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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Rebeliões do Período Regencial

Um período conturbado 

O período regencial foi marcado por diversas revoltas. Em geral, elas foram provocadas pelo conflito de ideias entre grupos da camada dominante, dividida entre liberais e conservadores. Essas revoltas, contudo, serviram como estímulo permanente para movimentos de origem social, que chegaram inclusive a ameaçar, em algumas regiões do país, a ordem escravocrata. Por meio desses conflitos, os trabalhadores livres pobres e os escravos integravam-se à luta pelo poder político. Mas, com frequência, serviram apenas de massa de manobra nas disputas entre as correntes oriundas das elites; e pouco conseguiram no que se refere a romper os privilégios da aristocracia rural e melhorar as próprias condições de vida. 

Cabanagem (1835-1840) 

Calcula-se que as lutas desencadeadas pela mais violenta rebelião da Regência, a Cabanagem, provocaram a morte de 30 mil pessoas no Pará (a província tinha 80 mil habitantes em 1819). Dois fatos associaram-se para dar início aos cinco anos de conflitos: o inconformismo de fazendeiros e comerciantes contra o presidente nomeado pelo poder central e a miséria da população. A maioria dos paraenses vivia em cabanas perto dos rios, daí o nome de cabanos dado aos revoltosos. Na verdade, os cabanos foram além do que pretendiam alguns de seus líderes, pois transformaram a rebeldia das elites contra o poder central numa luta sem tréguas por melhores condições de vida. Em 1835, os cabanos depuseram o presidente da província e ocuparam Belém. Três presidentes rebeldes se sucederam no poder. O primeiro foi o fazendeiro e comerciante Félix Malcher. Acusado de traição e de jurar fidelidade ao imperador, Malcher foi deposto pelo chefe militar dos cabanos, Pedro Vinagre, que assumiu o poder. Pouco tempo depois, Vinagre abandonou o posto ante os ataques das forças do governo central, apoiadas pelo mercenário inglês John Taylor. Eduardo Angelim tornou-se o terceiro presidente rebelde. Entretanto, pouco mais de um ano depois de tomar Belém, os cabanos tiveram de se retirar para o interior. Os últimos rebeldes, mais de 1.000, só se entregaram no início de 1840, o ano da maioridade. A guerra civil no Pará deu lugar a incríveis atrocidades. Arthur Reis, citado por Sérgio Buarque de Holanda em História geral da civilização brasileira, relata que mesmo os suspeitos de rebeldia eram caçados como animais ferozes e sofriam suplícios bárbaros, que às vezes provocavam a morte.

A Guerra dos Farrapos (1835-1845) 

Causas econômicas, políticas e ideológicas levaram os gaúchos a pegar em armas para tentar separar-se do Império, naquela que ficou conhecida como Guerra dos Farrapos por causa dos precários trajes dos rebeldes. Pesados impostos oneravam os produtos gaúchos vendidos em outras províncias: charque, couro, muares (tropas de burros). Tais impostos diminuíam a capacidade de concorrência com mercadorias uruguaias, argentinas e paraguaias. Além disso, às vezes, os impostos eram cobrados no lugar de venda, ou seja, beneficiavam outras províncias. O cenário político na província estava dividido entre os farroupilhas, que queriam mudanças e autonomia, e os chimangos, favoráveis à situação. Na região havia também forte influência das ideias republicanas, já que os gaúchos eram vizinhos das jovens repúblicas do Prata: Uruguai, Argentina e Paraguai. A revolta começou quando um grupo liderado pelo farroupilha Bento Gonçalves exigiu a renúncia do presidente da província. A cidade de Porto Alegre foi ocupada e a Assembléia teve de nomear novo presidente. Em 1836, os revoltosos proclamaram a República Rio-Grandense, com sede em Piratini. Três anos depois, em 1839, conquistaram Laguna, em Santa Catarina, onde proclamaram a República Juliana (era mês de julho). Para a conquista de Santa Catarina, os gaúchos contaram com a decisiva colaboração do italiano Giuseppe Garibaldi, que se destacaria mais tarde na luta pela unificação da Itália. Por terra, sobre carretas, Garibaldi conduziu duas embarcações da lagoa dos Patos até Tramandaí, a 60 quilômetros de distância, atacando de surpresa as forças imperiais. Somente em 1845, já no reinado de dom Pedro II, a paz voltaria a reinar na região. O movimento foi sufocado por Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias, que já havia atuado em outros conflitos regionais. Lima e Silva foi nomeado presidente da província em 1842 e fez ofertas irrecusáveis aos farroupilhas: anistia para todos, incorporação dos oficiais revoltosos ao Exército imperial no mesmo posto, devolução de toda propriedade ocupada ou confiscada durante a guerra, libertação dos escravos que haviam lutado ao lado dos rebeldes. Com uma duração de dez anos, a Guerra dos Farrapos, ou Rebelião Farroupilha, foi a mais longa guerra civil da nossa história.

