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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Psicopatas S.A.



Ele vai a todo happy hour, é companheiro de cafezinho e ouve você reclamar do salário. Não confie tanto nesse colega de firma - é 4 vezes mais comum encontrar psicopatas nas empresas do que na população em geral.

Luana conseguiu o emprego com que sempre sonhou. Era em uma empresa farmacêutica conhecida por seu ambiente competitivo, mas também por bons salários e chances de crescer profissionalmente. Nova no escritório, logo ficou amiga de Carlos, um sujeito atencioso de quem recebeu até umas cantadas.

Em poucos meses, apareceu a oportunidade de Luana liderar seu grupo na empresa. Parecia bom demais não fosse uma inquietação ética. Ela desconfiava que a companhia garantia a venda de seus produtos graças a subornos a médicos. Isso incomodava tanto Luana que, durante um intervalo para um lanche, ela desabafou com o amigo Carlos. Ele também parecia indignado com a situação. Seria uma conversa normal entre colegas de trabalho - se Carlos não tivesse se aproveitado. Em um momento de distração de Luana, ele pegou o celular da colega e ligou para o chefe de ambos. Caiu na secretária eletrônica, que gravou toda a conversa seguinte entre Carlos e Luana. A moça, grampeada, chegou a questionar se o chefe poderia ter algo a ver com os subornos. Acabou demitida por justa causa. Carlos tomou o lugar de líder que seria dela.

A história é real (os nomes foram trocados). E esse Carlos, um cretino, não? Na verdade é pior: ele age exatamente como um psicopata. Há 69 milhões de psicopatas no mundo, o que dá 1% da população em geral. Então, no fim da história, Carlos faz picadinho de Luana, certo? Errado. Sim, há muitos psicopatas violentos, como Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes ou Pedrinho Matador, que afirmava ter assassinado mais de 100 pessoas. Por isso a cadeia é um dos dois lugares em que se encontram muitos psicopatas. Eles são 20% da população carcerária e 86,5% dos serial killers. Mas um psicopata não necessariamente vira assassino. Na verdade, ele vai atrás daquilo que lhe dá prazer. Pode ser dinheiro, status, poder. É por isso que outro lugar fértil em psicopatas, além da cadeia, é a firma.

Pode ser uma empresa pequena, como a loja de sapatos da esquina. Pode ser uma fundação, uma escola. O importante é que o psicopata enxergue ali a chance de controlar um grupo de pessoas para conseguir o que quer. Mas poucos lugares dão tanta oportunidade para isso do que uma grande companhia.

"Psicopatas são atraídos por empregos com ritmo acelerado e muitos estímulos, com regras facilmente manipuláveis".



 Paul Babiak, psicólogo e  especialista em comportamento no trabalho
Até 3,9% dos executivos de empresas podem ser psicopatas, segundo uma pesquisa feita em companhias americanas. Uma taxa de psicopatia 4 vezes maior do que na população em geral. Eles não matam os colegas, mas usam o cargo para barbarizar. Cancelam férias dos subordinados, obrigam todo mundo a trabalhar de madrugada, assediam a secretária, demitem sem dó nem piedade. Isso quando não cometem crimes de verdade. Um terço das companhias sofre fraudes significativas a cada ano, de acordo com uma pesquisa de 2009 realizada pela consultoria PriceWaterhouseCoopers, que analisou 3 037 companhias em 54 países. Por causa dessas mutretas, cada uma perde, em média, US$ 1,2 milhão por ano. Muitos desses golpes podem ser obra de psicopatas corporativos.

"Eles são capazes de apunhalar empregados e clientes pelas costas, contar mentiras premeditadas, arruinar colegas poderosos, fraudar a contabilidade e eliminar provas para conseguir o que querem", diz Martha Stout, psiquiatra da Escola Médica de Harvard por 25 anos e autora do livro Meu Vizinho É um Psicopata. E fazem isso na cara dura, como se não estivessem nem aí para o sofrimento alheio. É que, na verdade, eles não estão ligando nem um pouco mesmo.

Como os colegas mais violentos, os psicopatas de colarinho branco não pensam no bem-estar dos outros, nem sentem culpa quando pisam na bola. Por isso passam por cima de regras, estejam elas formalizadas em leis ou somente estabelecidas pela ética e pelo senso comum. Acontece que o cérebro deles é diferente de um cérebro normal. No caso do psicopata, a atividade é maior nas áreas ligadas à razão do que nas ligadas à emoção, o que o faz manter-se impassível diante de tragédias - seja um gatinho em apuros, seja uma chacina em um orfanato. Como não consegue se colocar no lugar dos outros, o psicopata usa e abusa dos amigos - puxa o tapete dos colegas sem se preocupar com código de conduta corporativo ou consequência na vida alheia.



Pega na mentira

Graduação em universidade concorrida. Pós-graduação no exterior. Livros publicados. "Empregadores sabem que 15% ou mais dos currículos enviados para cargos executivos contêm distorções ou mentiras deslavadas", afirma Babiak. "Psicopatas fazem isso. Podem fabricar um histórico feito sob medida para as exigências do trabalho e bancá-lo com referências falsas, portfólio plagiado e jargão apropriado." Claro, com algumas perguntas específicas um entrevistador é capaz de desmascarar candidatos mentirosos. O problema é que um psicopata tem tudo para deitar e rolar em uma entrevista de emprego.
Muitas vezes o entrevistador não está tão preocupado com o conhecimento técnico do candidato. Quer mais é saber se ele é capaz de tomar decisões, relacionar-se com pessoas, motivar equipes. "A ‘química’ entre candidato e avaliador tem muita importância", diz o psicólogo.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A DISCRIMINAÇÃO DOS SABERES NA MANUTENÇÃO DO MITO-PROFESSOR: A construção de uma estética do saber como limitadora do conhecimento e ideologização da relação professor-aluno


Professor autoritário padronizando seus alunos. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Alessandra Felix de Almeida[1] 

