades particulares, e que, aquilo que se recusa a homens pacíficos e que não têm em vista senão a utilidade pública, se concede, e por certo muito amplamente, a homens que meditam planos funestos para a religião e também para o Estado.

As associações operárias católicas

32. Certamente em nenhuma outra época se viu tão grande multiplicidade de associações de todo o género, principalmente de associações operárias. Não é, porém, aqui, o lugar para investigar qual é a origem de muitas delas, qual o seu fim e quais os meios com que tendem para esse fim. Mas é uma opinião, confirmada por numerosos indícios, que elas são ordinariamente governadas por chefes ocultos, e que obedecem a uma palavra de ordem igualmente hostil ao nome cristão e à segurança das nações: que, depois de terem açambarcado todas as empresas, se há operários que recusam entrar em seu seio, elas fazem--lhe expiar a sua recusa pela miséria. Neste estado de coisas, os operários cristãos não têm remédio senão escolher entre estes dois partidos: ou darem os seus nomes a sociedades de que a religião tem tudo a temer, ou organizarem-se eles próprios e unirem as suas forças para poderem sacudir denodadamente um jugo tão injusto e tão intolerável. Haverá homens, verdadeiramente empenhados em arrancar o supremo bem da humanidade a um perigo iminente, que possam ter a menor dúvida de que é necessário optar por esse último partido?

É altamente louvável o zelo de grande número dos nossos, que, conhecendo perfeitamente as necessidades da hora presente, sondam cuidadosamente o terreno, para aí descobrirem uma vereda honesta que conduz à reabilitação da classe operária. Constituindo-se protectores das pessoas dedicadas ao trabalho, esforçam-se por aumentar a sua prosperidade, tanto doméstica como individual, e regular com equidade as relações recíprocas dos patrões e dos operários; por manter e enraizar nuns e noutros a lembrança dos seus deveres e a observância dos preceitos que, conduzindo o homem à moderação e coordenando todos os excessos, mantêm nas nações, e entre elementos tão diversos de pessoas e de coisas, a concórdia e a harmonia mais perfeita. Sob a inspiração dos mesmos pensamentos, homens de grande mérito se reúnem em congresso, para comunicarem mutuamente as ideias, unirem as suas forças, ordenarem programas de acção. Outros ocupam-se em fundar corporações adequadas às diversas profissões e em fazer entrar nelas os artistas: coadjuvam-nos com os seus conselhos e a sua fortuna, e providenciam para que lhes não falte nunca um trabalho honrado e proveitoso. Os Bispos, por seu lado, animam estes esforços e colocam-nos sob a sua protecção: por sua autoridade e sob os seus auspícios, membros do clero tanto secular como regular se dedicam, em grande número, aos interesses espirituais das corporações. Finalmente, não faltam católicos que, possuidores de abundantes riquezas, convertidos de algum modo em companheiros voluntários dos trabalhadores, não olham a despesas para fundar e propagar sociedades, onde estas possam encontrar, a par com certa abastança para o presente, a promessa de honroso descanso para o futuro. Tanto zelo, tantos e tão engenhosos esforços têm já feito entre os povos um bem muito considerável, e demasiado conhecido para que seja necessário falar deles mais nitidamente. É a nossos olhos feliz prognóstico para o futuro, e esperamos destas corporações os mais benéficos frutos, conquanto que continuem a desenvolver-se e que a prudência presida à sua organização. Proteja o Estado estas sociedades fundadas segundo o direito; mas não se intrometa no seu governo interior e não toque nas molas íntimas que lhes dão vida; pois o movimento vital procede essencialmente dum princípio interno, e extingue-se facilmente sob a acção duma causa externa.

Disciplina e finalidade destas associações

33. Precisam evidentemente estas corporações, para que nelas haja unidade de acção e acordo de vontades, duma sábia e prudente disciplina. Se, pois, como é certo, os cidadãos são livres de se associarem, devem sê-lo igualmente de se dotarem com os estatutos e regulamentos que lhes pareçam mais apropriados ao fim que visam. Quais devem ser estes estatutos e regulamentos? Não cremos que se possam dar regras certas e precisas para lhes determinar os pormenores; tudo depende do génio de cada nação, das tentativas feitas e da experiência adquirida, do género de trabalho, da expansão do comércio e doutras circunstâncias de coisas e de tempos que se devem pesar com ponderação. Tudo quanto se pode dizer em geral é que se deve tomar como regra universal e constante o organizar e governar por tal forma as cooperações que proporcionem a cada um dos seus membros os meios aptos para lhes fazerem atingir, pelo caminho mais cómodo e mais curto, o fim que eles se propõem, e que consiste no maior aumento possível dos bens do corpo, do espírito e da fortuna.

Mas é evidente que se deve visar antes de tudo o objecto principal, que'é o aperfeiçoamento moral e religioso. E principalmente este fim que deve regular toda a economia destas sociedades; doutro modo, elas degenerariam bem depressa e cairiam, por pouco que fosse, na linha das sociedades em que não tem lugar a religião. Ora, de que serviria ao artista ter encontrado no seio da corporação a abundância material, se a falta de alimentos espirituais pusesse em perigo a salvação da sua alma? «Que vale ao homem possuir o universo inteiro, se vier a perder a sua alma?»(45). Eis o carácter com que Nosso Senhor Jesus Cristo quis que se distinguisse o cristão do pagão: «Os pagãos procuram todas estas coisas... procurai primeiro o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo»(46). Assim, pois, tomando a Deus por ponto de partida, dê-se amplo lugar à instrução religiosa a fim de que todos conheçam os seus deveres para com Ele; o que é necessário crer, o que é necessário esperar, o que é necessário fazer para obter a salvação eterna, tudo isto lhes deve ser cuidadosamente recomendado; premunam-se com particular solicitude contra as opiniões erróneas e contra todas as variedades do vício.

Guie-se o operário ao culto de Deus, incite-se nele o espírito de piedade, faça-se principalmente fiel à observância dos domingos e dias festivos. Aprenda ele a amar e a respeitar a Igreja, mãe comum de todos os cristãos, a aquiescer aos seus preceitos, a frequentar os seus sacramentos, que são fontes divinas onde a alma se purifica das suas manchas e bebe a santidade.

Constituída assim a religião em fundamento de todas as leis sociais, não é difícil determinar as relações mútuas a estabelecer entre os membros para obter a paz e a prosperidade da sociedade. As diversas funções devem ser distribuídas da maneira mais proveitosa aos interesses comuns, e de tal modo, que a desigualdade não prejudique a concórdia.

Importa grandemente que os encargos sejam distribuídos com inteligência, e claramente definidos, a fim de que ninguém sofra injustiça. Que a massa comum seja administrada com integridade, e que se de-termine previamente, pelo grau de indigência de cada um dos membros, a quantidade de auxílio que deve ser concedido; que os direitos e os deveres dos patrões sejam perfeitamente conciliados com os direitos e deveres dos operários.

A fim de atender às reclamações eventuais que se levantem numa ou noutra classe a respeito dos direitos lesados, seria muito para desejar que os próprios estatutos encarregassem homens prudentes e íntegros, tirados do seu seio, para regularem o litígio na qualidade de árbitros.

Convite para os operários católicos se associarem

34. É necessário ainda prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho ao operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna.

Estas leis, contanto que sejam aceites de boa vontade, bastam para assegurar aos fracos a subsistência e um certo bem-estar; mas as corporações católicas são chamadas ainda a prestar os seus bons serviços à prosperidade geral.

Pelo passado podemos sem temeridade julgar o futuro. Uma época cede o lugar a outra; mas o curso das coisas apresenta maravilhosas semelhanças, preparadas por essa Providência que tudo dirige e faz convergir para o fim que Deus se propôs ao criar a humanidade. Sabemos que nas primeiras idades da Igreja lhe imputavam como crime a indigência dos seus membros, condenados a viver de esmolas ou do trabalho: Mas, despidos como estavam de riquezas e de poder, souberam conciliar o favor dos ricos e a protecção dos poderosos. Viam-nos diligentes, laboriosos, modelos de justiça e principalmente de caridade. Com o espectáculo duma vida tão perfeita e de costumes tão puros, todos os preconceitos se dissiparam, o sarcasmo caiu e as ficções duma superstição inveterada desvaneceram-se pouco a pouco ante a verdade cristã.

A sorte da classe operária, tal é a questão de que hoje se trata, será resolvida pela razão ou sem ela e não pode ser indiferente às nações quer o seja dum modo ou doutro. Os operários cristãos resolvê-la-ão facilmente pela razão, se, unidos em sociedades e obedecendo a uma direcção prudente, entrarem no caminho em que os seus antepassados encontraram o seu bem e o dos povos.

Qualquer que seja nos homens a força dos preconceitos e das paixões, se uma vontade pervertida não afogou ainda inteiramente o sentido do que é justo e honesto, será indispensável que, cedo ou tarde, a benevolência pública se volte para esses operários, que se tenham visto activos e modestos, pondo a equidade acima da ganância, e preferindo a tudo a religião do dever. Daqui, resultará esta outra vantagem: que a esperança de salvação e grandes facilidades para a atingir, serão oferecidas a esses operários que vivem no desprezo da fé cristã, ou nos hábitos que ela reprova. Compreendem, geralmente, esses operários que têm sido joguete de esperanças enganosas e de aparências mentirosas. Pois sentem, pelo tratamento desumano que recebem dos seus patrões, que quase não são avaliados senão pelo peso do ouro produzido pelo seu trabalho; quanto às sociedades que os aliciaram, eles bem vêem que, em lugar da caridade e do amor, não encontram nelas senão discórdias intestinas, companheiras inseparáveis da pobreza insolente e incrédula. A alma embotada, o corpo extenuado, quanto não desejariam sacudir um jugo tão humilhante! Mas, ou por causa do respeito humano ou pelo receio da indigência, não ousam fazê-lo. Ah, para todos esses operários podem as sociedades católicas ser de maravilhosa utilidade, se convidarem os hesitantes a vir procurar no seu seio um remédio para todos os males, e acolherem pressurosas os arrependidos e lhes assegurarem defesa e protecção.

Solução definitiva: a caridade

35. Vede, Veneráveis Irmãos, por quem e por que meios esta questão tão difícil demanda ser tratada e resolvida. Tome cada um a tarefa que lhe pertence; e isto sem demora, para que não suceda que, adiando o remédio, se tome incurável o mal, já de si tão grave.

Façam os governantes uso da autoridade protectora das leis e das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos seus deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo, dos seus interesses pelas vias legítimas; e, visto que só a religião, como dissemos no princípio, é capaz de arrancar o mal pela raiz, lembrem-se todos de que a primeira coisa a fazer é a restauração dos costumes cristãos, sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela prudência humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados. Quanto à Igreja, a sua acção jamais faltará por qualquer modo, e será tanto mais fecunda, quanto mais livremente se possa desenvolver.

Nós desejamos que compreendam isto sobretudo aqueles cuja missão é velar pelo bem público. Em-preguem neste ponto os Ministros do Santuário toda a energia da sua alma e generosidade do seu zelo, e guiados pela vossa autoridade e pelo vosso exemplo, Veneráveis Irmãos, não se cansem de inculcar a todas as classes da sociedade as máximas do Evangelho; façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S. Paulo as feições características com as seguintes palavras: «A caridade é paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna»(47).

Como sinal dos favores celestes e penhor da Nossa benevolência, a cada um de vós, Veneráveis Irmãos, ao vosso Clero e ao vosso Povo, com grande afecto no Senhor, concedemos a Bênção Apostólica.

Dada em Roma, junto de S. Pedro, a 15 de Maio de 1891, no décimo quarto ano do Nosso Pontificado.

CARTA ENCÍCLICA
«RERUM NOVARUM»
DO PAPA LEÃO XIII

SOBRE A CONDIÇÃO DOS OPERÁRIOS

INTRODUÇÃO

1. A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.

Por toda a parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta pa ra mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo em exercício o génio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos governantes, e não há, presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano.

É por isto que, Veneráveis Irmãos, o que em outras ocasiões temos feito, para bem da Igreja e da salvação comum dos homens, em Nossas Encíclicas sobre a soberania política, a liberdade humana, a constituição cristã dos Estados (1) e outros assuntos análogos, refutando, segundo Nos pareceu oportuno, as opiniões erróneas e falazes, o julgamos dever repetir hoje e pelos mesmos motivos, falando-vos da Condição dos Operários. Já temos tocado esta matéria muitas vezes, quando se Nos tem proporcionado o ensejo; mas a consciência do Nosso cargo Apostólico impõe-Nos como um dever tratá-la nesta Encíclica mais explicita-mente e com maior desenvolvimento, a fim de pôr em evidência os princípios duma solução, conforme à justiça e à equidade. O problema nem é fácil de resolver, nem isento de perigos. E difícil, efectivamente, precisar com exactidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por outro lado, o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para excitar as multidões e fomentar desordens.

Causas do conflito

2. Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários.

A solução socialista

3. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.

A propriedade particular

4. De facto, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e a sua indústria, não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido será propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito da propriedade mobiliária e imobiliária? Assim, esta conversão da propriedade particular em propriedade colectiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu património e melhorarem a sua situação.

5. Mas, e isto parece ainda mais grave, o remédio proposto está em oposição flagrante com a justiça, por-que a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efectivamente, sob este ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais destituídos de razão. Estes não se governam a si mesmos; são dirigidos e governados pela natureza, mediante um duplo instinto, que, por um lado, conserva a sua actividade sempre viva e lhes desenvolve as forças; por outro, provoca e circunscreve ao mesmo tempo cada um dos seus movimentos. O primeiro instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo, à propagação da espécie; e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das coisas presentes e postas ao seu alcance. Por outro lado, seriam incapazes de transpor esses limites, porque apenas são movidos pelos sentidos e por cada objecto particular que os sentidos percebem. Muito diferente é a natureza humana. Primeiramente, no homem reside, em sua perfeição, toda.a virtude da natureza sensitiva, e desde logo lhe pertence, não menos que a esta, gozar dos objectos físicos e corpóreos. Mas a vida sensitiva mesmo que possuída em toda a sua plenitude, não só não abraça toda a natureza humana, mas é-lhe muito inferior e própria para lhe obedecer e ser-lhe sujeita. O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido.

Uso comum dos bens criados e propriedade particular deles

Uma consideração mais profunda da natureza humana vai fazer sobressair melhor ainda esta verdade. O homem abrange pela sua inteligência uma infinidade de objectos, e às coisas presentes acrescenta e prende as coisas futuras; além disso, é senhor das suas acções; também sob a direcção da lei eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é, de algum modo, para si a sua lei e a sua providência. É por isso que tem o direito de escolher as coisas que julgar mais aptas, não só para prover ao presente, mas ainda ao futuro. De onde se segue que deve ter sob o seu domínio não só os produtos da terra, mas ainda a própria terra, que, pela sua fecundidade, ele vê estar destinada a ser a sua fornecedora no futuro. As necessidades do homem repetem-se perpetuamente: satisfeitas hoje, renascem amanhã com novas exigências. Foi preciso, portanto, para que ele pudesse realizar o seu direito em todo o tempo, que a natureza pusesse à sua disposição um elemento estável e permanente, capaz de lhe fornecer perpetuamente os meios. Ora, esse elemento só podia ser a terra, com os seus recursos sempre fecundos. E não se apele para a providência do Estado, porque o Estado é posterior ao homem, e antes que ele pudesse formar-se, já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua existência. Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o facto de que Deus concedeu a terra a todo o género humano para a gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos. Tal não é o sentido dessa verdade. Ela significa, unicamente, que Deus não assinou uma parte a nenhum homem em particular, mas quis deixar a limitação das propriedades à indústria humana e às instituições dos povos. Aliás, posto que dividida em propriedades particulares, a terra não deixa de servir à utilidade comum de todos, atendendo a que não há ninguém entre os mortais que não se alimente do produto dos campos. Quem os não tem, supre-os pelo trabalho, de maneira que se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de prover às necessidades da vida, quer ele se exerça num terreno próprio, quer em alguma parte lucrativa cuja remuneração, sai apenas dos produtos múltiplos da terra, com os quais ela se comuta. De tudo isto resulta, mais uma vez, que a propriedade particular é plenamente conforme à natureza. A terra, sem dúvida, fornece ao homem com abundância as coisas necessárias para a conservação da sua vida e ainda para o seu aperfeiçoamento, mas não poderia fornecê-las sem a cultura e sem os cuidados do homem. Ora, que faz o homem, consumindo os recursos do seu espírito e as forças do seu corpo em procurar esses bens da natureza? Aplica, para assim dizer, a si mesmo a porção da natureza corpórea que cultiva e deixa nela como que um certo cunho da sua pessoa, a ponto que, com toda a justiça, esse bem será possuído de futuro como seu, e não será lícito a ninguém violar o seu direito de qualquer forma que seja.

A propriedade sancionada pelas leis humanas e divinas

A força destes raciocínios é duma evidência tal, que chegamos a admirar como certos partidários de velhas opiniões podem ainda contradizê-los, concedendo sem dúvida ao homem particular o uso do solo e os frutos dos campos, mas recusando-lhe o direito de possuir, na qualidade de proprietário, esse solo em que edificou, a porção da terra que cultivou. Não vêem, pois, que despojam assim esse homem do fruto do seu trabalho; porque, afinal, esse campo amanhado com arte pela mão do cultivador, mudou completamente de natureza: era selvagem, ei-lo arroteado; de infecundo, tornou-se fértil; o que o tornou melhor, está inerente ao solo e confunde-se de tal forma com ele, que em grande parte seria impossível separá-lo. Suportaria a justiça que um estranho viesse então a atribuir-se esta terra banhada pelo suor de quem a cultivou? Da mesma forma que o efeito segue a causa, assim é justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador.

É, pois, com razão, que a universalidade do género humano, sem se deixar mover pelas opiniões contrárias dum pequeno grupo, reconhece, considerando atentamente a natureza, que nas suas leis reside o primeiro fundamento da repartição dos bens e das propriedades particulares; foi com razão que o costume de todos os séculos sancionou uma situação tão conforme à natureza do homem e à vida tranquila e pacífica das sociedades. Por seu lado, as leis civis, que recebem o seu valor(1), quando são justas, da lei natural, confirmam esse mesmo direito e protegem-no pela força. Finalmente, a autoridade das leis divinas vem pôr-lhe o seu selo, proibindo, sob perla gravíssima, até mesmo o desejo do que pertence aos outros: «Não desejarás a mulher do teu próximo, nem a sua casa, nem o seu campo, nem o seu boi, nem a sua serva, nem o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença» (2) .

