Numa tribo nômade de uma das
regiões mais remotas do mundo, nasceu aquele que lideraria um dos mais
eficientes exércitos já reunido. Impiedoso e violento, ele conquistou o maior
império que um só homem já dominou. Seu nome é Temudjin, ou Gêngis Khan.
O ano é 1215. Zhongdu,
capital do Império Jin, cai na segunda tentativa de invasão pelos mongóis. Um
ano antes, um pesado tributo foi pago e os bárbaros das estepes se foram. Desta
vez, porém, nem os muros de pedra com 12 metros de altura, nem a chuva de setas
despejada pelos mais de mil arqueiros postados no alto das torres foi capaz de
deter o cerco. Quem não fugiu se arrependeu. A cidade foi saqueada e destruída.
Seus habitantes foram mortos ou escravizados. Zhongdu, mais tarde rebatizada
como Pequim, foi mais uma vítima da máquina de guerra comandada por Gêngis
Khan.
Em seus 72 anos de vida, o
líder mongol amealhou o maior império em extensão que um único homem já conquistou,
da costa do Oceano Pacífico ao Mar Cáspio. Seus descendentes chegaram à Europa
e ao Golfo Pérsico. “É a carreira militar mais fulminante da história. É como
se um chefe de uma tribo indígena brasileira conquistasse hoje a América do
Sul”, afirma Mario Bruno Sproviero, professor de Língua, Literatura e Cultura
Chinesas da Universidade de São Paulo. A comparação faz todo sentido. Além de
dispersos geograficamente, os mongóis não possuíam leis escritas, na verdade
não tinham sequer escrita. Não conheciam a agricultura e seus modos eram pouco
civilizados mesmo para os padrões da época.
Não tomavam banho, comiam
carne crua e viviam infestados de piolhos e outros parasitas. Na guerra, eram
impiedosos: pilhavam seus vizinhos, matavam os homens com crueldade ímpar,
raptavam as mulheres e escravizavam seus filhos.
Mas nem só o terror construiu
o império de Gêngis Khan. Ele foi um líder carismático, com profundo senso de
justiça. Atos de bravura conquistavam seu coração e os guerreiros mais
valentes, mesmo entre os inimigos, eram recompensados com posições de comando
em suas tropas. Por outro lado, os traidores eram castigados com a morte. O
líder era grato até o último fio de sua barba aos amigos e respeitava a
religião alheia, incorporando cristãos, budistas e muçulmanos em seus quadros.
Valorizava o conhecimento a seu modo: entre os prisioneiros, aqueles que tinham
profissões ou alguma habilidade eram enviados para Caracorum, fortaleza militar
que servia de capital para os mongóis. Como escravos, que fique claro, mas
vivos.
Temudjin, seu nome
verdadeiro, nasceu por volta de 1165, à beira do Rio Onon, no noroeste da
Mongólia, uma vastidão de terras planas e clima árido, ocupada pelos turcos até
o século 12. Ali viviam diversas tribos nômades, organizadas em clãs. Entre as
mais importantes estavam os tártaros, os caraítas, os merquitas, os naimanos,
os quirquizes, os oirates e, é claro, os mongóis. Aos 8 anos de idade, após a
morte se seu pai, Yesugai, envenenado pelos tártaros, Temudjin e sua família
foram abandonados com poucas posses e alguns cavalos. Eles viviam da caça de
pequenos animais, dos peixes do Rio Onon, da coleta de frutos e do leite das
éguas. Aos 15 anos, Temudjin já almejava assumir a liderança da família, então
composta pela mãe, três irmãos, a segunda esposa de seu pai e dois meio-irmãos.
Um deles, Bekter, também era candidato ao posto de chefe do grupo. Temudjin
sabia que nas estepes, a única forma de se livrar da concorrência era
eliminá-la. Durante uma pescaria, ele matou o meio-irmão com uma flechada.
O jovem Temudjin não parou
mais de eliminar quem tivesse a coragem, ou o azar, de cruzar seu caminho. Os
laços familiares entre tribos e clãs tornavam constantes as rivalidades:
mulheres, butins ou cavalos, eles só precisavam de um motivo, às vezes nem
isso, para acender velhas vinganças.
