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quinta-feira, 6 de junho de 2013

O nascimento da escola dos Annales


Promover multidisciplinar (economia, demografia, sociologia, geografia, antropologia), a renovação do foco (tudo é história) e da diversificação das fontes (material escrito, oral), a nova história está dando atenção prioritária aos grupos - e não os indivíduos - de estruturas sócio-econômicas e fenômenos mais geral que evoluíram lentamente - ao invés de eventos. Imagem: Capa do livro a Escola dos Annales de Peter Bunker.

Essa corrente do pensamento historiográfico surgiu com a inauguração da revista [1]: “Analles de História Econômica e Social”, fundada em 1929 pelos historiadores Marc Bloch (1886-1944) e Lucién Febvre (1878-1956) (ambos professores da Universidade de Estrasburgo). A intenção era promover estudos relativos às estruturas econômicas e sociais, favorecendo possíveis contatos interdisciplinares [2] no seio das Ciências Sociais. A importância maior da revista, sem dúvida, foi a ampliação do ofício do historiador em direção a um novo paradigma [3], notadamente:

[...] Uma renovação dos métodos e do próprio objeto da ciência histórica, mediante à atenção dada às estruturas e aos fenômenos coletivos, assim como a abertura para outras ciências sociais, eram desejadas e esperadas nos anos 30 e deviam necessariamente impor-se à comunidade científica [...] a atenção prioritária concedida aos grupos – e não mais aos indivíduos (herança do positivismo) -, às estruturas socioeconômicas e, de modo geral, aos fenômenos de evolução lenta – e não mais aos acontecimentos [...] (BURGUIÉRE, 1993, p. 50-52).

            Os fundadores da Revista dos Annales não poupavam críticas à Escola positivista da História, pois estes: exaltavam a ação “vazia” dos líderes políticos; valorizavam os estudos biográficos de reis, príncipes, chefes de Estado; apoiavam suas análises no “acontecimento” ou fato político, descartando as ações dos grupos sociais e as transformações de caráter econômico; tinham a intenção “oca” de recuperar dados referentes à genealogia das Nações, etc. Para os historiadores dos Annales, a Escola Positivista visitara somente a superfície factual do passado histórico: “O nascimento dos Annales é portanto um assunto de geração intelectual e científica tanto quanto de poder. Trata-se de defender uma liberdade nova e de dar fim ao “velho ídolo da história política factual”. (BLOCH apud TÉTART, 2000, p. 109).

O olhar dado ao passado, na perspectiva de Bloch (medievalista) e Febvre (Modernista) estabelecia novos objetos para a ciência histórica: análises demográficas sobre deslocamentos de povos, “destacando as formas de ocupação social em grandes espaços, em torno de mares e oceanos [4]” (BITTENCOURT, 2004, p. 145) com o auxílio da Geografia; estudos sobre as mentalidades coletivas juntamente com as novidades da Psicologia; comparações socioeconômicas de caráter regional, estadual e/ou nacional; Interpretações possíveis a respeito das tradições, costumes, vestuário, crenças de camponeses, escravos, indígenas, povos primitivos, situando-os dentro de uma perspectiva antropológica [5], etc. Os horizontes de ação do historiador ampliavam-se e possibilitavam recuperar o passado por intermédio de questões colocadas pelo tempo presente, assim como a ampliação da noção de fonte que é fundamental na Escola dos Annales:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. [...] Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos se estes não existirem. Com tudo o que a engenhosidade do historiador pode lhe permitir usar para fabricar seu mel. [...] Paisagens, telhas. Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses lunares e cabrestos [...] (FEBVRE apud TÉTART, 2000, p. 112). 
As décadas de 1920 e 1930 representavam realmente um cenário conjuntural de profundas transformações. Nas relações políticas: um mundo destruído e abalado pela guerra entre as Nações (1914-1918); Na economia: o colapso do Capitalismo após o Crash da bolsa de valores de Nova York e o “fantasma” do Socialismo, como alternativa possível à crise, simbolizado pelos planos quinqüenais de Stálin; Nas relações sociais a predominância do “medo, insegurança, descrença no futuro”, destacadamente a partir da ascensão dos partidos totalitários (fascismo, franquismo e nazismo) com a proposta de “reconstruir” o que fora perdido. Notoriamente, um período rico relativo aos caminhos teóricos atribuído às ciências sociais. As questões que incomodavam o presente foram incorporadas como objetos de análises históricas:

No início dos anos 1930, Bloch escreve: “A história na vida contemporânea, a análise do presente, fornecem o mapa e o compasso da pesquisa histórica. Entre o passado e o presente não há separação estanque” (BLOCH apud TÉTART, 2000, p. 113).