RESUMO: Trataremos de uma pesquisa bibliográfica exploratória com o objetivo de analisar uma possível postura de superioridade do professor em relação aos alunos, no que diz respeito à valorização dos saberes que norteiam as suas atividades. Ao percorrer as literaturas brasileiras do século XIX nos deparamos com a figura de um professor distanciado dos alunos, por conta de uma hierarquia, tal figura ganhava proximidade apenas pela violência, tanto física quanto moral. Percebemos assim, a construção de um mito, que por hipótese ainda está entre nós, e da necessidade de sua manutenção para legitimar distinções entre aqueles cujo saber é validado por uma estética acadêmica e aqueles cujo saber “desnormatizado” não tem possibilidades de atribuição de valor no que tange ao desenvolvimento educacional.
1. INTRODUÇÃO
A proposta deste artigo originou-se de uma frase de um professor (doutor na área das Ciências Sociais) quanto à participação dos alunos na elaboração das suas aulas, segundo o professor “os alunos não sabem fazer isso”. Sendo assim, em oposição aos que não sabem, obrigatoriamente há os que sabem, e aqui, estes seriam os professores. Araujo e Schwartzman (2002) apresentam que mesmo diante da precariedade do ensino, comprovada por dados, os professores atribuem importância e eficiência às suas atividades, sendo que qualquer desempenho insatisfatório é de responsabilidade dos próprios educandos. Aquino (2005) avalia este discurso como sendo o mesmo que “dizer que o problema da saúde são as doenças, e o da Justiça, os delitos”, Aquino (2005) atribui a este discurso “a lógica dos mitos”, sendo o maior deles “o de responsabilizar o alunado”. Temos assim um estado de coisas que pressupõe como condição única a submissão, pois o mesmo aluno que não é capaz de aprender, também não é capaz de ensinar: “não sabe fazer isso, nem aquilo”, o professor aparece aqui envolto em uma aura celestial, mitológica e cristalizada em nossa vivência educacional.
Cena do Clipe 'The Wall' do grupo Pink Floyd.
Se há uma manutenção dessa forma mitológica do saber e do professor, esta pode ser legitimada, no âmbito da normatização, por um sistema burocrático racional, no entanto há o âmbito das nossas paixões que, nos termos de Foucault (2010), pode ser entendido como um fascismo, não aquele de Hitler ou Mussolini, mas sim “o fascismo que está em todos nós, que persegue nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar essa coisa que nos domina e nos explora” (FOUCAULT, 2010: 105).
2. A PALMATÓRIA DO COSTUME E O MITO QUE LEGITIMA
O compadre expôs, no meio do ruído, o objeto de sua visita, e apresentou o pequeno ao mestre. “Tem muito boa memória, soletra já alguma coisa, não lhe há de dar muito trabalho”, disse com orgulho. “E se mo quiser dar, tenho aqui o remédio, santa férula!” disse o mestre brandindo a palmatória. O compadre sorriu-se, querendo dar a entender que tinha percebido o latim. “É verdade: faz santos até às feras, disse traduzindo. Segunda-feira cá vem, e peço-lhe que não o poupe, disse por fim o compadre despedindo-se”. Procurou pelo menino e já o viu na porta da rua prestes a sair, pois que ali não se julgava muito bem. “Então, menino, sai sem tomar a bênção do mestre?” O menino voltou constrangido, tomou de longe a bênção, e saíram então (ALMEIDA, 1987: 58).
[O professor Policarpo] Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem [...]. Na verdade, o mestre fitava-nos [...] metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as ideias e as paixões [...]. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada no portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, dependurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca (ASSIS, 2001: 33).

“Memória de um Sargento de Milícias” (ALMEIDA, 1987) e “Conto de Escola” (ASSIS, 2001) foram publicados, respectivamente, em 1853 e 1896. Nos trechos reproduzidos acima podemos entender como se apresentava a figura do professor. Nos dois casos é possível perceber dois aspectos de poder disciplinador, o primeiro físico através do recurso da palmatória, e o segundo moral, através do constrangimento e do exercício da força do costume.
Este artigo não tem como objeto uma análise literária, embora a literatura seja um produto social, composta por fatos associativos, onde as obras acabam por expressarem certas relações dos homens entre si, e que, “tomadas em conjunto, representam uma socialização dos seus impulsos íntimos” (CANDIDO, 2010: 29, 147). Assim, ao iniciar este artigo com citações literárias, procurou-se apresentar como a relação professor-aluno se manifesta na comunicação para com os grupos, visto que “toda obra brota de uma confidência, um esforço de pensamento, um assomo da intuição, tornando-se uma ‘expressão’” (CANDIDO, 2010: 147).  Para que haja literatura e a sua respectiva comunicação social, é necessário um compartilhamento de experiências e impressões da realidade vivida, “um sistema de valores que enforme a sua produção e dê sentido à sua atividade” (CANDIDO, 2010: 147). A obra literária traz em si aspectos de integração e diferenciação
A integração é o conjunto de fatores que tendem a acentuar no indivíduo ou no grupo a participação nos valores comuns da sociedade. A diferenciação, ao contrário, é o conjunto dos que tendem a acentuar as peculiaridades, as diferenças existentes em uns e outros. São processos complementares, de que depende a socialização do homem; a arte, igualmente, só pode sobrevier equilibrando, à sua maneira, as duas tendências referidas (CANDIDO, 2010: 33).
Alinhados à análise de Antonio Candido (2010) temos assim, a expressão da interpretação vivida quanto à relação professor-aluno, de modo que para objeto de análise deste artigo tomaremos a referida interpretação como a construção de uma ideologia[2] quanto à figura do professor que parece tomar feições de um mito. Lévi-Strauss (2008) nos apresenta que o valor atribuído a um mito “provém do fato de os eventos que se supõe ocorrer num momento do tempo também formarem uma estrutura permanente, que se refere simultaneamente ao passado, ao presente e ao futuro” (LÉVI-STRAUSS, 2008: 224), no entanto “o mito continua sendo mito enquanto for percebido como tal” (LÉVI-STRAUSS, 2008: 233).

