Após terem criado a Estrela
Polar, as Maravilhas e os Tesouros Celestes, as Três Veneráveis divindades
criadoras deram as costas a Takaamahara, o céu japonês, que ficou pleno de
vida, mas deserto de deuses. Pouco, no entanto, foi o tempo em que as coisas
assim permaneceram.
Certa noite surgiu na
floresta de bambuzais um diferente broto de bambu (takenoko), que foi se
tronando mais brilhante que a própria face iluminada da Lua. Partiu-se, num repente,
como se tivesse levado, internamente, um golpe de uma afiadíssima katana
(espada samurai), e dois pares de olhos, de órbitas finas e horizontais,
piscaram vivamente entre as trincadas taquaras. Eram dois deuses. Deram vigorosas
arremetidas, ao modo dos pintos quando saem da casca, e, após se livrarem das
lascas fibrosas, colocaram os pés no Mundo das Nuvens, olhando curiosamente em
volta de si, à procura de subsídios, inspiração e ideias para fazer o que
vieram fazer: criar. Mas as suas mentes estavam vazias de imaginação e
fantasia.
Puseram-se, então, a meditar
profundamente, em silencioso agradecimento, e foi neste cenário plácido e
sagrado que atingiram o alfa. De olhos fechado, músculos relaxados e com as
mãos em formato de concha, postas afetivamente em frente aos respectivos
sagrados abdomens, concentraram a energia vital e divina de seus ki. Esta
poderosa força criada em seus íntimos físicos – que os fazia entender o mundo e
a si mesmos emanou para suas sagradas palmas, que, encaixadas harmoniosamente,
moldavam minúsculas esferas de luz que explodiam no ar. De tal intensidade era
o seu brilho e cor que tudo o mais se tornou contrastante; aquilo que a luz
atingia se traduzia em branco absoluto e a sua ausência desenhava ilimitadas
tonalidades negríssimas, num forte contraste luz-e-escuridão ao modo Rembrandt.
Ao fim e ao cabo, bilhões e bilhões de multicoloridas estrelas:
amarelas, azuis, verdes e brancas, de flamejante luz, emanaram, com facilidade,
das mãos dos divinos irmãos com uma perfeição e naturalidade de fazer suspirar
de inveja os mais dedicados magos das bolas de fogo. Toda escuridão da noite se
dissipou com a fantástica explosão de tons e brilhos faiscando em toda aquela
negra imensidão desvirginada: asteroides, cometas, enxames estrelares,
galáxias, nuvens, nuvens de pó cósmico, nebulosas e milhões de outras espécies
de corpos celestes. No afã do movimento, deixavam atrás de si
rastros de pó brilhante no denso negrume que mexiam com a imaginação criadora
de qualquer um que os visse. Recebeu o nome de Via Láctea.
-
Acho que exageramos. – exclamou um deles, de olhos postos no excesso de luzes e cores que resultara da
brincadeira.
- Ficou tão luminoso que
acabou por clarear até a sombria Terra lá embaixo – respondeu o outro deus
pousando os olhos amendoados na baixa Terra.
Foram saindo de fininho e
desapareceram dos céus, deixando atrás de si o céu semeado de estrelas e mais
luminoso do que um incomensurável cesto virado de fundo para o Sol.