Aos 18 anos, Temudjin entrou
numa dessas refregas com os merquitas (leia quadro na página 39). Ele tinha
poucas posses e nenhuma força fora de seu clã, e para enfrentar seus inimigos
pediu ajuda a Toghrul, líder dos poderosos caraítas, e ao amigo Jamuka,
influente chefe militar de um clã aliado. Juntos, eles reuniram cerca de 40 mil
homens e, sob a liderança de Temudjin, derrotaram os merquitas. Naquela
imensidão inóspita, porém, as alianças eram como os períodos do dia, não como
as estações do ano. E aquele que era seu irmão pela manhã podia tornar-se seu
pior inimigo ao cair da noite. Temudjin e Jamuka eram amigos desde crianças e
chegaram a dividir a mesma ger (uma espécie de cabana leve, típica dos povos
nômades) para enfrentar os invernos mais rudes. Agora adultos, ambos almejavam
a mesma coisa: tornar-se o líder das estepes. Com a vitória sobre os merquitas,
Temudjin havia conquistado a admiração de seus comandados e, portanto, mais
poder que o amigo.
E, entre os mongóis, sempre
que havia uma crise: havia uma guerra. Jamuka reuniu 30 mil homens de 13 tribos
diferentes e atacou Temudjin, em 1187. Quem morreu atingido por flechas
envenenadas ou golpes de lança foi considerado um sujeito de sorte. Os naimanos
a comando de Jamuka ferveram os líderes das tropas de Temudjin em caldeirões.
Os mongóis, que eram xamanistas, acreditavam que ao cozinhar seus inimigos,
seus espíritos nunca iriam assombrá-los. Jamuka amarrou as cabeças de dois
soldados mortos em seu cavalo e desfilou pelo campo de batalha. Uma mensagem de
horror ao líder rival, que conseguira escapar.
A derrota obrigou Temudjin a
quase dez anos de exílio, tempo que passou na China. Para voltar, ele só tinha
uma alternativa: promover outra guerra. Com a ajuda do velho aliado, Toghrul,
ele liquidou os tártaros, dando início a uma época de terror que lhe daria
fortuna e fama entre as outras tribos. Temudjin tornou-se cada vez mais temido
e poderoso. Em mais uma uma reviravolta, ele virou-se contra Toghrul e assumiu
o controle dos caraítas.
Faltava agora acertar as
contas com Jamuka. Catorze anos depois, eles voltaram a se encontrar e, dessa
vez, o exército de Temudjin derrotou a força mais poderosa com que havia
cruzado até então. Quando Jamuka percebeu que a batalha estava perdida, escapou
acompanhado apenas por alguns de seus homens. Durante a fuga, sua escolta mudou
de lado: Jamuka foi atacado e preso. Como Temudjin estava ficando muito
poderoso e Jamuka cada vez mais isolado, seus homens decidiram se juntar ao
vencedor, imaginando que ao entregar seu líder, ganhariam a gratidão do
inimigo. Mas, para Temudjin, a traição era um ato imperdoável, mesmo quando
isso o beneficiava. Ele prendeu todos e ordenou que fossem decapitados. Jamuka
foi poupado para que visse a morte de seus traidores. Depois disso, também foi
executado.
O
soberano infinito
Após a morte de Jamuka,
Temudjin era o líder de fato dos mongóis. Faltava tornar-se líder de direito.
Em 1206, o ano do Tigre, um Kuriltai (uma espécie de assembléia), foi convocado
entre os mandatários das dezenas de tribos que viviam nas estepes. À beira do Rio
Onon, eles se reuniram e declararam que Temudjin passaria a ser chamado Chingis
Khan (Gêngis é a versão persa do nome, que ficou famosa por terem sido eles os
primeiros a relatarem sua história), que significa “soberano do oceano”. Não se
sabe exatamente qual o significado do título, considerando que os mongóis não
tinham lá muita intimidade com a água salgada. A explicação mais provável é a
de que sendo o oceano a maior coisa que eles conheciam, chamar seu líder assim
era compará-lo a algo sem fim, eterno. O soberano infinito.
O líder militar deixou
momentaneamente a espada de lado para compilar uma série de leis chamada Yasak
que, entre outras coisas, instituíam o serviço militar obrigatório a partir dos
15 anos e a condenação à morte em casos de furto e adultério. Pela primeira vez
na história dos mongóis, um líder estava acima de todos os chefes tribais e de
suas tradições e leis orais.