3. A AURA DO DISCURSO
Julio Groppa Aquino (2005), em entrevista à Revista Carta Capital[3], comenta o levantamento realizado quanto ao interesse dos alunos na aprendizagem, publicado no livro “A Escola Vista por Dentro” (2002) de João Batista Araujo e Simon Schwartzman, o referido estudo apontou que 77% dos professores do ensino fundamental público culpam o desinteresse dos alunos pela alta repetência. Em seu comentário, Aquino (2005) apresenta que
é como dizer que o problema da saúde são as doenças, e o da Justiça, os delitos. “Se fôssemos um povo menos criminoso, a Justiça seria melhor. Se fôssemos mais interessados em educação ou, em outras palavras, menos ignorantes, a educação seria melhor.” É a lógica dos mitos. E esse talvez seja o maior deles: o de responsabilizar o alunado. Não faz o mínimo sentido, mas está generalizado não só entre os profissionais da educação, como também na opinião pública, que ratifica esses clichês, esses abusos cometidos contra os jovens (AQUINO, 2005)
O argumento para a elaboração deste artigo teve como fonte a frase de um professor (doutor na área das Ciências Sociais) quanto à participação dos alunos na elaboração das suas aulas, visto que esses alunos, em tese (minha tese) são os protagonistas do ambiente educacional, segundo o professor “os alunos não sabem fazer isso”. Sendo assim, em oposição aos que não sabem, obrigatoriamente há os que sabem, e aqui, estes seriam os professores, exclusivamente eles. A palmatória do século XIX parece ter ficado nas sombras da história, no entanto, o exercício do costume quanto à relação entre alunos e professores ainda nos ronda. Araujo e Schwartzman (2002) revelam em seu estudo que mesmo em face aos dados pessimistas da educação, os professores
gostam do que fazem, e afirmam dedicar muito de seu tempo à escola e à preparação de atividades docentes. Consideram importante e eficiente o que fazem, e acham que deveriam ser muito mais bem remunerados. De modo geral, particularmente nas escolas públicas, os professores consideram como normais muitos comportamentos e expectativas que a sociedade em geral e a literatura sobre escolas eficazes considerariam como desviantes – como as questões relativas a pontualidade, frequência, cumprimento do calendário escolar e programa de ensino, responsabilidade da escola pelo sucesso do aluno, etc (ARAUJO e SCHWARTZMAN, 2002: 63).
A análise de Araujo e Schwartzman (2002) confirmam o comentário de Aquino (2005) quando entendem que se os professores “acreditam que o fracasso depende apenas do aluno e da falta de condição ou da cooperação das famílias, não há razão para se esforçar e cumprir o programa de ensino dentro do ano letivo” (ARAUJO e SCHWARTZMAN, 2002: 106). Assim, o professor aparece envolto em uma aura celestial, mitológica e cristalizada em nossa vivência educacional. Isto posto, podemos entender que um aluno que não é capaz de aprender, também não é capaz de ensinar e muito menos é capaz de dizer o que entende por educação, o que gostaria que fosse a educação, pois afinal “os alunos não sabem fazer isso”.
4. AS REGRAS PARA O SABER, A LEGITIMAÇÃO DO PODER
De acordo com o exposto, sugiro que tomemos a relação professor-aluno como uma relação hierárquica, onde a figura do professor, além de ter em si todo o conhecimento, não se vê com o dever de transmiti-lo e debate-lo, uma vez que, por hipótese, o aluno é quem tem o dever de aprender de acordo com a sua condição de tabula rasa[4] subordinada. A fim de analisar a forma hierárquica, nos conduziremos pelo pensamento de Max Weber (1982) que nos aponta a burocracia como um meio para legitimar e proteger relações hierárquicas, “toda burocracia busca aumentar a superioridade dos que são profissionalmente informados tornando secretos seu conhecimento e intenções: na medida em que pode, oculta seu conhecimento e ação da crítica” (WEBER, 1982: 269). Neste sentido, sugerimos que o exercício da superioridade possa ser pautado pela relação entre saber e poder, sendo que para Foucault (1987) temos antes que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder (FOUCAULT, 1987: 31).
Admitamos assim, que a relação de poder constitua um campo de saber, porém, de qual campo de saber estamos falando? Proponho que falemos de um campo de saber que pressupõe aquele que tem valor – o do professor –, e aquele sem valor – o do aluno. O valor da forma de se saber pode ser entendida como regulamentada, racional e portanto burocratizada, que toma feições de dominação e disciplina. Uma forma de se saber tradicional, acadêmica, da ordem do costume, uma gênese mitológica da qual a única coisa que sabemos é que sempre foi assim. Neste sentido, Foucault (2010) nos auxilia com sua análise quanto ao posicionamento dos intelectuais, no prefácio ao “Anti-Édipo”. O autor entende que haveria, durante o período de 1945 a 1965 (este cenário parece estender-se até os dias de hoje), condições para a aceitação de uma verdade escrita, tais condições estavam vinculadas à ética do intelectual, a uma forma correta de pensar e ao estilo correto do discurso (FOUCAULT, 2010: 103), aqui permitamos que a “forma correta de pensar” esteja também vinculada a uma forma correta de saber, de modo que qualquer forma de entendimento, conhecimento e saber que não tenha como forma uma “ética” ou uma estética intelectual não seja merecedora de valor. Foucault (2010) propõe que sejam rompidas as fronteiras dessa forma “correta” de pensar, no entanto, nos chama a atenção para o maior adversário da ruptura dessas fronteiras: o fascismo, não apenas aquele caracterizado pelas ações de Hitler e Mussolini, mas “também o fascismo que está em todos nós, que persegue nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar essa coisa que nos domina e nos explora” (FOUCAULT, 2010: 105).
5. AS CERCAS PROTEGIDAS DO ESCLARECIMENTO
Immanuel Kant (2005) nos pergunta “Que é esclarecimento?”. O autor nos aponta que os homens vivem em um estado de menoridade e este estado o torna incapaz de utilizar o seu entendimento sem a tutela de outro, tal menoridade é tratada como o resultado da falta de decisão e coragem de conduzir-se por si mesmo, assim, se um homem decide, de forma corajosa, utilizar o seu próprio entendimento e deixar a comodidade de ser tutelado, terá acesso ao esclarecimento (KANT, 2005: 1). À primeira vista, podemos considerar que esta análise acaba por reforçar uma falta de vontade humana, a sua covardia, portanto, em diálogo com os mitos que vivenciamos de forma passiva. Assim, podemos nos perguntar: como esclarecer-se sobre si mesmo tendo em vista a força de um mito? Como esclarecer-se sobre si mesmo diante de uma forma estabelecida de saber alimentada pelo amor ao poder de quem nos domina? Kant (2005) nos apresenta que a culpa da menoridade é do próprio homem, a não ser que esta seja por falta de entendimento e este entendimento, normalmente, é normatizado de tal forma que toma caráter de natural, daí a dificuldade de tornar-se esclarecido (KANT, 2005: 1, 2). E é neste ponto que proponho o início de nosso raciocínio acerca da dificuldade de tornar-se esclarecido, em consonância com os sistemas burocráticos analisados por Weber (1982), com a construção de um campo de saber, que pressupõe uma relação entre poder e saber, abordados por Foucault (1987), a percepção dos professores sobre si mesmos, identificada no estudo de Araujo e Schwartzman (2002) e os mitos que orientam a educação, comentados por Aquino (2005), sendo que este último, delimitado no mito do professor, sustenta todo o argumento deste artigo.
6. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Dia da Alimentação: projeto ‘7 Bilhões de Outros’ reúne depoimentos de pessoas que passam fome.


