Ao procurarmos traços comuns a regimes militares das décadas de 1960 a 1980 e situações políticas diversas notamos que o nacionalismo e “populismo” de Velasco Alvaro no Peru e de Ovando Candia na Bolivia diferem em muito dos regimes repressivos e entreguitas de Pinochet no Chile, de Costa e Silva no Brasil e de Videla na Argentina. Mas nunca havemos de esquecer os pontos comuns entres eles: dissolução das instituições representativas, falência ou crise dos partidos políticos tradicionais, militarização da vida política e social em geral.
Nos três golpes militares na década de 1960, houve a influência determinante da diplomacia norte-americana. Devido aos seus interesses na América Latina e ao iminente confronto com a URSS por áreas de influência no mundo. Impregnaram a América Latina da idéia de que as democracias eram incapazes de conter o comunismo.
No Brasil o golpe militar de 1964 contou como apoio do governo dos Estados Unidos que apoiou a derrubada do governo Goulart. Nesse período o embaixador norte-americano era assíduo freqüentador do palácio presidencial. Onde sugeria nomes para compor ministérios e censurava as escolhas de “esquerdistas.
É evidente o grau de envolvimento dos Estados Unidos na preparação e execução do golpe de abril de 1964. Examinemos a Operação Brother Sam que consistiu no envio às costas brasileiras de um porta-aviões, destróieres dentre outros artefatos bélicos como o objetivo de fornecer apoio logístico, material e militar aos golpistas. Mas para surpresa dos gringos os nossos militares deram conta do recado de acabar com o regime democrático contrariando os prognósticos da CIA que previa uma guerra civil prolongada.
O Estado militar instaurando credenciava-se principalmente como guardião do capital internacional e defensor da “restauração econômica, com foco constante na luta contra o comunismo internacional que pretendia acabar coma propriedade privada.
Em 9 de abril de 1964 como AI-1 decretou a morte do regime baseado na Constituição de 1946, na harmonia e independência dos Poderes, na inviolabilidade do mandato parlamentar. Com a criação da SNI (Serviço Nacional de Informação, com o objetivo de levar adiante os “princípios” da Doutrina de Segurança Nacional que tinha por objetivo principal caçar os “inimigos internos”.
Em 1966 foi a vez da Argentina ser tomada por um governo militar com os iguais ares de “refundação institucional” que o exército argentino tomou o poder comandado por Juan Carlos Onganía.
O projeto de penetração norte-americana na América Latina tinha exigido a deposição de vários governos civis para garantir a “calma” necessária ao andamento dos negócios e o combate à Revolução Cubana. Bolivia, Brasil em 1964 e Argentina em 1966 eram elos de um processo comum, que por toda parte se auto-intitulava “revolução”.
Nos anos de 1968-1969 os governos militares entraram em profunda crise, devido à onda de mobilizações populares que percorreu toda a América Latina, desde o México até a Argentina e o Uruguai. Na realidade esses eventos estavam relacionados com uma crise mundial que se instaurava como posso citar: “o maio francês”, a Primavera de Praga, a Ofensiva Tet pelos Vietcongs e do Vietnã do Norte contra a ocupação da Indochina pelo exército dos Estados Unidos, todos esses eventos deram-se no ano de 1968.
Neste mesmo ano houve no Brasil importantes manifestações estudantis contra a ditadura militar brasileira, as manifestações foram violentamente reprimidas. Haviam no Brasil grupos organizados e oposição ao regime, atuando na clandestinidade, empreendendo ações armadas em todo o país. Podemos citar a Ação Libertadora Nacional (ALN), e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Grupos armados como os citados eram duramente perseguidos e eliminados, com enorme mobilização de tropas do aparelho repressivo do Estado.
Ainda no inesquecível ano de 1968, depois de atacar e reprimir os movimentos grevistas em São Paulo, foi decretado o Ato Institucional de número 5 (AI-5), que restringia mais as liberdades políticas. Documentos liberados em 2001pelo governo brasileiro revelam que, em dezembro de 1968, o governo norte-americano viu o fechamento do Congresso e a suspensão dos direitos políticos no Brasil como uma “reação lógica” ao perigo comunista. Temiam um Brasil comunista, pois como afirma Henry Kissinger, então conselheiro de Nixon: “Se o Brasil se perder, não será uma outra Cuba. Será uma outra China.”
Uma questão que não pode deixar de ser salientada é a ocorrida em agosto de 1971 na Bolívia, que vivia por uma situação de “duplo poder”, com um governo militar do general Juan José Torres e um poder real concretizado na Assembléia Popular. Nesse beco sem saída o exército pelo comando do general Hugo Banzer Suárez, deflagrou um golpe militar singularmente brutal. Aonde as Forças armadas ocupavam todo o espaço político e econômico. Com uma crise econômica galopante devido ao declínio das exportações, a Bolívia viu-se obrigada a reciclar-se em torno do narcotráfico, que passou a ser crescentemente administrado pelos próprios militares donos do poder. Mesmo sabendo dessa situação o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger em viagem a Bolívia para aplacar diplomaticamente o ímpeto narcoexportador, agradeceu, no entanto, o empenho no combate contra o “comunismo” do governo boliviano.