No ano seguinte, Gêngis Khan
retomou suas campanhas militares, desta vez, levando suas ambições a lugares
mais distantes. Sua motivação era conquistar terras para pastagens, saquear e
fazer escravos. Era a única forma que conheciam de adquirir riquezas. Não
comercializavam, não tinham muito o que vender a não ser cavalos. Seus cavalos,
aliás, eram o ponto forte de seu exército, que além da excelente técnica para
combate sobre montaria não possuía nenhuma outra característica peculiar. Não
era especialmente bem armado nem utilizava estratégias inovadoras. No entanto,
seus homens eram muito organizados e disciplinados. Generais e soldados comiam
a mesma comida, usavam as mesmas roupas e armas. Isso fazia com que as
lideranças fossem respeitadas. O avanço rápido e arrasador se deve, acima de
tudo, ao terror que Gêngis Khan impunha em seus adversários. A matança
provocada por suas tropas não se limitava ao campo de batalha. Os mongóis não
negociavam rendição ou tratados de paz.
Quando entravam em combate,
não poupavam nobres ou governantes e assassinavam populações inteiras, como
aconteceu com os tártaros. Depois, destruíam tudo que não podiam carregar. A
fama de implacável fez com que muitas cidades que estavam em seu caminho
preferissem se render, pagar tributos e entregar mulheres e escravos, a correr
o risco acabar sendo massacradas.
Em 1207, quando Gêngis Khan
iniciou a longa campanha na China, seu nome já era conhecido. Foram sete anos
até que chegasse às muralhas de Zhongdu. Com quase 1 milhão de habitantes, a
capital dos Jin – que dominavam o norte da China, dividida após a queda da
dinastia Tang – era cercada por imensos muros e centenas de postos protegidos
por arqueiros. Ligações subterrâneas de abastecimento permitiram que a cidade
resistisse até o ano seguinte. Em 1215, no entanto, Khan conseguiu romper o
cerco e invadiu a cidade. Lá, sua tropa destruiu aquilo cuja utilidade não
conhecia, ou seja, quase tudo. As mulheres foram levadas.
Os homens com habilidades
especiais, como os artesãos, foram escravizados, e os demais sumariamente
assassinados. Um massacre.
As incursões na China não
aplacaram o apetite Gêngis Khan por novas conquistas. Pelo contrário. Em 1217,
após sufocar uma rebelião dos caraquitais, ele entrou em choque com império
muçulmano de Khwarazm – uma das possessões turcas na região que havia composto
a Pérsia e que se estendia do Mar de Aral ao norte do Golfo Pérsico, na Ásia
Central. Na época, esse era o maior poderio militar do continente asiático. No
início, as relações entre Gêngis Khan e sultão Maomé II foram boas. Mas não
seriam assim por muito tempo. Maomé acusou os mongóis de saquearem caravanas turcas
que voltavam da China e, em represália, matou os embaixadores mongóis. Foi a
gota d’água. Liderado pelo próprio Khan, um enorme exército de 200 mil homens
invadiu o território Khawarazm. As cidades que resistiam acabaram como Bocara
(no atual Uzbequistão), dizimada por uma série de incêndios. Os mongóis tomaram
grande parte da região que corresponde hoje ao Irã e Turcomenistão.
Em Samarcanda, um dos mais
prósperos centros urbanos da época, e onde morava o sultão, as baixas foram
menores. A população teve de pagar um pesado tributo, mas 30 mil membros do
exército derrotado foram mortos. Gêngis Khan destacou dois de seus melhores
generais para capturarem o sultão, mas ele nunca seria pego, pois morreu doente
em um esconderijo. Na perseguição, porém, os mongóis invadiram várias cidades
do Reino da Rússia.
Laços
de sangue
Gêngis Khan morreu no
nordeste da China, em 1227, de causas desconhecidas. As especulações vão desde
malária a ferimentos provocados por uma queda do cavalo. Sabe-se apenas que seu
último desejo foi atendido. Seus restos mortais foram levados para a região
onde nasceu e ali foram sepultados.
Mas nem a morte colocou fim
às conquistas militares que Gêngis Khan iniciou. Tolui, o filho mais novo,
obedeceu a tradição de seu povo e assumiu a regência. Dois anos depois, um
Kuriltai foi convocado para que o escolhido por Gêngis, Ogodai (seu terceiro
filho), ascendesse ao trono dos então poderosos mongóis.