 '7 Bilhões de outros'. Foto: faugusto/Creative Commons


Em 16/10, comemora-se o Dia Mundial da Alimentação, mas para pelo menos 14% das pessoas que vivem no mundo não há nenhum motivo para comemorar a data. Dados recentes divulgados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostram que, entre 2011 e 2013, uma em cada oito pessoas sofreu de fome crônica, o que equivale a 842 milhões de seres humanos – como eu ou você.

A situação é grave e, por isso, o projeto 7 Bilhões de Outros  uma “evolução” do 6 Bilhões de Outros – resolveu entrar na jogada. Criada pelo fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand, a iniciativa produziu um vídeo, em parceria com a ONU, que reúne depoimentos de pessoas de diferentes países falando sobre o mesmo assunto: a fome.

A ideia é fazer um retrato do problema social no mundo e mostrar que, mesmo estando longe e sem se conhecerem, essas pessoas têm mais em comum do que poderiam imaginar – e precisam de ajuda. Assista ao vídeo, que foi produzido especialmente para o Dia Mundial da Alimentação.

A face oculta do mundialismo verde



Pascal Bernardin


Tradução de Joel Nunes dos Santos e Roberto Mallet

Os visitantes deste site já conhecem o nome de Pascal Bernardin, tanto pela alusão que a ele fiz no meu artigo “Ideário do absurdo” quando pelos comentários de Charles Lagrave no link O império ecológico e o totalitarismo planetário. Agora encontrei esta conferência dele na página do Instituto Euro 92 (onde há dezenas de outras leituras importantíssimas), e não pude deixar de transcrevê-la aqui com algumas notas minhas, malgrado minha falta de tempo para traduzi-la. Se algum visitante puder fazer a tradução e enviá-la a olavo@olavodecarvalho.orgterá prestado um esplêndido serviço a todos. – O. de C.

Nota do Instituto Euro 92

Desde o fim do comunismo, o socialismo bate em retirada ao conceder mais espaço aos mecanismos que deixam uma maior margem de liberdade aos comportamentos individuais. Contudo, a ameaça não desapareceu. Embora não se trate de grandes leis históricas que fariam do Proletariado o instrumento e o veículo do Progresso, trata-se da Ecologia – mais precisamente, das elites científicas e ecológicas que se autodenominaram os messias dos novos tempos – que pretendem impor seus objetivos como elementos reguladores da liberdade dos indivíduos. No texto a seguir, Pascal Bernardin, autor de “O Império ecológico” mostra como o problema da gestão dos “bens comuns” é hoje em dia utilizado como álibi para recriar completamente as regras da justiça e da moral, sempre pretendendo manter-se no estrito limite de uma crítica liberal. Este texto é a transcrição de uma conferência pronunciada ao Instituto Euro 92 no dia 14 de abril de 1999.

Permitam-me, de início, apresentar-me. Sou politécnico e doutor em informática. Ensino informática fundamental, quer dizer, matemática da informática na Universidade de Aix-Marseille III.

Esclareço-o porque irei tratar de questões científicas muitas vezes debatidas, em particular a questão do efeito estufa.

Vim falar de minha obra intitulada O Império Ecológico, lançada em dezembro de 98, a qual trata da ecologia em suas principais dimensões, com a notória exceção dos aspectos jurídicos e educativos.

No curso desta conferência, vou mostrar como e em que medida a política e os temas ecológicos se articulam com os dois fenômenos políticos maiores do último decênio e do fim do século, a saber, a perestroika e a emergência da Nova Ordem Mundial.

As questões ecológicas são as questões fundamentais que envolvem todos os domínios: domínio econômico, político, constitucional, financeiro, e às vezes o ético e o religioso. Trata-se, portanto, para mim, de uma questão verdadeiramente central, que retoma certas idéias liberais mas que vai muito além delas.



De início, na primeira parte desta intervenção, quero falar dos objetivos mantidos pelas elites pós-comunistas que permaneceram de pé, malgrado o desaparecimento do comunismo e da queda do muro de Berlim, as quais, hoje em dia, estão integradas no conjunto das elites ditas mundialistas, alojadas no coração das instituições internacionais. Vocês notarão a diferença entre mundialismo e mundialização. Conservo o termo mundialismo para descrever a emergência das forças políticas em nível mundial; reservo o termo mundialização para a emergência de um mercado global e de instituições econômicas e financeiras globais.
A situação política do último quarto de século tem sido marcada pela queda do muro de Berlim, e simultaneamente pela instauração de uma “Nova Ordem Mundial” proposta pelo presidente George Bush. Considero que a análise desses dois fenômenos permanece ainda muito incompleta. Com efeito, nenhuma explicação real do fenômeno da perestroika foi dada. Além do mais, os objetivos precisos da mundialização e do mundialismo permaneceram muito vagos. Dito de outro modo, estamos, atualmente, num vazio conceptual absoluto; vazio que toca os dois elementos principais da vida política mundial deste fim de século. Tais são os elementos que vou pôr em evidência, adotando a ecologia como fio condutor.



No que se refere ao mundialismo, vou basear-me exclusivamente nos textos oficiais das instituições internacionais – e eles são extremamente numerosos –, como Our Global Neighbourhood (1995 – Oxford University Press), um relatório da Comissão sobre o Governo Global (Comission on Global Governance). É uma comissão estabelecida sob a égide da ONU, que inclui membros eminentes e de elevadíssimo nível, em particular Jacques Delors, atualmente Presidente da Comissão européia.

De um outro ponto de vista, vou referir-me a Ethics and Spirituals Values, relatório redigido pelo Banco Mundial, centrado nos valores éticos e espirituais para um desenvolvimento durável; quer dizer, para um desenvolvimento ecologicamente são, ou pelo menos pretendido tal.

Enfim, e não o menor deles, a um documento oriundo da conferência de Copenhague, organizado pelas Nações Unidas (Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, de 6 a 12 de março de 1995), com o título de As Dimensões Éticas e Espirituais do Desenvolvimento Social.

O Império ecológico e o totalitarismo planetário



Eco-fascismo. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Sobre o livro de Pascal Bernardin, L’Empire écologique
por Charles Lagrave
Lectures Françaises, mars 1999.
Tradução de Olavo de Carvalho

Nota do Tradutor. — Como as conclusões do livro aqui comentado parecem aproximar-se em mais de um aspecto (se bem que não em todos) a algumas de O Jardim das Aflições (Rio, Diadorim, 1995), julguei que seria interessante reproduzir nesta homepage o artigo publicado em Lectures Françaises, revista que não está na Internet. — O. de C.