A Sabinada (1837-1838)

A Sabinada foi o momento culminante de vários movimentos rebeldes na Bahia contra a política imposta pelas regências. Um desses movimentos foi a revoltaa dos escravos malês em 1835. O principal líder da Sabinada foi o médico e jornalista Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira (daí o nome da revolta). A rebelião começou em novembro de 1837, com a sublevação das tropas e a fuga do governador. Os rebeldes formaram seu próprio governo e divulgaram um programa em que defendiam a proclamação da República Baiense, a separação da província até a maioridade de dom Pedro e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Apesar desse programa moderado, a repressão das forças do governo central se abateu sobre os revoltosos com requintes de crueldade. Os soldados imperiais chegaram a incendiar as casas e a lançar prisioneiros vivos ao fogo. Houve cerca de 600 mortos entre os legalistas e pouco mais de 1.000 entre os rebeldes.

A Balaiada (1838-1841) 

No início do século XIX, quase a metade dos 200 mil maranhenses eram escravos. Grande parte do restante compunha-se de sertanejos miseráveis. Proprietários rurais e comerciantes controlavam o poder. A insatisfação social era antiga. Aumentou ainda mais quando os políticos conservadores tentaram aumentar os poderes dos prefeitos, causando protestos entre os liberais. A insatisfação popular transformou-se então em revolta e a revolta em movimento capaz de mobilizar os setores marginalizados da população. O movimento revoltoso passou a exigir a demissão dos portugueses incrustados no Exército e na administração. Recebeu o nome de Balaiada porque um de seus líderes se chamava Manuel Balaio. Vivia ele de fazer balaios, como milhares de artesãos que o seguiram. A rebelião começou em 1838, quando um grupo liderado pelo vaqueiro Raimundo Gomes, o Cara Preta, tomou de assalto uma cadeia. A esse ataque seguiram-se outras ações armadas promovidas por Manuel Balaio e seus homens. Algumas fazendas foram atacadas. Escravos aproveitaram-se da confusão para fugir e formar quilombos. Um deles chegou a reunir cerca de 3 mil escravos comandados pelo preto Cosme. Os rebeldes recebiam apoio político dos liberais, apelidados de bem-te-vis. Estes usavam o movimento popular para tentar a conquista do poder. Numa importante vitória, os balaios tomaram a vila de Caxias em 1839. No ano seguinte, o governo central nomeou presidente da província o coronel Luís Alves de Lima e Silva. A anistia decretada em agosto de 1840 provocou a rendição imediata de cerca de 2.500 balaios. Quem resistiu foi derrotado a seguir. Raimundo Gomes, o Cara Preta, entregou-se. Enviado preso para São Paulo, morreu no caminho. Cosme, chefe de um quilombo, não se entregou. Caçado sem trégua, foi preso e enforcado. Rebelião das camadas pobres, a Balaiada foi expressão da resistência popular contra as desigualdades e injustiças da sociedade escravista.