A família e o Estado

6. Entretanto, esses direitos, que são inatos a cada homem considerado isoladamente, apresentam-se mais rigorosos ainda, quando se consideram nas suas relações e na sua conexão com os deveres da vida doméstica. Ninguém põe em dúvida que, na escolha dum género de vida, seja lícito cada um seguir o conselho de Jesus Cristo sobre a virgindade, ou contrair um laço conjugal. Nenhuma lei humana poderia apagar de qualquer forma o direito natural e primordial de todo o homem ao casamento, nem circunscrever o fim principal para que ele foi estabelecido desde a origem: «Crescei e multiplicai-vos»(3). Eis, pois, a família, isto é, a sociedade doméstica, sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil, à qual, desde logo, será forçosamente necessário atribuir certos direitos e certos deveres absoluta-mente independentes do Estado. Assim, este direito de propriedade que Nós, em nome da natureza, rei-vindicamos para o indivíduo, é preciso agora transferi-lo para o homem constituído chefe de família. Isto não basta: passando para a sociedade doméstica, este direito adquire aí tanto maior força quanto mais extensão lá recebe a pessoa humana.

A natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos; vai mais longe. Como os filhos reflectem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum património que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna. Mas, esse património poderá ele criá-lo sem a aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possam transmitir-lhes por via de herança?

Assim como a sociedade civil, a família, conforme atrás dissemos, é uma sociedade propriamente dita, com a sua autoridade e o seu governo paterno, é por isso que sempre indubitavelmente na esfera que lhe determina o seu fim imediato, ela goza, para a escolha e uso de tudo o que exigem a sua conservação e o exercício duma justa independência, de direitos pelo menos iguais aos da sociedade civil. Pelo menos iguais, dizemos Nós, porque a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real, de que participam necessariamente os seus direitos e os seus deveres. E se os indivíduos e as famílias, entrando na sociedade, nela achassem, em vez de apoio, um obstáculo, em vez de protecção, uma diminuição dos seus direitos, dentro em pouco a sociedade seria mais para se evitar do que para se procurar.

Querer, pois, que o poder civil invada arbitraria-mente o santuário da família, é um erro grave e funesto. Certamente, se existe algures uma família que se encontre numa situação desesperada, e que faça esforços vãos para sair dela, é justo que, em tais extremos, o poder público venha em seu auxílio, porque cada família é um membro da sociedade. Da mesma forma, se existe um lar doméstico que seja teatro de graves violações dos direitos mútuos, que o poder público intervenha para restituir a cada um os seus direitos. Não é isto usurpar as atribuições dos cidadãos, mas fortalecer os seus direitos, protegê-los e defendê-los como convém. Todavia, a acção daqueles que presidem ao governo público não deve ir mais além; a natureza proíbe-lhes ultrapassar esses limites. A autoridade paterna não pode ser abolida, nem absorvida pelo Estado, porque ela tem uma origem comum com a vida humana. «Os filhos são alguma coisa de seu pai»; são de certa forma uma extensão da sua pessoa, e, para falar com justiça, não é imediatamente por si que eles se agregam e se incorporam na sociedade civil, mas por intermédio da sociedade doméstica em que nasceram. Porque os «filhos são naturalmente alguma coisa de seu pai... devem ficar sob a tutela dos pais até que tenham adquirido o livre arbítrio» (4). Assim, substituindo a providência partena pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços da família.

O comunismo, princípio de empobrecimento

7. Mas, além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria. Por tudo o que Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade colectiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer por todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular. Expliquemos agora onde convém procurar o remédio tão desejado.

A Igreja e a questão social

8. É com toda a confiança que Nós abordamos este assunto, e em toda a plenitude do Nosso direito; porque a questão de que se trata é de tal natureza, que, se não apelamos para a religião e para a Igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz. Ora, como é principalmente a Nós que estão confiadas a salvaguarda da religião e a dispensação do que é do domínio da Igreja, calarmo-nos seria aos olhos de todos trair o Nosso dever. Certamente uma questão desta gravidade demanda ainda de outros a sua parte de actividade e de esforços; isto é, dos governantes, dos senhores e dos ricos, e dos próprios operários, de cuja sorte se trata. Mas, o que Nós afirmamos sem hesitação, é a inanidade da sua acção fora da Igreja. E a Igreja, efectivamente, que haure no Evangelho doutrinas capazes de pôr termo ao conflito ou ao menos de o suavizar, expurgando-o de tudo o que ele tenha de severo e áspero; a Igreja, que se não contenta em esclarecer o espírito de seus ensinos, mas também se esforça em regular, de harmonia com eles a vida e os costumes de cada um; a Igreja, que, por uma multidão de instituições eminentemente benéficas, tende a melhorar a sorte das classes pobres; a Igreja, que quer e deseja ardentemente que todas as classes empreguem em comum as suas luzes e as suas forças para dar à questão operária a melhor solução possível; a Igreja, enfim, que julga que as leis e a autoridade pública devem levar a esta solução, sem dúvida com medida e com prudência, a sua parte do consenso.

Não luta, mas concórdia das classes

9. O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os Socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença das suas respectivas condições.

Pelo que diz respeito ao trabalho em particular, o homem, mesmo no estado de inocência, não era destinado a viver na ociosidade, mas, ao que a vontade teria abraçado livremente como exercício agradável, a necessidade lhe acrescentou, depois do pecado, o sentimento da dor e o impôs como uma expiação: «A terra será maldita por tua causa; é pelo trabalho que tirarás com que alimentar-te todos os dias da vida» (5). O mesmo se dá com todas as outras calamidades que caíram sobre o homem: neste mundo estas calamidades não terão fim nem tréguas, porque os funestos frutos do pecado são amargos, acres, acerbos, e acompanham necessariamente o homem até ao derradeiro suspiro. Sim, a dor e o sofrimento são o apanágio da humanidade, e os homens poderão ensaiar tudo, tudo tentar para os banir; mas não o conseguirão nunca, por mais recursos que empreguem e por maiores forças que para isso desenvolvam. Se há quem, atribuindo-se o poder fazê-lo, prometa ao pobre uma vida isenta de sofrimentos e de trabalhos, toda de repouso e de perpétuos gozos, certamente engana o povo e lhe prepara laços, onde se ocultam, para o futuro, calamidades mais terríveis que as do presente. O melhor partido consiste em ver as coisas tais quais são, e, como dissemos, em procurar um remédio que possa aliviar os nossos males.

O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um todo exactamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital.

A concórdia traz consigo a ordem e a beleza; ao contrário, dum conflito perpétuo só podem resultar confusão e lutas selvagens. Ora, para dirimir este conflito e cortar o mal na sua raiz, as Instituições possuem uma virtude admirável e múltipla.

E, primeiramente, toda a economia das verdades religiosas, de que a Igreja é guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres, lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos os outros, os que derivam da justiça.

Obrigações dos operários e dos patrões

10. Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fiel-mente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas.

Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo.

Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vis-ta a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que comete-ria um crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer no preço dos seus labores: «Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama contra vós: e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus dos Exércitos»(6). Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o acto violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, porque este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a estas leis — pergunta-mos Nós — não bastaria, só de per si, para fazer cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas?

11. Todavia a Igreja, instruída e dirigida por Jesus Cristo, eleva o seu olhar ainda para mais alto; propõe um conjunto de preceitos mais completo, porque ambiciona estreitar a união das duas classes até as unir uma à outra por laços de verdadeira amizade. Ninguém pode ter uma verdadeira compreensão da vida mortal, nem estimá-la no seu devido valor, se não se eleva à consideração da outra vida que é imortal. Suprimi esta, e imediatamente toda a forma e toda a verdadeira noção de honestidade desaparecerá; mais ainda: todo o universo se tornará um impenetrável mistério.

Quando tivermos abandonado esta vida, só então começaremos a viver: esta verdade, que a mesma natureza nos ensina, é um dogma cristão sobre o qual assenta, como sobre o seu primeiro fundamento, toda a economia da religião.

Não, Deus não nos fez para estas coisas frágeis e caducas, mas para as coisas celestes e eternas; não nos deu esta terra como nossa morada fixa, mas como lugar de exílio. Que abundeis em riquezas ou outros bens, chamados bens de fortuna, ou que estejais privados deles, isto nada importa à eterna beatitude: o uso que fizerdes deles é o que interessa.

Pela Sua superabundante redenção, Jesus Cristo não suprimiu as aflições que formam quase toda a trama da vida mortal; fez delas estímulos de virtude e fontes de mérito, de sorte que não há homem que possa pretender as recompensas eternas, se não caminhar sobre os traços sanguinolentos de Jesus Cristo: «Se sofremos com Ele, com Ele reinaremos»(7). Por outra parte, escolhendo Ele mesmo a cruz e os tormentos, minorou-lhes singularmente o peso e a amargura, e, a fim de nos tornar ainda mais suportável o sofrimento, ao exemplo acrescentou a Sua graça e a promessa duma recompensa sem fim: «Porque o momento tão curto e tão ligeiro das aflições, que sofremos nesta vida, produz em nós o peso eterno duma glória soberana incomparável» (8).

Assim, os afortunados deste mundo são advertidos de que as riquezas não os isentam da dor; que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo(9); que eles devem tremer diante das ameaças severas que Jesus Cristo profere contra os ricos(10); que, enfim, virá um dia em que deverão prestar a Deus, seu juiz, rigorosíssimas contas do uso que hajam feito da sua fortuna.

Posse e uso das riquezas

12. Sobre o uso das riquezas, já a pura filosofia pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e extrema importância; mas só a Igreja no-los pode dar na sua perfeição, e fazê-los descer do conhecimento à prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa posse das riquezas e o seu legítimo uso.

A propriedade particular, já o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária(11). Agora, se se pergunta em que é necessário fazer consistir o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitação: «A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim por comuns, de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. E por isso que b Após-tolo disse: «Ordena aos ricos do século... dar facilmente, comunicar as suas riquezas» (12).

Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou decência Impõem à sua pessoa: «Ninguém com efeito deve viver contrariamente às conveniências»(13). Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres: «Do supérfluo dai esmolas» (14). É um dever, não de estrita justiça, excepto nos casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã, um dever, por consequência, cujo cumprimento se não pode conseguir pelas vias da justiça humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus, que nos persuade de todas as maneiras a dar habitualmente esmola: «É mais feliz», diz Ele, «aquele que dá do que aquele que recebe» (15), e o Senhor terá como dada ou recusada a Si mesmo a esmola que se haja dado ou recusado aos pobres: «Todas as vezes que tenhais dado esmola, a um de Meus irmãos, é a Mim que a haveis dado» (16). Eis, aliás, em algumas palavras, o resumo desta doutrina: Quem quer que tenha recebido da divina Bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento, e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros. «E por isso, que quem tiver o talento da palavra tome cuidado em se não calar; quem possuir superabundância de bens, não deixe a misericórdia entumecer-se no fundo do seu coração; quem tiver a arte de governar, aplique-se com cuidado a partilhar com seu irmão o seu exercício e os seus frutos» (17).

Dignidade do trabalho

13. Quanto aos deserdados da fortuna, aprendam da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio e que não se deve corar por ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. É o que Jesus Cristo Nosso Senhor confirmou com o Seu exemplo. Ele, que «de muito rico que era, Se fez indigente» (18) para a salvação dos homens; que, Filho de Deus e Deus Ele mesmo, quis passar aos olhos do mundo por filho dum artesão; que chegou até a consumir uma grande parte da Sua vida em trabalho mercenário: «Não é Ele o carpinteiro, o Filho de Maria?» (19). Quem ti-ver na sua frente o modelo divino, compreenderá mais facilmente o que Nós vamos dizer: que a verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o património comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a pessoa em quem se encontrem, obterão a recompensa da eterna felicidade. Mais ainda: é para as classes desafortunadas que o coração de Deus parece inclinar-se mais. Jesus Cristo chama aos pobres bem-aventurados (20): convida com amor a virem a Ele, a fim de consolar a todos os que sofrem e que choram(21); abraça com caridade mais terna os pequenos e os oprimidos. Estas doutrinas foram, sem dúvida alguma, feitas para humilhar a alma altiva do rico e torná-lo mais condescendente, para reanimar a coragem daqueles que sofrem e inspirar-lhes resignação. Com elas se acharia diminuído um abismo causado pelo orgulho, e se obteria sem dificuldade que as duas classes se dessem as mãos e as vontades se unissem na mesma amizade.

Comunhão de bens de natureza e de graça

14. Mas é ainda demasiado pouco a simples amizade: se se obedecer aos preceitos do cristianismo, será no amor fraterno que a união se operará. Duma parte e doutra se saberá e compreenderá que os homens são todos absolutamente nascidos de Deus, seu Pai comum; que Deus é o seu único e comum fim, que só Ele é capaz de comunicar aos anjos e aos homens uma felicidade perfeita e absoluta; que todos eles foram igualmente resgatados por Jesus Cristo e restabeleci-dos por Ele na sua dignidade de filhos de Deus, e que assim um verdadeiro laço de fraternidade os une,-quer entre si, quer a Cristo, seu Senhor, que é «o primogénito de muitos irmãos»(22). Eles saberão, enfim, que todos os bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem em comum e indistintamente a todo o género humano e que só os indignos é que são deserdados dos bens celestes: «Se vós sois filhos, sois também herdeiros, herdeiros de Deus, co-herdeiros de Jesus Cristo» (23) .

Tal é a economia dos direitos e dos deveres que ensina a filosofia cristã. Não se veria em breve prazo estabelecer-se a pacificação, se estes ensinamentos pudessem vir a prevalecer nas sociedades?

Exemplo e magistério da Igreja

15. Entretanto, a Igreja não se contenta com indicar o caminho que leva à salvação; ela conduz a esta e com a sua própria mão aplica ao mal o conveniente remédio. Ela dedica-se toda a instruir e a educar os homens segundo os seus princípios e a sua doutrina, cujas águas vivificantes ela tem o cuidado de espalhar, tão longe e tão largamente quanto lhe é possível, pelo ministério dos Bispos e do Clero. Depois, esforça-se por penetrar nas almas e por obter das vontades que se deixem conduzir e governar pela regra dos preceitos divinos. Este ponto é capital e de grandíssima importância, porque encerra como que o resumo de todos os interesses .que estão em litígio, e aqui a acção da Igreja é soberana. Os intrumentos de que ela dispõe para tocar as almas, recebeu-os, para este fim, de Jesus Cristo, e trazem em si a eficácia duma virtude divina. São os únicos aptos para penetrar até às profundezas do coração humano, que são capazes de levar o homem a obedecer às imposições do dever, a dominar as suas paixões, a amar a Deus e ao seu próximo com uma caridade sem limites, a ultrapassar corajosamente todos os obstáculos que dificultam o seu caminho na estrada da virtude.

Neste ponto, basta passar ligeiramente em revista pelo pensamento os exemplos da antiguidade. As coisas e factos que vamos lembrar estão isentos de controvérsia. Assim, não é duvidoso que a sociedade civil foi essencialmente renovada pelas instituições cristãs, que esta renovação teve por efeito elevar o nível do género humano, ou, para melhor dizer, chamá-lo da morte à vida, e guindá-lo a um alto grau de perfeição, como se não viu semelhante nem antes nem depois, e não se verá jamais em todo o decurso dos séculos. Que, enfim, destes benefícios foi Jesus Cristo o princípio e deve ser o seu fim: porque, assim como tudo partiu d'Ele, assim também tudo Lhe deve ser referido. Quando, pois, o Evangelho raiou no mundo, quando os povos tiveram conhecimento do grande mistério da encarnação do Verbo e da redenção dos homens, a vida de Jesus Cristo, Deus e homem, invadiu as sociedades e impregnou-as inteiramente com a Sua fé, com as Suas máximas e com as Suas leis. E por isso que, se a sociedade humana deve ser curada, não o será senão pelo regresso à vida e às instituições do cristianismo.

A quem quer regenerar uma sociedade qualquer em decadência, se prescreve com razão que a reconduza às suas origens (24). Porque a perfeição de toda a sociedade consiste em prosseguir e atingir o fim para o qual foi fundada, de modo que todos os movimentos e todos os actos da vida social nasçam do mesmo princípio de onde nasceu a sociedade. Por isso, afastar-se do fim é caminhar para a morte, e voltar a ele é readquirir a vida. E o que Nós-dizemos de todo o corpo social aplica-se igualmente a essa classe de cidadãos que vivem do seu trabalho e que formam a grandíssima maioria.

Nem se pense que a Igreja se deixa absorver de tal modo pelo cuidado das almas, que põe de parte o que se relaciona com a vida terrestre e mortal. Pelo que em particular diz respeito à classe dos trabalhadores, ela faz todos os esforços para os arrancar à miséria e procurar-lhes uma sorte melhor. E, certamente, não é um fraco apoio que ela dá a esta obra só pelo facto de trabalhar, por palavras e actos, para reconduzir os homens à virtude.

Os costumes cristãos, desde que entram em acção, exercem naturalmente sobre a prosperidade temporal a sua parte de benéfica influência; porque eles atraem o favor de Deus, princípio e fonte de todo o bem; reduzem o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que frequentes vezes lançam a amargura e o desgosto no próprio seio da opulência(25); contentam-se enfim com uma vida e alimentação frugal, e suprem pela economia a modicidade do rendimento, longe desses vícios que consomem não só as pequenas, mas as grandes fortunas, e dissipam os maiores patrimónios.

A Igreja e a caridade durante os séculos

16. A Igreja, além disso, provê também directamente à felicidade das classes deserdadas, pela fundação e sustentação de instituições que ela julga próprias para aliviar a sua miséria; e, mesmo neste género de benefícios, ela tem sobressaído de tal modo, que os seus próprios inimigos lhe fizeram o seu elogio. Assim, entre os primeiros cristãos, era tal a virtude da caridade mútua, que não raro se viam os mais ricos despojarem--se do seu património em favor dos pobres. Por isso, a indigência não era conhecida entre eles(26); os Após-tolos tinham confiado aos Diáconos, cuja ordem fora especialmente instituída para esse fim, a distribuição quotidiana das esmolas, e o próprio S. Paulo, apesar de absorvido por uma solicitude que abraçava todas as Igrejas, não hesitava em empreender penosas viagens para ir em pessoa levar socorros aos cristãos indigentes. Socorros do mesmo género eram espontaneamente oferecidos pelos fiéis em cada uma das suas assembleias: o que Tertuliano chama os «depósitos da piedade», porque eram empregados «em sustentar e sepultar as pessoas indigentes, os órfãos pobres de ambos os sexos, os domésticos velhos, as vítimas de naufrágio» (27).

