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relato
da vida e morte de Átila, o Rei dos Hunos, como consta nos texto do historiador
romano Priscus.
Apesar de ser um individuo com
uma personalidade agressiva e desconfiada, Átila permitiu-se acompanhar por
romanos durante os períodos de paz entre ambos os povos. Foi nesses períodos
que Priscus pode conhecer melhor o homem por detrás do “flagelo de Deus”
(Flagellum Dei), era dessa forma que Átila se autointitulava.
Os hunos moravam em complexos
murados semelhantes a povoados muito grandes. Como observou Priscus: “dentro da
muralhas haviam um numeroso grupo de prédios, alguns feitos de tábuas e
construídos próximos para fins
decorativos, outros eram feitos de troncos de madeira cuja casca havia sido
arrancada, e haviam sido planejados em seguida. Eram dispostos em colunas
circulares feitas de pedra, que começavam no chão e chegavam a uma altura
moderada”.
Átila morava na maior
residência, que era embelezada com torres para diferenciá-la das demais. Os
aposentos eram acarpetados com tapetes que pareciam ser de lã e as mulheres
hunas faziam bordados coloridos e delicadas roupas de cama e mesa. Os hunos
jantavam em sofás, no mesmo estilo dos romanos. Tapeçarias e trabalhos
ornamentais multicoloridos eram pendurados para decorar os quartos. Embora os
guerreiros hunos praticassem a poligamia, estima-se que as mulheres tivessem um
status superior entre os hunos em comparação com a maioria das sociedades
nômades, das estepes ou orientais.
Apesar de uma sociedade guerreira, o caráter
masculino era superior e algumas das descrições de Priscus mostram que as
mulheres desempenhavam um papel de “embelezar” os rituais e trabalhos nas
casas.
A entrada de Átila na sua sala de jantar é
assim descrita:
“Quando
Átila estava entrando, as moças vieram vê-lo e se perfilaram diante dele
caminhando sob estreitas tiras de tecidos de linho branco, sustentadas pelas
mãos de mulheres dos dois lados. Essas faixas de tecido eram esticadas de tal
forma que sob cada uma delas caminhavam pelo menos sete moças. Havia muitas
fileiras de moças sob os tecidos e elas cantavam canções citas.”
O
próprio Átila não impressionou tanto Priscus à primeira vista: Baixo, de peito
largo, rosto desmedido e corpo atarracado, tinha olhos pequenos e profundos, um
nariz achatado e uma barba rala levemente grisalha. Caminhou
ao longo da parede com um arrogante modo de andar, obsevando com altivez de um
lado para o outro. Inconstante, melancólico, desconfiado, Átila parecia ser abstêmio em relação ao vinho e sem senso de humor: os bufões faziam os
outros hunos rirem, mas Átila sentava lá, remoendo, taciturno e com a cara
amarrada.
O
único momento em que revelava um lado humano era quando seu filho caçula,
Ernac, entrava no salão de banquetes. Priscus notou que os olhos
rijos de Átila se enterneciam imediatamente; ele chamava o menino e acariciava
sua bochecha. Por que ele era o preferido, perguntou-se Priscus? Parecia que um
vidente lhe dissera certa vez que sua família entraria em decadência após sua
morte, mas que Ernac restabeleceria a riqueza dos hunos. Profundamente supersticioso, habituado a presságios,
oráculos, xamãs e curandeiros, Átila levou isso muito a sério.
No entanto, a despeito da sua figura, quanto
mais Priscus o observava, mais ficava impressionado. Ele não era apenas um
assassino brutal e um tirano cruel, mas revelava sagacidade e até sabedoria:
“Embora
um amante da guerra, não era propenso à violência. Era um conselheiro muito
sábio, misericordioso para com quem o
aceitava como amigo”.
