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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

PUCRS recebe acervo que retrata política gaúcha dos anos 40 aos 60

Revista Anauê, Abril de 1936

Na quinta-feira, 20 de maio de 2010, no salão nobre da Reitoria, a PUCRS recebeu o acervo do extinto Partido de Representação Popular (PRP). A doação foi feita pela Associação Cívico-Cultural Minuano, fundada na década de 1950 pelo Partido de Representação Popular (PRP) do Rio Grande do Sul, legenda relativamente pequena, mas que se impôs na política regional, participando de quase todos os governos estaduais posteriores a 1945 - por exemplo de Leonel Brizola e Ildo Meneghetti. O professor do curso de História da PUCRS René Gertz diz que o material destinado ao Delfos - Espaço de Documentação e Memória Cultural mostra a costura dessas alianças.

Além dos documentos do PRP, a Associação reuniu e preservou o acervo do período da Ação Integralista Brasileira (AIB), da década de 30, que antecedeu o partido, e informações de outros partidos, revistas, jornais e fotografias. Também constam mais de 25 entrevistas com importantes políticos do Estado, pertencentes aos mais diferentes partidos, num trabalho coordenado pela professora Núncia Constantino.

O acervo, guardado desde 1995 no Centro de Documentação sobre a AIB e o PRP, resultou em 47 trabalhos acadêmicos, principalmente de alunos de graduação, mestrado e doutorado da PUCRS. O diretor-presidente da Associação, Alberto Hoffmann, que foi deputado federal pelo PRP e presidente do Tribunal de Contas da União, ressaltou a parceria com a Universidade. "Salvamos um patrimônio político não só do nosso partido. Graças à PUCRS, tivemos orientação para montar um local de pesquisa". A ida do material para o Delfos, na Biblioteca Central Ir. José Otão, busca a preservação do material a longo prazo.

O Reitor, Joaquim Clotet, conduziu a cerimônia de doação, com a presença de professores, bolsistas, do diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Draiton de Souza, e dos coordenadores-geral do Delfos, Luiz Antonio de Assis Brasil, e executiva, Alice Moreira.

Segundo a secretaria do Espaço Delfos o acervo está em fase de organização.

Você quer saber mais?

http://www.pucrs.br/delfos/?p=not-26


Contato: gertz@pucrs.br

A Lei da Morte: a pena capital aplicada aos escravos no Brasil Imperial.

André Carlos dos Santos

Entre arquivos, fontes e métodos, o historiador realiza seu trabalho. Boa parte daquilo que produz é marcado pela morte. Vai a uma instituição – empoeirada ou não – e, ali, diante de múltiplas possibilidades, escolhe seu material de trabalho. Sobre quem fala aquela fonte histórica? Quem a produziu? Foi intencionalmente ou sem pretensões? Geralmente, não terá a oportunidade de encontrar o produtor, tampouco o referenciado, haja vista, na maioria dos casos, já estarem mortos.

Esse trabalhador macabro faz um trabalho sobre a morte, e contra ela, como nos diz Michel de Certeau em A Escrita da História. Ao mesmo tempo em que honra os mortos com sua prática escriturária, também os sepulta, manipulando com o seu querer a vontade dos que jazem [*1], como se fossem uma página em branco. O historiador é aquele que trata a morte como uma carta sapiencial; aquele que, numa cabala metodológica, traz para o mundo dos vivos outros “vivos ainda”, que por sua causa insistem em não ir embora. É nesse nicho pouco usual, mesmo que sempre se observe nas entrelinhas de qualquer apresentação historiográfica, que está à disposição este trabalho.

Se boa parte de nosso fazer é acometido pela morte, faz-se mister indicar como algumas dessas foram processadas, pois muitos daqueles que não mais vivem foram jogados à eternidade com o consentimento legal de seu Estado, de suas leis. A pena de morte é aqui tratada como uma vedete, triste, mas uma figura de destaque.

Tentar perscrutar a morte legal, sua ideologia, o aparato logístico, sua ritualística, bem como a sua administração no Brasil, tem se mostrado uma produtiva seara, quer para a ciência histórica, quer no campo do Direito e quiçá da psicologia.

Para um bom êxito de quem se proponha a realizar uma dessas odisseias históricas, de bom alvitre é buscar as grandes histórias dos pequenos personagens que foram jogados na eternidade pela forca – na maioria dos casos –, e buscar em entrelinhas documentais e historiográficas as pequenas histórias dos grandes ícones da História e da história do Direito nacional, assim como divagar-se em questionamentos e possíveis respostas sobre o que impulsionava as elites (e, em nossa pesquisa, a brasileira) a serem tão duras quando esse expediente já entrava em desuso na Europa.

Longe da pretensa ideia de querer dar um fim a esses questionamentos, propomos trazer à lide, mesmo que de maneira sombria, um pouco mais de outras indagações, já que não queremos dar respostas prontas, e sim aumentar o nível do debate e quem sabe abrir novos caminhos para pesquisas, talvez sobre o cotidiano das pessoas ao estarem tão próximas da teatralização dos suplícios da morte.