Eis como pouco a pouco se formou esse património, que a Igreja sempre guardou com religioso cuidado como um bem próprio da família dos pobres. Ela chegou até a assegurar socorros aos infelizes, poupando-lhes a humilhação de estender a mão; porque esta mãe comum dos ricos e dos pobres, aproveitando maravilhosamente rasgos de caridade que ela havia provocado por toda a parte, fundou sociedades religiosas e uma multidão doutras instituições úteis que, pouco tempo depois, não deviam deixar sem alívio nenhum género de miséria.

Há hoje, sem dúvida, um certo número de homens que, fiéis ecos dos pagãos de outrora, chegam a fazer, mesmo dessa caridade tão maravilhosa, uma arma para atacar a Igreja; e viu-se uma beneficência estabelecida pelas leis civis substituir-se à caridade cristã; mas esta caridade, que se dedica toda e sem pensamento reservado à utilidade do próximo, não pode ser suprida por nenhuma invenção humana. Só a Igreja possui essa virtude, porque não se pode haurir senão no Sagrado Coração de Jesus Cristo, e é errar longe de Jesus Cristo estar afastado da Sua Igreja.

O concurso do Estado

17. Todavia não há dúvida de que, para obter o resultado desejado, não é de mais recorrer aos meios humanos. Assim, todos aqueles a quem a questão diz respeito, devem visar ao mesmo fim e trabalhar de harmonia cada um na sua esfera. Nisto há como que uma imagem da Providência governando o mundo: porque nós vemos de ordinário que os factos e os acontecimentos que dependem de causas diversas são a resultante da sua acção comum.

Ora, que parte de acção e de remédio temos nós o direito de esperar do Estado? Diremos, primeiro, que por Estado entendemos aqui, não tal governo estabelecido entre tal povo em particular, mas todo o governo que corresponde aos preceitos da razão natural e dos ensinamentos divinos, ensinamentos que Nós todos expusemos, especialmente na Nossa Carta Encíclica sobre a constituição cristã das sociedades (28).

Origem da prosperidade nacional

18. O que se pede aos governantes é um curso de ordem geral, que consiste em toda a economia das leis e das instituições; queremos dizer que devem fazer de modo que da mesma organização e do governo da sociedade brote espontaneamente e sem esforço a prosperidade, tanto pública como particular. Tal é, com efeito, o ofício da prudência civil e o dever próprio de todos aqueles que governam. Ora o que torna uma nação próspera, são os costumes puros, as famílias fundadas sobre bases de ordem e de moralidade, a prática e o respeito da justiça, uma imposição moderada e uma repartição equitativa dos encargos públicos, o progresso da indústria e, do comércio, uma agricultura florescente e outros elementos, se os há, do mesmo género: todas as coisas que se não podem aperfeiçoar, sem fazer subir outro tanto a vida e a felicidade dos cidadãos. Assim como, pois, por todos estes meios, o Estado pode tornar-se útil às outras classes, assim também pode melhorar muitíssimo a sorte da classe operária, e isto em todo o rigor do seu direito, e sem ter a temer a censura de ingerência; porque, em virtude mesmo do seu ofício, o Estado deve servir o interesse comum. E é evidente que, quanto mais se multiplicarem as vantagens resultantes desta acção de ordem geral, tanto menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condição dos trabalhadores.

Mas há outra consideração que atinge mais profundamente ainda o nosso assunto. A razão formal de toda a sociedade é só uma e é comum a todos os seus membros, grandes e pequenos. Os pobres, com o mesmo título que os ricos, são, por direito natural, cidadãos; isto é, pertencem ao número das partes vivas de que se compõe, por intermédio das famílias, o corpo inteiro da Nação, para não dizer que em todas as cidades são o grande número.

Como, pois, seria desrazoável prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se evidente que a autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Se ela faltar a isto, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é devido. A esse respeito S. Tomás diz muito sabiamente: «Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que pertence ao to-do pertence de alguma sorte a cada parte» (29). E por isso que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina lodos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva.

Mas, ainda que todos os cidadãos, sem excepção, devam contribuir para a massa dos bens comuns, os quais, aliás, por um giro natural, se repartem de novo entre os indivíduos, todavia as constituições respectivas não podem ser nem as mesmas, nem de igual medida. Quaisquer que sejam as vicissitudes pelas quais as formas do governo são chamadas a passar, haverá sempre entre os cidadãos essas desigualdades de condições, sem as quais uma sociedade não pode existir nem conceber-se. Sem dúvida são necessários homens que governem, que façam leis, que administrem justiça, que, enfim, por seus conselhos ou por via da autoridade, administrem os negócios da paz e as coisas da guerra. Que estes homens devem ter a proeminência em toda a sociedade e ocupar nela o primeiro lugar, ninguém o pode duvidar, pois eles trabalham directamente para o bem comum e duma maneira tão excelente.

Os homens que, pelo contrário, se aplicam às coisas da indústria, não podem concorrer para este bem comum nem na mesma medida, nem pelas mesmas vias; mas, entretanto, também eles, ainda que de maneira menos directa, servem muitíssimo os interesses da sociedade. Sem dúvida alguma, o bem comum, cuja aquisição deve ter por efeito aperfeiçoar os homens, é principalmente um bem moral.

Mas numa sociedade regularmente constituída deve encontrar-se ainda uma certa abundância de bens exteriores «cujo uso é reclamado para exercício da virtude»(30). Ora, a fonte fecunda e necessária de todos estes bens é principalmente o trabalho do operário, o trabalho dos campos ou da oficina. Mais ainda: nesta ordem de coisas, o trabalho tem uma tal fecundidade e tal eficácia, que se pode afirmar, sem receio de engano, que ele é a fonte única de onde procede a riqueza das nações. A equidade manda, pois, que o Estado se preocupe com os trabalhadores, e proceda de modo que, de todos os bens que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menos trabalho e privações (31). De onde resulta que o Estado deve favorecer tudo o que, de perto ou de longe, pareça de natureza a melhorar-lhes a sorte. Esta solicitude, longe de prejudicar alguém, tornar-se-á, ao contrário, em proveito de todos, porque importa soberanamente à nação que homens, que são para ela o princípio de bens tão indispensáveis, não se encontrem continuamente a braços com os horrores da miséria.

O Governo é para os governados e não vice-versa

19. Dissemos que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que aquele e esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contando que não atentem contra o bem geral, e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertence proteger a comunidade e as suas partes: a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservação ao poder soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a lei suprema, mas é a própria a causa e a razão de ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve visar só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos que lhe estão submetidos. Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé cristã. Por outra parte, a autoridade vem de Deus e é uma participação da Sua autoridade suprema; desde então, aqueles que são os depositários dela devem exercê-la à imitação de Deus, cuja paternal solicitude se não estende menos a cada uma das criaturas em particular do que a todo o seu conjunto. Se, pois, os interesses gerais, ou o interesse duma classe em particular, se encontram ou lesa-dós ou simplesmente ameaçados, e se não for possível remediar ou obviar a isso doutro modo, é de toda a necessidade recorrer à autoridade pública.

Obrigações e limites da intervenção do Estado

20. Ora, importa à salvação comum e particular que a ordem e a paz reinem por toda a parte; que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos de Deus e os princípios da lei natural; que a religião seja honrada e observada; que se vejam florescer os costumes públicos e particulares; que a justiça seja religiosamente graduada, e que nunca uma classe possa oprimir impunemente a outra; que cresçam robustas gerações, capazes de ser o sustentáculo, e, se necessário for, o baluarte da Pátria. É por isso que os operários, abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves, ameaçam a tranquilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam entre os trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes facilitando o cumprimento dos seus deveres para com Deus; que a promiscuidade dos sexos e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de exigências iníquas, ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e degradantes; que atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e desproporcionado com a sua idade e sexo: em todos estes casos é absolutamente necessário aplicar em certos limites a força e autoridade das leis. Esses limites serão determinados pelo mesmo fim que reclama o socorro das leis, isto é, que eles não devem avançar nem empreender nada além do que for necessário para reprimir os abusos e afastar os perigos.

Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na protecção dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a protecção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre(32).

O Estado deve proteger a propriedade particular

21. Mas, é conveniente descer expressamente a algumas particularidades. É um dever principalíssimo dos governos o assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias. Hoje especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever; porque, se a justiça lhe concede o direito de empregar os meios de melhorar a sua sorte, nem a justiça nem o bem público consentem que danifiquem alguém na sua fazenda nem que se invadam os direitos alheios sob pretexto de não que igualdade. Por certo que a maior parte dos operários quereriam melhorar de condição por meios honestos sem prejudicar a ninguém; todavia, não poucos há que, embebidos de máximas falsas e desejosos de novidade, procuram a todo o custo excitar e impelir os outros a violências. Intervenha portanto a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.

Impedir as greves

22. O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha dão, não poucas vezes, aos operários ocasião de greves. E preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e frequente, porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranquilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão--de nascer os conflitos entre os operários e os patrões.

Proteger os bens da alma

23. Muitas outras coisas deve igualmente o Estado proteger ao operário, e em primeiro lugar os bens da alma. A vida temporal, posto que boa e desejável, não é o fim para que fomos criados; mas é a via e o meio para aperfeiçoar, com o conhecimento da verdade e com a prática do bem, a vida do espírito. O espírito é o que tem em si impressa a semelhança divina, e no qual reside aquele principado em virtude do qual foi dado ao homem o direito de dominar as criaturas inferiores e de fazer servir à sua utilidade toda a terra e todo o mar: «Enchei a terra e tornai-vo-la sujeita, dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra»(33). Nisto todos os homens são iguais, e não há diferença alguma entre ricos e pobres, patrões e criados, monarcas e súbditos, «porque é o mesmo o Senhor de todos»(34). A ninguém é lícito violar impunemente a dignidade do homem, do qual Deus mesmo dispõe, com grande reverência, nem pôr-lhe impedimentos, para que ele siga o caminho daquele aperfeiçoamento que é ordenado para o conseguimento da vida interna; pois, nem mesmo por eleição livre, o homem pode renunciar a ser tratado segundo a sua natureza e aceitar a escravidão do espírito; porque não se trata de direitos cujo exercício seja livre, mas de deveres para com Deus que são absolutamente invioláveis.

24. Daqui vem, como consequência, a necessidade do repouso festivo. Isto, porém, não quer dizer que se deve estar em ócio por mais largo espaço de tempo, e muito menos significa uma inacção total, como muitos desejam, e que é a fonte de vícios e ocasião de dissipação; mas um repouso consagrado à religião. Unido à religião, o repouso tira o homem dos trabalhos e das ocupações da vida ordinária para o chamar ao pensamento dos bens celestes e ao culto devido à Majestade divina. Eis aqui a principal natureza e fim do repouso festivo que Deus, com lei especial, prescreveu ao homem no Antigo Testamento, dizendo-lhe: «Recorda-te de santificar o sábado» (35); e que ensinou com o Seu exemplo, quando no sétimo dia, de-pois de criado o homem, repousou: «Repousou no sétimo dia .de todas as Suas obras que tinha feito» (36).

Protecção do trabalho dos operários, das mulheres e das crianças

25. No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma descrição, tanto das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo.

A actividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O exercício e o uso aperfeiçoam-na, mas é preciso que de quando em quando se suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem. Assim, o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade de repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos debaixo da terra, sendo mais pesa-do e nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta. Deve-se também atender às estações, porque não poucas vezes um trabalho que facilmente se suportaria numa estação, noutra é de facto insuportável ou somente se vence com dificuldade.

26. Enfim, o que um homem válido e na força da idade pode fazer, não será equitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança. Especialmente a infância — e isto deve ser estritamente observado — não deve entrar na oficina senão quando a sua idade tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físicas, intelectuais e morais: de contrário, como uma planta ainda tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce, e dar-se-á cabo da sua educação. Trabalhos há também quê se não adaptam tanto à mulher, a qual a natureza destina de preferência aos arranjos domésticos, que, por outro lado, salvaguardam admiravelmente a honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela sua natureza, ao que pede a boa educação dos filhos e a prosperidade da família. Em geral, a duração do descanso deve medir-se pelo dispêndio das forças que ele deve restituir. O direito ao descanso de cada dia assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser a condição expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários. Onde esta condição não entrar, o contrato não será justo, pois ninguém pode exigir ou prometer a violação dos deveres do homem para com Deus e para consigo mesmo.

O quantitativo do salário dos operários

27. Passemos agora a outro ponto da questão e de não menor importância, que, para evitar os extremos, demanda uma definição precisa. Referimo-nos à fixação do salário. Uma vez livremente aceite o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos desde que o pague e não é obrigado a mais nada. Em tal hipótese, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as suas condições; e neste último caso, com exclusão de qualquer outro, é que o poder público teria que intervir para fazer valer o direito de qual quer deles.

Semelhante raciocínio não encontrará um juiz equitativo que consinta em o abraçar sem reserva, pois não abrange todos os lados da questão e omite um deveras importante. Trabalhar é exercer a actividade com o fim de procurar o que requerem as diversas necessidades do homem, mas principalmente a sustentação da própria vida. «Comerás o teu pão com o suor do teu rosto» (37). Eis a razão por que o trabalho recebeu da natureza como que um duplo cunho: é pessoal, porque a força activa é inerente à pessoa, e porque a propriedade daquele que a exerce e a recebeu para sua utilidade; e é necessário, porque o homem precisa da sua existência, e porque a deve conservar para obedecer às ordens incontestáveis da natureza. Ora, se não se encarar o trabalho senão pelo seu lado pessoal , não há dúvida de que o operário pode a seu bel-prazer restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o trabalho pode contentar-se com uma pequena remuneração ou mesmo não exigir nenhuma. Mas já é outra coisa, se ao carácter de personalidade se juntar o de necessidade, que o pensamento pode abstrair, mas que na realidade não se pode separar. Efectivamente, conservar a existência é um dever imposto a todos os homens e ao qual se não podem subtrair sem crime. Deste dever nasce necessariamente o direito de procurar as coisas necessárias à subsistência, e que o pobre as não procure senão mediante o salário do seu trabalho.

Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.

Mas, sendo de temer que nestes casos e em outros análogos, como no que diz respeito às horas diárias de trabalho e à saúde dos operários, a intervenção dos poderes públicos seja importuna, sobretudo por causa da variedade das circunstâncias, dos témpos e dos lugares, será preferível que a solução seja confiada às corporações ou sindicatos de que falaremos, mais adiante, ou que se recorra a outros meios de defender os interesses dos operários, mesmo com o auxílio e apoio do Estado, se a questão o reclamar(38).

A economia como meio de conciliação das classes

28. O operário que receber um salário suficiente para ocorrer com desafogo às suas necessidades e às da sua família, se for prudente, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própria natureza: aplicar-se-á a ser parcimonioso e agirá de forma que, com. prudentes economias, vá juntando um pequeno pecúlio, que lhe permita chegar um dia a adquirir um modesto património. Já vimos que a presente questão não podia receber solução verdadeiramente eficaz, se se não começasse por estabelecer como princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade particular. Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito de propriedade, o reanimem e desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares.

Uma vez obtido, este resultado seria a fonte dos mais preciosos benefícios, e em primeiro lugar duma repartição dos bens certamente mais equitativa. A violência das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes e cavou entre elas um imenso abismo. Dum lado, a omnipotência na opulência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, desvia o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais; facção que aliás tem na sua mão mais dum motor da administração pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem. Ah, estimule-se a industriosa actividade do povo com a perspectiva da sua participação na prosperidade do solo, e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria, o operar-se a aproximação das duas classes. Demais, a terra produzirá tudo em maior abundância, pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não só o estritamente necessário, mas ainda uma certa fartura. Não há quem não descubra sem esforço os efeitos desta duplicação da actividade sobre a fecundidade da terra e sobre a riqueza das nações. A terceira utilidade será a suspensão do movimento de emigração; ninguém, com efeito, quereria trocar por uma região estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse os meios de levar uma vida mais tolerável.

Mas uma condição indispensável para que todas estas vantagens se convertam em realidades, é que a propriedade particular não seja esgotada por um excesso de encargos e de impostos. Não é das leis humanas, mas da natureza, que emana o direito de propriedade individual; a autoridade pública não o pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e conciliá-lo com o bem comum. É por isso que ela age contra a justiça e contra a humanidade quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desmedidamente os bens dos particulares.

Benefício das corporações

29. Em último lugar, diremos que os próprios patrões e operários podem singularmente auxiliar a solução, por meio de todas as obras capazes de aliviar eficazmente a indigência e de operar uma aproximação entre as duas classes. Pertencem a este número as associações de socorros mútuos; as diversas instituições, devidas à iniciativa particular, que têm por fim socorrer os operários, bem como as suas viúvas e órfãos, em caso de morte, de acidentes ou de enfermidades; os patronatos que exercem uma protecção benéfica para com as crianças dos dois sexos, os adolescentes e os homens feitos. Mas o primeiro lugar pertence às corporações operárias, que abrangem quase todas as outras. Os nossos antepassados experimentaram por muito tempo a benéfica influência destas associações. Ao mesmo tempo que os artistas encontravam nelas inapreciáveis vantagens, as artes receberam delas novo brilho e nova vida, como o proclama grande quantidade de monumentos. Sendo hoje mais cultas as gerações, mais polidos os costumes, mais numerosas as exigências da vida quotidiana, é fora de dúvida que se não podia deixar de adaptar as associações a estas novas condições. Assim, com prazer vemos Nós irem-se formando por toda a parte sociedades deste género, quer compostas só de operários, quer mistas, reunindo ao mesmo tempo operários e patrões: é para desejar que aumentem a sua acção. Conquanto nos tenhamos ocupado delas mais duma vez (39), que-remos expor aqui a sua oportunidade e o seu direito de existência e indicar como devem organizar-se é qual deve ser o seu programa de acção.

As associações particulares e o Estado

30. A experiência que o homem adquire todos os dias da exiguidade das suas forças, obriga-o e impele-o a agregar-se a uma cooperação estranha.

É nas Sagradas Letras que se lê esta máxima: «Mais valem dois juntos que um só, pois tiram vantagem da sua associação. Se um cai, o outro sustenta-o. Desgraçado do homem só, pois; quando cair, não terá ninguém que o levante» (40). E estoutra: «O irmão que é ajudado por seu irmão, é como uma cidade forte» (41). Desta propensão natural, como dum único germe, nasce, primeiro, a sociedade civil; depois, no próprio seio desta, outras sociedades que, por serem restritas e imperfeitas, não deixam de ser sociedades verdadeiras.