Não tinha a riqueza como
objetivo, exceto como um meio de controle político e social, e seus próprios
gostos tendiam à austeridade em vez do visível consumo. Novamente nas palavras
de Priscus:
“Enquanto
para os outros bárbaros e para nós, só havia pratos preparados generosamente
servidos em travessas de prata, para Átila havia somente carne em um prato de
madeira...Copos de ouro e prata eram entregues para os homens no banquete,
enquanto o dele era de madeira. Sua roupa era simples e não era nada diferente
das demais, com exceção do fato de ser limpa. Nem a espada que ficava pendurada
na lateral de seu corpo, nem as fivelas de suas botas bárbaras e nem as rédeas
de seu cavalo eram decorados com ouro ou pedras preciosas, como aqueles de
outros citas.”
Átila estava assim enviando
uma mensagem sutil. Não precisava das manifestações externas e ornamentos do
poder, tendo em vista que estava muito seguro de seu próprio destino. Também
estava dizendo para aqueles que o apoiavam que ele nunca poderia ser comprado com
o ouro romano, e que só a austeridade dava origem a grandes guerreiros. Átila
era cruel e liquidava inimigos conhecidos num abrir e fechar de olhos, mas
também era inteligente e percebeu que a simples brutalidade acabava afastando
até os discípulos próximos: conhecia suficientemente a história de Roma para se
lembrar dos imperadores que tinham sucumbido por causa de sua crueldade
insensata: Calígula, Nero, Domiciano, Commodus, Elagabulus. Seus seguidores
tinham de saber que ele era duro, e ele lhes dava muitas provas disso; mas eles
também precisavam perceber que ele era capaz de moderação, conciliação e
respeito por parte de seus subordinados, o que faria valer a pena estabelecer
uma parceria com ele para a vida toda.
Foi
por volta do ano de 451 d.C, quando em sua campanha na França, Átila invadiu a
cidade de Troyes. O bispo Lupus de Troyes foi pedir rendição conciliatória a
Átila e disse-lhe ser um homem de Deus. Átila então respondeu EGO SUM FLAGELLUM
DEI (eu sou a cólera de Deus), e isso se tornou parte das duradouras histórias
de luta dos reinos cristãos sobre Átila.
No retorno para a Hungria de
sua campanha na Itália por volta de 452-453d.C, Átila planejava outra guerra de
conquista, agora contra os bizantinos. Foi nesse contexto que o polígamo Átila
fez outro casamento político, acrescentando uma princesa alemã chamada Ildico a
seu pequeno grupo de esposas. Os hunos davam muito valor à posse de mulheres
bem-nascidas, considerando-as como um acréscimo essencial para seu prestígio e
exigindo frequentemente princesas e “damas” como parte do tributo pagos pelos
inimigos conquistados. Uma requintada festa de casamento foi realizada no
início de 453d.C.
Segundo o historiador romano
Priscus foi durante essa festa de casamento que Átila morreu subitamente e de
forma estranha. Segue o relato de Priscus:
“Pouco
antes de morrer, ele (Átila), se casou com uma moça muito bonita chamada
Ildico, depois de outras inúmeras esposas, como era o costume de seu povo. Ele
se entregou ao regozijo excessivo na festa de casamento, e quando se deitou de
costas, cheio de vinho e de sono, um fluxo de sangue superficial, que deve ter
saído de seu nariz, desceu pela garganta e o matou, uma vez que foi impedido de
passar pelas vias normais. No dia seguinte , de manhã, os criados reias
suspeitaram de algum mal,e, depois de grande alvoroço, irromperam nos
aposentos. Descobriram que a morte de Átila estava consumada por um
derramamento de sangue, sem nenhum ferimento, e a moça com o rosto abatido,
chorando por detrás do véu.”
Essa é a versão convencional
sobre a morte de Átila, geralmente aceita pelos historiadores. Os sintomas
descritos sugerem ou a ruptura de uma úlcera do aparelho digestivo,
possivelmente provocada pelo profundo estresse pelo qual Átila estava passando,
ou hipertensão em uma veia importante do corpo – varizes na garganta provocadas
pelo excesso de alcoolismo. Se uma dessas veias se rompe, o sangue vai direto
para os pulmões, no caso dele, que estava deitado de costas; se ele estivesse
de pé ou sóbrio, o ataque não teria sido fatal.