A conquista da Rússia se
concretizaria apenas na campanha iniciada em 1236. O novo Khan enviou o
sobrinho Batu, neto de Gêngis Khan, para a Rússia, que na época era dividida em
pequenos principados. Batu conquistou Moscou e Kiev, em 1240, e partiu para a
Hungria e a Polônia. No ano seguinte, sem reforços e esgotado, o exército
mongol voltou com a notícia da morte de Ogodai. Batu se estabeleceu no sul da
Rússia e fundou a Horda de Ouro. O reinado ganhou este nome porque a sede do
governo às margens do Rio Volga era uma enorme tenda recoberta com fios de
ouro. Horda em mongol é tenda. Para os ocidentais, a palavra ganharia um novo
significado, mais apropriada para designar o comportamento dos descendentes de
Gêngis Khan: bando de malfeitores.
Na China, os combates
prosseguiram ininterruptamente desde a tomada de Zhongdu. A região só seria
definitivamente controlada, juntamente com a Península Coreana, em 1234, sob a
liderança de Ogodai. O enorme império, no entanto, não sobreviveria ao seu
tamanho e às divisões entre os descendentes de seu fundador. Tolui obteve a
China. Batu, filho de Jochi, o primogênito de Gêngis, que morreu um ano antes
do pai, ficou com a Rússia. Chagatai, o segundo da escadinha, ficou com cidades
importantes como Samarcanda e Bocara. Mas não se pode datar exatamente o fim do
império fundado por Khan, pois, se a oeste, suas terras seriam parcialmente
conquistadas pelo líder turco Tamerlão, no século 14, a leste, o neto de Khan,
Kublai, fundou a dinastia Yuan, que governou a China até a metade do século 14
e cuja influência sobreviveu aos anos.
Se a morte de Gêngis Khan
não chegou a ser um alívio para seus opositores, também não o foi para os
aliados. A última de suas histórias sobre a terra tornou-se uma lenda. Conta-se
que para esconder o local do sepultamento (segundo a tradição mongol, quando um
túmulo é violado, o espírito do morto deixa de proteger sua família), todos os
coveiros e até aqueles que cruzaram o cortejo foram assassinados. Os soldados
que executaram a tarefa permaneceram ao lado da tumba até que a vegetação
cresceram à sua volta, ocultando a sua localização. Na volta para casa, os
próprios guardas também foram mortos. O episódio é narrado no livro The Secret
History of the Mongols (A História Secreta dos Mongóis, sem tradução em
português), uma compilação de histórias sobre a vida de Gêngis Khan, escrito
por autor desconhecido logo após a morte do líder.
Tamanho segredo se manteve
preservado por oito séculos. Em 2001, um grupo de arqueólogos americanos
anunciou a descoberta de um complexo de 20 túmulos de pedra a 321 quilômetros
de Ulan Bator, capital da República Popular da Mongólia. Como eles estão
próximos da região onde Gêngis Khan teria nascido e onde seu pai foi enterrado,
há grandes chances de que ele realmente tenha sido enterrado no local. Mas a
exploração do sítio arqueológico e a confirmação de que se trata do túmulo do
órfão pobre que tornou-se o imperador de meio mundo, ainda depende da
autorização do governo da Mongólia.
Mulheres
e cavalos
Em toda a história de Gêngis
Khan as mulheres raramente são citadas. Nas estepes, até um cavalo valia mais
que uma companheira. Ele era mais do que o melhor amigo do homem, era um
indispensável instrumento em batalhas, tanto para o combate, como para a fuga.
O quadrúpede também era necessário no pastoreio, segunda atividade econômica
dos mongóis, precedido, é claro, pela pilhagem. Homens e cavalos nunca se
separavam. Já as mulheres eram deixadas para trás nos acampamentos, enquanto os
homens passavam longos períodos de batalha ou caça. Por isso, perder a mulher
para uma outra tribo era comum. Arrumar uma também não era lá muito difícil,
naqueles dias. Os casamentos eram acertados entre os pais quando os noivos
ainda eram crianças, no entanto, a forma mais simples de conquistar a companhia
feminina era usar a força. Fosse nas guerras, quando os homens podiam
incorporar novas esposas, ou simplesmente seqüestrando as jovens de outras
tribos, uma prática corriqueira entre as tribos nômades.