Entre as pequenas sociedades e a grande, há profundas diferenças, que resultam do seu fim próximo. O fim da sociedade civil abrange universalmente todos os cidadãos, pois este fim está no bem comum, isto é, num bem do qual todos e cada um têm o direito de participar em medida proporcional. Por isso se chama público, porque «reúne os homens para formarem uma nação»(42). Ao contrário, as sociedades que se constituem no seu seio são frágeis, porque são particulares, e o são com efeito, pois a sua razão de ser imediata é a utilidade particular e exclusiva dos seus membros: «A sociedade particular é aquela que se forma com um fim particular, como quando dois ou três indivíduos se associam para exercerem em comum o comércio» (43). Ora, pelo facto de as sociedades particulares não terem existência senão no seio da sociedade civil, da qual são como outras tantas partes, não se segue, falando em geral e considerando apenas a sua natureza, que o Estado possa negar-lhes a existência. O direito de existência foi-lhes outorgado pela própria natureza; e a sociedade civil foi instituída para proteger o direito natural, não para o aniquilar. Por esta razão, uma sociedade civil que proibisse as sociedades públicas e particulares, atacar-se-ia a si mesma, pois todas as sociedades públicas e particulares tiram a sua origem dum mesmo princípio: a natural sociabilidade do homem. Certamente se dão conjunturas que autorizam as leis a opor-se à fundação duma sociedade deste género.

Se uma sociedade, em virtude mesmo dos seus estatutos orgânicos, trabalhasse para um fim em oposição flagrante com a probidade, com a justica, com a segurança do Estado, os poderes públicos teriam o direito de lhe impedir a formação, ou o direito de a dissolver, se já estivesse formada. Mas deviam em tudo isto proceder com grande circunspecção para evitar usurpação dos direitos dos cidadãos, e para não determinar, sob a cor da utilidade pública, alguma coisa que a razão houvesse de desaprovar. Pois uma lei não merece obediência, senão enquanto é conforme com a recta razão e a lei eterna de Deus(44).

31. Aqui, apresentam-se ao Nosso espírito as confrarias, as congregações e as ordens religiosas de todo o género, nascidas da autoridade da Igreja e da piedade dos fiéis. Quais foram os seus frutos de salvação para o género humano até aos nossos dias, a História o diz suficientemente. Considerando simplesmente o ponto de vista da razão, estas sociedades aparecem como fundadas com um fim honesto, e, consequentemente, sob os auspícios do direito natural: no que elas têm de relativo à religião, não dependem senão da Igreja. Os poderes públicos não podem, pois, legitimamente, arrogar-se nenhum direito sobre elas, atribuir-se a sua administração; a sua obrigação é antes respeitá-las, protegê-las e, em caso de necessidade, defendê-las. Justamente o contrário é o que Nós temos sido condenados a ver, principalmente nestes últimos tempos. Em não poucos países, o Estado tem deitado a mão a estas sociedades, e tem acumulado a este respeito injustiça sobre injustiça: sujeição às leis civis, privações do direito legítimo de personalidade, espoliação dos bens. Sobre estes bens, a Igreja tinha todavia os seus direitos: cada um dos membros tinha os seus; os doadores, que lhe haviam dado uma aplicação, e aqueles, enfim, que delas auferiam socorros e alívio, tinham os seus. Assim não podemos deixar de deplorar amargamente espoliações tão iníquas e tão funestas; tanto mais que se ferem de proscrição as sociedades católicas na mesma ocasião em que se afirma a legalidade das sociedades particulares, e que, aquilo que se recusa a homens pacíficos e que não têm em vista senão a utilidade pública, se concede, e por certo muito amplamente, a homens que meditam planos funestos para a religião e também para o Estado.

As associações operárias católicas

32. Certamente em nenhuma outra época se viu tão grande multiplicidade de associações de todo o género, principalmente de associações operárias. Não é, porém, aqui, o lugar para investigar qual é a origem de muitas delas, qual o seu fim e quais os meios com que tendem para esse fim. Mas é uma opinião, confirmada por numerosos indícios, que elas são ordinariamente governadas por chefes ocultos, e que obedecem a uma palavra de ordem igualmente hostil ao nome cristão e à segurança das nações: que, depois de terem açambarcado todas as empresas, se há operários que recusam entrar em seu seio, elas fazem--lhe expiar a sua recusa pela miséria. Neste estado de coisas, os operários cristãos não têm remédio senão escolher entre estes dois partidos: ou darem os seus nomes a sociedades de que a religião tem tudo a temer, ou organizarem-se eles próprios e unirem as suas forças para poderem sacudir denodadamente um jugo tão injusto e tão intolerável. Haverá homens, verdadeiramente empenhados em arrancar o supremo bem da humanidade a um perigo iminente, que possam ter a menor dúvida de que é necessário optar por esse último partido?

É altamente louvável o zelo de grande número dos nossos, que, conhecendo perfeitamente as necessidades da hora presente, sondam cuidadosamente o terreno, para aí descobrirem uma vereda honesta que conduz à reabilitação da classe operária. Constituindo-se protectores das pessoas dedicadas ao trabalho, esforçam-se por aumentar a sua prosperidade, tanto doméstica como individual, e regular com equidade as relações recíprocas dos patrões e dos operários; por manter e enraizar nuns e noutros a lembrança dos seus deveres e a observância dos preceitos que, conduzindo o homem à moderação e coordenando todos os excessos, mantêm nas nações, e entre elementos tão diversos de pessoas e de coisas, a concórdia e a harmonia mais perfeita. Sob a inspiração dos mesmos pensamentos, homens de grande mérito se reúnem em congresso, para comunicarem mutuamente as ideias, unirem as suas forças, ordenarem programas de acção. Outros ocupam-se em fundar corporações adequadas às diversas profissões e em fazer entrar nelas os artistas: coadjuvam-nos com os seus conselhos e a sua fortuna, e providenciam para que lhes não falte nunca um trabalho honrado e proveitoso. Os Bispos, por seu lado, animam estes esforços e colocam-nos sob a sua protecção: por sua autoridade e sob os seus auspícios, membros do clero tanto secular como regular se dedicam, em grande número, aos interesses espirituais das corporações. Finalmente, não faltam católicos que, possuidores de abundantes riquezas, convertidos de algum modo em companheiros voluntários dos trabalhadores, não olham a despesas para fundar e propagar sociedades, onde estas possam encontrar, a par com certa abastança para o presente, a promessa de honroso descanso para o futuro. Tanto zelo, tantos e tão engenhosos esforços têm já feito entre os povos um bem muito considerável, e demasiado conhecido para que seja necessário falar deles mais nitidamente. É a nossos olhos feliz prognóstico para o futuro, e esperamos destas corporações os mais benéficos frutos, conquanto que continuem a desenvolver-se e que a prudência presida à sua organização. Proteja o Estado estas sociedades fundadas segundo o direito; mas não se intrometa no seu governo interior e não toque nas molas íntimas que lhes dão vida; pois o movimento vital procede essencialmente dum princípio interno, e extingue-se facilmente sob a acção duma causa externa.

Disciplina e finalidade destas associações

33. Precisam evidentemente estas corporações, para que nelas haja unidade de acção e acordo de vontades, duma sábia e prudente disciplina. Se, pois, como é certo, os cidadãos são livres de se associarem, devem sê-lo igualmente de se dotarem com os estatutos e regulamentos que lhes pareçam mais apropriados ao fim que visam. Quais devem ser estes estatutos e regulamentos? Não cremos que se possam dar regras certas e precisas para lhes determinar os pormenores; tudo depende do génio de cada nação, das tentativas feitas e da experiência adquirida, do género de trabalho, da expansão do comércio e doutras circunstâncias de coisas e de tempos que se devem pesar com ponderação. Tudo quanto se pode dizer em geral é que se deve tomar como regra universal e constante o organizar e governar por tal forma as cooperações que proporcionem a cada um dos seus membros os meios aptos para lhes fazerem atingir, pelo caminho mais cómodo e mais curto, o fim que eles se propõem, e que consiste no maior aumento possível dos bens do corpo, do espírito e da fortuna.

Mas é evidente que se deve visar antes de tudo o objecto principal, que'é o aperfeiçoamento moral e religioso. E principalmente este fim que deve regular toda a economia destas sociedades; doutro modo, elas degenerariam bem depressa e cairiam, por pouco que fosse, na linha das sociedades em que não tem lugar a religião. Ora, de que serviria ao artista ter encontrado no seio da corporação a abundância material, se a falta de alimentos espirituais pusesse em perigo a salvação da sua alma? «Que vale ao homem possuir o universo inteiro, se vier a perder a sua alma?»(45). Eis o carácter com que Nosso Senhor Jesus Cristo quis que se distinguisse o cristão do pagão: «Os pagãos procuram todas estas coisas... procurai primeiro o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo»(46). Assim, pois, tomando a Deus por ponto de partida, dê-se amplo lugar à instrução religiosa a fim de que todos conheçam os seus deveres para com Ele; o que é necessário crer, o que é necessário esperar, o que é necessário fazer para obter a salvação eterna, tudo isto lhes deve ser cuidadosamente recomendado; premunam-se com particular solicitude contra as opiniões erróneas e contra todas as variedades do vício.

Guie-se o operário ao culto de Deus, incite-se nele o espírito de piedade, faça-se principalmente fiel à observância dos domingos e dias festivos. Aprenda ele a amar e a respeitar a Igreja, mãe comum de todos os cristãos, a aquiescer aos seus preceitos, a frequentar os seus sacramentos, que são fontes divinas onde a alma se purifica das suas manchas e bebe a santidade.

Constituída assim a religião em fundamento de todas as leis sociais, não é difícil determinar as relações mútuas a estabelecer entre os membros para obter a paz e a prosperidade da sociedade. As diversas funções devem ser distribuídas da maneira mais proveitosa aos interesses comuns, e de tal modo, que a desigualdade não prejudique a concórdia.

Importa grandemente que os encargos sejam distribuídos com inteligência, e claramente definidos, a fim de que ninguém sofra injustiça. Que a massa comum seja administrada com integridade, e que se de-termine previamente, pelo grau de indigência de cada um dos membros, a quantidade de auxílio que deve ser concedido; que os direitos e os deveres dos patrões sejam perfeitamente conciliados com os direitos e deveres dos operários.

A fim de atender às reclamações eventuais que se levantem numa ou noutra classe a respeito dos direitos lesados, seria muito para desejar que os próprios estatutos encarregassem homens prudentes e íntegros, tirados do seu seio, para regularem o litígio na qualidade de árbitros.

Convite para os operários católicos se associarem

34. É necessário ainda prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho ao operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna.

Estas leis, contanto que sejam aceites de boa vontade, bastam para assegurar aos fracos a subsistência e um certo bem-estar; mas as corporações católicas são chamadas ainda a prestar os seus bons serviços à prosperidade geral.

Pelo passado podemos sem temeridade julgar o futuro. Uma época cede o lugar a outra; mas o curso das coisas apresenta maravilhosas semelhanças, preparadas por essa Providência que tudo dirige e faz convergir para o fim que Deus se propôs ao criar a humanidade. Sabemos que nas primeiras idades da Igreja lhe imputavam como crime a indigência dos seus membros, condenados a viver de esmolas ou do trabalho: Mas, despidos como estavam de riquezas e de poder, souberam conciliar o favor dos ricos e a protecção dos poderosos. Viam-nos diligentes, laboriosos, modelos de justiça e principalmente de caridade. Com o espectáculo duma vida tão perfeita e de costumes tão puros, todos os preconceitos se dissiparam, o sarcasmo caiu e as ficções duma superstição inveterada desvaneceram-se pouco a pouco ante a verdade cristã.

A sorte da classe operária, tal é a questão de que hoje se trata, será resolvida pela razão ou sem ela e não pode ser indiferente às nações quer o seja dum modo ou doutro. Os operários cristãos resolvê-la-ão facilmente pela razão, se, unidos em sociedades e obedecendo a uma direcção prudente, entrarem no caminho em que os seus antepassados encontraram o seu bem e o dos povos.

Qualquer que seja nos homens a força dos preconceitos e das paixões, se uma vontade pervertida não afogou ainda inteiramente o sentido do que é justo e honesto, será indispensável que, cedo ou tarde, a benevolência pública se volte para esses operários, que se tenham visto activos e modestos, pondo a equidade acima da ganância, e preferindo a tudo a religião do dever. Daqui, resultará esta outra vantagem: que a esperança de salvação e grandes facilidades para a atingir, serão oferecidas a esses operários que vivem no desprezo da fé cristã, ou nos hábitos que ela reprova. Compreendem, geralmente, esses operários que têm sido joguete de esperanças enganosas e de aparências mentirosas. Pois sentem, pelo tratamento desumano que recebem dos seus patrões, que quase não são avaliados senão pelo peso do ouro produzido pelo seu trabalho; quanto às sociedades que os aliciaram, eles bem vêem que, em lugar da caridade e do amor, não encontram nelas senão discórdias intestinas, companheiras inseparáveis da pobreza insolente e incrédula. A alma embotada, o corpo extenuado, quanto não desejariam sacudir um jugo tão humilhante! Mas, ou por causa do respeito humano ou pelo receio da indigência, não ousam fazê-lo. Ah, para todos esses operários podem as sociedades católicas ser de maravilhosa utilidade, se convidarem os hesitantes a vir procurar no seu seio um remédio para todos os males, e acolherem pressurosas os arrependidos e lhes assegurarem defesa e protecção.

Solução definitiva: a caridade

35. Vede, Veneráveis Irmãos, por quem e por que meios esta questão tão difícil demanda ser tratada e resolvida. Tome cada um a tarefa que lhe pertence; e isto sem demora, para que não suceda que, adiando o remédio, se tome incurável o mal, já de si tão grave.

Façam os governantes uso da autoridade protectora das leis e das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos seus deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo, dos seus interesses pelas vias legítimas; e, visto que só a religião, como dissemos no princípio, é capaz de arrancar o mal pela raiz, lembrem-se todos de que a primeira coisa a fazer é a restauração dos costumes cristãos, sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela prudência humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados. Quanto à Igreja, a sua acção jamais faltará por qualquer modo, e será tanto mais fecunda, quanto mais livremente se possa desenvolver.

Nós desejamos que compreendam isto sobretudo aqueles cuja missão é velar pelo bem público. Em-preguem neste ponto os Ministros do Santuário toda a energia da sua alma e generosidade do seu zelo, e guiados pela vossa autoridade e pelo vosso exemplo, Veneráveis Irmãos, não se cansem de inculcar a todas as classes da sociedade as máximas do Evangelho; façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S. Paulo as feições características com as seguintes palavras: «A caridade é paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna»(47).

Como sinal dos favores celestes e penhor da Nossa benevolência, a cada um de vós, Veneráveis Irmãos, ao vosso Clero e ao vosso Povo, com grande afecto no Senhor, concedemos a Bênção Apostólica.

Dada em Roma, junto de S. Pedro, a 15 de Maio de 1891, no décimo quarto ano do Nosso Pontificado.

PAPA LEÃO XIII


Notas

1. Alude-se aqui às Encíclicas «Diuturnum» (1831), «Immortale Dei» (1885), «Libertas» (1888).

1. Veja-se S. Tomás, Sum. Teol., I-II, q. 95, a. 4.

2. Dt 5,21.

3. Gn 1,28.

4. S. Tomás, Sum. Teol., 11-II, q. 10, a. 12.

5. Gn 3,17.

6. Tg 5,4.

7. 2Tm 2,12.

8. 2Cor 4,7.

9. Mt 19,23-24.

10. Lc 6,24-25.

11. S. Tomás, Sum. Teol., II-II, q. 66, a. 2.

12. Ibidem, q. 65, a. 2.

13. S. Tomás, Sum. Teol., 11-11, q. 32, a. 6.

14. Lc 11,41.

15. Act 20,35.

16. Mt 25,40.

17. S. Gregório Magno, in Evang., Hom. IX, n. 7.

18. 2Cor 8,9.

19. Mc 6,3.

20. Mt 5,3.

21. Ibidem, 11,18.

22. Rm 8,29.

23. Ibidem, VIII, 17.

24. Também Maquiavel, Discorsi, III, 1, afirma este princípio.

25. 1Tm 6,10.

26. Act 4,34.

27. Apolog., II, 39.

28. Trata-se da Encíclica «Immortale Dei».

29. S. Tomás, Sum. Teol., II-II, q. 61, a. 1 ad 2.

30. S. Tomás, De regimine princ. I, 15.

31. Veja-se o n. 12 desta Encíclica: Posse e uso das riquezas.

32. Veja-se o n. 17 e segs. desta Encíclica.

33. Gn 1,28.

34. Rm 10,12.

35. Ex 20,8.

36. Gn 2,2.

37. Gn 3,19.

38. Veja-se o n. 29 e segs.

39. Veja-se a Encíclica Libertas.

40. Eclo 4,9-12.

41. Pr 18,19.

42. S. Tomás, Contra impugn. Dei cultum et relig., II, 8.

43. Ibidem.

44. S. Tomás Sum. Teol., I-II, q. 93, a. 3 ad 2.

45. Mt 16,26.

46. Mt 6,32-33.

47. 1Cor 13,4-7.

INTEGRALISTAS VERSUS COMUNISTAS

A Verdade sobre a Batalha da Praça da Sé



Jorge Figueira

O dia 07 de outubro de 1934, a Praça da Sé, em São Paulo, entrou para história devido a um ataque terrorista praticado por grupos socialistas, em especial a Frente Única Antifascista (FUA), contra militantes integralistas que promoviam um ato para celebrar o aniversário de dois anos de existência da Ação Integralista Brasileira (AIB).

A marcha Integralista que teve início pela manhã já transformava a Avenida Brigadeiro Luís Antônio em um mar verde com mais de 10.000 milicianos marchando quando os primeiros incidentes entre comunistas e integralistas tiveram início.

O ponto alto desse conflito, porém, foi na Praça da Sé aonde se concentravam milhares de integralistas vindo de diversas ruas transversais da praça. Por sua vez, os comunistas armados de metralhadoras e escondidos nas sacadas dos prédios, principalmente no edifício chamado de Palacete Santa Helena observavam atentamente a concentração integralista e abriram fogo assim que houve um grande número de militantes concentrados, os tiros tiveram início e logo feriram diversos plinianos, blusas verdes e camisas verdes que ali se encontravam assistindo os discursos dos líderes.

O conflito da Praça da Sé durou cerca de uma hora, durante esse espaço de tempo os camisas verdes tentavam se proteger das metralhadoras comunistas. Alguns integralistas que eram militares, revidaram ao fogo, forçando finalmente os comunistas a se retirarem.