Nossos leitores lembram-se talvez de havermos explicado nestas crônicas (1), em diversas ocasiões, como estava em vias de operar-se o triunfo mundial do marxismo: o aparente deslocamento do campo comunista, fazendo cessar a oposição entre os dois blocos Leste e Oeste, permitiu a sua fusão num "liberal-socialismo" que nos leva diretamente a uma ditadura mundial. Essa síntese hegeliana não é o resultado de uma evolução natural, mas o resultado de uma manobra deliberada, preparada de longa data.

Alguns leitores talvez tenham pensado que exagerávamos, que a situação não era tão grave e que todas essas coisas eram bem inverossímeis. A esses — e aliás também aos demais — aconselho insistentemente comprar e ler o quanto antes o novo livro de Pascal Bernardin: L’Empire écologique ou la subversion de l’écologie par le mondialisme ("O império ecológico ou a subversão da ecologia pelo mundialismo", Éditions Notre-Dame des Grâces, 1998).

Na sua obra anterior, Machiavel pédagogue, o autor, apoiado em enorme massa de documentos oficiais, trazia-nos a prova de que um gigantesco empreendimento de lavagem cerebral vem se realizando no ensino, desde várias décadas, por meio das técnicas mais elaboradas de persuasão psicológica oculta. Do mesmo modo, no presente livro, ele estabelece, graças a uma documentação igualmente inatacável, que idêntico empreendimento de subversão das mentalidades está em ação sob a máscara da ecologia e que a convergência entre comunismo e capitalismo, que parece ter aproveitado somente a este último, é na verdade uma manobra cuidadosamente preparada para assegurar a perenidade da revolução, impondo ao mundo inteiro uma concepção totalitária do homem e da natureza. Esta revolução ideológica total desembocará por fim numa "espiritualidade global", isto é, numa nova civilização e numa nova religião que estarão a serviço de um socialismo absoluto e universal: o governo mundial.

A subversão pedagógica tem por objetivo "modificar os valores, as atitudes e os comportamentos, proceder a uma revolução psicológica, ética e cultural. Para chegar a isso, utilizam-se técnicas de manipulação psicológica e sociológica. Este processo, manifestamente revolucionário e totalitário, não encontra nenhuma resistência entre as elites, quer sejam de direita ou de esquerda. Concebido e conduzido por instituições internacionais, ele concerne ao conjunto do planeta, e muito raros são os países poupados. Ele inscreve-se no projeto mundialista de tomada do poder em escala global pelas organizações internacionais. Nesta perspectiva, os diversos governos nacionais não serão, ou já não são, senão simples executantes encarregados de aplicar as diretrizes que tenham sido determinadas em escalão mundial e de adaptá-las às condições locais, que, por outro lado, eles se esforçam para uniformizar" (2).

A difusão dessas técnicas de manipulação psicológica e sociológica no sistema educativo mundial não pode ser um fenômeno espontâneo, mas, ao contrário, é um trabalho "cuidadosamente planejado e rigorosamente executado" graças aos métodos desenvolvidos pelos soviéticos. "É certo que antes da perestroika os comunistas tinham criado as estruturas nacionais e internacionais que permitissem à revolução prosseguir por meios menos visíveis do que aqueles usados na sua fase bolchevique. Outra questão maior então surge imediatamente: pode essa estratégia ter sido aplicada em outros domínios? Ou ainda: que é, verdadeiramente, a perestroika? Um desmoronamento real do sistema comunista, sob a pressão de suas ‘contradições internas’, ou uma incrível virada estratégica elaborada cuidadosamente durante muitas décadas e executada magistralmente?(3)" A esta questão crucial, Bernardin responde, apoiado em textos irrefutáveis, eles mesmos "corroborados pelos acontecimentos sobrevindos após a queda do muro de Berlim, [...] que a perestroika foi um processo revolucionário de inspiração leninista e gramscista. Seu objetivo principal é portanto a tomada do poder em escala planetária. Nesta perspectiva, a convergência entre capitalismo e socialismo, que se realiza diante dos nossos olhos, não é senão uma etapa que deve conduzir à instauração de um governo mundial..." (4).

De fato, o verdadeiro pai da perestroika é o teórico comunista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), o qual havia compreendido que a revolução bolchevique, querendo modificar em primeiro lugar as condições da vida econômica, era demasiado violenta para obter a aprovação de um consenso generalizado, e preconizava, em conseqüência, efetuar primeiro uma revolução ideológica, isto é, mudar antes de tudo as maneiras habituais de pensar. "Gramsci propõe realizar primeiro a instauração de uma nova civilização. Os meios que ele propõe parecem fracos, mas na verdade são muito poderosos. A revolução ideológica deve ser veiculada pelos intelectuais e por uma ditadura pedagógica. Deve ser feita em nome de imperativos éticos e respeitar a dignidade e os direitos do homem (isto é, utilizar métodos não-aversivos). [...] A revolução ecológica formará a ossatura das revoluções — ideológica, religiosa, ética e cultural — veiculadas pela ditadura pedagógica. As idéias de Gramsci são portanto indispensáveis para toda compreensão do mundialismo e da perestroika" (5).

O totalitarismo planetário

Após ter feito explodir sucessivamente tudo o que era cristão, primeiro a Igreja no século XVI, depois as monarquias católicas a partir de 1789, depois os impérios cristãos em 1918 e por fim as sociedades cristãs. a Revolução universal prepara-se para reunificar o mundo em torno de um novo paganismo que, como os paganismos antigos, constituirá uma camuflagem da religião do demônio (6). Os povos se rejubilarão de ter atingido a idade de ouro da humanidade enfim unificada, ao passo que terão de fato caído sob o poder daquele que é "mentiroso e homicida desde o princípio".

"A revolução ecológica em curso efetua a síntese entre o liberalismo, o comunismo e o ‘humanismo’ maçônico que se arraiga nos mistérios antigos e no culto da natureza. Ela permite lançar um olhar novo sob os dois fenômenos políticos maiores deste fim de século: a desaparição do comunismo e a emergência da Nova Ordem Mundial. Ela define-se como a convergência das forças revolucionárias anticristãs, que sobem ao assalto do último baluarte legado pela cristandade: a concepção inconsciente de Deus, do homem e do mundo que define o nosso quadro intelectual. Mais ainda que a revolução copernicana, essa mudança de paradigma (7) teria conseqüências infinitas. A antropologia cristã contrarrestava as tendências totalitárias de todo Estado, as quais, por definição, a perspectiva holística (8) enaltece. O totalitarismo será então declinado em todas as suas dimensões: primeiro a dimensão religiosa, depois as dimensões políticas e sociais. A destruição da antropologia cristã acrescentará ainda um obstáculo maior à busca da verdadeira fé: a perspectiva cristã se tornará estranha às gerações futuras. A destruição do comunismo e a aparição da Nova Ordem Mundial marcam portanto a emergência de um totalitarismo planetário inédito que muito deverá, no entanto, às concepções pagãs. É um episódio maior da guerra de religião que o paganismo move contra o cristianismo desde sua aparição" (9).

