Septuaginta
Autor: Leandro Claudir Pedroso
Uma dúvida persistente tanto no meio católico quanto
evangélico é o porquê da diferença entre a Bíblia católica e protestante. O
motivo desta postagem é esclarecer esta dúvida fundamentada em bases históricas
e não em opiniões particulares ou pejorativas. A diferença que existe nas duas
versões está no Antigo Testamento, pois o Novo Testamento é idêntico em ambas e está diferença que trataremos no trabalho
que segue.
Na lista de livros (cânon) do Antigo Testamento Católico
estão presentes 46 livros e na versão protestante somente 39. No século XVI
mais exatamente em 1517, os protestantes se separaram do Magistério da Igreja
Católica, que tem por função ensinar a autoridade da Igreja, que deve ser obedecida
pelos católicos. Entre suas atribuições está a de interpretar a Palavra de
Deus, seja ela escrita ou transmitida e foi este magistério quem decidiu quais
os livros comporiam o cânon das Escrituras Sagradas em 493 d.C, no concílio de
Hipona. Segundo o catecismo da Igreja Católica o magistério da Igreja é
composto pelos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma, o Papa.
Os protestantes acreditam que a Igreja Católica se corrompeu
e não aceitam a autoridade desse Magistério. O protestantismo nasce com uma
ideia arqueológica de ir às fontes originais dos textos bíblicos, como eram no
principio da Igreja. As igrejas protestantes creem mais em sua pesquisa
histórica do que na fé da Igreja de Cristo ao longo dos séculos, e está é uma
fragilidade da eclesiologia protestante. Desta maneira os protestantes
descobriram que os judeus tinham uma lista (cânon) de livros do Antigo
Testamento diferente da Católica. Ao verificarem que a lista de livros judaicos
continha somente 39 livros no Tanakh, que é a coleção canônica dos textos
Israelita, fonte do cânon cristão do Antigo Testamento.
Falaremos
agora um pouco sobre a Bíblia hebraica (Tanakh), que resultou na diferença dos
textos. Tn"k (Tanakh) é um
acrônimo são as 3 primeiras letras das divisões tradicionais no texto
massorético: Torá, Nevi'im e Ketuvim (Ensinamento-profetas e escritos)—que resulta em TaNaK.
A Tanakh teve um processo lento de
canonização dos livros, a lista foi fixada aos poucos, a TORÁ (Pentateuco) foi a primeira a ser fixada, depois os NEVI'IM (Profetas), somente num
período posterior foram fixados os KETUVIM
(Escritos). A diferença entre a Bíblia judaica (usada pelos protestantes) e a
Bíblia Católica, está justamente nos Escritos,
os Profetas e o Pentateuco são
os mesmos.
Os Escritos não estavam fechados na época
de Jesus e dos apóstolos, nesta época havia uma grande discussão sobre quais
escritos eram canônicos. Os Saduceus
(seita judaica formada por aristocratas) aceitavam unicamente a Torá, os Fariseus (seita judaica dedicada a
observância da lei e pureza ritual) acreditavam nos Profetas e nos Escritos e
tinham a visão de que o texto sagrado não estava fechado, e que a inspiração
divina continuava atuando e podendo ampliar deste modo os Escritos canônicos!
Tanakh
Lista
de livros da Tanakh
Pentateuco
(Torá)
1-Bereshit-(Gênesis); 2-Shemot-(Êxodo); 3-Vayikra-(Levítico); 4-Bamidbar- (Números);
5-Devarim-(Deuteronômio).
Profetas
(Nevi'im)
6-Yehoshua - (Livro de Josué); 7-Shoftim - (Livro dos Juízes); 8-9-Shmu'el - (I Samuel e II Samuel); 10-11-Melakhim
- (I Reis e II Reis); 12-Yeshayahu -
(Livro de Isaías); 13-Yirmiyahu - (Livro de Jeremias); 14- Yehezq'el - (Livro de Ezequiel); 15-Hoshea - (Livro de Oseias); 16-Yo'el - (Livro de Joel); 17-Amos - (Livro de Amós); 18-Ovadyah - (Livro de Obadias); 19-Yonah - (Livro de Jonas); 20-Mikhah - (Livro de Miqueias); 21-Nakhum - (Livro de Naum); 22-Habaquq - (Livro de Habacuque); 23- Tsefania - (Livro de Sofonias);
24-Haggai - (Livro de Ageu); 25- Zekharia
- (Livro de Zacarias); 26-Malakhi - (Livro de Malaquias).