Os hunos prantearam seu grande
líder. É assim que Priscus descreve os ritos fúnebres:
“No
meio de uma planície seu corpo ficou deitado em uma tenda de seda, e um
espetáculo extraordinário foi apresentado solenemente. Os melhores cavaleiros
de todo o povo huno fizeram um círculo em torno do local onde seu corpo jazia,
como nos jogos circenses, e recitaram suas façanhas em um canto
fúnebre...Quando eles prantearam com tais lamentos, com grande folguedo
celebraram no seu túmulo o que eles chamam strava, e deixaram-se abandonar em
uma mistura de alegria e luto...Entregaram seu corpo à terra no sigilo da
noite...Acrescentaram as armas dos inimigos conquistadas em combate, adornos
para cavalos brilhando com várias pedras preciosas e ornamentos de tipos
variados, as marcas da glória real. Além disso, para que essas grandes riquezas
fossem mantidas a salvo da curiosidade humana, aqueles que tiveram a tarefa de
arrumar tudo foram recompensados com a morte.”
Alguns detectaram “demasiados
protestos” no hino funeral, ao se declamar as conquistas de Átila, depois
prosseguindo: “ quando ele tinha
conquistado tudo isso favorecido pela sorte, caiu não por causa do adversário,
nem em virtude da traição de seus
amigos, mas no meio de seu povo em paz, alegre em seu regozijo e sem nenhuma
sensação de dor. Há até quem chame isso de morte e ninguém acredita que seja
uma vingança”.
Todavia, a versão oficial da
morte de Átila é problemática em vários níveis. Véus, noivas chorosas, nenhum
grito, portas fechadas à chave –tudo isso se parece demais com um mistério; a
descrição preparada não convence. A versão recebida pode ser criticada em
vários níveis diferentes. Priscus, o
historiador em quem devemos confiar para tudo o que diz respeito a Átila, nem
estava na Europa quando o grande líder huno morreu, uma vez que se encontrava
em missão diplomática no Egito. Seu relato é de segunda mão ou até de terceira.
Não traz nenhuma relação com aquele feito em primeira mão por Priscus, a
respeito do banquete em 449 d.C. na sua descrição, o historiador fala que os
outros hunos estavam bebendo e se divertindo, mas afirma que Átila estava
distante, abstêmio, bebendo aos pouquinhos, enquanto os outros davam grandes
goles. Em poucas palavras o caráter de Átila apresentado por Priscus na
qualidade de observador é muito distante da personalidade revelada na última
descrição de sua morte. Naturalmente, era do interesse dos filhos de Átila e
dos logades conspirar para dar a ideia de uma morte repentina e natural; a
última coisa de que eles precisavam para poder ter uma sucessão pacífica era
uma investigação lenta sobre um plano de assassinato. Se essa versão é
suspeita, quais são as prováveis circunstâncias da morte de Átila? Aqui a suspeita se volta contra o imperador
bizantino Marciano, um inimigo implacável, subestimado por Átila. Os bizantinos
estavam bem preparados para usar o assassinato como um instrumento político. O
segundo motivo diz que o germano Edeco, pai de Odoacro, era um seguidor leal de
Bleda, irmão de Átila, assassinado pelo mesmo. Edeco teria planejado uma
vingança a longo prazo. Assim sendo, a morte de Átila, em 453 a.C, estaria
relacionada ao assassinato de Bleda, em 445 d.C. Edeco poderia ter sido um
autêntico agente duplo, ou pode ter sido “transformado” pelos bizantinos em
algum momento.
Quanto
ao meio usado para o assassinato, é mais provável que o envenenamento lento
tenha sido fatal para Átila, possivelmente até a ingestão de bebidas em
pequenos goles durante o banquete do casamento.
McLYNN, Frank. Heróis e Vilões: Por dentro da Mente dos Maiores Guerreiros da
História. São Paulo: Larousse do Brasil, 2008.
“De origine actibusque Getarum” do Historiador romano Jordanes, traduzido para o
espanhol por: MARTÍN, José, María Sánhez. Origen y
gestas de los godos Madri, Cátedra, 2001.