A psicopatia ou transtorno
de personalidade antissocial é um dos transtornos mais devastadores que
existem. Seu prejuízo se direciona, sobretudo, aos que estão próximos e que são
alvos do psicopata. Seu comportamento caracteriza-se principalmente por uma propensão
à desinibição, comportamento impulsivo somado à insensibilidade emocional e não
percepção das consequências de seu comportamento sobre outros indivíduos
(Checkley, 1941).
Estudos recentes, como os de
Leistico (2008) e Walters (2003), revelam que esses indivíduos são altamente
reincidentes em seus crimes, comparando com indivíduos sem o transtorno. E isso
se reproduz em diversas faixas etárias, inclusive em jovens (Gretton, 2001).
Uma conclusão um tanto
pessimista a qual vários estudos vem chegado é que o quadro não é revertido nem
atenuado através do engajamento em terapia. Muitas vezes, ainda, os psicopatas
podem se valer do discurso aprendido com o terapeuta para incrementar ainda
mais suas mentiras e engodos (Garrido, 1995; Seto, 1999).
Isso indica que a
necessidade de estudos na área é grande, já que a elucidação do funcionamento e
das causas da psicopatia ainda não estão claros o bastante. Nesse panorama,
pensando em outros transtornos também, os estudos neurológicos possibilitados
pela atual tecnologia vem acrescentando muito ao corpo teórico de psicólogos e
psiquiatras.
A
biologia do psicopata
Esses estudos vem sugerindo
que a psicopatia, de fato, possui um substrato neural caraterístico (Blair,
2006; Kiehl, 2006) e também um forte componente hereditário (Larsson, 2006).
Os estudos do cérebro desses
sujeitos antissociais acrescentam muito aos modelos teóricos que explicam o
transtorno, mas mesmo com essas evidências, a complexidade delas acaba guiando
os estudos a várias conclusões diferentes – e complementares em muitos casos –
sobre a sua causa. Entre as inúmeras teorias, destacarei as dos já citados
Blair e Kiehl (Para ter um panorama geral dos outros modelos, ver Anderson
& Kiehl, 2012).
A
participação da amígdala
Blair enfatiza bastante a
participação da amígdala no comportamento. Esta é uma estrutura que se localiza
no sistema límbico do cérebro, área mais antiga evolutivamente falando e que se
relaciona com respostas bem primitivas do organismo, no que tange à
sobrevivência.
Como já foi mencionado em
outros artigos no Ibralc, o medo é uma emoção intimamente ligada à essa região,
relacionando-se às respostas do organismo frente a estímulos ambientais
ameaçadores. Também está relacionada à expressão de outras emoções.
Imagem: Amígdalas
em vermelho.
Exames de ressonância
magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) vêm mostrando que realmente há
um funcionamento anormal na hemodinâmica da amígdala (Kiehl, 2001). Ao que tudo
indica, a estrutura no cérebro dos psicopatas funciona diferente numa série de
situações.
Foi relatado, por exemplo,
num estudo, que a amígdala possui uma ativação muito inferior ao nível normal
quando esses indivíduos visualizam imagens que indicam violação de regras
morais (Harenski, 2010) ou mesmo de imagens chocantes, como amputações
(Harenski, 2009).
No que concerne às
expressões faciais, o mesmo ocorre. Num estudo de 2009, por exemplo, Dolan
demonstrou que, através da fMRI, indivíduos que se encaixam no critério para a
psicopatia revelam uma expressão amigdalítica muito mais baixa que a do grupo
controle ao observar expressões faciais de medo.
Boccardi (2011) ano passado
teve um estudo publicado, no qual encontrou indícios de que essa baixa
expressão da estrutura estaria relacionada à reduzidos níveis de massa cinzenta
no local; em outras palavras, a região basolateral da estrutura teria um
tamanho significativamente diminuído nos indivíduos estudados, o que resultava
em déficits em seu funcionamento.
O curioso – e coerente com
outros estudos na área – é que o núcleo basolateral é exatamente a área que
mantém conexões com o córtex orbitofrontal, no córtex pré-frontal. Estima-se,
atualmente, que a interação entre as duas áreas esteja relacionada à “atualização”
do reforço de certos comportamentos relacionados à detecção de ameaças (Phelps
& LeDoux, 2005).
Imagem: O
córtex pré-frontal – O que nos torna humanos.
Outra área que tem destaque
na condição da psicopatia é o córtex pré-frontal. Essa região localiza-se bem
atrás da nossa testa e olhos, e está relacionada à uma diversidade de
comportamentos tipicamente humanos: tomada de decisão, controle de impulsos (e
emoções), racionalidade (apesar de não ser somente essa região ativadas nesses
momentos) e etc.
