Quando Mynott chegou à Sibéria, a temperatura era de 32ºC negativos, considerada amena pelos moradores
Moradores do leste da Sibéria sobrevivem a temperaturas de até 60 graus negativos em um dos lugares mais frios do planeta.
A BBC iniciou uma série na qual o jornalista Adam Mynott visita o local mais frio e o mais quente do mundo, a Mundo de Extremos, para mostrar como as populações sobrevivem em condições tão difíceis. E este é o relato de sua visita a um dos locais mais gelados do mundo.
Logo na chegada, ao descer em Yakutsk, no leste da Sibéria, em um avião vindo de Moscou, a temperatura que encontra o visitante já é de 32 graus negativos, considerada até suave pelos moradores da região.
Um dos traços característicos de Yakutsk, capital regional da província de Sakha, são os prédios, que parecem preparados para uma grande enchente: todos eles foram construídos em estacas de concreto e aço, suspensos a 2 metros acima do chão.
Mas, Valentin Spector, um dos pesquisadores do Instituto Permafrost, explicou ao repórter da BBC que os prédios suspensos não têm nada a ver com enchentes.
Segundo Spector, durante o verão, as temperaturas podem chegar a mais de 40 graus. A camada de cima do chão, congelada, se aquece e descongela e, em alguns lugares, a uma profundidade de um metro, em outras, pode chegar a três metros.
Esta 'camada ativa', como é chamada por Spector, é muito instável e, a não ser que as fundações dos prédios sejam fincadas firmemente na camada de permafrost (camada do solo permanentemente congelada) logo abaixo, o movimento desta primeira camada faria com que os prédios desabassem.
Spector afirma ainda 65% da Rússia está localizada em permafrost e, em alguns lugares da Sibéria, o solo congelado tem profundidade de até 1,5 mil metros.
Covas
No dia seguinte, voamos até Ust-Nera, uma cidade ao norte de Yakutsk, já dentro do Círculo Ártico e em meio a montanhas. A temperatura caiu outros dez graus e chegou a 42 negativos.
No caminho entre a cidade e o aeroporto viajava também um comboio de carros que participavam de um funeral. E aí está outro problema para os que vivem na região de permafrost: como sepultar os mortos no inverno.
São necessários dois ou três dias para fazer uma cova no solo congelado.
Os moradores da região acendem uma fogueira e o carvão é colocado nas chamas. Depois de algumas horas, o carvão é colocado de lado e os 15 centímetros de solo descongelado pelo calor das chamas é cavado e retirado. Os pedaços de carvão quente então são colocados de volta no buraco e o processo começa novamente até que a cova tenha dois metros de profundidade.
Casacos
No inverno ninguém sai de casa a não ser que seja absolutamente necessário.
Durante o inverno, há poucas horas de sol durante o dia
Quando alguém precisa sair para ir a uma loja, para a escola ou trabalho, a pessoa precisa usar muitos agasalhos, e os chapéus e longos casacos de pele são uma visão comum na região.
No entanto, um casaco de pele longo custa mais de US$ 1550 (cerca de R$ 2660), muito além do que as pessoas podem comprar, pois o salário médio na região é equivalente a US$ 600 (cerca de R$ 1030).
Mas os bancos locais fazem financiamentos de casacos.
Ao chegar, sem um bom chapéu para enfrentar o frio, recebi a informação de que o único que serviria seria um de pele. Mas, como não queria ser responsável pela morte de um coelho ou de uma raposa do Ártico, e pelo fato de chapéus de pele verdadeira serem caros, optei pelo chapéu de pele falsa.
Esta decisão gerou a desaprovação do guia do governo que me acompanhava. 'Hum, Greenpeace', disse.
Gulag
A cidade de Ust- Nera começou como um pequeno assentamento, depois que geólogos descobriram ouro e outros minerais na região em 1937.
O líder soviétivo Joseph Stalin enviou muitos dos chamados 'inimigos do Estado' para a região, dezenas de milhares de prisioneiros políticos, para trabalhar nos gulags, como eram chamados os campos de trabalho forçado, para extrair o ouro e outros mineirais.
Mikhail Ivanov é um dos poucos trabalhadores do gulag sobreviventes. O acadêmico e historiador tem um apartamento em Yakutsk e conta que seu único crime foi elogiar os textos de um morador de Yakut, acusado de ser nacionalista e, por isso, ele foi enviado ao gulag.
'Se eu levasse 25 carrinhos de mão cheios de carvão até a superfície, eu receberia dois pratos de mingau. Se eu não conseguisse os 25, receberia apenas um', afirmou.
As minas ainda estão operando, sob outro regime de trabalho. Agora, os salários pagos atraem mineiros de toda a Rússia.
É a mineração que sustenta a economia neste ambiente gelado. Sem as minas, a cidade de Oymyakon, que é o lugar habitado mais frio da Terra, seria povoado apenas por pastores de renas.
Na mina de ouro de Badran, a temperatura na superfície era de 45 graus negativos.
Andrei Dubov, que trabalhava na mina por uma década, afirmou que o frio não é um problema.
'Me agasalho e é seco. Então é um clima muito melhor do que em muitas outras partes da Rússa', afirmou. Ele afirmou que a temperatura mais gelada que pode se lembrar foi de 63 graus negativos.
'Provavelmente era mais frio, mas o termômetro ia apenas até 63 graus negativos', disse.
Congelamento
A temperatura mais baixa que enfrentei em meus dias na Sibéria foi de 53 graus negativos, tão frio que depois de poucos minutos fora de casa, a pele exposta ao frio começava a doer, as superfícies úmidas em minhas narinas congelavam, e dedos das mãos e dos pés ficavam muito gelados rapidamente, apesar das três camadas grossas de meias e dois pares de luvas.
O cabo flexível do microfone também ficou rígido e fui avisado que, se tentasse dobrar o cabo, ele provavelmente iria partir.
Mas, apesar de todas as dificuldades os moradores de Ust-Nera não pretendem ir embora. Como é o caso da família Vadreyev, todos nascidos na cidade.
'Claro que temos que nos agasalhar muito. Em outras partes da Rússia você pode só vestir um casaco e sair, aqui é preciso muito mais tempo para nos vestir. Mas estamos acostumados com isso, Este é nosso lar', afirmou Martina Vadreyev enquanto vestia sua filha Maria com um casaco de pele.
E foram as duas para o frio de 52 graus negativos. E em queda.
Você quer saber mais?
http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2010/12/01/siberianos-sobrevivem-temperaturas-de-60-graus-negativos-923161037.asp