Peter Pál Pelbart
É onde intervém o segundo eixo que seria preciso evocar, sobretudo em autores provenientes da autonomia italiana. Podemos resumir este eixo da seguinte maneira: quando parece que “está tudo dominado”, como diz um rap brasileiro, no extremo da linha se insinua uma reviravolta: aquilo que parecia submetido, controlado, dominado, isto é, “a vida”, revela no processo mesmo de expropriação, sua potência indomável. Tomemos apenas um exemplo.
O capital precisa hoje, não mais de músculos e disciplina, porém de inventividade, de imaginação, de criatividade, de força-invenção. Mas essa força-invenção, de que o capitalismo se apropria e que ele faz render em seu benefício próprio, não emana dele, e no limite poderia até prescindir dele. É o que se vai constatando aqui e ali: a verdadeira fonte de riqueza hoje é a inteligência das pessoas, sua criatividade, sua afetividade, e tudo isso pertence, como é óbvio, a todos e a cada um. Três adolescentes e um pc, e já estão reunidas as condições para a invenção de um software que lhes renderá bilhões. Não necessitam de um capitalista que junte os meios de produção e a força de trabalho. Isso significa, mais profundamente, o seguinte.
Tal inteligência, tal potência de vida disseminada por toda parte nos obriga a repensar os próprios termos da resistência. Poderíamos resumir tal movimento do seguinte modo: ao poder sobre a vida responde a potência da vida, ao biopoder responde a biopotência, mas esse “responde” não significa uma reação, já que o que se vai constatando é que tal potência de vida já estava lá desde o início. A vitalidade social, quando iluminada pelos poderes que a pretendem vampirizar, aparece subitamente na sua primazia ontológica. Aquilo que parecia inteiramente submetido ao capital, ou reduzido à mera passividade, a “vida”, aparece agora como reservatório inesgotável de sentido, manancial de formas de existência, germe de direções que extrapolam as estruturas de comando e os cálculos dos poderes constituídos.
Seria o caso de percorrer essas duas vias maiores como numa fita de Moebius, o biopoder, a biopotência, o poder sobre a vida, as potências da vida3. Mas poderíamos fazê-lo aqui sob um crivo particular, o do corpo. Pois tanto o biopoder como a biopotência passam necessariamente, e hoje mais do que nunca, pelo corpo. Assim, proponho trabalhar aqui três modalidades de "vida", isto é, três conceitos de vida, acompanhados de sua dimensão corporal correspondente, percorrendo de um lado a outro a banda de Moebius mencionada.
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http://www.iea.usp.br/iea/textos/pelbartdominacaobiopolitica.pdf