Os milicianos cariocas tiveram um importante papel nesta batalha, a milícia do antigo Distrito Federal marchava à frente do desfile, sendo dessa forma um dos grupos mais visados pelos comunistas que atiraram sobre os integralistas das janelas dos edifícios. Os camisas-verdes cariocas se comportaram com a maior das bravuras permanecendo na praça e entoando o hino nacional. Os dois legionários do Sigma que marchavam a frente da tropa se destacam, os camisas verdes Adhemar Dias de Oliveira e Idelvel Soleade Rebouças que era o porta-flama da milícia, marchando a frente da legião. Este último integralista, segundo o jornal paulista Diário da Noite, foi cercado por um grupo de comunistas que o agrediram a bengala e cacetetes. Desvencilhando-se dos seus agressores, o porta-flama da milícia carioca correu para o local onde se achava o seu chefe entregando-lhe o estandarte e tombando exausto em seguida.

O saldo do conflito foi sangrento, mais de 30 pessoas ficaram feridas e algumas foram assassinadas, entre elas estavam os integralistas Jayme Barbosa Guimarães, falecido no dia 08/10/34 e Caetano Spinelli, falecido mais tarde, em 23/11/34. Vale destacar que o miliciano Jayme Barbosa Guimarães devido a sua bravura durante o conflito foi promovido a Tenente-General pelo Chefe Nacional, inspirando outros integralistas de todo o Brasil a combaterem o comunismo.


Os comunistas demonstraram nesta ação sua índole terrorista ao atacar civis numa festividade comemorativa. E, ao contrário da bravata que costumam espalhar, os Integralistas dominaram a Praça da Sé, de onde expulsaram os comunistas. Ao contrário do que se disse na época, e afirmam nos dias de hoje, o integralismo entre 1934 e 1937, quando a AIB foi fechada, cresceu e se multiplicou, ao contrário das organizações comunistas, até chegar a cerca de 1 milhão de adeptos, pois o ataque da Praça da Sé, com os dois Mártires que gerou, acabou por servir como Propaganda ao Movimento, e comprovou o caráter terrorista e antidemocrático dos comunistas. Encerro esse artigo com a frase publicada no Jornal A Offensiva do dia 11/11/34 do grande integralista Brigadeiro Arthur Thompson sobre os acontecimentos do 7 de outubro de 1934:
“Nós voltaremos a São Paulo quantas vezes forem necessárias”.

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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Oswaldo Teixeira e a capa da revista Anauê!

Oswaldo Teixeira e a capa da revista Anauê!



Em 01 de Janeiro de 2010 por Jorge Figueira

O cartaz que ilustra este artigo foi produzido pelo artista, ganhador de diversos prêmios nacionais, internacionais e membro da Academia Brasileira de Belas Artes, Sr. Oswaldo Teixeira (1904-1974). Veiculada pela primeira vez na capa da revista Anauê! Nº. 2 de 1935, veio a tornar-se uma das imagens mais marcantes da Acção Integralista Brasileira (1932-1937).

Ela representa, principalmente, a presença do Integralismo em todo o território nacional, pregando assim o Sigma e mostrando com esta ação o objetivo da AIB: unificar o Povo Brasileiro em torno de uma Doutrina Espiritualista. Além desta análise, pode-se observar que o Integralista uniformizado que se encontra pregando o Sigma no mapa é um jovem de imagem heróica pronto para se sacrificar pelo bem do Brasil.

A opção por desenhar um jovem não foi por mero acaso, o Integralismo nos anos 30 era composto em sua maioria de jovens moços, contrariando muitos pesquisadores que insistentemente sugerem que a Acção Integralista Brasileira era composta em sua maioria pela classe média e o clero, portanto, nada mais fiel do que retratar um jovem caracterizando um novo amanhã.

A imagem deste cartaz é inspirada nitidamente no realismo heróico, que foi um estilo artístico de propaganda muito utilizado pelos movimentos políticos dos anos 30 no Brasil e no mundo. Embora boa parte da utilização do realismo heróico estivesse confinada às propagandas Socialistas, a imagem criada por Oswaldo Teixeira resgata essa representação artística para o movimento nacionalista, e prioriza principalmente as cores fortes para demonstrar força, poder e nacionalidade sem ofuscar o elemento heróico do Integralista comum.

O cartaz como meio de comunicação de massa teve seu apogeu entre os anos 30 e 40. Tornou-se um recurso popular para a divulgação de idéias e conceitos dos movimentos políticos transformando-se num canal direto entre os governos e as massas de cidadãos que viviam nos grandes centros urbanos. Não se sabe se o autor ao criar esta imagem tinha pretensões que ela se tornasse um poderoso cartaz de propaganda do Integralismo, porém, pode-se afirmar com certeza que isto aconteceu, sendo usado, mais de 70 anos depois, pelo Movimento Integralista atual.

Para que se possa entender como a imagem que ilustra o artigo tem uma imensurável importância no Integralismo, podemos fazer um paralelo com a imagem do Chefe Nacional Plínio Salgado. Nos Núcleos Integralistas espalhados pelo Brasil era obrigatório que estivesse presente a imagem do Chefe Nacional, onde todos os novos militantes Integralistas deveriam proclamar solenemente, diante do retrato do Chefe, a seguinte promessa: “Juro por Deus e pela minha Honra trabalhar pela Acção Integralista Brasileira, executando sem discutir, as ordens do Chefe Nacional e dos meus superiores hierárquicos”. Este juramento era uma diretriz dos Protocolos e Rituais da AIB. Para a imagem do Sr. Oswaldo Teixeira, não havia nenhuma resolução nos Protocolos e Rituais da AIB que fizessem a sua presença obrigatória dentro do Núcleo, porém, muitas dessas imagens foram destacadas da revista “Anauê!” e colocadas nos Núcleos a fim de simbolizar a unidade nacional do Integralismo.

Buscando informações sobre esta ilustração e sobre seu autor me deparei com um imenso vácuo histórico que há sobre ambos. O artista Oswaldo Teixeira foi durante as décadas de 50 e 60 renegado ao exílio da historia artística nacional, justamente por ter contribuído artisticamente para o Integralismo. Para se encontrar algo sobre esse grande brasileiro foi uma verdadeira cruzada. Já a revista “Anauê!”, apenas o Centro Cultural Arcy Lopes Estrella possui o exemplar digitalizado, é uma pena que outros arquivos e bibliotecas públicas não possuam este material para disponibilizar aos pesquisadores interessados sobre o assunto, talvez seja por este motivo que não haja outros estudos mais aprofundados sobre o tema.

Por Jorge Figueira
Artigo retirado do boletim Bandeira do Sigma, nº. 5 de 2009

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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

HOLOCAUSTO RUSSO!

AS PESSOAS LEMBRAM SÓ DO QUE LHES CONVÉM

Deixando de lado a questão política, mas fazendo um paralelo entre os judeus mortos que são sempre lembrados e os russos que foram completamente esquecidos. Seriam os russos menos importantes que os judeus para que os seus sacrifícios não sejam lembrados? A União Soviética perdeu cerca de 27 milhões de pessoas durante a guerra (PORQUE NINGUÉM LEMBRA DELES?), cerca de metade de todas as vítimas da Segunda Guerra Mundial. Do total de mortes na II Guerra Mundial.

Civis russos mortos por soldados da Wehrmacht

Em 19 de Novembro de 1943, a contra-ofensiva soviética tinha início. Os aliados esperariam para ver, até decidirem a abertura de uma segunda frente que apenas se concretiza no ano seguinte. A história da guerra contra os invasores nazistas continua a ser mal contada, sobrevalorizando-se o papel dos EUA na derrota de Hitler e tentando apagar-se o esforço russos – militares e popular, na resistência e, por fim, na vitória. Também no que toca às vítimas do nazismo se assiste à mesma tentativa de apagamento, sublinhando-se apenas a morte de judeus e «esquecendo-se» os milhões de mortos soviéticos na guerra. Para avivar a memória, publicamos hoje um artigo do general russo Grigori Krivocheiev, divulgado pela Agência RIA, que recorda números terríveis. Que não podem ser esquecidos.


Morreram e desapareceram…

Um milhão de pessoas morreram em Stalingrado

Em Junho de 1941, sete países proclamaram uma guerra contra a União Soviética – Alemanha (em 22 de Junho), Itália (em 22 de Junho), Roménia (em 22 de Junho), Hungria (em 27 de Junho), Finlândia (em 26 de Junho) e os governos fantoches da Eslováquia (em 23 de Junho) e da Croácia.

Além dos países que proclamaram guerra contra a Rússia, nas ações de combate participaram unidades militares integradas por cidadãos da Albânia, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polónia, Sérvia, França, Chéquia e Suécia.

Do lado da Alemanha combateram a divisão dos cossacos comandada por B. Steifon, a 15.ª divisão dos cossacos comandada por Von Panvits e algumas outras unidades integradas por cidadãos da União Soviética.

As consequências mais graves da Segunda Guerra Mundial para a Rússia foram as perdas humanas avaliadas em 26,6 milhões de pessoas. Nunca antes, na história da Rússia, foram registadas perdas tão numerosas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, só a Alemanha e a Rússia recrutaram para as suas forças armadas cerca de 56 milhões de pessoas. Em geral, naquela guerra participaram cerca de 120 milhões.

Os companheiros dos soldados russos: Um punhado de balas e um rifle velho.

Nos anos da guerra, para as Forças Armadas da Rússia foram mobilizados 35 milhões de soldados efetivos. Trata-se de um número igual ao das populações da Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia e Finlândia. Além disso, foram recrutadas 490.235 mulheres e 219.645 homens maiores de 50 anos, ou seja, não sujeitos ao serviço na tropa.

As novas pesquisas dos materiais estatísticos do Estado-Maior General (EMG) das Forças Armadas russas permitiram determinar que nos anos da guerra as Forças Armadas russas perderam 11 milhões de pessoas. Trata-se dos efetivos mortos nas batalhas, desaparecidos, mortos em hospitais em consequência de feridas ou doenças adquiridas e aprisionados.

Entre as perdas sofridas, o número dos desaparecidos é grande. De acordo com os documentos do EMG, da totalidade de 11 milhões de vítimas da guerra, 5 milhões de pessoas desapareceramcorresponde a 42,3%. ou foram aprisionadas. Isto É de supor que nem todos os desaparecidos fossem aprisionados. A análise de documentos do comando alemão permitiu concluir que cerca de 450.500 militares deste número morreram, ficaram a viver nos territórios ocupados ou juntaram-se aos guerrilheiros. Quanto ao número de aprisionados, é de 4 milhões e meio.

Estas estatísticas são provadas pelas informações do comando das tropas terrestres da Alemanha publicadas na revista das ações de combate da Bundeswehr. De acordo com as referidas informações, até 20 de Dezembro de 1942 as tropas alemãs aprosionaram 3 milhões e meio de militares russos. Este número é quase igual às estatísticas do EMG russo.

A brutalidade em relação aos prisioneiros russos provocou uma alta taxa de mortalidade. Assim, o historiador Kristian Streit afirma que da totalidade de 3,4 milhões de prisioneiros de guerra russos nos fins de Janeiro de 1942, ficaram vivos só 1,4 milhões. Os demais 2 milhões foram executados ou morreram de frio ou fome. Centenas de milhares de pessoas foram liquidadas pelos destacamentos da SD por motivos políticos ou de raça.

Alguns analistas afirmaram que as perdas da URSS na Segunda Guerra Mundial foram 14 vezes maiores do que as da Alemanha.

Após muitos anos de estudo conseguiu-se compor o balanço dos efetivos das Forças Armadas da Alemanha na guerra.

Assim, em 1 de Setembro de 1939, as tropas alemãs contaram com 3 milhões efetivos. No período de 1 de Junho de 1939 a 30 de Abril de 1945 foram recrutados mais 18 milhões. Desta forma, o número total é de 21 milhões.

Nas vésperas da capitulação da Alemanha, as suas tropas contaram com 4.100 000 militares, enquanto em hospitais no território alemão permaceream mais 700.000.

Na guerra foram mortas 16.307 000 pessoas.

Deste número:

a) baixas irrecuperáveis – 11.844 000 pessoas. São efetivos mortos no campo de batalha ou nos hospitais. Desapareceram 4.457 000 pessoas. Foram aprisionadas 7.387 000 pessoas.

b) outras baixas – 4.463 000 pessoas.

Deste número foram reconhecidos como inválidos ou fugiram 2.463 000 efetivos. Foram desmobilizadas e encaminhadas para o trabalho na indústria 2 milhões de pessoas.

Em geral, as perdas irrecuperáveis da Alemanha e dos seus aliados na frente russo-alemã (1941-1945) constituíram 8.649 3000 pessoas. Regressaram da prisão depois da guerra 3.572 600 pessoas. Desta forma, as perdas demográficas do adversário totalizaram 5.076 400 pessoas (em Julho de 1992 este índice foi corrigido até 6.923 700 pessoas). Assim a correlação entre as perdas russas e as perdas dos adversários nos anos de guerra foi de 1,5:1.

VOCÊ QUER SABER MAIS?

MEDEIROS, Carlos (2008) Desenvolvimento econômico e ascensão nacional: rupturas e transições na Rússia e na China. p. 173-273. in: FIORI, José L.; SERRANO, Franklin & MEDEIROS, Carlos A. (2008) O mito do colapso americano. Ed. Record: SP e RJ.

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/614785/Union-of-Soviet-Socialist-Republics

http://countrystudies.us/russia/14.htm

As ruínas da cidade integralista.

As ruínas da cidade integralista



Em 30 de Março de 2009 por Jorge Figueira

A Cidade de São João Marcos fundada em 1937 no Rio de Janeiro, surgiu fruto das riquezas do café, suas construções ricas em arquitetura do período pós-colonial foram reflexo das riquezas trazidas pela expansão do café durante o período de ouro no Vale do Paraíba, 1850 a 1870. Esta região mostrou-se favorável ao cultivo do café graças as suas condições geográficas excepcionais, expandindo seu cultivo ate o Estado de São Paulo. Em razão destas características a Cidade de São João Marcos era a residência de grandes produtores de café e o pólo cafeicultor destes mesmos senhores, que abasteciam o mercado Europeu.

Como ocorreu em todo o Vale do Paraíba, a abolição dos escravos e a destruição do solo por conta do cultivo predatório da monocultura decretaram o fim do período de ouro do café, levando as regiões que surgiram e dependiam desta cultura a uma crise econômica, contudo a Cidade de São João Marcos resistiu a este período de decadência econômica graças à construção da Estrada de Ferro no ano de 1907, que ligou a cidade de Barra Mansa à Angra dos Reis. A ferrovia fez, portanto ressurgir a economia local.

Mesmo após o reaquecimento da cidade, em 1909 partes da cidade começaram a ser cedidas para a construção da represa de Lages, que teria como função abastecer vários municípios da região sul-fluminense com água e energia elétrica. Para temos uma idéia hoje da importância desta construção ela hoje fornece cerca de 11% da água consumida na cidade do Rio de Janeiro.

Durante a construção da represa a cidade começou a ser destruída, mesmo em 1939 quando o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou a cidade esperando que o processo de destruição descontinuasse. Getulio Vargas, então presidente dotado de poderes ditatórios, decidiu revogar a condição de patrimônio histórico da cidade para facilitar os planos de expansão da represa. As terras foram, portanto, desapropriadas e seus habitantes expulsos.

Há alguns relatos que apóiam a tese de a cidade ter sido destruída por ser uma cidade Integralista, onde os cidadãos não se conformavam com o fato do Governo Federal pôr na ilegalidade os partidos políticos, incluindo a Ação Integralista Brasileira e assim resistiam a qualquer intervenção do governo estadual ou federal.

Mais uma vez podemos constatar na história desta pequena cidade de grande importância cultural, que o hoje endeusado ditador Getúlio Vargas, mais uma vez demonstrava sua atitude autoritária expulsando famílias com o uso de força policial, sem dar o devido direito à defesa aos moradores e à cultura nacional, que foi completamente ignorada por ele neste caso.

Por Jorge Figueira

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As histórias do Integralismo contadas pela cidade maravilhosa

As histórias do Integralismo contadas pela cidade maravilhosa


Em 29 de Novembro de 2008 por Jorge Figueira

A cidade do Rio de Janeiro pode se orgulhar de ter sido, durante os anos de 1930, uma importante coadjuvante na história do Integralismo. Apesar de todas as transformações pela qual nossa cidade passou, pode-se através de uma análise minuciosa vislumbrar locais históricos importantes para a Acção Integralista Brasileira (1932-1937).

Muitos desses locais são as ruas e avenidas que movimentam a cidade. Através dos desfiles promovidos pelos camisas-verdes ocorridos no Rio de Janeiro é possível observar a força da AIB. Dentre tantas manifestações podemos destacar a marcha dos 50 mil, onde o Chefe perpétuo do Integralismo, Plínio Salgado, assistiu ao desfile dos integralistas próximo ao saudoso Hotel Glória. Hoje o hotel encontra-se no mesmo local, imponente e deslumbrante, mantendo seu jardim com o mesmo mirante onde Plínio Salgado avistou as tropas Integralistas.

Podemos destacar também o histórico Palácio da Guanabara, residência oficial do então ditador Getúlio Vargas. Esta imponente construção, edificada por volta de 1853, foi cenário de um dos principais eventos do Estado Novo: a tentativa de pôr fim a ditadura varguista pelos Integralistas, liderados por Belmiro Valverde. Infelizmente, a tentativa não obteve êxito, desencadeando a morte e prisão de inúmeros Integralistas pela policia política de Vargas, porém as histórias e mistérios sobre este fatídico onze de maio continuam indissolúveis para a história da civilização brasileira.

Após este desfecho trágico na historia da AIB, poucos sabem o que ocorreu com os Integralistas, na versão oficial sabe-se que muitos foram perseguidos, presos e torturados e outros fugiram para o exílio, mas pouco se fala sobre o que ocorreu com os que foram presos no ato da tentativa de destituir Getúlio Vargas.

Após a prisão, foi instituído o Tribunal de Segurança Nacional para julgar os participantes do assalto ao Palácio Guanabara, este Tribunal ficou hospedado no então colégio Alberto Barth, no bairro do Flamengo. Podemos, graças ao trabalho de conservação da direção da escola municipal, vislumbrar uma edificação que teve um importante papel na história do Integralismo e até hoje é desconhecido para muitos camisas-verdes. Infelizmente não possuímos acesso aos documentos que relatam o processo judicial que ocorreu neste ultrajante Tribunal de Segurança Nacional.

Aconselhamos, portanto, que visite não só estes locais como muitos outros que fizeram parte da historia do Integralismo. A sua simples visita e curiosidade por locais que fazem parte de nossa história podem somar ao interesse pela história do movimento.

