José Roberto Castilho Piqueira,
Professor titular da Escola Politécnica
O dia a dia das sociedades ocidentais ou orientais depende, de maneira crescente, dos avanços tecnológicos, hoje presentes em praticamente todas as ações individuais ou coletivas. Trabalho, entretenimento, saúde pública, produção cultural, educação, produção de alimentos, transporte, produção de medicamentos e preservação das riquezas naturais são exemplos de ramos de atividades fortemente dependentes da tecnologia e, consequentemente, do avanço da ciência.
Entretanto, não é difícil perceber que o cidadão comum do mundo ocidental tem pouco incentivo para se interessar por assuntos científicos, e os jovens preferem não abraçar carreiras de pesquisa e desenvolvimento, mesmo quando têm o talento necessário para isso. Enfim, parece haver uma acentuação gradativa de um paradoxo: cada vez mais o homem depende da ciência e cada vez menos se interessa por ela.Todos ficam indignados quando um político erra a concordância ou quando alguém se engana a respeito da localização do Equador. Mas pouca gente em postos-chave da administração pública ou privada sabe dividir 1 por 0,4 sem máquina de calcular ou tem noção dos motivos pelos quais enxergamos o céu azul.
Imagine nesse quadro que alguém saísse por aí insistindo em que a concentração de radônio em certo lugar é alta e que isso é atípico. Você iria querer saber o que é radônio? Prestaria atenção se o papo continuasse com o radônio classificado como um gás nobre, muitas vezes mais denso do que o ar?
Claro que não. Que papo de nerd!
Mas e se o “nerd” fosse tagarela e dissesse que, como o radônio é muito denso, encontrá-lo nessas concentrações por aqui pode ser sinal de movimentos de placas tectônicas e da iminência de terremoto grave? Provavelmente, no Brasil as pessoas não prestariam muita atenção nessa conversa e, na melhor das hipóteses, ficariam um pouco ressabiadas com o perigo de terremoto.
Na Itália, que é país desenvolvido e sério, o físico Giampaolo Giuliani avisou sobre o perigo de terremoto em Áquila, com o mesmo argumento, e foi denunciado à polícia pela prefeitura da cidade por alarmar a população. O resultado o mundo já sabe: centenas de mortos e milhares de desabrigados. Agora alguns dizem que nem sempre as altas concentrações de radônio redundam em terremotos, confundindo causalidade com correlação. Os eventos aumento de concentração de radônio e ocorrência de terremotos não são um par causa-efeito, mas são correlacionados.
Deveriam ser feitas medições acuradas de outras grandezas físicas, para confirmar ou descartar a hipótese. É assim que se faz em ciência. Processar aquele que formula hipóteses, jamais. Maior que o analfabetismo científico que essa prefeitura demonstrou, só mesmo a prepotência de autoridades que recusam ajuda internacional numa situação como essa, comparando-a a um acampamento de fim de semana.
Tudo isso me fez lembrar de um professor de Filosofia que tive no terceiro científico. Sou do tempo do científico, da escola pública, que, dizem, era muito boa. Pois é, meu professor de Filosofia, tido como grande intelectual, pontificava: “Estatística é a arte de dizer mentira com números exatos”.
Essa frase de efeito expressa uma ignorância científica imensa. Comecei a descobrir isso na Escola de Engenharia, na disciplina dada pelo Departamento de Engenharia de Produção. A Estatística, o Teorema do Limite Central e as Distribuições de Probabilidade eram a essência do “Controle de Qualidade e dos Tempos e Métodos da indústria”.
Um pouco depois, ainda na graduação, ao estudar processamento de sinais em telecomunicações, aprendi que os métodos estatísticos formam a base da detecção de sinais expostos aos inevitáveis ruídos. No mestrado e na atividade profissional dos primeiros anos de formado, trabalhei com os chamados multiplexadores estatísticos, equipamentos capazes de aumentar o aproveitamento da capacidade de transmissão de informação dos canais fazendo uso das regularidades estatísticas dos dados.
Passado algum tempo, passei a lecionar Processos Estocásticos, disciplina que sistematiza a Teoria de Probabilidades e os Processos Aleatórios, aplicando-os às diversas áreas do conhecimento humano: Mecânica Quântica, Economia, Processamento de Sinais, Mecânica Estatística, Sistemas Complexos, Biologia e Saúde Pública.
Enfim, aprendi que Estatística faz parte do conhecimento científico, procurando a verdade nos mais diversos fenômenos naturais e sociais. Fico pensando nos meus colegas da época, que seguiram outros caminhos: será que eles se lembram da frase do professor de Filosofia? Tomara que não.
O prof. dr. José Roberto Castilho Piqueira possui graduação em Engenharia Elétrica pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (1974), mestrado em Engenharia Elétrica pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (1983), doutorado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1987) e livre-docência em Controle e Automação pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1997). Entre 1973 e 1999 lecionou Física no ensino médio e em cursos pré-vestibulares. Atualmente é professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Concurso Público em 1999), tem cerca de cem artigos publicados em periódicos e congressos e é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.
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