Esse totalitarismo planetário está programado para se estabelecer em nome do bem-estar da humanidade, sem provocar reação séria, pois quem desejaria lutar contra o bem? Ouçamos Gorbachov: "É minha convicção que a raça humana entrou num estágio em que todos somos dependentes uns dos outros. Nenhum país, nenhuma nação deveria ser considerada isoladamente das outras, ainda menos oposta às outras. Eis o que o nosso vocabulário comunista denomina internacionalismo, e isto significa nosso voto de promover os valores humanos universais" (10). Ora, como observa mui justamente Bernardin, "o interesse da humanidade substitui a ditadura do proletariado, mas o indivíduo continua sempre esmagado ou negado" (11).

A síntese dialética

Solve et coagula, dizem os iniciados para resumir sua estratégia: eles começam por destruir tudo o que lhes constitui obstáculo, em seguida passam a uma fase construtiva, não para restaurar o que abateram (mesmo se as aparências levam a crer nisso), mas para construir algo de radicalmente diferente. É esse movimento que Hegel sistematizou sob o nome de dialética: a tese é o que os iniciados querem destruir, a antítese são os meios utilizados para esse fim e a síntese é a nova construção estabelecida sobre as ruínas da antiga — construção que aliás é sempre provisória, pois o movimento da dialética não pode parar jamais. Com efeito, a Revolução é incapaz de atingir um estado de equilíbrio durável, de tanto que viola a natureza humana: seu triunfo quase absoluto, que chegará no fim dos tempos, será muito breve.

Bernardin dá-nos uma boa análise da atual síntese dialética destinada a alcançar uma falsa paz universal que não será senão uma ditadura assustadora: "A sociedade ainda cristã, tal como existia antes dos movimentos revolucionários, se organizava em torno de um princípio transcendente que lhe dava sua unidade tanto ‘nacional’ quanto ‘internacional’, se remontarmos à época em que toda a cristandade reconhecia a autoridade suprema do Papa. A luta das classes, aí, não era senão, no máximo, um elemento secundário. Vieram em seguida os movimentos revolucionários, culminando com o comunismo que exacerbou o antagonismo de classes no interior das nações e dividiu o mundo em dois blocos inimigos. Ele forneceu a antítese, uma sociedade atéia e fragmentada na qual, em vez de procurar melhorar verdadeiramente a condição operária, se eliminou a burguesia ou pelo menos se alimentou o ódio em relação a ela. A síntese desses dois momentos é a perestroika (e o mundialismo) que, renunciando a à luta de classes para tender na direção de um ‘Estado de todo o povo’, quer recriar uma sociedade unificada, interiormente e exteriormente, tanto no nível nacional quanto na escala internacional. Mas, a meio caminho, no curso desse processo dialético, perderam-se a cristandade e Deus... Temos aqui um exemplo típico daquilo que se deve chamar, malgrado todos os legítimos argumentos teológicos opostos, a dialética do bem e do mal. Uma situação má, no caso a divisão das sociedades e do planeta, é provocada pelos revolucionários (antítese). As tensões nacionais e internacionais que ela engendra clamam por um retorno ao bem, à unidade social e ao apaziguamento dos conflitos internacionais. Mas a síntese proposta sob o disfarce de retorno à normalidade, e que busca efetivamente voltar à unidade social, não é de maneira alguma semelhante à situação inicial: o mundialismo e o ‘Estado de todo o povo’ não são senão a forma mais completa e acabada do totalitarismo integral. Trocou-se a unidade social pelo totalitarismo, a unidade pela totalidade" (12).

Vida de mestre é difícil.


Sala de Aula. Imagem: Arquivo Pessoal CHH

O Dia do Professor é feriado no Brasil desde os anos 1960. De lá para cá, o país mudou muito, mas os profissionais continuam mal remunerados, com uma carga horária de trabalho desgastante e desvalorizados socialmente.

Quem quer ser professor no Brasil? Poucos.  Nos dias de hoje, somente 2% dos alunos do ensino médio mostram-se interessados na carreira docente, embora 1/3 deles tenha pensado, em algum momento, em segui-la. As razões para tanto desinteresse vão desde a baixa remuneração, à rotina desgastante ou mesmo à desvalorização social. Ser professor é um mau negócio. O resultado é que, hoje, faltam mais de 700.000 professores nos ensinos fundamental e médio.

Aqui, diferente de países como EUA, China e Índia, o Dia do Professor é feriado oficial. Comemorado no dia 15 de outubro, foi instituído nacionalmente em 1963 no governo de João Goulart. Seu início remete à década de 1930, quando grupos de professores católicos organizaram iniciativas para comemorar o “Dia da Mestra” e o “Nosso Primeiro Mestre” lançado pela Associação de professores Católicos do Distrito Federal (Rio de Janeiro, naquela época). A data - consagrada à Santa Tereza D’Ávila,  religiosa e escritora reconhecida, proclamada Doutora da Igreja pelo Papa Paulo VI -,  é associada ao Decreto Imperial de D. Pedro I, em 1827. Nele, o imperador ordenava a criação de escolas de “Primeiras letras” em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império.

A criação de um dia comemorativo não significou, contudo, a valorização do professor. Sem dúvida, se olharmos de 1963 para cá, o Brasil avançou em muitos aspectos na educação: diminuiu consideravelmente o analfabetismo, colocou a quase totalidade da população infantil na escola e aumentou consideravelmente o ensino universitário. Tais avanços, no entanto, foram insuficientes e a educação brasileira é, ainda hoje, uma das piores do mundo. A principal razão disso é o desinteresse pelo magistério. Os melhores alunos tendem a se direcionar para carreiras mais bem remuneradas. Resultado: muitas vezes falta uma formação sólida àqueles que devem ensinar.

Outro problema real é a desvalorização social: nas escolas privadas é comum os professores ouvirem dos alunos que seus pais ganham mais ou que eles, professores, são seus empregados. Nas escolas públicas, a desvalorização vem quase sempre do desconhecimento, por parte dos próprios pais, da importância da educação. Junte-se a isso uma rotina desgastante, que inclui uma enorme carga horária de trabalho, dentro e fora de sala de aula.

