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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Sem essa de Halloween, hoje é o dia do Saci!


Pioneiro na criação de sacis, município paulista de Botucatu encontrou uma maneira divertida de lidar com o mito brasileiro.

Neste 31 de outubro, muitas cidades brasileiras comemoram o Halloween. A festa, originária da cultura celta, veio parar no Brasil por influência principalmente dos Estados Unidos. Muitos brasileiros, entretanto, ficam arrepiados só de pensar nisso. Não pelas típicas bruxas e abóboras iluminadas, mas porque eles acreditam que os mitos brasileiros são tão ou mais ricos do que os importados, como é o caso do nacionalmente conhecido saci-pererê.

O Brasil tem até mesmo um projeto de lei para transformar a data em “Dia do Saci e seus Amigos”. Uma das associações mais atuantes na defesa da personagem é a Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci), de São Luiz do Paraitinga (SP). Mas foi outra cidade paulista, Botucatu, situada na região das “cuestas”, a pioneira na criação. A Associação Nacional dos Criadores de Sacis (ANCS) existe desde 1981 e conta com cerca de 100 associados.

Muita gente deixou de acreditar em saci – personagem imaginário do interior do Brasil, ora visível, ora invisível. Virou coisa do passado. Mas, na região de Botucatu, interior de São Paulo, eles voltaram a aparecer – com pito no canto da boca e carapuça vermelha. Dar nó em crina de cavalo, bagunçar as roupas estendidas no varal, sumir com óculos e ferramentas, coalhar o leite e desandar o doce são suas estripulias prediletas. E tudo culpa do engenheiro José Oswaldo Guimarães, 39 anos, que foi buscar dois casais de sacis em Itajubá, sul de Minas Gerais, e obteve permissão para “criá-los” no sítio de um amigo. “Os sacis andavam sumidos de Botucatu por causa do desenvolvimento. Com a urbanização e a luz elétrica, muitos morreram ou fugiram. Eles odeiam a claridade”, explica Guimarães, sério como se criar sacis fosse a coisa mais normal do mundo. Para ele, de fato é. Guimarães preside a curiosa Associação Nacional dos Criadores de Saci. Fundada há dez anos, com sede em Botucatu, tem o objetivo de resgatar o hábito de contar histórias.


“Quando o trabalho começou houve uma série de resistência”, diz o presidente da associação, José Oswaldo Guimarães, um gerente de telecomunicações que está com os criadores desde o começo. “Hoje, o saci tem movimentado a economia rural da cidade”, explica. Para quem não sabe, o saci é um animalzinho, um pequeno primata da fauna brasileira que estava quase em extinção, sobretudo na em Botucatu, quando Oswaldo soube que ainda havia animais vivendo na região de Itajubá (MG). Ele foi até lá e, a muito custo, conseguiu levar dois casais dos bichinhos para serem criados livremente nas matas botucatuenses.

 “Ele fica solto nas matas e reservas de Botucatu para que não haja uma visitação intensa ao local”, explica Oswaldo, temendo o risco que um turismo desenfreado possa trazer aos animais. A estratégia deu certo e hoje Botucatu tem 60 animais recenseados, o que tem provocado uma pequena transformação na economia da cidade, cuja produção agrícola está baseadas nas plantações de laranja, na silvicultura e na pecuária. “Muitas pessoas estão investindo em suas chácaras e sítios para tornar os ambientes propícios ao saci”, diz Oswaldo. Tanto, que, desde 2001, sempre no mês de outubro, a Secretaria de Turismo da cidade realiza o “Festival do Saci”.

Oswaldo acha perfeitamente natural que o saci seja conhecido como um menino negro de capuz vermelho e uma perna só. “Houve uma série de mudanças, o próprio mito vai recebendo informações”, diz. “O povo negro, grande contador de histórias, acrescentou elementos à personagem, uma figura que zombava dos brancos e era totalmente livre”, explica.


A associação não gosta muito da ideia de sobrepor o mito brasileiro ao norte-americano. “Acaba reforçando o dia do Hallowen e nós achamos que essa energia deveria ser canalizada para fortalecer o mito do saci. Eu não consigo fazer um movimento que seja contra outra cultura, mas acho que nós temos mitos muito mais legais que o Hallowen”, diz.

Quem quiser uma prova viva, pode dar um pulo em Botucatu. “A probabilidade de ver o bichinho é grande, mas a pessoa também pode não ver, e digo isso para não passar por mentiroso”, acrescenta Oswaldo. Mentira que, em se tratando de mitos, confunde-se com a própria imaginação.

Para Guimarães, criar saci significa divulgar os “causos” e atuar para manter acesas tradições como essa. “Mais do que criar o saci na mata, queremos criá-lo na imaginação das pessoas”, explica. “Quando não havia luz elétrica e a maioria da população morava na roça, muita gente criava saci. Os contadores de histórias eram os ídolos da meninada. Talvez o racionamento de energia ajude nossa causa”, diz. Para ele, a tevê é uma das maiores responsáveis pela extinção dos sacis. O horário das histórias se transformou no horário da novela. “Já não existem figuras como Tio Barnabé”, resume Guimarães. No Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato, Tio Barnabé é o velho matuto que ensina Pedrinho a capturar o negrinho de uma perna só: “Arranja-se uma peneira de cruzeta, dessas com duas taquaras mais largas que se cruzam bem no meio e servem de reforço, e fica-se esperando um dia de vento forte em que haja rodamoinho de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vai-se com todo o cuidado para o rodamoinho e zaz! – joga-se a peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro”, garante o velho.

Lobato é considerado o maior “sacizólogo” do País. Em 1917, antes mesmo de inventar o Sítio, incentivou os leitores do jornal O Estado de S.Paulo a enviar “causos” à redação. O resultado foi a publicação do livro O sacy-pererê – resultado de um inquérito. Para o pai de Emília e Tia Nastácia, os sacis nascem em bambuzais, vivem 77 anos, têm um furo na palma da mão e, quando morrem, se transformam em orelhas-de-pau. Os sacis imaginados por José Oswaldo Guimarães são diferentes. Primatas de pele escura, parecidos com o homem, eles atingem um metro e meio de altura e têm uma penugem cor de fogo na cabeça, parecida com um gorro. “O cachimbo também não passa de um pedaço de bambu que eles gostam de mastigar”, explica