A Revolta dos Malês (Bahia, 1835) 

Com 65.500 habitantes no começo do século XIX, Salvador era a cidade mais populosa da Bahia. Segundo a historiadora Kátia Mattoso, cerca de 90 por cento de sua população livre, estimada em 38 mil pessoas, vivia no limiar da pobreza. Essa situação se agravou ainda mais nas décadas de 1820 e 1830, quando a região foi assolada por fortes secas.  Negros e pardos livres e escravizados representavam a maior parte dessa população (cerca de 72 por cento, segundo cálculos do historiador João José Reis). Vítimas constantes do preconceito racial e da opressão social, muitos deles se rebelaram em 1835 em Salvador. Foi a Revolta dos Malês, cujo objetivo declarado era destruir a dominação branca na região e construir uma Bahia só de africanos.  Do movimento fizeram parte principalmente os malês, nome dado aos escravos seguidores do islamismo. Eles pertenciam a diferentes etnias, como a dos haussás, jejês e nagôs; muitos sabiam ler e escrever. Também participaram do movimento nagôs seguidores do candomblé.  A revolta começou no dia 24 de janeiro. A idéia dos rebeldes era ocupar de surpresa o centro de Salvador. Segundo a historiadora Magali Gouveia Engel, cerca de seiscentos negros, armados principalmente de espadas, participavam do levante. Após intensos combates, os rebeldes foram derrotados pelas forças policiais, que utilizavam armas de fogo. Centenas de participantes da revolta morreram ou ficaram feridos. Após a rebelião, desencadeou-se violenta repressão contra os africanos e afro-brasileiros. Muitos foram condenados ao açoite, à prisão ou à deportação. Três escravos e um liberto foram condenados à morte e acabaram fuzilados, pois nenhum carrasco concordou em enforcá-los.

Uma economia deficitária 

Durante o Período Regencial, o comércio exterior brasileiro foi quase o tempo todo deficitário. O Brasil importava mais do que exportava e, por isso, estava sempre devendo a credores internacionais. Essa situação começou já no Primeiro Reinado e se prolongou até 1860. Para pagar as dívidas, o país contraía empréstimos externos, solução que ia transferindo o problema para o futuro. Novos pagamentos eram acrescidos a título de juros e amortizações da dívida externa. O resultado foi o contínuo aumento do desequilíbrio nas contas com o exterior, O Brasil enfrentava também escassez de dinheiro, por causa do esvaziamento dos cofres pela família real em sua volta a Portugal em 1821, da indenização paga a Lisboa pelo reconhecimento da independência e dos gastos com a Guerra da Cisplatina e com as revoltas internas. Por falta de recursos e máquinas, as indústrias não puderam desenvolver-se. Além disso, os produtos ingleses exerciam concorrência desigual. O caso da indústria têxtil é um exemplo típico. Os ingleses, favorecidos pelas baixas taxas alfandegárias, colocavam seus tecidos no mercado brasileiro em melhores condições que o produto nacional. Como se não bastasse, existiam obstáculos para a importação de máquinas por brasileiros. Em 1840, mais da metade dos gastos com importação de manufaturados referia-se ao pagamento de produtos relacionados a vestuário. Essas condições acabaram por sufocar todas as tentativas de industrialização no Brasil. O setor de mineração alcançou alguns progressos graças à ajuda de capitais ingleses.

Você quer saber mais?

ARRUDA, José Jobson de A; PILETTI, Nelson. Toda a História: História Geral e História do Brasil-9º edição. São Paulo: Ed. Ática, 1999.

AZEVEDO, Gislane Campos; SERIACOPI, Reinaldo. História: Volume Único. São Paulo: Ed. Ática, 2011. 

VAINFAS, Ronaldo; FERREIRA, Jorge; FARIA, Sheila de Castro; CALAINHO, Daniela Buono. História.doc. São Paulo: Ed.Saraiva, 2015.

JÚNIOR, Alfredo Boulos. Coleção História: Sociedade & Cidadania. São Paulo: FTD, 2004.

COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral-8º edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, pg.71.

COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Historiar- 2º ediçaõ. São Paulo: Editora Saraiva,  2015, pg.206-209.

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História para Ensino Médio: História Geral e do Brasil. São Paulo: Editora Scipione, 2005.

REZZUTTI, Paulo. D.Pedro I:  A história não contada. O homem revelado por cartas e documentos inéditos. São Paulo: Leya, 2020.




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