Escritos
(Ketuvim)
27-Tehillim (Salmos); 28-Mishlei (Provérbios); 29-Iyyôbh (Jó); 30-Shīr Hashīrīm (Cântico dos Cânticos); 31-Rūth (Rute); 32-Eikhah (Lamentações); 33-Qōheleth (Eclesiastes);
34-Estēr (Ester); 35-Dānî'ēl (Daniel); 36-37-Ezrā (Esdras—Neemias); 38-39-Divrei ha-Yamim (I Crônicas e II Crônicas).
Sua
subdivisão consiste de 24 livros; sendo que no Tanak: não há I e II Samuel, nem
I e II Reis e nem em I e II Crônicas e Esdras e Neemias contam como sendo um só
livro.
Com
base nesta descoberta os protestantes deduziram que se os judeus possuem uma
lista diferente de livros do Antigo Testamento diferente da Igreja Católica, é porquê
a perfídia dos mesmos que acrescentou esses 7 livros “malévolos”. Foi assim que
alguns protestantes começaram a tirar os livros, não foi Martinho Lutero quem
tirou, foi um processo lento. Lutero continuou a publicar estes livros em
separado em suas bíblias. Ele sabia que esses livros foram acrescentados numa
segunda fase, uma segunda lista de livros que eles entraram. Várias igrejas
protestantes publicaram estes livros até o século XIX. Até mesmo os
protestantes não tiveram unanimidade nesse processo, pois creem mais na sua
pesquisa histórica do que na fé na Igreja de Cristo. A fragilidade da
eclesiologia protestante encontra-se no fato de ter nascido como a igreja da
Bíblia, o Sola Scriptura, enquanto
nós Católicos, cremos que a Igreja é o corpo de Cristo e a fé da Igreja nos da
a Bíblia como presente.
Então
de onde vieram os 7 livros presentes no Antigo Testamento da Bíblia Católica?
Com a vinda de Cristo, os apóstolos tiveram que levar a
palavra de Jesus ao mundo todo, e naquela época o grego koine, era a língua
mais falada pelo mundo todo (era como o inglês atualmente), era a língua do
comercio e das relações políticas. Os apóstolos começaram a pregar o evangelho
em grego koine, mas a Bíblia estava escrita em hebraico, e utilizaram uma
tradução grega da Bíblia que chamamos de Septuaginta
(versão dos LXX [70]). A preciosa Septuaginta, foi feita no Egito, mais
exatamente em Alexandria, motivo pelo qual também é chamada de “Alexandrina”,
isso ocorreu por volta dos séculos III e II a.C. Considerada até os tempos
modernos com obra coletiva de setenta e dois doutos hebreus vindos para isso de
Jerusalém, a pedido de Ptolomeu Filadelfo (285-247 a.C), continua ainda a
chamar-se a versão dos Setenta ou os
Setenta (LXX). Na realidade, como mostra o exame interno, os tradutores foram
muitos, traduzindo quem este quem aquele livro, em épocas diversas, até que,
reunidas as traduções, formou-se um Antigo Testamento totalmente grego, mais
amplo do que o hebraico massorético, segundo o que acima foi dito. Entra aqui o
testemunho, precioso pelo fato e pela época, do neto do autor do Eclesiástico,
o qual o prólogo de sua tradução da obra
do avô, assevera ter ido ao Egito pelo 38° ano do reinado de Evergetes (cerca de 132 a.C.) e ali já ter
encontrado traduzidos em grego, a Torá (Pentateuco), os Nevi’im (Profetas) e
alguns outros Escritos que posteriormente formariam com mais alguns livros a
Ketuvim (Escritos), isto é as três partes que os judeus dividem suas Bíblias.