Tudo isso ocorre no momento em que o Brasil sofre com a falta de mão de obra qualificada em todos os setores. Surge aí um estranho paradoxo: quanto maior a carência de mão de obra, maiores os salários nos diversos setores e, portanto, menos atrativa se torna a carreira do magistério. É preciso educar a população, mas quem vai fazê-lo?

O governo federal vem tentando responder a essa questão com o estímulo à docência. Por um lado, apoiando a multiplicação das licenciaturas. Por outro, concedendo bolsas e criando programas de incentivo à formação de professores. Falta ainda, no entanto, o reconhecimento expresso numa carreira estruturada e numa remuneração adequada.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A arqueologia nos tempos da web: Para compreender os dias de hoje, os historiadores do futuro vão se debruçar sobre fotos, e-mails e posts na Internet. De futilidades do cotidiano a assuntos politizados. Tudo será usado para escrever a nossa história.


O sorriso estampado ao lado do Mickey está guardado até hoje em uma caixa de sapatos. Paulo Moço fez sua primeira viagem ao exterior em 1997, quando conheceu os parques da Disney na Flórida. Levou uma câmera analógica e 3 filmes de 36 poses, comprados com a mesada. Das cerca de 100 fotos que tirou, algumas queimaram e outras foram estragadas quando alguém passava na frente da câmera na hora do disparo. Esse tipo de situação não irritava mais quando ele foi à Europa em 2004. Na ocasião, havia ganhado uma câmera digital de 5 megapixels. Não importava mais se alguém passasse na frente na hora em que clicava a Torre Eiffel. Bastava apagar e repetir. E assim ele preencheu com centenas de imagens seu cartão de memória de 256 MB. Em 2011, voltou à estrada com uma nova câmera, que faz fotos de 14 megapixels e custou menos que a anterior. Milhares de fotografias depois, ele só não esgotou o cartão de 16 GB porque tinha outra câmera - a do smartphone, usada para fotografar pratos, doces e bebidas que consumia.

As viagens mostram como a nossa relação com a fotografia mudou nos últimos 15 anos, com a popularização das câmeras digitais. Antes, tirar fotos era mais caro e complexo (caso você não lembre, era preciso comprar o filme, colocá-lo na câmera e levar para revelar no fim da viagem, com os dedos cruzados para não ter queimado muitas fotos). Além disso, fotografar era restrito a aparelhos criados para tal. Hoje, ninguém precisa ter câmera para tirar foto. Celulares e tablets cumprem a função. E as máquinas estão cada vez mais baratas e poderosas.

A tecnologia banalizou a fotografia. Mas não só ela. Outras formas de produção de conteúdo também. A cada ano, é mais fácil e barato manifestar o que quer que seja. Faça, publique. Comente, tuíte. Viralizar virou verbo do dia a dia. E o fluxo só aumenta. Em 2010, a humanidade atingiu a marca de 1 zettabyte de informação criada e replicada. Zettabyte? É o mesmo que 1 trilhão de gigabytes de informação.

Joio e trigo

É tanta coisa que publicamos diariamente na internet que, se você parar para ver, dá para contar a história da sua vida com base apenas em e-mails trocados. Mas que legado estamos deixando para os historiadores do futuro? Como os desbravadores da internet conseguirão interpretar nossos tempos neste oceano de fotos de comida e hits de YouTube? O trabalho não será muito diferente do que já é feito por pesquisadores que estudam outras épocas, acredita Jennifer Gavin, diretora de comunicação da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. "Da mesma forma que alguém lê um jornal do século 18, pesquisadores do futuro analisarão tuítes por diversos ângulos diferentes para ver o que preocupa e interessa nos dias de hoje", diz. "O que foi trending topic? Qual a porcentagem de assuntos ligados a política? E o quanto as pessoas tuitaram sobre gatos ou festas?" Para ela, o trabalho consiste menos em separar o joio do trigo e mais em tentar entender o cotidiano das pessoas. Afinal, futilidades fazem parte da existência humana desde muito antes da internet. "O fato de que muito do conteúdo é bobo e mundano não o torna inútil na pesquisa social."

É justamente para que no futuro seja possível traçar um retrato da sociedade com base no que publicamos na internet que a Biblioteca do Congresso dos EUA arquiva os cerca de 230 milhões de tuítes feitos todos os dias. A iniciativa, lançada em 2010, faz parte do programa de preservação digital da biblioteca, que estuda maneiras de arquivar com segurança diversas formas de mídias.

Então aquele seu tuíte tirando sarro do chefe palmeirense após o título do Corinthians está guardado na Biblioteca do Congresso americano? A não ser que você tenha configurado sua conta como privada, sim. Por mais superficial que possa parecer, ele ajudará, com bilhões de outros textos de 140 caracteres, a compor um perfil do nosso tempo. "Em 1963, consideravam os Beatles estúpidos porque eles tinham versos como `yeah, yeah, yeah¿", compara Jennifer. "Hoje podemos voltar no tempo e ver os primeiros materiais da banda e a influência que ela teve no mundo. O Twitter pode propiciar uma janela para o futuro assim", diz.

Mas não é tarefa fácil. Estamos cada vez mais conectados. Novas gerações são naturalmente inclinadas a tratar a internet como uma extensão da vida, não como algo à parte. A história das pessoas passa a ser mais registrada na rede. A lista de aprovados no vestibular está no Google. Os melhores amigos estão marcados nas fotos do Facebook. O cargo novo no trabalho está exposto no perfil do Twitter. O amor da sua vida cabe no Gmail.

Isso tudo acontece porque gerar informação está cada vez mais fácil. O custo de produzir, administrar e armazenar conteúdo online é 1/6 do que era em 2005, segundo um estudo da organização Internet Data Corporation. Além disso, o investimento no universo digital cresceu 50% entre 2005 e 2011. Ou seja, está mais fácil porque está mais barato. E está mais barato porque há dinheiro fluindo para que essa tendência continue nos próximos anos.

Teorias do caos

Pesquisadores do futuro lidarão não só com a maior quantidade de informação já produzida na Terra como com o desafio de contextualizar fatos, costumes, modas, personagens. E o principal, como afirma Jennifer: tudo isso será apenas um ponto de vista do mundo atual, não um retrato acabado. Por mais que fotografar e chamar bolinhos coloridos de cupcakes seja um costume popular nas redes sociais, isso não quer dizer, necessariamente, que no futuro nossa época será a geração Instagram. Porque simplesmente há muito mais seres humanos que não fazem ideia do que seja uma foto de cupcake no Instagram do que aqueles que sabem. Logo, contextualizar continuará sendo dever dos historiadores. Além disso, há a questão da autenticidade, como lembra o historiador da UFRGS Fábio Chang, que pesquisa arqueologia histórica. "Para escrever a história do início do século 21, será preciso trabalhar com blogs e redes sociais", diz. Segundo Fábio, comprovar a autenticidade da documentação pode ser um desafio maior no futuro do que hoje. Por exemplo, um post assinado por um egípcio durante a Primavera Árabe. Ele foi mesmo feito por um rapaz do Egito? Durante a crise no país? Esse cuidado será essencial.