Para enredar nossa história, trazemos temporalmente à lide o período imperial do Brasil. Foi entre os anos de 1822 a 1889 que mais houve execução de penas capitais em nosso território, muito embora já existisse, desde os tempos da administração portuguesa, a pena de morte, indicada pelo Livro V das Ordenações Filipinas.

Nesse Brasil nascente avaliaremos seus códices de leis – mesmo sabendo que o Livro V das Ordenações Filipinas já favorecia a aplicação da pena de morte –, passando aos decretos reais que vez por outra modificavam alguma prática (a elaboração do Código Criminal do Império do Brasil em janeiro de 1831, e nele, onde estavam as possibilidades de ser incurso em pena última). Por fim, visualizaremos a Lei de 10 de junho de 1835, instituída apenas para a execução de escravos envolvidos na morte ou em violências contra seus senhores ou superiores.

Brasil Imperial: o Código Criminal

No Brasil Imperial a morte passou a ser administrada pelo Código Criminal. Ao desligar-se do trono português, precisava a elite brasileira, como símbolo de independência, formular um código de leis brasileiras, colocando em desuso as Ordenações Filipinas. Um grande passo se deu em 1824, quando da primeira Constituição Brasileira, mesmo que promulgada. Todavia, no ínterim da proclamação da Independência até a feitura do Código Penal, o Brasil ainda julgou seus réus a partir das Ordenações Filipinas, outrora citadas.

Em 6 de setembro de 1826 [*2], o Trono decretou uma lei reforçando as prerrogativas de seu poder moderador – expresso no artigo 101, inciso oitavo [*3] –, de perdoar ou moderar a pena dos condenados à pena última, que foi negligenciado. Tal decreto informa que nenhuma execução letal se daria sem que antes a culminância imperial fosse consultada.

A primeira Carta Magna instituiu, a partir de seu artigo 179, inciso 18º, que “Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade” [*4] . E assim fora feito, não levando ao pé da letra, é claro, o trecho relativo à Justiça e à Equidade.

Após inúmeros debates acerca da entrada ou não da pena de morte nos textos do nascente Código Penal do Império do Brasil, mesmo em contradição com a Constituição em vigor – e apesar de ter o Brasil nesse momento uma necessidade de afirmar-se como nação economicamente de cunho liberal, iluminada –, a pena de morte, juntamente com a escravidão e a outorga da Constituição, deixou esse liberalismo e luminosidade à deriva.

No Código Criminal de 1830, há uma nítida ruptura com a ritualística suplicial das Ordenações Filipinas. É tido como moderno, de tendência liberal. As penas podem variar desde a perda ou a suspensão do emprego – e no caso dos funcionários públicos, também em multas, desterros, degredos, banimentos, prisões simples ou com trabalhos, galés [*5] temporárias ou perpétuas e, por fim, no castigo crudelíssimo: a pena de morte, a nossa triste vedete.

A pena de morte foi inserida no texto do Código Criminal do Império como retaliação para diversas infrações. O artigo clássico para essa sentença é o de número 192 em seu grau máximo, que trata Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida:

Matar alguém com qualquer das circunstancias agravantes mencionadas no artigo dezesseis, números dois, sete, dez, onze, doze, treze, quatorze e dezessete. Penas – de morte no grau máximo; galés perpétuas no médio; e de prisão com trabalho por vinte anos no mínimo [*6].

O crime era o de homicídio e, para se chegar ao grau máximo, precisava ser agravado pelos fatos constantes nos termos de alguns incisos do artigo dezesseis. São estes os agravantes: envenenamento, incêndio ou inundação; ter o ofendido autoridade sobre o ofensor; abuso da confiança; ter sido o crime realizado visando recompensas; por emboscadas; ter havido um arrombamento para a perpetração da morte; ter sido o crime dentro da casa do ofendido e, por fim, ter sido o crime antes ajustado por duas ou mais pessoas.

O artigo 271 [*7] , em seu grau máximo, traz em seu bojo semelhanças com o 192 e seus agravamentos, já que institui a pena de morte para o crime de latrocínio, ou seja, um roubo que, em seu ato, resulta na morte de alguém.

O artigo 113 [*8] , que enquadra o crime de insurreição, parece ter um cunho escravocrata, pois indica que no momento em que se reunissem vinte ou mais escravos para haverem por meio da força sua liberdade, aos cabeças destinava-se a sorte do grau máximo: a forca. E houve a necessidade de no artigo posterior explicitar que teriam a mesma penalidade, a de morte, quando os líderes do levante fossem pessoas livres [*9].

A organização do suplício pode ser observada no artigo 38 e seus sucessores[*10] . Ele é taxativo quando instrui que a morte se executaria na forca. Mas apenas eliminar dentre os viventes o condenado não bastaria para as autoridades. Então, com o desejo de inculcar uma pedagogia do medo na sociedade, o artigo 40, que é o do espetáculo público, diz que

O réu, com o seu vestido ordinário, e preso, será conduzido pelas ruas mais públicas até a forca, acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver, com seu Escrivão, e da força militar que se requisitar. Ao acompanhamento precederá o porteiro, lendo em voz alta a sentença que se for executar[*11].