Antes de ferramentas de alta
tecnologia serem disponibilizadas para experimentos científicos, já cogitava-se
fortemente a hipótese de esse local estar relacionado aos comportamentos dos
psicopatas pelo fato de lesões resultarem em comportamentos impulsivos
semelhantes aos desses indivíduos (Anderson et al, 2000).
Um caso clássico na
literatura médica é o do mineiro Phineas Gage, que ao socar uma barra de ferro
contra um buraco cheio de pedras e pólvora – era assim que se abriam minas para
se explorar metais preciosos e carvão, no século XIX – teve a ferramenta arremessada contra seu
rosto, perfurando um dos olhos e o córtex pre-frontal, consequentemente.
Córtex
pré-frontal destacado
A partir desse dia, Gage
nunca mais foi o mesmo. De trabalhador exemplar em comportamento, disciplina e
eficiência, passou a ser preguiçoso, relaxado, desbocado e desrespeitoso. Na
vida conjugal, de marido fiel e atencioso, virou um relapso parceiro, que traía
a esposa e dava em cima de todas as mulheres que via.
Podemos dizer com alto grau
de certeza que a lesão prejudicou a capacidade de inibir impulso, tornando o
homem alguém totalmente diferente do que era antes. E é exatamente esse o
comportamento típico dos psicopatas, apesar de haver um espectro nos níveis de
falta de controle sobre os impulsos, claro.
De forma muito interessante,
um estudo Koenigs e seus colegas, em 2007, revelou que uma área específica do
córtex pré-frontal está especialmente afetada no transtorno: a porção
ventromedial. Essa região, segundo o estudo, está relacionada com as decisões
morais utilitaristas (Bentham, 2004).
De forma simplificada, essa
filosofia moral baseia-se na princípio de que qualquer ato moral deve ser
definido como tal baseado na consequência do mesmo, isto é, sacrificando um em
nome de dois, por exemplo. E essa moralidade fria e calculista está bem
presente na mentalidade dos psicopatas, bem mais racionais que “emotivos”,
digamos assim.
Nesse momento, o leitor deve
estar se perguntando: “Mas por que essas informações são importantes? Para que
servem?” Bom, primeiramente, eu diria que essa é uma pergunta comum, mas que
não leva em conta o fato de que um conhecimento aparentemente inútil hoje pode
ser básico amanhã.
Mas, nem de longe essas
informações são inúteis. Como já dei dicas ao longo do texto, tais trabalhos
ajudam a compor o corpo teórico e experimental fundamental para a melhor
compreensão da psicopatia e, consequentemente, chegarmos mais perto de uma
intervenção terapêutica efetiva.
Por outro lado, ainda,
podemos mais uma vez nos maravilharmos com a complexidade do comportamento
humano e com o inescapável diálogo entre biologia e ontogênese, que é essencial
para compreendermos de forma rica como se dá a linguagem não-verbal,
principalmente no que concerne às expressões faciais.
Referências
Anderson, N. & Kiehl, K.
(2012). The psychopath
magnetized: insights from brain imaging. Special Issue: Cognition in
Neuropsychiatric Disorders
Anderson, S.W. et al. (2000) Long-term sequelae of
prefrontal cortex damage acquired in early childhood. Dev.
Neuropsychol. 18, 281–296
Bentham, Jeremy. Uma
Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. tradução Luiz João Baraúna.
São Paulo: Editora Victor Civita,
1984.
Blair, R.J.R. (2006) The emergence of psychopathy:
implications for the neuropsychological approach to developmental disorders.
Cognition 101, 414–442
Boccardi, M. et al. (2011) Cortex and amygdala
morphology in psychopathy. Psychiatry Res. 193, 85–92
Cleckley, H. (1941) The Mask of Sanity: An Attempt to
Reinterpret the So-Called Psychopathic Personality, Mosby
Dolan, M.C. and Fullam, R.S. (2009) Psychopathy and
functional magnetic resonance imaging blood oxygenation level-dependent
responses to emotional faces in violent patients with schizophrenia. Biol.
Psychiatry 66, 570–577
Garrido, V. et al. (1995) The effectiveness in the
treatment of psychopathy: a meta-analysis. Issues Crim. Legal Psychol. 24,
57–59
Gretton, H. et al. (2001) Psychopathy and recidivism
in adolescent sex offenders. Crim. Justice Behav. 28, 427–449
Harenski, C.L. et al. (2009) Neuroticism and
psychopathy predict brain activation during moral and nonmoral emotion
regulation. Cogn. Affect. Behav. Neurosci. 9, 1–15
Harenski, C.L. et al. (2010) Aberrant neural
processing of moral violations in criminal psychopaths. J. Abnorm. Psychol.