Por Jorge Figueira

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terça-feira, 5 de outubro de 2010

PLÍNIO SALGADO, O CANDIDATO DO POVO.

O CANDIDATO DO POVO
Manoel Ferraz Hasslocher
(Diretor da Revista “Anauê!”)



Embora Plinio Salgado, Chefe Nacional da Acção Integralista Brasileira, tenha, mais de uma vez affirmado em artigos, livros, discursos e conferencias, que os regimens dictatoriaes só são
acceitos por povos barbaros, os adversarios ignorantes e inescrupulosos do Sigma ainda procuram atacar o movimento dos “camisas verdes” dizendo-o ser anti-democratico. Essa a pecha com a qual procuram comprometter o Integralismo perante o povo brasileiro. Porém o Chefe Nacional tem sabido com factos concretos, materiaes, destruir tal affirmação a todo momento fazendo os seus soldados participarem da responsabilidade de orientação e de direcção do movimento integralista. O plebiscito realizado no mez maio, é uma das provas mais
evidentes e tocantes de que o Chefe Supremo confia, de modo absoluto no criterio, no bom senso, na honestidade e na consciencia de seus commandados porque só a elles entregou a solução do gravissimo problema concernente á escolha de um candidato que, nas proximas eleições presidenciaes, deverá comparecer perante o eleitorado do paiz, desfraldando a bandeira
Azul e Branca dos principios fundamentaes da Doutrina do Sigma. Por isso, em todos os nucleos do Brasil, no mesmo dia e na mesma hora, os “camisas verdes” foram chamados a dizer, alto e bom som, sem constrangimento de qualquer especie, livremente manifestando o seu pensar, qual o companheiro que julgavam dever represental-os como candidato á Presidencia da Republica na
proxima jornada eleitoral. Esse o mais vivo e puro acto de fé e confiança democratica já
praticado entre nós pela Chefia de quaesquer dos movimentos ou partidos politicos em outros tempos existentes, ou que ainda actuem no scenario nacional. Eis porque não poderá haver
candidato mais democratico do que aquelle que se originou desse plebiscito. Pois este não é fructo de conchavos, de combinações partidarias, de accordo entre governadores representantes de
oligarchias regionaes, porém a verdadeira expressão do querer de mais de oitocentos mil brasileiros que o apontaram á Nação como digno e capaz de conduzi-la para o seu engrandecimento e gloria. Plínio Salgado é, portanto, o unico candidato do Povo. Sem contar com a protecção dos palacios, dos magnatas das altas finanças, dos chefetes eleitoraes, elle e os seus adeptos têm trabalhado com desinteresse e denodo, na realização da mais vasta obra de organização nacional até hoje planejada no Brasil. Obra essa que já vem sendo executada com grande exito por todos os quadrantes do paiz, atravez de centenas e centenas de lactarios, ambulatorios e postos medicos, escolas, restaurantes populares, centros de assistencia e muitas outras iniciativas que bem attestam o dynamismo e a efficiencia do pensamento politico e social da Acção Integralista Brasileira. E tudo isso é feito apenas com a collaboração e auxilio de brasileiros. Nem um nickel siquer, para tal fim, sahiu dos thesouros publicos ou das caixas fortes do Capitalismo Internacional. Esta a esplendida folha de serviços já prestados á nossa Pátria
por Plinio Salgado, a magnifica credencial com que milhares e milhares de brasileiros o indicaram á Nação na qualidade de legitimo representante do Povo, candidato que só ao Povo entrega
o destino da sua candidatura á Presidencia da Republica.

(Transcrito da Revista “Anauê!”, Rio de Janeiro, Anno III,
Numero 17, 1º de Julho de 1937, pág. 11. Foi conservada a grafia
do original.)

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VINICIUS DE MORAES FOI INTEGRALISTA?

Afinal, vestiu – ou não – a camisa-verde dos integralistas?



Poucos são os escritores, tanto poetas quanto prosadores, que merecem a atenção – uma desmesurada atenção – dos resenhistas ou noticiaristas da mídia, como o poeta, o cronista e autor de musica popular Vinicius de Moraes, atenção que culminou, há poucos anos, com a publicação de sua Poesia completa e prosa, volume imenso de 1.571 paginas, pela Nova Aguilar, em 1998, e que prossegue, incansavelmente, sem perspectiva de interrupção. Não se pretende, aqui, mergulhar na produção intelectual de Vinicius. A outros, e em melhor oportunidade, já foi dada esta chance, em paginas inúmeras de jornais de grande circulação, onde as suas mutações são devidamente avaliadas. Um momento, entretanto, da existência de nosso poetinha (como por muitos e denominado) merece aqui ser anotado: o que se encerra em seus primeiros livros, aos
quais Octavio de Faria dedicou a metade e uma substanciosa obra, a outra metade dedicada a Augusto Frederico Schmidt: Dois poetas. No volume da Nova Aguilar, essa fase e classificada como O sentimento de sublime e, por ela, Vinicius e associado ao grupo de intelectuais brasileiros prenhe da agonia católica, onde se agasalhavam vultos como o citado Schmidt, o próprio Octavio, Otto Lara Resende, Pedro Nava, etc...
Estamos na época pos-revolução de 1930, quando no Brasil uma juventude sequiosa de mudanças políticas e sociais se atirava febrilmente para compor as hostes da Ação Integralista Brasileira, cuja doutrina, o Integralismo, fora lançado por um escritor de projeção, Plínio Salgado, ou para os quadros do Partido Comunista Brasileiro, então em grande fermentação, juntamente com outros movimentos de esquerda que nãoaceitavam a submissão religiosa que seus acólitos votavam a Stalin. Foi o momento em que universitários da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, como San Thiago Dantas, Antonio Galotti, Vicente Chermont de Miranda também conviveram com Vinicius de Morais. Com uma característica, entretanto: quase todo grupo do celebre CAJU envergava a camisa-verde do Integralismo. O que acontece, porem, com Vinicius?
Vestiu ele – ou não – a camisa-verde?... Um depoimento taxativo, a nosso ver, soluciona o problema. Esta la, no livro de Joel Silveira e Genaton Moraes Neto, Hitler- Stalin, o pacto maldito (ed. Record, RJ, 1989. p.464), o depoimento do jornalista Pompeu de Souza, claramente escrito:
“Conheci companheiros nossos usando camisa-verde, como Neiva Moreira, San Tiago Dantas, Dom Helder Câmara. Depois que o tempo passa, a gente faz a síntese a partir da tese e da antítese e chega a seguinte conclusão: naquela época, as contradições e os problemas eram tão gritantes que quem tivesse caráter ou era comunista ou era integralista nesse pais. Eu não compreendia os integralistas; odiava-os e brigava com eles. E ate Vinicius de Moraes eu cheguei a conhecer de camisa-verde, embora depois ele negasse terminantemente. Mas eu conheci magrinho – e de camisa-verde” Vinicius de Moraes, então, se vestiu a camisa-verde, grande honra para ele, pois ela foi uma característica marcante na vida política e cultural brasileira de grande parte do século XX, marcando profundamente o ritmo histórico do Brasil. E se desistiu, no meio do caminho, embrenhando-se em rumo diferente, abandonando os seus companheiros, não há porque recriminá-lo: ele usufruiu de uma característica fundamental do ser humano – o direito de escolha.
Para o bem ou para o mal.
Autor: Gumercindo Rocha Dorea

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A HISTÓRIA DO JORNAL INTEGRALISTA AÇÃO.

O JORNAL INTEGRALISTA AÇÃO



O Jornal Ação (1936-1938), foi um periódico em formato de tablóide diário fundado em São Paulo pela Ação Integralista Brasileira (AIB). Seus principais diretores eram Alfredo Egidio de Souza Aranha e Miguel Reale. Este jornal como outros 87 periódicos faziam parte de um consorcio jornalístico denominado; ‘Sigma’ – ‘Jornais Reunidos’, subordinado à Secretaria Nacional de Propaganda e a Secretaria Nacional de Imprensa (SNI). O primeiro numero de Ação, editado a 7 de outubro de 1936, apresentava um editorial de autoria de Miguel Reale intitulado “O destino das maquinas”. Nele era mencionada que as impressoras Marinoni tinham “ritmos precisos” e representavam a “consubstanciação esplendida do poder da inteligência”, e que essa gráfica já servira a diferentes objetivos: “Agora, nesta mesma oficina, este mesmíssimo prelo vai ensinar outra linguagem, vai falar aos homens uma linguagem nova. Liberal anteontem, comunista ontem, Integralista hoje. Que seqüência maravilhosa na historia destas maquinas”. E prosseguia: “Este prelo d´ação não será usado para outro fim que não seja o da felicidade, educação e grandeza do Brasil”. Nesta primeira edição do jornal eram ainda homenageados os “heróicos operários integralistas vitimados pelas balas assassinas de comunistas covardemente entocaiados”,(largo da Sé, São Paulo, 7 de outubro de 1934), e era anunciado o fechamento da AIB na Bahia, com a observação de que “o enfraquecimento do integralismo representa uma vantagem para os comunistas”. A linha editorial de Ação era definida e reiterada pelos ideais integralistas. Assim é que desde o primeiro numero do jornal o Integralismo era reafirmado como um partido nacional, visto que neste ano a Ação Integralista Brasileira começava a deixar de ser um movimento cívico e cultura e passava a se tornar um partido político. Nessa mesma
primeira edição, o Chefe Nacional Plínio Salgado assinava um artigo em que afirmava: “Ate há pouco, no jogo das forcas políticas, levaram-se em linha de conta três grandes estados: São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Agora pode-se dizer que apareceu um quarto grande estado, que é o Integralismo.” E mais adiante: “O partido nacional ‘constitui apenas um dos aspectos do nosso prodigioso movimento’, pois somos, alem disso, uma ‘ação cultural’, uma ‘ação educacional’, uma ‘ação social’. Duas eram as preocupações centrais da linha editorial de Ação: a promoção e reafirmação dos ideais integralistas, e o combate ao comunismo. Coerentemente ao programa da Ação Integralista Brasileira, o nacionalismo ocupava lugar de destaque nas paginas do jornal. Em setembro de 1936 (edição do dia 15), o jornal Ação publicou uma entrevista de Monteiro Lobato (simpatizante do Integralismo), na qual este afirmava: “A minha única esperança esta em vocês
Integralistas. A verdade sobre a nossa economia está nos livros de Gustavo Barroso.” O jornal Ação foi um importante instrumento para candidatura do Chefe Nacional Plínio Salgado, foi através das paginas do periódico que Plínio Salgado fazia abertamente campanha a Presidência da Republica: “O Integralismo não é ditadura, nem extremismo da direita, como alardeiam os ignorantes ou os de má-fé” (manchete da edição de 8 de dezembro de 1936). Outro exemplo de como foi utilizado o jornal para mostras a face democrática do Integralismo e o artigo assinado por Miguel Reale, “A democracia e o Sigma”, publicado na edição de 7 de maio de 1937, onde se lê: “A democracia sempre foi o nosso ideal. E foi por amor à democracia que repudiamos o liberalismo e o socialismo, que dela se têm servido como mero instrumento, ora para a prepotência das minorias plutocráticas, ora para a exploração demagógica dos sofrimentos populares.” Depois do golpe do Estado Novo (10/11/1937), a campanha anticomunista ganhou novo vigor. Em 11 de novembro o jornal informou que a AIB, a partir daquela data, transformava-se apenas num centro de estudos e educação moral, cívica e física. A partir de então, igualmente, a linha editorial de Ação colocou ênfase no noticiário internacional, com destaque para a Guerra Civil Espanhola. Em 23 de abril de 1938 circulou o ultimo numero de Ação (n.464), com direção de Miguel Reale, secretaria de Paulo Paulista e gerencia de Jose Ribeiro de Barroso, no artigo de fundo dessa edição não existe uma explicação para o desaparecimento do jornal, mas uma reafirmação da esperança do ideal semeado: “Esta tribuna vai desaparecer; nós não conversaremos mais com o Brasil através das colunas de Ação; porém, isso não significa que temos desaparecido: há no coração de todos nós uma chama sempre viva acalentando um ideal e o ideal não morre quando uma tribuna desaparece!”.

Fonte: Ação; CHASIN, J. Integralismo.

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Breve resumo sobre a História do Integralismo

RESUMO DA HISTÓRIA DO INTEGRALISMO



No começo de 1932, Plínio Salgado iniciou à articulação de diversos grupos nacionalistas fundando, no mês de Fevereiro, a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), reunindo intelectuais de pensamento nacionalista. O sucesso dessa iniciativa levou à criação, em Outubro daquele ano, da Ação Integralista Brasileira (A.I.B.).
O Manifesto Integralista lançado em 07 de Outubro de 1932, resume o ideário básico da nova organização: Espiritualismo, justiça social, nacionalismo, democracia, corporativismo, combate ao liberalismo (político e econômico) e rejeição ao socialismo. A A.I.B. apresentava uma estrutura hierarquizada, cabendo ao próprio Plínio Salgado, como Chefe Nacional, a liderança. A Ação Integralista Brasileira criou uma série de exterioridades, dotando o Movimento de uma Mística profunda e de uma unidade inquebrantável: O Sigma, letra grega, que simboliza o somatório de todos os valores nacionais; a Saudação Anauê, palavra Tupi, que significa “Tu és meu Irmão!”; o uniforme, a heróica Camisa-Verde; os diversos Rituais, como as Matinas de Abril, a Noite dos Tambores Silenciosos, e diversos outros; os Desfiles, etc. O lema “Deus, Pátria e Família” sintetiza perfeitamente o conteúdo doutrinário do ntegralismo. Nos anos que se seguiram à sua fundação, a A.I.B. teve rápido crescimento. Em Abril de 1933 realizou seu primeiro desfile público em São Paulo e em Fevereiro do ano seguinte reuniu seu I Congresso Nacional, em Vitória (ES).
Plínio Salgado era auxiliado por um Conselho Nacional, com funções consultivas, e por
departamentos nacionais. A Milícia Integralista foi extinta por Plínio Salgado em 1935. A A.I.B. possuía uma importante estrutura de imprensa, composta por diversos jornais e revistas, um órgão oficial, o “Monitor Integralista”. O principal periódico Integralista era “A Offensiva”, o maior jornal diário do Brasil e o primeiro a circular em todo o território nacional. A A.I.B. foi o primeiro partido político organizado nacionalmente no Brasil Republicano. O número de adesões foi imenso. Em 1937, quando foi ilegalmente fechada, contava com mais de um milhão e meio de filiados. Em 12 de Junho de 1937, a A.I.B. lançou Plínio Salgado como candidato à eleição presidencial prevista para Janeiro de 1938. A eleição, contudo, não se realizou em virtude do golpe do Estado Novo, em 10 de Novembro de 1937. Em Dezembro de 1937, Vargas decretou o fechamento de todos os Partidos Políticos, e entre eles encontrava-se a AIB. Em maio de 1938, os Integralistas, unidos as demais forças democráticas do País, tentaram derrubar o Ditador e restabelecer a Democracia e o Estado de Direito, mas a Revolução fracassou. A perseguição aos Integralistas foi brutal e selvagem, muitos morreram, outros foram superlotar as prisões da Ditadura. Plínio Salgado foi exilado em Portugal. Durante os anos do obscurantismo totalitário estadonovista (1937/1945), o Integralismo não esmoreceu, mesmo na clandestinidade continuou atuando, inclusive, criando organizações NÚCLEOS NTEGRALISTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO legalizadas, como a Cruzada Juvenil da Boa-Imprensa, o Auxílio às Famílias Empobrecidas, o Apollo Sport Club e outras.
Em 1945, pressionado pelo Integralismo e demais correntes democráticas do País, o Exército derruba o Ditador, pondo fim ao mais bárbaro e sanguinário Governo da História do Brasil. Em Setembro desse mesmo ano, os Integralistas fundam o P.R.P. - Partido de Representação Popular. O P.R.P., apesar de não ter conseguido o mesmo grau de popularidade da antiga A.I.B., obteve resultados político-eleitorais muito mais expressivos elegendo Governadores, Senadores, Deputados Federais e Estaduais e uma gigantesca quantidade de Prefeitos e Vereadores. Mas, o Integralismo não se limitou ao P.R.P., criando diversas outras organizações, de âmbito nacional ou regional: Instituto Brasileiro de Cultura, Guanabara Football Club, União Operária e
Camponesa do Brasil, Confederação dos Centros Culturais da Juventude, Associação Cívico-Cultural Minuano, etc. Também nessa fase, o Integralismo teve os seus periódicos como, por exemplo, os jornais “Idade Nova” e “A Marcha” e a revista “Avante!”. Em 1964, os Militares derrubam o Presidente Goulart, todos os Partidos Políticos são fechados (entre eles o P.R.P.), uma nova Constituição é promulgada, cassações políticas ocorrem, etc. Os Integralistas continuam suas atividades, mas, em associações civis políticoculturais. É fundada a Cruzada de Renovação Nacional, como reforço a atuação das organizações citadas no parágrafo anterior. São fundados novos jornais, como “Renovação Nacional” e “Renovação Trabalhista”, entre outros.
No dia 07 de Dezembro de 1975, falece em São Paulo o Fundador do Integralismo, Plínio
Salgado. Mas, o Movimento Integralista prossegue. Na década de 80, entre outras importantes iniciativas destacam-se a fundação da Casa de Plínio Salgado e a recriação da Ação Integralista Brasileira, cujas atuações adentram os anos 90. Surgem os jornais “O Integralista”, “A Voz do Oeste”, “Ação Nacional”, etc. Ainda na década de 90, cabe destacar a ação do Centro Cultural Plínio Salgado, em Rio do Ouro (São Gonçalo, RJ), que exerceu grande influência em todo território nacional. Variados periódicos circularam nesse período. O Século XXI abre-se com o Centro de Estudos e Debates Integralistas, pioneiro na utilização da Internet para a difusão da Doutrina do Integralismo. Em Dezembro de 2004, realiza-se em São Paulo, com o apoio da Casa de Plínio Salgado, um Congresso Nacional Integralista, onde é fundada a Frente Integralista Brasileira – F.I.B., que é na atualidade a única organização do Integralismo há nível nacional.
Pelo bem do Brasil!
Anauê!
Sérgio de Vasconcellos.

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CARTA DE JUSCELINO KUBITSCHEK PARA PLÍNIO SALGADO.

Carta enviada a Plínio Salgado a respeito do seu livro “13 anos em Brasília” e a construção da nova capital Brasileira.