Toda essa teatralização, é claro, era acompanhada pelos representantes da Justiça Imperial, que a tudo registrava como parte integrante do processo judicial, até que o sentenciado se ultimasse. A penalização ia para além da morte física, já que o corpo do executado seria entregue à sua família apenas se esta o pedisse, todavia deveriam enterrar seu ente sem nenhuma pompa, sob pena de medidas repressivas[*12] .

Brasil Imperial: a Lei de 10 de junho de 1835

Em 11 de abril de 1829, D. Pedro I, mesmo com suas prerrogativas de moderador e com a Lei de 6 de setembro de 1826, espolia de seu direito de perdoar ou moderar, dali em diante, as penas impostas contra escravos que matassem seus senhores. Diz ele que todas as sentenças contra escravos por morte feita a seus senhores fossem de logo executadas, sem ter de irem à sua consulta [*13]. Era o Império sendo cada vez mais rígido com os escravos que se rebelavam contra seus superiores.

Ora, numa sociedade aristocrática, onde o trabalho servil era sua base de sustentação, onde nesta época, o número de escravos era assustador frente ao número da população livre, o medo de uma suposta haitinização aterrorizava os escravocratas. Numa sociedade em que as extenuantes jornadas de trabalho eram concomitantes com as constantes humilhações sofridas pela privação da liberdade e duplo servilismo ao senhor e ao Estado, o que aplacaria a retaliação escrava?

Na voz do parlamentar Paula e Souza, teríamos uma possível resposta: “dois milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegarem em armas! Quem senão o terror da morte fará conter esta gente imoral nos seus limites?” . Apenas o medo da morte atenuaria a revolta escrava. Bem, como a sociedade imperial era regida por uma aristocracia que legislava a seu favor para a Construção da Ordem , após alguns debates e incentivada pela insurreição das Carrancas em 1833 em Minas Gerais, e pelo Levante dos Malês na Bahia, dois anos depois, em 1835, foi promulgada pela Regência Permanente, em nome do Imperador D. Pedro II, a Lei de 10 de junho .

Na voz do parlamentar Paula e Souza, teríamos uma possível resposta: “dois milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegarem em armas! Quem senão o terror da morte fará conter esta gente imoral nos seus limites?”[*14] . Apenas o medo da morte atenuaria a revolta escrava. Bem, como a sociedade imperial era regida por uma aristocracia que legislava a seu favor para a Construção da Ordem [*15], após alguns debates e incentivada pela insurreição das Carrancas em 1833 em Minas Gerais, e pelo Levante dos Malês [*16] na Bahia, dois anos depois, em 1835, foi promulgada pela Regência Permanente, em nome do Imperador D. Pedro II, a Lei de 10 de junho.[*17]

A morte aos escravos, de qualquer sexo, ficava evidenciada no artigo primeiro da dita lei, quando eles matassem, ferissem gravemente ou impusessem qualquer grave ofensa física ao seu senhor e à esposa deste, aos ascendentes e descendentes de seu senhor, bem como a qualquer pessoa que com ele vivesse. Atrelados a essa gama de pessoas estavam os administradores das fazendas, os feitores, bem como suas esposas. Aquele que se rebelasse contra qualquer superior, a partir daquela data, teria a morte como certa. Mas se os ferimentos ou as ofensas não fossem graves, as penalidades seriam de açoites, de número proporcional ao delito.

Prosseguem os artigos indicando que qualquer outro delito cometido por escravo, em que houvesse a possibilidade de pena de morte, tal como o de insurreição, deveria ser tratado com um caráter extraordinário, impondo assim uma pronta reunião do júri. Os votos necessários para a imposição da pena de morte seriam de dois terços do número total de participantes do júri; as outras penas seriam impostas por maioria simples.

Sendo a sentença condenatória, ela se executaria sem recurso algum. Os escravos delinquentes estariam, a partir daquele momento, à mercê do rigor do júri a que fossem apresentados, pois como o decreto imperial de 11 de abril de 1829 não deixava brechas para o pedido de graça e comutação, poderiam ser condenados à morte ou a qualquer pena, não havendo nenhuma medida judicial cabível que suspendesse ou atenuasse o veredicto.

O Império contra-atacava. Joaquim Nabuco, em seu livro inacabado A Escravidão, informa-nos que no Brasil não se punia diretamente o infrator pelo seu crime, mas punia-se, sobretudo, sua condição servil, a qualidade de ser escravo. “Pune-se a raça em um só, porque à pena que ele mereceu como um delinqüente vulgar ajunta-se outra em que ele incorre como escravo, por ser escravo, por ser da raça cativa”[*18] . No corpo de um gravava um espetáculo pedagógico e aterrorizante, humilhava-o, tornando-o um escárnio e um instrumento de coerção para que os demais, seus iguais, não tomassem as mesmas medidas que o agonizante.