A doença de ser normal: A humanidade pode estar sendo acometida por uma epidemia global, a normose, uma obsessão doentia por ser normal.


Normose. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Já foi normal duas pessoas se digladiarem até a morte para entreter a multidão. Também já foi normal queimar mulheres na fogueira por bruxaria e fazer pessoas trabalharem sem emuneração com direito a castigos físicos só pela cor da pele. Era normal também humanos se alimentarem de sua própria espécie e casarem sem amor. Já foi normal passar 40 horas da semana fazendo algo que se detesta, mentir para ganhar dinheiro e devastar florestas inteiras em busca de um suposto desenvolvimento. Peraí, este último ainda é normal. Afinal, será que ser normal - e achar normais coisas que não deveriam ser - pode ser uma doença?
Segundo alguns psicólogos, sim. A doença de ser normal chama-se, segundo eles, normose: um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos em graus distintos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida.

O conceito foi cunhado quase que simultaneamente pelo psicólogo e antropólogo brasileiro Roberto Crema e pelo filósofo, psicólogo e teólogo francês Jean-Ives Leloup, na década de 1980. Eles vinham trabalhando o tema separadamente até que um terceiro psicólogo, o francês Pierre Weil, se deu conta da coincidência. Perplexo, Weil conectou os dois, e os três juntos organizaram um simpósio sobre o tema em Brasília, uma década atrás. Do encontro, nasceu uma parceria e o livro Normose: A patologia da normalidade.

No fim dos anos 70, Crema estava encucado com o fato de muitos autores apontarem uma "patologia da pequenez": o medo de se deixar ser em sua totalidade. Ele deparou-se com muitos pensadores, entre eles o alemão Erich Fromm (1900-1980), que falava do medo da liberdade, e o suíço Carl Jung (1875-1961), que afirmava que só os medíocres aspiram à normalidade. Crema misturou ao caldo a célebre declaração do escritor britânico G.K. Chesterton (1874-1936), que disse que "louco é quem perdeu tudo, exceto a razão", e acrescentou os anos de observação e prática em sua clínica pedagógica.

Assim nasceu o conceito de normose, que, segundo ele, "ocorre quando o contexto social que nos envolve caracteriza-se por um desequilíbrio crônico e predominante". A normose torna-se epidêmica em períodos históricos de grandes transições culturais - quando o que era normal subitamente passa a parecer absurdo, ou até desumano. Foi o que aconteceu no final do período romano, em relação à perseguição de cristãos, ou no início da Idade Moderna, com o fim da legitimidade da Santa Inquisição, ou no século 19, com a perda de sustentação moral da escravidão. E, segundo Crema, Leloup e Weil, é o que está acontecendo de novo, com a crise dos nossos sistemas de produção, trabalho e valores.

"O novo modelo é ainda embrionário, e os visionários dessa possibilidade de sociedade não-normótica ainda são minoria", diz Crema. Enquanto a maioria de nós se adapta a um ambiente social doente, quem resiste à normose acaba considerado desajustado, por não obedecer ao estado "normal" das coisas.

Como aquele cara que, mesmo ganhando o suficiente para fornecer educação, moradia e alimentação para si e seus filhos, é considerado vagabundo e louco por, em plena quarta-feira ensolarada, liberar as crianças da aula e levá-las à praia. Mas como? Em dia de semana? As crianças vão faltar aula? Pois é. De repente, ele acha que um dia na natureza vai fazer mais bem a seus filhos do que horas sentados em sala de aula. Será que ele não é saudável, e doentes estão os outros?

Desnormotização

Para a filósofa Dulce Magalhães, que escreve sobre mudanças de paradigmas, o normótico acredita que geração de renda e falta de tempo para si ou para a família são indissociáveis. "As pessoas consideram que trabalhar muitas horas, colocar em risco sua saúde e suas relações é normal", diz ela. "Mas isso tem um custo pessoal e social alto demais, que acabam levando a problemas de saúde pública e violência, por exemplo."

Dulce acha que a cura para a normose está em mudarmos de modo mental, abandonando o modelo da escassez, que hoje rege o mundo, e abraçando o da abundância. Ela explica: "Desde a infância, aprendemos que o que vem fácil vai fácil e que, se a vida não for difícil, não é digna. Precisamos mudar isso e entender que esforço não é tarefa." Quantos de nós chegamos em casa reclamando para mostrarmos (a nós mesmos e aos outros) que trabalhamos muito e tivemos um dia duro, como se isso trouxesse algum tipo de mérito?
Segundo Crema, cada um de nós tem talentos diversos, mas "o normótico padece de falta de empenho em fazer florescer seus dons e enterra seus talentos com medo da própria grandeza, fugindo da sua missão individual e intransferível". "Quando temos necessidade de, a todo custo, ser como os outros, não escutamos nossa própria vocação", acredita.

O carioca Eduardo Marinho, hoje com 50 anos, percebeu cedo que não queria ser como os outros. Filho de militar, abriu mão de sua condição financeira e de sua faculdade ao se dar conta, aos 18 anos, que não queria olhar para sua vida quando velho e pensar que não tinha feito nada relevante. "Não queria ser bem-sucedido e me sentir fracassado". Eduardo saiu pelo País pedindo abrigo e comida em troca de favores e buscando algo que o preenchesse. Depois de passar por poucas e não tão boas pelo Brasil, deu voz a sua vocação. Hoje é artista plástico.

Ele acredita que a desnormotização se inicia dentro de cada um: "Que tal olhar para dentro de si mesmo? É aí que começa a revolução", sugere. Claro que, para isso, não é mandatório dormir nas ruas. Fazer o trajeto que Eduardo escolheu para si pode ser perigoso e não há nenhuma garantia de sucesso.

Bug cerebral

A cura da normose é trabalho individual, mas alguns esforços sociais podem ajudar. Para começar, seria um adianto se tivéssemos um novo modelo educacional. A escola poderia ser o lugar onde as crianças descobrem suas verdadeiras vocações - em vez de tentar padronizar os alunos e convencê-los a serem normais.