Diferentemente das ditaduras da década de 1960, que possuíam um caráter mais “preventivo” de um eventual contágio de Revolução Cubana, as ditaduras da década de 1970 possuíam um caráter evidentemente contra-revolucionário. Esse ciclo golpista latino-americano da década de 1970 marcou a passagem definitiva do “caudilhismo” militar da primeira metade do século XIX que eram baseadas em um líder para o domínio. Agora o poder seria imposto por meio institucional das Forças Armadas, por toda parte governavam juntas militares.
Foi nessa década que os Estados Unidos tornou-se o maior exportar de armamento para o terceiro mundo, superando a URSS. Mesmo assim ainda os gastos militares latino-americanos eram baixos por ficarmos longe dos pontos de maior conflito do planeta.
Ainda assim o fortalecimento das forças militares era uma evento a notar-se. Fato esse que provinha do acirramento dos conflitos de fronteira e a proliferação dos enfrentamentos internos. Um dos maiores objetivos desses gastos era a “contra-insurgência” e o combate aos eventuais conflitos regionais, mas também fazia parte da corrida armamentista mundial. Em grande parte deve-se também a briga dos países industrializados pelo mercado de armamentos na América Latina. Nessa área a hegemonia política dos Estados Unidos, porém, continuou sendo incontestável. A submissão política do exército argentino, por exemplo, à política hemisférica norte-americana era histórica e condicionou os militares argentinos, inclusive no diz respeito à produção e compra de armamentos. Criando um militarismo dependente que anulava não só a Argentina, mas todos os países da América Latina, pois o modus operanti era praticamente o mesmo para todas as nações em relação aos Estados Unidos.
No Chile em 1973, o golpe de Pinochet se destaca pela selvageria com a qual destrói seus opositores e toma o poder, pois não perdoou representantes da cultura chilena reconhecidos internacionalmente. Foi um governo extremamente violento, voltado para torturas e assassinatos.
No Brasil, no mesmo período procurava-se legitimar o Estado Militar, aplicando uma repressão seletiva para a sustentação do Estado. Com o resultado das eleições de 1974 favoráveis ao partido da oposição o MDB. A oposição teve sua representação no Congresso significativamente aumentada. Ainda assim quem mandava era o regime ditatorial que reprimia greves com assassinatos.
Na Argentina, o governo peronista (1973-1974) vivia em crise permanente. Em 1974 Perón deu seu aval ao golpe policial que derrubou o governo a esquerda peronista de Córdoba e a AAA (Aliança Anti-comunista Argentina) conhecida como esquadrão da morte, operava com toda força.
Com o golpe militar na Argentina, todo o Cone Sul e parte do resto do subcontinente estava sob controle de ditaduras militares. A segunda metade da década de 1970 seria a etapa mais sombria da história da América do Sul.
O componente decisivo da instauração das ditaduras foi o terror, “terrorismo de Estado”. Onde tortura, prisões em nome da segurança nacional, assassinatos, produção de provas fraudulentas, coação para confessar crimes não cometidos, seqüestro de recém nascidos etc. foi comum em todas as ditaduras que se seguiram neste período.
A ligação do governo dos Estados Unidos com as ditaduras no Brasil, Argentina,Uruguai, Chile e Paraguai eram coordenadas pela chamada “Operação Condor”. Seu objetivo era manter os países governados por militares trabalhando juntos e com o apoio da CIA.
Os regimes militares do Cone Sul estavam com seus dias contados. É dentro de um quadro de instabilidade econômica e social que avançam as lutas pela liberdade ante as ditaduras. Com o apoio da Anistia Internacional e da ampla adesão popular e de órgãos da Igreja, Imprensa e Advogados, bloqueou as tentativas de reinstalar medidas coercitivas.
No Brasil o sindicalismo foi um elemento essencial na luta contra a ditadura por meio das ondas grevistas de 1978. Em 1983 é criada a CUT (Central Única dos Trabalhadores) acrescentou um novo fator de crise do regime.
Embora os sindicalistas não atingiram seu objetivo nas eleições diretas para presidente no ano seguinte, foi suficiente para quebrar a base política do regime militar. Então temos o nosso conhecido José “múmia” Sarney do Arena, já PDS, levar um setor do partido governista chefiado pelo mesmo a aliar-se com a oposição. Levando a eleições indiretas e a eleição de Tancredo Neves (PMDB) para presidente. Com o falecimento de Tancredo, temos inacreditavelmente a posse de Sarney, político vindo do próprio regime militar posto como presidente. E não é de se admirar que no acorde final temos, o regime militar-arenista no poder político da nação.
As passagens de regimes militares para regimes democráticos, resultaram, portanto, da virada política dos Estados Unidos junto com a crise de dominação política das próprias ditaduras que afundaram devido a crise econômica mundial.
Você quer saber mais?
GOGGIOLA, Osvaldo. Governos Militares na América Latina. São Paulo: Editora Contexto, 2001.
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