Segundo José Alípio Goulart, em Da palmatória ao patíbulo, podemos ver como funcionava a difusão do medo quando diz que “o próprio governo se encarregava de propalar a execução da pena visando a alcançar, com tal alarde, dois objetivos: um, o de dar satisfação ao povo; outro, de amedrontar os escravos” [*19]. Nessa perspectiva, em 12 de agosto de 1835, o governo do Mato Grosso edita uma lei muito semelhante à sua antecessora e matriz, promulgada meses antes pela Regência. Ora, interessante é que essa lei acrescenta algo peculiar quando diz, ao final do seu artigo 5º, que a “sentença, sendo condenatória, [...] presidindo à execução o mesmo Juiz de Direito, que deverá fazer assistir ao ato uma força armada, e os escravos mais vizinhos em número correspondente à força”[*20] . Os iguais em condição servil a do condenado deveriam assistir à execução, pois deveria ser sabido que escravos algozes de seus senhores eram prontamente executados. Era o inculcar de uma memória.

O filósofo alemão Nietzsche, em Para Genealogia da Moral, fala do castigo como meio de infundir medo diante daqueles que determinam a execução do castigo. Para isso, o mesmo autor declara que é necessário pôr o ato inculcado nas mentes das pessoas, e para tal, “nunca nada se passou sem sangue, martírio, sacrifício, quando o homem achou necessário se fazer uma memória”[*21] .

Diz o jurista Marquês de Beccaria que as leis são a reunião, a soma das pequenas partes de liberdades cedidas pelos homens para a construção de uma sociedade, para eles habitável. Mas o que dizer das leis desse código negro? Nenhum escravo assinou procuração alguma para que seus senhores legislassem em seu favor; nenhum escravo cedeu, pelo seu bem, querer uma parcela de sua liberdade – se é que tinha alguma, para formar um corpo de leis. Como se vê juridicamente, o escravo estava à mercê do ideário branco.

Na ótica das elites dirigentes, a Lei de 10 de junho de 1835 serviria para aplacar a ira dos escravos rebeldes. Mas o abolicionista outrora citado, Joaquim Nabuco, diz também, no mesmo livro, que “o exagero da pena aumentou a criminalidade”[*22] . É que, ainda segundo Beccaria, os “desesperados, cansados da existência, encaram a morte como um meio de se libertar da miséria”[*23] em que estão vivendo. Daí nunca ter-se cessado no período escravocrata, senhores sucumbindo agonizantes frente às suas revoltadas peças escravas. E ainda passou a historiografia que a escravidão no Brasil foi branda. Mas isso é outra história.

Depois de alguns abusos por parte dos júris e de algumas querelas judiciais, no vai e vem de decretos quanto a pronta execução da pena de morte a escravos ou a subida de algum recurso ao Trono, em 9 de março de 1837, havia uma grande incompatibilidade entre as prerrogativas do poder Moderador expressas na Constituição e o artigo quarto da Lei de 10 de junho de 1835:

Art. 1º - Aos condenados, em virtude do artigo 4º da lei de 10 de junho de 1835, não é vedado o direito de petição de Graça ao Poder Moderador nos termos do artigo 101, parágrafo 8º da Constituição e Decreto de 11 de setembro de 1826. Art. 2º - A disposição do artigo antecedente não compreende os escravos que perpetrarem homicídios em seus próprios senhores, como é expresso no Decreto de 11 de abril de 1829, o qual continua no seu rigor [*24].

Ora, para dirimir as dúvidas e arregimentar uma série de enunciados conflitantes acerca da pena de morte e seus recursos para escravos, a Regência percebeu que o artigo 4º da Lei de 10 de junho de 1835, que elimina qualquer possibilidade de recurso, estava indo de encontro ao poder de moderar e/ou perdoar do Imperador, expresso na Constituição, bem como no primeiro decreto, em setembro de 1826. A partir de 1837, o escravo condenado à pena última passava a ter o direito de peticionar graças ao poder moderador.

Mas, ainda nesse arranjo jurídico, para não demonstrar qualquer erro anterior e não invalidar o artigo 4º da Lei de 10 de junho de 1835, bem como o decreto de 11 de abril de 1829, este novo decreto declara que apenas os escravos assassinos de seus senhores não gozariam do direito de graça.

História e Direito é um caminho que começa a ser trilhado por historiadores e juristas, um intercâmbio profícuo e frutífero para ambos. Ainda há muito que se vasculhar e descobrir na história do Direito do Brasil. Na esfera criminal há casos infindos e temáticas inúmeras a serem trabalhadas, muitos estudos ainda estão por vir.

A pena de morte no século XIX foi vista como mais um subterfúgio para amarrar a sociedade brasileira, bem como seus escravos, diante de uma aristocracia produtora das leis. José Murilo de Carvalho, em A Construção da Ordem, é taxativo ao afirmar que o escopo das leis imperiais foi traçado por uma elite aristocrática. Havia um projeto comum, uma homogeneidade ideológica nesta ilha de letrados frente a um mar de analfabetos, e nesta ilha de senhores frente a um mar de negros escravos. Argumenta o articulista que “uma elite homogênea possui um projeto comum e age de modo coeso”[*25] . Essa elite imperial injetou no restante da sociedade a cultura do medo – não defendo que isso foi feito conscientemente e por premeditação, como numa história conspiracionista.