            Categoricamente, uma História de combate à tradição narrativa dos eventos, instituindo como fundamento de análise os problemas do tempo presente. Nessa perspectiva, não há fronteiras que limitam o trabalho do historiador. Os objetos; As fontes; Os recortes temáticos; As metodologias de análise ganham uma dimensão que depende dos problemas enfrentados no presente. A História deixa de ser “narrativa” para ser “problema”:

Na história-problema, o historiador escolhe seus objetos no passado e os interroga a partir do presente. Ele explicita a sua elaboração conceitual, pois reconhece a sua presença na pesquisa: escolhe, seleciona, interroga, conceitua. O historiador procura demonstrar um problema, que ele próprio formulou, delimita seus objetos, compara-os, interrogando-os em uma longa série homogênea, inventa as suas fontes, ressignificando-as, utiliza técnicas quantitativas, estatísticas e o computador. (REIS apud CONDÉ, 2005, p. 93)

            Se o presente traz para a academia os questionamentos que viabilizam o estudo sobre o passado, sem dúvida, a noção de tempo também se transforma. Para as correntes anteriores, notamos que o recorte temporal é enquadrado dentro de categorias específicas de análise. Para os Positivistas, por exemplo, o “acontecimento”, o fato político, representa o “motor” das transformações históricas, portanto, a noção temporal é linear e cronológica. Para os historiadores adeptos do Materialismo dialético, a noção de tempo é ampliada. O “acontecimento” ou o “fato” (objeto dos historiadores positivistas) é analisado no cerne da macro-estrutura social e econômica. Ou seja, é estudado as mudanças, rupturas, permanências e contradições inscritas no tempo do Capitalismo. A noção de acontecimento é interpretada pela própria dinâmica do modo-de-produção.

Autor: André Wagner Rodrigues - coordenador do curso de História da UNIBAN/ANHANGUERA.

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Você quer saber mais? 

[1] O título original da revista mudou em algumas ocasiões, transformando também suas características, primeiramente: “Annales d´histoire economique et sociale, depoisAnnales: économie-societe-civilisation, em 1946, e, desde 1993, Annales: Histoire et sciences sociales. (Ver estudos de TÉTART, 2000, p. 108). A rede de colaboradores e simpatizantes que se formou em torno da revista, a transformou, depois da guerra, em Instituição Universitária, quando Febvre criou com Ernest Labrousse e Charles Mozaré a VI Seção da EPHE (Escola Prática de Altos Estudos) (Citado em BURGUIÉRE, 1993, p. 49) Vamos, nesse texto, enfatizar as propostas teóricas e metodológicas em torno da primeira fase da revista (1929-1946).

[2] A abertura “interdisciplinar” promovida por Bloch e Febvre aos estudos históricos, nos primeiros anos da revista, seriam ainda modestos para uma dimensão “Complexa” da História (como Morin emprega esse termo). Como afirma o historiador francês André Burguiére: “[...] A herança do momento em que criaram sua revista: a escola geográfica de Vidal La Blache, a economia estatística de Simiand, a Sociologia de Durkhéim e a psicologia histórica preconizada por Henri Berr. (Ver estudos de: BURGUIÉRE, 1993, p. 52).

[3] Chamamos de “novo paradigma”, pois essa escola também apresenta limites teóricos de abordagem e visões paradigmáticas, tais como: o peso dado às análises sócio-econômicas e às mentalidades coletivas. Em suas críticas veementes à Escola Positivista, sobretudo à ênfase aos estudos sobre a política, Bloch e Febvre abandonaram, por assim dizer, o papel dos dirigentes; das ações individuais e das instituições políticas nos trabalhos dos Anais.

[4]Fernand Braudel ocupou-se de análises demográficas em torno do Mediterrâneo, Pierre Chaunu e Frédéric Mauro do Oceano Atlântico. Historiadores franceses, na trilha de uma macro-história, passaram a trabalhar com grandes estatísticas, registrando a produção em cifras e tabelas, comparando e destacando as diferenças e semelhanças tanto das condições de infra-estrutura quanto da própria população. (Ver estudos da Historiadora e Educadora Circe Bittencourt, 2004, p. 145).

[5] Em relação às propostas de interligação entre História e Antropologia, destacam-se os trabalhos dos historiadores: Jean Pierre Vernant, Pierre Vidal-Naquet e Pierre Levêque.




































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