A tradução dos Setenta ou Septuaginta, possuí nela sete
livros “a mais” do que na Bíblia hebraica. Muitas vezes no Novo Testamento
quando os apóstolos citam o Antigo Testamento, é o texto da Septuaginta que
estão citando e não da hebraica, existem várias coincidências textuais como
quando São Mateus diz: “Eis que uma virgem conceberá e dará a luz a um filho
(...)” (Mateus 1:23), este texto de Isaias 7:14 “Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho
(...)”, se você for ler na Tanakh hebraica não diz virgem, mas jovem,
só na septuaginta está escrito virgem, os apóstolos usavam esta
tradução, e é assim que desde o inicio a Igreja usava a Septuaginta e não a
hebraica.
Vários estudos
atestam que os Apóstolos e Evangelistas usaram a Septuaginta, a própria
Sociedade Bíblica do Brasil, que edita várias versões das Bíblias protestantes afirmou
que muitas citações e alusões do Antigo Testamento no Novo Testamento procedem
diretamente da clássica versão grega dos Setenta. E que das 350 citações que o Novo Testamento faz
do Velho Testamento, pelo menos 300 provêm da versão grega (Septuaginta).
O Antigo Testamento
(Tanakh) tinha no original três idiomas originais. A maior parte foi escrita e
chegou até nós em língua hebraica. Alguns capítulos dos livros de Esdras e de
Daniel, e um versículo de Jeremias, estão em aramaico, que foi o idioma falado
na Palestina depois do exílio babilônico (século VI a.C). dois livros, o
segundo dos Macabeus e a Sabedoria, foram escritos originariamente em grego.
Dos livros de Judite, Tobias, Baruc, Eclesiástico e parte também de Daniel e
Ester, perdeu-se como no caso no Evangelho de Mateus, o texto original em
hebraico ou aramaico, sendo substituído pela versão da Septuaginta. Enquanto os
judeus disseminados no mundo greco-romano não tinham dificuldades em introduzir
os livros compostos em grego, os judeus da Palestina formando entre eles a opinião
de que, depois de Esdras (século V a.C.), faltando ou sendo incerto o dom
profético, nem sequer admitiam pudessem ser compostos livros inspirados por
Deus. Por isso, quando nos fins do séc.
I d.C. (período inicial da Igreja Cristã) na Escola Rabínica de Jâmnia, os doutores da sinagoga fixaram o cânon da Bíblia
hebraica, Jâmnia não era um concílio, no sentido do concílio de Hipona ou
outros da Igreja Cristã, mas uma escola rabínica aonde durante anos rabinos
estudaram os livros que deveriam compor o cânon da Tanakh e fecharam os
Escritos.
Em 70 d.C. com a queda de Jerusalém os
rabinos ficaram sem seu templo e logo sem seus rituais sagrados de sacrifício,
que os permitia ser uma religião de culto, agora necessitavam revisar sua fé, e centrar ela na Tanakh,
tornando-se uma religião do livro, mas como esta estava fechada no que diz
respeito ao Pentateuco e Profetas, mas estava aberta em relação aos Escritos, fez
se necessário um veredito final rabínico sobre este assunto.
Além deste motivo, outro de extrema
importância histórica ocorreu, os judeus começaram a ver que os cristãos
estavam pregando de maneira diferente que os rabinos, tanto na intepretação dos
textos como na forma de utilização, e houve a ”excomunhão” dos cristãos das
sinagogas, eles foram proibidos de frequentar as mesmas. Isto levou os rabinos
a necessidade de estabelecer à lista e fechar o cânon, os judeus então
excluíram os livros “a mais” da septuaginta usada pelos apóstolos em suas
pregações. Foram excluídos até os livros escritos em hebraico depois daquela
época, como o Eclesiástico. Daí resultou o cânon hebraico em que faltam sete
livros: TOBIAS, JUDITE, I E II MACABEUS,
SABEDORIA, ECLESIÁSTICO, BARUC e a CARTA DE JEREMIAS e mais algumas partes de Ester e Daniel.
Os protestantes ao
aceitarem o cânon hebraico, estão aceitando a autoridade dos rabinos depois de
Cristo e não antes de Cristo, aonde a Igreja Cristã deve submissão e respeito a
Cristo e os Apóstolos e não mais aos rabinos. Em momento aonde a autoridade dos
apóstolos pregava usando a Septuaginta.