Foram necessários vários anos, entre decretos e códices legais, para dirimir todos os problemas que embargavam as obscuridades das redações processuais. O auge das leis que aplicavam o castigo crudelíssimo ocorreu em 10 de junho de 1835, quando os escravos passaram a ter para si um código de leis apartados do Código Criminal, a Horrenda excepcione do código negro. A partir dele, parece que o foco das discussões sobre pena última no Brasil oitocentista apenas se inseria no universo escravo.

Na segunda metade do século XIX, a pena de morte já começava a ser rarefeita. O Sr. Manoel da Mota Coqueiro, fazendeiro acusado de matar uma família de colonos seus, foi condenado pelo júri da cidade de Macaé, no Rio de Janeiro, mesmo jurando inocência, tendo sido enforcado em 1855. Ficou conhecido como a Fera de Macabú [*26]. Diz a historiografia que após esse erro judiciário, todas as sentenças capitais foram pelo imperador modificadas, é claro, a partir do momento em que se soube do erro. Esse caso ainda figura na historiografia brasileira, para muitos, como sendo o último dos enforcados legais.

D. Pedro II era avesso à pena de morte, e sobre ela muito escreveu em seus diários. Tal assunto foi motivo, inclusive, de encontro com o escritor Victor Hugo. Como não podia ser veementemente contra as leis de seu país, pois era um soberano constitucional, fez grande uso das prerrogativas impostas sobre si pelo Poder Moderador.

Todas as leis aqui enumeradas e comentadas foram abolidas com a Constituição Republicana de 1891. Ainda voltou no ano de 1937 até 1946 e entre os anos de 1969 até 1979, mas, nesses meandros, não há registros de execuções legais. Ainda não estamos imunes à pena de morte, pois ela está “reservada para a legislação militar em tempos de guerra”[*27] .

É triste, mas na história brasileira quanto à pena de morte, mesmo não tendo rondando em nosso cotidiano como uma morte legal, temos que concordar com Rui Barbosa quando disse que no Brasil, abolida a pena de morte, mata-se agora sem pena [*29].

Você quer saber mais?

http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/

Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2000.
BRASIL. Leis e Decretos. Lei nº 4, de 10 de junho de 1835. In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1835. Parte I. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1864. p. 5-6.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial; Teatro de Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Relume-Dumará, 1996.
CERTEAU, Michel. A escrita da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
COLLECÇÃO das Leis do Império do Brasil desde a Independência: 1826 a 1829. v. II. Ouro Preto: Typographia da Silva, 1830.
CONSTITUIÇÃO Brasileira de 1824. In: Legislação Brazileira ou Collecção chronologica das Leis, Decretos, Resoluções de Consulta, Provisões, etc, etc, do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Comp., 1837. p. 233.
GOULART, José Alípio. Da Palmatória ao Patíbulo: Castigos de Escravos no Brasil. Conquista: Rio de Janeiro, 1971.
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu: o maior erro da justiça brasileira. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2008.
MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
NABUCO, Joaquim. A Escravidão. Recife: FUNDAJ; Editora Massangana, 1988.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Para genealogia da moral. In: ______. Obras Incompletas. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 304.
PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos Malês, 1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
RIBEIRO, José Luis. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a Lei de 10 de junho de 1835 – os escravos e a pena de morte no Império do Brasil: 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
SOUSA FILHO. Alípio de. Medos, mitos e castigos: notas sobre a pena de morte. São Paulo: Cortez, 1995. p. 33.

São Miguel Paulista: Capela de São Miguel Arcanjo – interfaces das memórias do patrimônio cultural.

Gustavo Pinto de SOUZA

[...] há que se reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas, as velhices de um tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir.

Mário de Andrade

Capela de São Miguel Arcanjo, erguida em 1622.

Para se pensar no bairro de São Miguel Paulista, imerso no torvelinho urbano que é a cidade de São Paulo, da qual faz parte, há que se pensar na preservação da Capela de São Miguel Arcanjo, cuja data de fundação coincide com a do bairro, 1622. Ainda que existam discussões e embates sobre essa data por existir indicação de data anterior – por volta de 1560 –, o marco da fundação do bairro não deixa de ser a Capela de São Miguel Arcanjo. Deste modo, procuro refletir sobre o bairro de São Miguel Paulista e o seu cotidiano, especialmente ligado à presença da Capela. Esse templo religioso é considerado um dos exemplares mais antigos da cidade de São Paulo, e conserva, ainda hoje, sua originalidade.

O bairro de São Miguel Paulista, situado na zona leste da cidade, foi, nos primeiros anos de sua colonização, uma aldeia indígena chamada Ururaí. Com a transformação do aldeamento em bairro de brancos, foi construída uma nova capela em 1622[*1]. O processo de ocupação do bairro estava, portanto, ligado à fundação da cidade de São Paulo, por ser um local estrategicamente situado, favorável à efetivação da fé cristã no Planalto Piratininga. Para isso, seria necessária a construção de uma capela que servisse de ponto de aglutinação para esses índios.