Meu caro Plínio.
Seu livro “13 Anos em Brasília” impressionou-me profundamente. A criticá-lo não me
atrevo, elogiá-lo será supérfluo. O livro impõe-se por dois fatores essenciais: o renome universal do Autor e a divulgação sócia-política de Brasília, irreversível desde que homens de seu porte moral e intelectual, com o conhecimento esmiuçado e sistemático dos problemas nacionais e
apoiaram sem restrições. Lendo o livro, ocorreu-me imediatamente outro, de ferrenho adversário nosso, “El imperialismo d”El Brasil” e que me foi oferecido pelo nosso comum amigo, Guimarães Rosa. O publicista boliviano percebeu um relance a significação de Brasília, pressentida desde o século XVIII e preparada pelo grito que você, meu caro Plínio, deu conclamandotodos para a marcha rumo Oeste. O seu livro não e um depoimento, mas, como diz muito bem, a interpretação de Brasília, no tempo e no espaço e o que você escreve a pagina 29 sobre a carga demográfica do mundo e o risco que ocorrem terrenos desocupados, os espaços ociosos, e a expressão da verdade, de uma observação que reflete o cruel realismo que dirige a historia Moderna, possuidora desses métodos sumários de destruição que são as armas
modernas. Todavia o seu livro não engloba apenas os problemas sociais, econômicos ou administrativos. Você vai alem e desce a minúscula admiráveis: frutas silvestres, o artesanato simples da terra e ate mesmo o som choroso das violas. A descrição de sua viagem lembra os roteiros que fazem a fascinação do leitor – e eu, tão generosamente citado por você, não sei expressar o que verdadeiramente sinto, a impressão que o livro me deixou e que vai ficar nas letras para a posteridade como a maior justificação de Brasília. Por tudo, por esse prazer do espírito e da sensibilidade, só posso agradecer-lhe abraçando afetuosamente com esta amizade que a cada dia se solidifica e aumenta.

Sinceramente,
Juscelino Kubitschek

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PORQUE ME ODEIAS?

PORQUE ME ODEIAS?
Por Plínio Salgado.



“Quero personificar singularmente em ti, patrício, o estado de espírito de outros, como tu mesmo, que de maneira tão cruel e agressiva, investem contra mim e contra aqueles que me acompanham neste esforço por edificar um Brasil Cristão, digno dos nossos antepassados e dos nossos descendentes. Quero fazer-te algumas perguntas, que a ti mesmo responderás sinceramente, naqueles instantes – se ainda os tens – em que a consciência do Homem se ergue, como um clarão, pairando acima das paixões e de todas as confusões perturbadoras da
serenidade da alma. Sim; a ti mesmo, e não a mim, nem a alguém, responderás honestamente, porque talvez não tiveste ainda ocasião de te propor as questões que agora te proponho, a fim de te ajudar, no segredo mais recôndito do teu coração, a raciocinar com justiça, deduzindo a verdade que, sendo uma só, pela sua unidade se torna o liame das almas, ligando-as pelo
sentimento de confraternidade que gera a Paz, a única Paz verdadeira. Em primeiro lugar, te perguntarei: tu me conheces realmente? Já me viste; já me ouviste, numa conversa cordial? Homens injustos pintaram-me aos teus olhos como um indivíduo rancoroso e violento, de áspera catadura e palavra contundente, inacessível a qualquer objeção e eriçado contra qualquer ponderação. Asseguro-te que esse retrato não é meu. Quem o diz são aqueles que, não me conhecendo antes, conheceram-me depois, manifestando-se surpresos e espantados pela total diferença entre a pintura feita pelos maus e a realidade que lhes foi posta diante dos olhos. É possível, portanto, que tenhas visto aquele retrato deformado e abstruso, como as imagens refletidas em espelhos côncavos ou convexos, desses com que se divertem as multidões nas feiras; mas nunca me viste no original. Pergunto-te, se tal caso se dá, o seguinte: achas justo,
achas honesto, lançares o veredicto do teu julgamento sobre um homem que pensas conhecer pelo fato de teres visto um retrato que não é o dele, um retrato confeccionado pelos seus inimigos? Como podes formar uma idéia de alguém com quem nunca falaste? Se o fizesses, verias em mim um modesto brasileiro, cuja simplicidade não provém de uma atitude estudada, mas exprime o próprio modo de ser dos caboclos humildes da nossa terra. Porque o que existe em mim é o que se pode encontrar em nossos patrícios do sertão: o amor a tudo o que se chama brasilidade, o apego as nossas tradições, o sentimento familiar e patriarcal inerente ao teor de vida das cidades do interior, o instinto de defesa da Nacionalidade e da Religiosidade patrícias, resultando tudo naquele senso de equilíbrio e de justas medidas ao qual repugna a demagogia que envenena as turbas e as agitações perturbadoras do ritmo tranqüilo e fecundo do trabalho nacional. É isto o que sou e como tal me conhecem os que me viram e ouviram os que observaram a minha vida de homem particular e de homem público. Se não me observaste a fundo, como podes emitir um juízo a meu respeito? E se o teu juízo não se baseia em realidades experimentalmente colhidas, por que te apóias num julgamento falso a tal ponto de me odiares sem me conheceres e odiares os que trabalham comigo, sem aprofundar no exame dos motivos que determinaram a adesão desses brasileiros às idéias que prego? Dirige estas perguntas a ti mesmo, confidencialmente, silenciosamente, e deixa que te responda não a tua paixão política, mas a tua consciência. As idéias que prego... Sabes quais são elas? Não me venhas dizer que sabes, pelo fato de haveres lido o que dizem delas aqueles homens sem consciência que as deturpam, deformam e até as substituem por outras idéias que nunca estiveram nem no meu
pensamento nem nas minhas palavras. A fonte verdadeira das idéias que prego e que propagam os meus companheiros neste apostolado cívico-político em que nos empenhamos, não pode ser outra senão os documentos em que expomos a nossa doutrina. Há mais de quarenta anos trabalho por nossa Pátria, e, trabalhando por ela, trabalho por ti, patrício, e pelos teus filhos. Nesse árduo labor, tenho procurado demonstrar, preliminarmente, que a crença em Deus e nos destinos sobrenaturais do Homem deve ser o fundamento de toda a ordem social. Responde-me, sinceramente: achas que, por esse motivo, meus companheiros e eu devemos ser odiados?
Se ainda acreditas que uma sociedade, uma pátria, um governo só pode realizar justiça e produzir administração honesta, tomando a Deus e aos destinos superiores do Homem como base de toda a sua ação, pergunto-te: como podes detestar-me e detestar os meus correligionários que outra coisa não fazemos senão proclamar e propagar essa verdade? Merecemos o teu ódio pelo fato de crermos em Deus e na existência, imortalidade, liberdade e responsabilidade da alma humana?
Acreditando em Deus que nos traçou leis imprescritíveis e na existência da alma do homem, logicamente pugnamos pela Liberdade, sem a qual o mesmo Homem não poderia escolher o seu caminho. O corpo do Homem, sendo matéria, não é livre, porque está sujeito às leis físicas, mas o Espírito do Homem é livre, porque independe da sujeição da matéria. Logicamente todo aquele que afirmar ser o Homem apenas um ser físico, de cujo mecanismo orgânico em funcionamento decorre uma inteligência mortal, simples superestrutura (como dizem os comunistas), todo aquele que se manifestar desse modo, materialista, não pode dizer que defende a liberdade humana. Só os espiritualistas podem e devem pugnar pela Liberdade. Essa a razão pela qual meus amigos e eu nos batemos pela Liberdade contra toda a espécie de despotismo, entre
cujas formas avultam o Estado Totalitário, seja o nazista, seja o comunista. Pergunto-te, agora, patrício: merecemos ser odiados por andarmos pregando a Liberdade contra a Opressão? Enquanto não sabias disso, podias justificar o teu ódio na falsidade que te apresentaram como realidade. Mas desde este momento em que chegaste a esta linha do meu escrito, já não tens direito de crer que meus correligionários e eu somos contrários à Liberdade. Seria um contra-senso em homens espiritualistas, um absurdo que a tua inteligência não pode aceitar. Medita sobre esse fato e responde a ti mesmo, com a mão na tua consciência. Depois, com absoluta imparcialidade, dirige-te a ti mesmo todas as perguntas que deixo implícitas neste artigo e outras que uma voz recôndita te formulará no íntimo do teu ser e responde patrício. Sim; responde enquanto é tempo e vem enquanto é possível. Porque se não responderes logo e não vieres ao meu chamado amigo, talvez que seja tarde para evitares as desgraças que pairam como uma nuvem ameaçadora sobre a tua Pátria, a tua Família e tua própria Pessoa!”. Nota: - Este foi o último artigo de Plínio Salgado, publicado no “Diário de São Paulo” em 14 de dezembro de 1975,
uma semana depois do seu falecimento, aos quase 81 anos de idade, na cidade de São Paulo.

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IN HOC SIGMA VINCES!

Jornal A Offensiva, 11/10/1934, pág. 2



O Congresso de Vitória foi uma força pivotante. O de Petrópolis será uma grandeza de extensão. Ante o silêncio da imprensa, que abre colunas a todas as inutilidades, o Congresso ficará mais nítido em sua simplicidade heróica. Movimento de mocidade e de força nova, sem ricos e sem diretores de “opinião pública”, o Integralismo derrubou toda a primeira serie de seus inimigos e torna posição para deslocá-los dos pontos onde a inércia da liberal-democracia lhes tinha permitido ficar e fixar-se. Imprensa que não tem redação e apenas gerência, marxistas de mentalidade hemiplégica, com função unilateral, políticos com antolhos para que vejam apenas a trilhas dos programas inviáveis, sociólogos de entrevistas que só pretendeis aderir depois da vitória, independentes a preço fixo, professores de Direito a quem o Estado Burguês entrega sua mocidade para vossas experiências de tóxicos, burocratas da religião automáticas para quem Pio XI é menos ortodoxo que vosso vigário que não lê “Charitates Christi Compulsi”; meninos-bonitos que citam Lênin afagando camisinhas de seda, banqueiros cegos, industriais
surdos, guias paralíticos, gente do meu Brasil sonolento, distraído, indiferente, gozador, apático,
desdenhoso, sorridente, convencido que as chuvas do dilúvio não cairão jamais, despertai para o combate e para a glória! Sobre esse vosso braço inútil pregai a letra chamejante que vos distinguirá da manada confusa, do rebanhismo informe, da multidão incolor. Vinde para as fileiras verdes do Integralismo, trabalhar, estudar e sofrer conosco. Não deveis preparar desde já a explicação de vossa comodidade ante o arranco de nossa vitória definitiva. Ficareis marcados para sempre entre os que renegaram a Deus, a Pátria e a Família, material posto de lado, gasto antes do uso, inservível para outra coisa que não seja adesão ruidosa para a continuidade de
vossa digestão de oito lustros. Lembrai-vos que só existe no Brasil um sinal para reconhecermos os brasileiros que estão construindo uma Pátria, na perpetuidade do esforço e do sacrifício. Esse sinal é o Sigma. Brasileiro, mano, camarada, companheiro de varias e de poucas virtudes, a época passou para as vossas literaturas de artifício e de confeitaria. Estais diante de um minuto que definirá vosso pensamento. Lembrai-vos que este é o momento da Escolha, da Coragem, do Passo Inicial, a marcha para o alto como as nossas saudações. Soltai o volante da “baratinha”, espaçai o banho de sol afrodisíaco, deixai o livrinho que o marxista pinto de ouro para a vossa ignorância, ausência de raciocínio e clareza de dedução. Vêde as ruas, as praças, as estradas de todo o Brasil, cheias de “camisas verdes” de todas as idades da Fé. Ficareis isolados deste
movimento, único em toda nossa existência política? Nós não queremos vossa amável companhia depois que vencermos. Somos diverso. Um trapo verde não vos identificará como integralista. É preciso uma profissão de fé. Lembrai-vos das duzentas mil vozes que ressoam pela terra da Pátria. Curvai o ouvido a grande voz esparsa e sonora que sobe de todos os recantos. Em vós, brasileiro por acaso, pousam os olhos inquietos e sofredores de Plínio Salgado, perguntando vossa resposta a pergunta que ele fez ao Brasil. Deveis saber que todos nós nos erguemos, sacrificando tudo, para segui-lo porque acompanhamos o esperado...
IN HOC SIGMA VINCES!...
Lembrai-vos enquanto sois apenas neutros...

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11 de Maio de 1938 A reação contra a ditadura!

A reação contra a ditadura!



I – O OBJETIVO DA CONTRA-REVOLUÇÃO:

O movimento de 11 de maio de 1938 tinha como objetivo a deposição do Presidente da República - que governava como ditador desde o golpe de Estado de l0 de novembro de 1937 - e redemocratizar o país, reconstituindo o primado da Constituição de l6 de julho de 1934. Para isso reuniram-se os liberais em uma conspiração liderados pelo tribuno baiano Octávio Mangabeira - "À sua volta se irão aglutinando os revoltosos e desencantados, os que não quiseram e os que não puderam caber na nova situação." (Hélio Silva, "1938 - Terrorismo em campo verde", pg. 133). De outro lado, reuniram-se os integralistas, liderados por Plínio Salgado, líder nacional da Ação Integralista Brasileira. Na origem, tratava-se de duas conspirações que se desenvolviam separadamente, a partir da publicação do decreto presidencial que determinou a dissolução de todos os partidos políticos existentes, impedindo, assim, a realização das eleições presidenciais marcadas para o início do ano de 1938. Posteriormente, por interesses convergentes - garantia das eleições para as quais tanto Armando de Salles Oliveira, pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, como Plínio Salgado eram candidatos à Presidência da República - uniram-se num único movimento revolucionário.
A comprovação dessa assertiva é confirmada pela documentação existente no Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro - Processos n. 588, 600, 606 e outros do Tribunal de Segurança Nacional -; pelas pesquisas realizadas pelo historiador Hélio Silva, publicadas em várias de suas obras em
que tratou sobre o tema, assim como, em pesquisas realizadas por outros autores (ver bibliografia).

II - COMO SE DESENVOLVEU A CONSPIRAÇÃO:

A conspiração se desenvolveu em dois níveis: o das altas lideranças - chefes políticos, militares de alta patente, intelectuais, empresários, e o dos militantes de ambas as facções. Severo Fournier representando os liberais, como homem de confiança do então Coronel Euclides de Oliveira Figueiredo, e os médicos Belmiro Valverde e Raimundo Barbosa Lima, representando os integralistas. Reuniões foram realizadas à exaustão nos dois níveis e entre os representantes
dos dois grupos então unificados.
Ocorre que entre as altas lideranças a decisão de executar o plano, com maior apoio, se prolongava, aguardando, novas adesões significativas. Entretanto, um fato novo determinou a
definição da data para o ataque ao Palácio Guanabara, residência oficial do Ditador. O tenente
Júlio Barbosa do Nascimento que aderira ao movimento era um dos Comandantes da Guarda
Militar do Palácio e fora designado, para o seu plantão no dia 10 de maio, entrando em serviço
às 10 horas da noite daquele dia. Assim sendo, determinou-se que o ataque ao Palácio seria realizado na primeira hora do dia 11 de maio de 1938. Acordado entre todas as lideranças o plano de ataque elaborado por Severo Fournier, com a supervisão do Coronel Euclides Figueiredo deveria ser executado, sem demora - "Meu pai havia lido esses planos, fazendo-lhes observações à margem. Falhada a intentona promovida por integralistas dissidentes de Plínio Salgado e seguidores de Belmiro Valverde, de sociedade com oficiais não-integralistas e contrários à ditadura fascistóide, como Severo Fournier e outros, estava Euclides Figueiredo, o ex-comandante do Movimento Constitucionalista de São Paulo e membro do grupo que apoiava a candidatura de Armando de Salles Oliveira". Meu pai foi condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional - a quatro anos de prisão". Este texto consta do livro "DE UM OBSERVADOR MILITAR - A 2a. Guerra Mundial vista de dentro uma prisão do Estado Novo", escrito por Euclides Figueiredo e editado pela Câmara de Deputados (Centro de Documentação e Informação), em Brasília, no ano de l983, na BREVE EXPLICAÇÃO, escrita pelo intelectual e escritor Guilherme Figueiredo, às páginas l9 e 20. Severo Fournier no seu DIÁRIO SECRETO, publicado pelo jornalista David Nasser (Edições Cruzeiro, R. J., l956, 2a. edição), à página 56 diz:
"Nosso movimento estava, além de tudo, baseado em várias forças armadas do País e se
apoiava em duas das maiores correntes e organizações políticas: na democracia representada
pelo Partido Constitucionalista, que significa dizer com o Brasil. E com o Integralismo". Confirmando este depoimento de Severo Fournier, Hélio Silva, na obra acima citada, às páginas
78 e 79, diz:
"A figura que sobressai pelo seu passado e, sobretudo, pela sua combatividade é o Ex-Chanceler
de Washington Luís, Otávio Mangabeira. A ele se deve, principalmente, o fato de não ter cabido
o comando da ação rebelde ao próprio chefe integralista, Plínio Salgado. Por indicação de Mangabeira, foi escolhido o Gen. João Cândido Pereira de Castro Júnior. A conspiração se desenvolveu utilizando esses elementos, sem distinções ideológicas. A participação integralista não pretendeu imprimir, ao menos nessa fase, características doutrinárias. Tratava-se de articular um plano subversivo, utilizando elementos das classes armadas, antigetulistas ou filiados ao integralismo. Se vitorioso, o movimento constituiria uma junta militar que, seguindo o
modelo clássico, prometeria eleições, logo que tivesse saneado a política.”

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Carta de Plínio Salgado para Getúlio Vargas

Carta de Plínio Salgado para Getúlio Vargas:
ENGANADOS, MAS FIÉIS A PALAVRA DADA.



A maior de todas as surpresas que tive em 10 de Novembro foi o discurso de V. Exª.
Nessa noite fiquei completamente convencido de fôramos enganados, desde o primeiro
dia. Não houve uma palavra de carinho para o Integralismo ou para os Integralistas.
Entretanto, era um movimento e eram homens que tudo fizeram pela Nação e que
sempre foram leais para com V. Exª. nos momentos os mais difíceis. Por todo o país,
ouvindo o rádio, um milhão e meio de brasileiros considerava o fato amargamente.
Apressai-me, leal à palavra empenhada, em extinguir a feição política da “Ação
Integralista Brasileira”. O único partido nacional, o único que estava em consonância
com o proclamado corporativismo do Estado Novo, era paradoxalmente o ÚNICO que
vinha espontaneamente declarar-se extinto, para só viver como sociedade cultural,
esportiva e beneficente.
Isso antes de qualquer lei, de qualquer decreto...
O Integralismo iria continuar, sob essa forma, conforme lhe prometeram os
responsáveis pela situação, prestando os serviços que só ele até então tinha prestado ao país.
Eu não supunha, porém, que o que se arquitetava contra o Integralismo era tão grande.
Logo os jornais, havendo censura oficial, começaram a atacar-me, a ridicularizar o
movimento integralista. Alguns diretores de jornais informavam-me que recebiam
ordens de autoridades para abrir fogo contra nós.