Para os católicos
quem define quais os livros são sagrados
é a Igreja, e foi ela quem definiu a autoridade dos 27 livros do Novo
Testamento. A pergunta histórica que não quer calar é esta: por que os protestantes
aceitam a autoridade do magistério da Igreja Católica para a escolha dos livros
do Novo Testamento e não do Antigo Testamento, pois foi o mesmo magistério da
Igreja que os escolheu. Se os protestantes afirmam que não aceitam o Magistério
da Igreja Católica, não deveriam aceitar nem o cânon do Novo Testamento!
E não é por falta de
divergência histórica que os protestantes aceitam o Novo Testamento definido
pelo Magistério da Igreja Católica, pois o mesmo só foi fechado no final do III
século d.C. Somente na época de Santo Agostinho é que as coisas estavam mais
calmas sobre a discussão de quais livros eram inspirados por Deus e deveriam
compor o Novo Testamento. O primeiro concílio que tratou desse assunto, foi o
concílio de Hipona (393 d.C.), liderado por Santo Agostino que apresentou a
lista com os 24 livros do Novo Testamento.
Vamos conhecer um pouco mais sobre os escritos deuterocanônicos:
Livro de Tobias:
Escrito em: século II a.C
Língua original: aramaico (conforme papiros encontrados em qumran), a versão grega dos LXX derivou do
texto original.
Eventos relatam o período: século VIII a.C.
Livro de
Judite:
Escrito em: entre os séculos IV-II a.C. (fonte: Bíblia Ed. Paulinas,
1967 e Edição Pastoral, 2013)
Língua original do texto: hebraico
ou aramaico, mas a
versão que chegou até nós está em grego.
Eventos relatam o período: Não é uma narrativa histórica, mas uma novela com elementos fictícios
para levar fé e esperança ao povo. (539-100 a.C, se fossemos considerar as
citações históricas).
I Livro de Macabeus:
Autor: desconhecido
Escrito
em: 100 e 64 a.C.
Língua original do texto: hebraico, mas a versão original
usada por S. Jeronimo está perdida, servimo-nos de uma versão grega.
Eventos relatam o período: 175-135 a.C.
II Livro de Macabeus:
Autor: compilação de obras de Jason de Cirene.
Escrito
em: 160-124
a.C
Língua original do texto: grego
Eventos relatam o período: 175-135 a.C.
Livro de Sabedoria:
Autor: judeu desconhecido de Alexandria
Escrito em: 100- 50 a.C
Língua original do texto: grego
Eventos relatam o período: não se aplica
Livro de Eclesiástico:
Autor: Jesus Bem
Sirá
Escrito em: 200 - 180
a.C.
Língua original do texto: hebraico
Eventos relatam o período: não se aplica
Livro de Baruc:
Autor: Baruc e
outros
Escrito em: VI século
a.C. (original hebraico); II século a.C (tradução grega).
Língua original do texto: hebraico,
mas está perdida nos servimos então da grega dos LXX.
Eventos relatam o período: 582-540 a.C
Carta
de Jeremias:
Autor: desconhecido
Escrito em: 540-100 a.C.
Língua original do texto: hebraico ou aramaico, mas
está perdida nos servimos da grega dos LXX.
Eventos relatam o período: 586 a.C.
Adições
a Ester:
Autor: desconhecido
Escrito em: século II
a.C.
Língua original do texto: grego/hebraico
Eventos relatam o período: 586 a.C.
Adições a Daniel:
Autor: desconhecido
Escrito em: II século
a.C.
Língua original do texto: grego
Eventos relatam o período: 597-538 a.C
Concluo aqui este
pequeno trabalho, e espero que o mesmo possa auxiliar meus amigos com suas
mentes ávidas do amanhã neste caminho pelo conhecimento histórico. Caso possuam
alguma dúvida, ou querem sugerir um novo trabalho entrem em contato pelo
formulário!
Você quer saber mais?
Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, 1967.
Bíblia de Jerusalém, Paulus, 2010.
Hebrew
Tenach, The Society for distributing hebrew scriptures, 2003.
Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyolas Jesuítas, 2000.
Pg. 36.
LIMA, Alessandro Ricardo (2007). O
Cânon Bíblico. A Origem da Lista dos Livros Sagrados 1ª ed. Brasília:
[s.n.] p. 22. 125 páginas.
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