Na região central do bairro, em meio a um comércio acentuado de estabelecimentos – como bares, restaurantes, salões de beleza, clubes, estacionamentos, bancos, bancas de jornal e até vendedores ambulantes, além de igrejas e instituições de atendimento à população – que vendem produtos das mais variadas espécies, nota-se a presença de uma igreja, atualmente conhecida como “Capela de São Miguel Arcanjo”, que guarda as principais características da arquitetura luso-brasileira dos séculos XVI e XVII; um rastro do passado que expõe a origem colonial desse espaço urbano, modificado ao longo do tempo em função de interferências, simultâneas ou não, e de interesses diversos. Assim, a pesquisa voltada para a Capela de São Miguel Arcanjo relaciona-se à minha inquietação provocada por sua presença solitária na Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, em São Miguel Paulista. Presença essa remanescente única da arquitetura colonial que se destaca em meio ao atual ambiente urbano que o espaço evidencia.

Se as respostas sobre as origens da Capela de São Miguel Arcanjo – que, segundo Roseli Santaella Stella, “apresenta a simplicidade das formas das residências de fazenda e a austeridade de quem implacável ao tempo, resiste com a força de edificações conhecedoras de nobres materiais”[*2] – foram encontradas no diálogo com as publicações existentes sobre o assunto, a percepção dos vários tempos, impregnados na paisagem urbana, fez aflorar, em mim, inquietações diferentes. Por que essa Capela, notadamente de origem colonial, resistiu ao tempo? O que tornou possível sua travessia pelos séculos? Quais experiências sociais foram construídas no bairro, tomando a Capela como referência?

Dessas inquietações surgiu a necessidade de conhecer esse objeto, entender seus modos de expressão, seu sentido histórico e os significados e vivências que diferentes sujeitos atribuem a ele, para, assim, construir um caminho para a investigação. Nessa perspectiva, Déa Ribeiro Fenelon (1999) ajuda a compreender que a constituição dos espaços e territórios urbanos são resultantes das relações sociais desenvolvidas na cidade, que acabam por definir e delinear a paisagem urbana, a imagem da cidade[*3]. Antonio Augusto Arantes Neto também indica que “as paisagens são criadas pela ação humana e, ao se tornarem referências de tempo-espaço para as ações e experiências compartilhadas, elas por sua vez realimentam o processo histórico”[*4].

A força simbólica exercida pela Capela de São Miguel Arcanjo é tão verdadeira e arraigada na cultura desse bairro longínquo que a pesquisa teve de ser encerrada, apesar das dúvidas e do desconforto em deixar de lado fontes importantes. Esse contexto histórico possui uma multiplicidade de tramas sociais que se revelaram em sua totalidade, daí o reconhecimento de sua parcialidade e limitação. Junto a esse bem cultural existem variadas formas de vivenciar e de expressar as experiências sociais da cidade, que estão calcadas no fazer de seus moradores e reveladas na heterogeneidade de ações que se configuram no bairro, passam pela organização do próprio espaço urbano e possibilitam percebê-lo como resultante de práticas sociais diversas.

Na perspectiva de pensar esse patrimônio cultural e o bairro em que ele se situa, e, sobretudo, de compreendê-lo, busquei reconhecer as forças que participaram de referências espaciais significativas, que demonstram as ações dos moradores, fazendo-os despontar como autores do processo de transformação do bairro, imerso na dinâmica de produção capitalista a que está sujeita uma grande metrópole como a cidade de São Paulo.

Assim, os moradores de São Miguel Paulista reconheceram outros tempos, que emergiram de suas memórias reveladas através de narrativas, relatos, produções, ações, ancorados numa memória capaz de afirmar a diversidade e o conflito como dimensões da história, e que serviram para problematizar a Capela como referência cultural, como patrimônio histórico e como afirmação de determinadas experiências sociais dos moradores do bairro.

O patrimônio cultural não se reduz às edificações urbanas, mas estas, como a Capela de São Miguel Arcanjo, devem ser incluídas na preocupação em preservar, traduzida como memória social que indica os laços que nos ligam ao passado e ao presente, rompendo com a visão monumental da preservação que considera um elemento urbano isolado, em contraposição à proteção do patrimônio ambiental urbano, que compreende o conjunto de bens que caracterizam a vida da cidade. Desta forma, uma política de preservação tem que ser pautada na apropriação dos sentidos e valores de diferentes grupos sociais que partilham determinados bens culturais. Mais ainda, desconsiderar a questão do patrimônio é exilar o cidadão, alijá-lo de seu próprio meio e privá-lo da dimensão fundamental da cidadania, dimensão esta que significa aceitar a diversidade, a ambiguidade e o esquecimento que pode deslindar diversos suportes que indicam uma multiplicidade de vivências e lutas no bairro de São Miguel Paulista, com a Capela de São Miguel Arcanjo como referência.