LOUVORES QUE NÃO HONRAM E CAMPANHA QUE NÃO DIGNIFICA

Em todas as rodas de políticos da cidade só se falava, então, do “tombo” que V. Exª. nos dera; no novo “pirarucu” que V. Exª. pescara; na rasteira que V. Exª. passara no
Integralismo, como se tais proezas atribuídas a um homem que todos brasileiros devem
olhar como honrado, dedicando-lhe todo o respeito, não ferissem mais a V. Exª. do que
ao Integralismo.
Houve mesmo uma palestra assistida por pessoa que os comensais não sabiam integralista, em que um dos diretores de uma Companhia, de que o Ministro da Justiça
fora advogado, afirmava haver sido eu chamado pelo Dr. Campos, o qual me impusera
(isso logo no dia 10 de Novembro) o fechamento imediato do integralismo. Essa
conversa deixou-me bem claro o projeto que se continha no meu chamado na manhã de
10, de improviso convertido em um pedido de noticia no “O Povo”.
A censura de imprensa começou a dar ordens que mais parecem de inimigos de V. Exª.
Proibiu a publicação do meu nome muitas vezes ou em tipo que ultrapassasse o
tamanho indicado; proibiu elogios literários sobre livros de minha autoria; proibiu que se dissesse que fundei o Integralismo, ou que fiz campanha nacionalista; proibiu que se usassem as palavras Integralismo, Integralista, Integral, etc.
Fomos, desde o primeiro dia do golpe, tratados como inimigos.
Já não quero falar a V. Exª. o que se passou nos Estados, antes mesmo do nosso
trancamento oficial. Meus retratos foram destruídos por esbirros, meus companheiros
presos e espancados, sendo numerosíssimos os telegramas que ao Dr. Campos foram
apresentados, relativos às mais inomináveis violências em todos os pontos do país, onde os Governadores irritados com o estado novo ao qual aderiram por interesses pessoais, vingavam-se nos integralistas, apontados como sustentáculos de V. Exª.

FASCISMO CONTRA INTEGRALISMO

Assim passamos angustiadamente até 19 de Novembro. Tive noticias de que nesse dia
seriam lançadas as “legiões” iguais aquelas kakis, de tentativa fascista de outros tempos.
Mas, não sei por que motivo, talvez devido à copiosa chuva, não fomos pelo fascismo
governamental esmagados e substituídos nesse dia. No dia 20, o General Góis Monteiro
pediu-me para chegar até sua residência. Lá, fez-me veemente apelo para que eu não
fechasse o integralismo, dizendo-me mesmo que tal medida seria desastrosa para o
Brasil.
Dizia-me que o Integralismo já havia cumprido uma grande missão e agora tinha de
cumprir outra. Essa ultima era a de manter uma sagrada mística onde tudo era interesse e hipocrisia. Elogiou as intenções de V. Exª., mas lamentou que os políticos estivessem estragando tudo. Disse que o destino do Brasil muito dependia do Integralismo. Em seguida insistiu para que eu falasse imediatamente ao Ministro da justiça, Dr. Campos, e, indo ao telefone, marcou o encontro. Foi isso exatamente na ocasião em que V. Exª. designava nova entrevista que desejava ter comigo e que seria dessa vez em Petrópolis.

PROMESSA QUE NÃO FOI CUMPRIDA; AFLIGEM-SE OS GENERAIS GOIS
MONTEIRO E NEWTON CAVALCANTI.

O Dr. Francisco de Campos disse-me logo de inicio da conversa, que a colaboração
pessoal minha no Governo de V. Ex.ª dependia, preliminarmente, do fechamento do
Integralismo, pois no Estado Novo, só haveria o partido do Governo. Respondi-lhe que
já havia fechado o partido político, porém que, de acordo com o combinado, ficava
aberta sociedade civil “Ação Integralista Brasileira”, de fins culturais e educacionais.
A esta altura da minha carta, lembro-me, Sr. Presidente, de que na manha do dia 10 de
Novembro, quando fui chamado pelo ministro da Justiça, Dr. Campos, para receber a
encomenda de uma noticia de imprensa, eu lhe perguntei ao despedir-me, já de pé, se na nova Constituição tinha sido incluída alguma disposição dentro da qual ficasse
assegurada a existência da “Ação integralista Brasileira” como sociedade civil, ao que ele me respondeu prontamente que sim.
Agora, eu apelava para a afirmativa do Sr. Ministro, ao que ele retrucava que era uma
exigência de V. Ex.ª o nosso fechamento.
Eu disse, então, ao Ministro Campos, que se o fechamento da Ação integralista
Brasileira também como sociedade civil, e não só como partido, era inevitável, então
que partisse do próprio governo, pois essa deliberação jamais partiria de mim porque a minha dignidade não o permitia. Foi esse o pensamento que ele levou a V. Ex.ª.
Abalado por tão imprevistos acontecimentos, julguei um dever comunicar o fato ao
General Góis Monteiro, que apelara para mim no sentido de que eu não fechasse o
Integralismo, e ao General Newton Cavalcanti que prometera ser o advogado dos
Integralistas. O General Góis Monteiro, relembrando os serviços que o Integralismo
prestara ao Exército e expondo com muita clarividência a sua crítica sobre a situação do país, prometi falar com o Sr. Presidente da república, demonstrando a V. Ex.ª a extrema gravidade que representava para o exército e o País o fechamento do Sigma naquela ocasião. Quanto ao General Newton Cavalcanti tão profundamente chocado ficou com a noticia contrária ao que V. Ex.ª lhe assegurara que, já noite, debaixo de um forte temporal, saiu da Vila Militar para a cidade, a fim de se entender com o Sr. Ministro da Guerra, pedindo-lhe que se dirigisse a V. Ex.ª.

O MINISTRO CAMPOS OFERECE-ME DINHEIRO

No dia seguinte, estive novamente com o Ministro Francisco Campos, que já havia
estado com V. Ex.ª e que me informou da resolução de V. Ex.ª de baixar um decreto
fechando todos os partidos políticos, inclusive o Integralismo, que não poderia
funcionar, mesmo como sociedade civil sem as características do partido. Reclamei,
então, veemente, contra isso dizendo ao Dr. Campos que tal medida nos deixaria numa
situação dificílima, pois a Ação Integralista Brasileira tinha relações civis e comerciais, com responsabilidades para com terceiros, tinha dividas, inclusive a relativa ao empréstimo do Sigma de milhares de contos, tinha ambulatórios médicos, lactários, escolas, bibliotecas, jornais e revistas. Seria uma calamidade e nós não mereceríamos isso, pois não praticamos nenhum crime para sermos tratados dessa maneira. O Sr.
Ministro da Justiça respondeu-me que esses prejuízos financeiros o Governo poderia
pagar porque tinham sido despesas feitas com obras DE BENEMERÊNCIA. Eu lhe
respondi que a dignidade do Integralismo não permitia que aceitássemos a oferta, pois
daríamos à impressão de haver transacionado o nosso apoio ao governo. Encerrando a
conversa, o Ministro disse que iria estudar o caso.

O PRESIDENTE ENCONTRA-SE COMIGO NO LUGAR DE COSTUME

Foi depois disso que estive com V. Ex.ª, novamente, em casa do Dr. Renato da Rocha
Miranda. Depois de palestrarmos sobre vários assuntos, V. Ex.ª me declarou que iria
baixar um decreto fechando todos os partidos e eu tive de concordar com essa
providencia, porque assim deveria ser pela Constituição do Estado Novo. Falei então, a V. Ex.ª que, a “Ação integralista Brasileira” já não seria atingida pelo decreto, porque deixara de ser partido, desde o dia 11 de novembro, e que ela deveria apenas continuar como sociedade cultural, educacional, esportiva, e beneficente, em que porventura se transformassem os partidos, teriam de mudar de nome.
Dignando-se V. Ex.ª transmitiu-me essas informações, reiterou o convite que
anteriormente me fizera para ocupar o lugar de Ministro da Educação em seu governo.
Eu procurei mostrar a V. Ex.ª como a proibição, de chofre, dos gestos, uniformes e
distintivos integralistas, iria ferir profundamente a massa de mais de um milhão de
brasileiros que me acompanhava. Lembrei a V. Ex.ª que os nossos inimigos eram
justamente aqueles que nos odiaram por verem em nós o sustentáculo do Poder Central
e que, agora, esses homens tendo aderido hipocritamente ao Estado Novo e não se
conformando, no intimo, com a situação, iriam vingar-se nos integralistas,uma vez que
não tinham hombridade para lutar contra o Presidente da Republica. Falei a V. Ex.ª das grandes opressões que os integralistas já estavam padecendo antes mesmo do
fechamento do Sigma e do quanto iriam sofrer de autoridades covardes que
exorbitariam na ocasião do trancamento das sedes municipais.
Pedi a V. Ex.ª, em nome dos serviços que prestáramos na luta contra o bolchevismo, na
sustentação da autoridade do Presidente da República, no combate ao regionalismo
separatista e, em nome dos mártires que já contávamos que a “Ação integralista
Brasileira”, embora fechada como partido pudesse continuar a viver como sociedade
civil, sem que, portanto, fosse preciso o encerramento das sedes nacionais, estaduais e municipais, que ocasionaria tropelias e barbaridades em todo território da republica. A esse apelo, V. Ex.ª, atendendo-me, prometeu que falaria com o Ministro da Justiça, a fim de que combinasse ele comigo as instruções que eu julgasse necessárias, de modo a evitar maiores aborrecimentos aos integralistas.
Diante disso, para demonstrar a V. Ex.ª a minha boa vontade esquecendo todos os
dissabores dos últimos dias, prometi que, logo que saísse o decreto fechando os partidos políticos e desde que, pelo seu texto, os integralistas verificassem que continuavam a sua obra patriótica, eu reuniria as personalidades de mais projeção do integralismo e as consultaria sobre o convite que me era feito para colaborar como Ministro de V. Ex.ª.

O GENERAL NEWTON CAVALCANTI, FIADOR DA PALAVRA ALHEIA, PEDE DEMISSÃO.

Nos dias que se seguiram, no que me parece, os Generais Góis Monteiro e Newton
Cavalcanti deram alguns passos junto ao Ministro da Guerra, em continuação às
providencias que estavam tomando anteriormente, no sentido de obterem de V. Ex.ª o
não fechamento do Integralismo como sociedade civil. Isto suponho, porque o General
Góis Monteiro teve a bondade de me procurar em minha casa para me fazer a
comunicação de que esgotara todos os argumentos a nosso favor, porém não pudera
evitar o nosso fechamento. Quanto ao General Newton Cavalcanti, tive conhecimento (e
toda a população do Rio de Janeiro) de uma longa carta que ele endereçou ao Sr.
Ministro da Guerra, pedindo demissão do Comando da Vila Militar, por não concordar
com a providencia que nos atingia, em desacordo com a palavra em contrário que se lhe
havia dado. Logo depois, saia o decreto. E eu não fui ouvido pelo Ministro da justiça, conforme ficara combinado com V. Ex.ª.

DESENCADEIA-SE A PERSEGUIÇÃO AOS INTEGRALISTAS.

Não se descreve o que se passou no país, Sr. Presidente. As maiores tropelias e
violências foram praticadas. Centenas de sedes foram depredadas. O meu retrato
arrastado para as ruas e queimado. Numerosas prisões efetuadas. Homens e mulheres
espancados barbaramente. Domicílios particulares invadidos e saqueados. Houve um
caso até (no Paraná) de incêndio na casa de um médico, chefe integralista municipal,
enquanto este se encontrava encarcerado. Os relatórios que possuo são deprimentes para os esbirros estaduais. Era o ódio recalcado dos próprios inimigos de V. Ex.ª
(separatistas e comunistas) desforrando-se naqueles que pregaram a unidade da Pátria, o prestigio do Poder Central e as doutrinas corporativistas agora de certa forma adaptadas pelo Estado Novo. Foi proibida a revista “Anauê”, que se publicava nesta capital,havendo ameaça de fechamento dos nossos jornais. Em diversos Estados foram apreendidos, nas livrarias, livros de autores integralistas. No Estado do Rio chegaram até a confiscar os livros de minha autoria que nada tinham a ver com o Integralismo: romances, ensaios, literatura em geral, com prejuízos financeiros para os meus editores e para mim particularmente. A onda de ódio desencadeou-se violenta por todo o país com ameaças tremendas, vexames de toda espécie e brutalidades indescritíveis.

AS CONSEQÜÊNCIAS FATAIS

Encontro-me hoje, Sr. Presidente, na mais dolorosa das situações a que um homem de
bem, pelo seu patriotismo, pela sua desambição, pela sua lealdade e pela sua dignidade poderia ser levado.
As autoridades exigem de mim duas coisas que se repelem, duas coisas que constituem
o impossível:
Que eu não me considere mais “Chefe Nacional” dos Integralistas;
Que eu lhes de ordens, que seja obedecido e que responda por todos eles;
As autoridades exigem também outro absurdo da massa integralista, pela imposição de
duas exigências contraditórias:
Que se acabe definitivamente com a “mística”, isto é, com o uniforme, os símbolos, a
saudação, os distintivos, o nome “Integralista” e a palavra “Integralismo”, o respeito ás ordens do Chefe, porque o governo não quer que exista mais Chefe para os mesmo Integralistas;
Que essa massa, sem mística, sem características, sem disciplina e sem chefe, tenha um procedimento uniforme e responda coletivamente por atos isolados de qualquer de seus membros.
A tentativa que fiz para organizar uma sociedade (“Associação Brasileira de Cultura”), não logrou êxito no Ministério da Justiça onde os papeis se arrastam há dois meses.
Muitos Integralistas, aliás, não se conformam com outras denominações e não querem
abrir mão das exterioridades do seu culto cívico. Outros revoltados diante da campanha dos jornais esquerdistas (em plena vigência da censura) contra o Integralismo, desgarram-se dos quadros disciplinadores do antigo movimento, ligando-se a políticos liberais por não acreditarem na sinceridade do Governo.
Vários companheiros têm morrido sob maus tratos policiais. Diante de tudo isso, que
devo fazer?
Cerca de cinco mil integralistas passaram, em sucessivas comissões, pela minha
residência, por ocasião do Natal e do Ano Bom. A esses falei e aconselhei. Mas o Rio
tem dezenas de milhares de integralistas e o Brasil centenas de milhares. Que estarão
fazendo? As cartas que recebo revelam um estado de animo estranhamente tenso.
O Comandante Américo Pimentel, da Casa Militar de V. Ex.ª, vindo cumprimentar-me
em nome de V. Ex.ª na passagem daquelas datas festivas, foi algumas vezes testemunha
de meus esforços pacificadores. Indague V. Ex.ª, por exemplo, de pessoas que lhe
merecem crédito, como o Dr. Renato Rocha Miranda, Dr. Amaro Lanari, Dr. Belisário
Pena, o General Vieira da Rosa, o Dr. Rocha Vaes, o Dr. Gustavo Barroso, sobre o
quem tem sido a minha ação, desde o fechamento do Integralismo, a acalmar exaltado, a
descobrir grupo que cometam ou despertam ou se desesperam, reduzindo-os à disciplina
a fim de evitar que façam loucuras.
O Integralismo, arrebentadas as comportas da hierarquia, a través da qual chegava, de
chefe em chefe, a minha palavra é hoje uma ebulição que se pode tornar incontrolável.
Entre as coisas que mais amargam essa massa, cumpre notar a inexistência, nestes dias, da menor palavra do Governo, que tanto deve ao Integralismo e que no Integralismo sempre reconheceu um movimento que tudo sacrificou pela grandeza da Pátria, sem nada haver pedido em troca.
A coletividade integralista só tem recebido asperezas, remoques, ironias, perseguições injustificadas, não só de certa imprensa como mesmo de algumas autoridades superiores do país. E que crime praticou o Integralismo?
Os argumentos que se usam contra nós são os mais absurdos e irrisórios.
Afirma-se que devemos estar satisfeitos porque nossas idéias estão triunfantes e que,
por isso, qualquer atitude de desgosto só pode revelar ambição pessoal. Mas ao mesmo
tempo, autoridades policiais proíbem a palavra “integralismo”, proíbem que os jornais
nossos se refiram à obra realizada por nosso movimento no país, permitem que sejam
feitos contra nós ataques em certa imprensa até a pouco reconhecidamente bolchevista
e, em todos os quadrantes do país, as autoridades, invertendo a realidade, nos chamam
de “extremismo de direita” e ao Estado Novo de “defensor da democracia”!...
Nos meios políticos e em algumas esferas governamentais sempre fomos maltratados
desde o dia 10 de Novembro. E quando se esgotaram todos os recursos para nos
levarem ao desespero, começaram a fantasiar as mais ridículas conspirações, que se nos atribuíam, seguidas de prisões as mais injustas. As tropelias policiais em lares humildes são freqüentes e cruéis, com espancamentos e torturas que se produzem. Numerosas famílias estão privadas de seus chefes. Criou-se uma atmosfera de animosidade e desconfiança e desconfiança, dentro da qual se pretende asfixiar os Integralistas.
Essa é a situação que precisa ser encarada com o maior realismo e o mais alto
patriotismo por todos nós.

CONCLUSÃO

De minha parte, nos superiores interesses do Brasil, estou sempre disposto a procurar
fórmulas salvadoras e dignas. É com esse estado de espírito que me dirijo a V. Exª.
antes de um novo encontro pessoal, por meio desta carta que constitui um documento
que lego à história do Brasil, mostrando a elevação de vistas, o desinteresse pessoal, o conciliador patriotismo e a firme dignidade com que me portei nestes dias que considero os mais tristes de minha vida toda, dedicada ao serviço da minha Pátria.
Falei nestas linhas, francamente, confiadamente, sem nenhuma restrição mental a V.
Exª., como um bom brasileiro deve falar ao Chefe de sua Nação. Penso que esta questão
do Integralismo precisa ser colocada no terreno exclusivo da confiança e lealdade. É o que faço. E V. Exª. agora, sabedor do motivo porque ainda não aceitei o convite de V. Exª. para seu Ministro, poderá concluir em que setor do Governo e de que maneira
poderíamos trabalhar com dignidade pela grandeza do Brasil.

(a) Plínio Salgado.
Rio de Janeiro, 28 de Janeiro de 1938.

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