119, 863–874
Kiehl, K.A. (2006) A cognitive neuroscience
perspective on psychopathy: evidence for paralimbic system dysfunction.
Psychiatry Res. 142, 107–128
Kiehl, K.A. et al. (2001) Limbic abnormalities in
affective processing by criminal psychopaths as revealed by functional magnetic
resonance imaging. Biol. Psychiatry 50, 677–684
Koenigs, M. et al. (2007) Damage to the prefrontal
cortex increases utilitarian moral judgments. Nature 446, 908–911
Larsson, H. et al. (2006) A genetic factor explains
most of the variation in the psychopathic personality. J. Abnorm. Psychol. 115,
221–230
Leistico, A.R. et al. (2008) A large-scale
meta-analysis relating the Hare measures of psychopathy to antisocial conduct.
Law Hum. Behav. 32, 28–45
Phelps, E.A. and LeDoux, J.E. (2005) Contributions of
the amygdala to emotion processing: from animal models to human behavior.
Neuron 48, 175–187
Seto, M.C. and Barbaree, H.E. (1999) Psychopathy,
treatment behavior, and sex offender recidivism. J. Interpers.
Violence 14, 1235–1248
Walters, G.D. (2003) Predicting institutional adjustment
and recidivism with the psychopathy checklist factor scores: a metaanalysis. Law
Hum. Behav. 27, 541–558
Texto:
Felipe C. Novaes
COPYRIGHT ©
Copyright © construindohistoriahoje.blogspot.com. Você
pode republicar este artigo ou partes dele sem solicitar permissão, contanto
que o conteúdo não seja alterado e seja claramente atribuído a “Construindo
História Hoje”. Qualquer site que publique textos completos
ou grandes partes de artigos de Construindo
História Hoje tem a obrigação adicional de incluir um link
ativo para http:/www.construindohistoriahoje.blogspot.com.br. O link não é exigido para citações. A
republicação de artigos de Construindo História Hoje que são originários de
outras fontes está sujeita às condições dessas fontes e seus atributos de
direitos autorais.
Você quer saber mais?
(COMUNIDADE CHH NO DIHITT)
(COMUNIDADE DE
NOTÍCIAS DIHITT)
(PÁGINA NO TUMBLR)
(REDE SOCIAL ASK)
(REDE SOCIAL VK)
(REDE SOCIAL
STUMBLEUPON)
(REDE
SOCIAL LINKED IN)
(REDE SOCIAL INSTAGRAM)
(ALBUM WEB PICASA)
(REDE
SOCIAL FOURSQUARE)
(ALBUM NO FLICKR)
(CANAL NO YOUTUBE)
(MINI BLOGUE TWITTER)
(REDE SOCIAL BEHANCE)
(REDE SOCIAL PINTEREST)
(REDE SOCIAL MYSPACE)
(BLOGUE WORDPRESS HISTORIADOR NÃO MARXISTA)
(BLOGUE LIVE JOURNAL LEANDRO CLAUDIR)
(BLOGUE BLOGSPOT CONSTRUINDO PENSAMENTOS HOJE)
(BLOGUE WORDPRESS O CONSTRUTOR DA HISTÓRIA)
(BLOGUE BLOGSPOT DESCONSTRUINDO O CAPITALISMO)
(BLOGUE BLOGSPOT DESCONSTRUINDO O COMUNISMO)
(BLOGUE BLOGSPOT DESCONSTRUINDO O NAZISMO)
(BLOGUE WORDPRESS CONSTRUINDO HISTÓRIA HOJE)
(BLOGUE BLOSPOT
CONTATO)
(REDE SOCIAL FACEBOOK CONSTRUINDO
HISTÓRIA HOJE)
(REDE SOCIAL FACEBOOK LEANDRO HISTORIADOR)
(REDE SOCIAL GOOGLE + CONSTRUINDO HISTÓRIA HOJE)
(MARCADOR DICAS DE LEITURA)
(MARCADOR GERAL)
(MARCADOR PESSOAL)
(MARCADOR ARQUEOLOGIA)
(MARCADOR ÁFRICA)
(MARCADOR ANTIGUIDADE)
(MARCADOR PERSONAGENS DA HISTÓRIA)
(MARCADOR HISTÓRIA DO BRASIL)
(MARCADOR FÉ)
(MARCADOR COMUNISMO)
Nenhum comentário:
Postar um comentário