Essas experiências permitem dizer que não se pode subestimar a capacidade criadora dos moradores e, ao serem analisadas, indicam uma ruptura com a modalidade de registros escritos como única fonte verdadeira para a reflexão histórica. Permitem, ainda, entender que nenhuma espécie de registro é inferior a outra. Dos pequenos gestos, escondidos em recônditos do bairro, emergem questões que provocam reflexões e entendimento sobre as ações humanas. O objetivo da pesquisa foi analisar as dinâmicas sociais que se estabeleceram e ainda se estabelecem em torno desse bem cultural e as ações que viabilizam sua preservação, enfocando, especialmente, os períodos que compreendem o tombamento e a primeira restauração pelo IPHAN (1939) e o tombamento pelo Condephaat (1974) até os dias atuais. Assim, foram analisadas as ações do poder público, principalmente as relativas aos tombamentos, às restaurações, às medidas que visam proteção e, ainda, à participação ativa dos sujeitos sociais que se relacionam com esse bem, que vivenciaram e vivenciam esses momentos e que têm ações voltadas para sua preservação. Serviram como fonte de pesquisa os documentos produzidos pelos órgãos oficiais[*5] e os depoimentos orais de pessoas relacionadas à Capela e ao bairro, bem como as diferentes produções desses sujeitos. Da interlocução dessas ações e produções, procurei entender o sentido histórico desse patrimônio cultural.

Iluminar experiências como o Movimento Popular de Arte (MPA), cujo objetivo inicial era o de encontrar uma forma de revitalizar a Capela de São Miguel Arcanjo e cuja resistência à massificação e ao nivelamento da cultura popular se tornam evidentes, faz com que voltemos à sabedoria de Ecléa Bosi, quando diz que: “empobrecedora para a nossa cultura é a cisão com a cultura do povo: não enxergamos que ela nos dá agora, lições de resistência como nos mais duros momentos da história da luta de classe”[*6]. O MPA, surgido no ano de 1978, no bairro de São Miguel Paulista, era formado por artistas que buscavam espaço para apresentar suas produções: músicos, atores, poetas, artistas plásticos e professores que se reuniam para mostrar a produção cultural existente no bairro, com apresentação de shows musicais, peças teatrais, brincadeiras infantis, varais de poesia, mostras de pintura e fotografia, filmes ao ar livre que eram exibidos nas praças de São Miguel Paulista.

Arantes e Andrade (1981) relataram que no ano de 1978 foram encarregados de uma pesquisa pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, preocupada em traçar uma política de “revitalização” dos sítios históricos e/ou artísticos localizados em bairros populares. No caso de São Miguel, a revitalização da Capela de São Miguel Arcanjo[*7]. Arantes, no entanto, reflete sobre a concepção de arte e de cultura que embasava a proposta:

Esse trabalho partia do pressuposto que a meu ver era falso. Os que me convidavam a fazê-lo consideravam a área onde se localizava esse bem, [...] uma área culturalmente muito pobre, com uma produção local praticamente inexistente ou muito insignificante. [...] seria necessário, efetivamente, criar a possibilidade de se desenvolverem formas de produção artística, enfim, incentivar a produção artística e as formas de expressão de maneira geral nessa faixa da população.[*8]

Observa-se que, para Arantes, a concepção da Secretaria da Cultura se deu pelo fato de não haver, naquela época, em São Miguel Paulista formas de produção artística e de expressão. Porém, não foi preciso muito tempo para que o pesquisador lá encontrasse uma gama de experiências sociais diversificadas, contrariando concepções preestabelecidas do órgão responsável pela cultura da cidade, que subestimava as experiências pessoais e sociais dos moradores de São Miguel.

Presença social visível no bairro, os migrantes – visíveis no sentido de serem diferentes dos que lá estavam e de persistirem nos programas de rádio, grupos de forró, nas festas típicas, no comércio e na permanência de hábitos alimentares – fazem de São Miguel um lugar privilegiado para se observar mudanças e transformações com raízes nos movimentos migratórios provocados pela industrialização e pela dificuldade da cidade em absorver esses novos moradores. Esse afluxo de pessoas para São Miguel Paulista, a partir do final da década de 30, faz emergir no bairro novos interesses, que passam a disputar espaços com a Capela de São Miguel Arcanjo. Em São Miguel, existem, no mesmo lugar, duas praças, a Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra e a Praça do Forró. É o mesmo lugar, identificado pelos moradores de maneiras diferentes, segundo as suas experiências, seus valores, seus interesses. Cada um pretende perpetuar a sua memória e nesse percurso, o conflito se evidencia[*9].

Essa disputa pelo nome da praça demonstra que os lugares são apropriados segundo os significados que têm determinados grupos. Enquanto Padre Aleixo, a praça representa a memória daqueles que fizeram parte de uma época, e que encontraram, ao longo do tempo, formação, informação e conformação num universo cultural, cuja figura do homenageado era significativa; por outro lado, enquanto Praça do Forró, outras memórias são produzidas. São inscritos nesse espaço público outros usos e significados ligados aos grupos que se identificam com esse ritmo, traduzido pela presença significativa de nordestinos em função do trabalho nas indústrias e que se apropriaram desse espaço para preservação de seus costumes. Dessa forma, o que cada grupo ou pessoa elege e legitima como nome mais adequado é o resultado de operações de seleção e combinação, que mudam segundo o objetivo das forças que disputam a hegemonia ou a permanência de seus pactos sociais.

Praça Padre Aleixo Mafra ou Praça do Forró: lá está a Capela de São Miguel Arcanjo. Para ambas as praças a Capela é referência, constitui-se num elemento agregador de ações, seja na luta para utilizar os espaços da praça para manifestações nordestinas, para as saídas das procissões, para os atos litúrgicos ou para um passeio matinal; a praça e a Capela se confundem.

Procurar refletir sobre as imagens e a leitura que se pode fazer delas, as representações da Capela de São Miguel Arcanjo veiculadas em selo, bilhete de loteria federal, cartões telefônicos, caixa de leite longa vida, jornal e obras plásticas[*10] revelam experiências que indicam a capacidade de seus autores para elaborar significações através de outros recursos de linguagem; apontam para um apelo à lembrança e à consagração que a sociedade contemporânea lhe concede, em detrimento de outros sentidos. Centrada na cultura do espetáculo e do consumo, as imagens são elementos fundamentais da propaganda e exprimem histórias que falam também das ideias e significados de determinadas épocas. Desse modo, problematizar diferentes modalidades de elaboração dessas experiências se traduz no “direito à memória”, dos moradores de São Miguel Paulista.

Representada também no lenço e na bandeira do “Grupo Escoteiro Padre Aleixo”, no pavilhão da “Escola de Samba Unidos de São Miguel” e na insígnia do “29º Batalhão da Policia Militar[*11]”, a Capela de São Miguel Arcanjo é veiculada nesses elementos simbólicos de instituições sociais diferenciados e que utilizam como representação um bem patrimonial consagrado da região e, por isso, ajudam a preservar essa memória.

As dimensões desse patrimônio instituído e reconhecido pelos órgãos oficiais de tombamento são imbricadas com as referências culturais dos moradores, que se cruzam, se aliam e, em outros momentos, evidenciam dimensões diferenciadas que se revelam em disputas pela apropriação desses lugares. Nesse sentido, revelando acordos e tensões, a instituição responsável pela Capela de São Miguel Arcanjo, a Cúria Metropolitana de São Paulo, também evidencia ações para sua preservação, como a restauração pela qual a Capela passa desde o ano de 2005, no qual foi lançado o projeto de restauro; também busca a afirmação de determinados grupos em detrimento de outros. As políticas de revitalização da praça, que acabaram demolindo caramanchões, canteiros e palcos, acabam solapando determinadas manifestações populares que lá se evidenciavam.

Nessa perspectiva, o bairro foi percebido como resultado de uma dinâmica social estabelecida pelos moradores, e o que busquei foi compreender e analisar alguns desses processos que estão relacionados à presença da Capela de São Miguel Arcanjo. O espaço do bairro não surgiu, então, como um espaço onde os moradores se juntavam e realizavam ações, mas, sim, como um espaço onde diferentes agentes sociais se posicionam, se relacionam, fazem acordos, disputam, enfim, vivem experiências diversificadas, imbricadas entre si. Tempo e espaço, desta maneira, aparecem como dimensões desse viver urbano em constante transformação. Nesse sentido, é necessário compreender que não é possível pensar as dimensões bairro/cidade de maneira isolada, pois a todo momento percebemos suas interfaces e imbricamentos. Percebemos, inclusive, que história, memória e patrimônio formam um espaço de sentidos múltiplos que envolvem uma cultura plural e conflitante.

Portanto, terminando essas reflexões, tenho de admitir que o trabalho historiográfico também é fruto de uma representação em que estão implícitas emoções e fidelidades do historiador, que realiza escolhas sobre os documentos que pretende explicitar. Portanto, a história será sempre revisionada e reescrita, não se esgotando sua função de iluminar o presente e levar ao aprendizado com as experiências de tempos pretéritos.

Você quer saber mais?

http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/

ARANTES, Antonio Augusto; ANDRADE, Marília. A demanda da Igreja Velha: Análise de um Conflito entre Artistas populares e Órgãos do Estado. Revista de Antropologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, separata do volume XXIV, 1981.

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SÃO PAULO (Estado). Lei nº 10.247, de 22 de outubro de 1968. Dispõe sobre a competência, organização e o funcionamento do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado, criado pelo artigo 128 da Constituição Estadual e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2004.

DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (DOM) de 19.04.91. Resolução 05/91.
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MORAIS, Isabel Rodrigues de. São Miguel Paulista – Capela de São Miguel Arcanjo – interfaces das memórias do patrimônio cultural. 2007. Dissertação (Mestrado em História Social)– Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo, São Paulo, 2007.

RODRIGUES, Marli. Imagens do Passado: a instituição do patrimônio em São Paulo, 1969-1987. São Paulo: Unesp, 2000.

SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (SPHAN). Processo nº 180/T, inscrição 211 – fls.38 (21.l0.38). Livro História – Livro Belas Artes. Disponível em . Acesso em: 30 set. 2004.

STELLA, Roseli Santaella. Anchieta: a contribuição canária na colonização paulista. IX Colóquio de História Canário-Americana. Las Palmas: Casa Colón; Cabildo Insular de Gran Canária, v.I, 1992.

Judeus celebram começo do Hanukkah na Alemanha.

Líderes da comunidade judaica instalaram nesta quarta-feira uma chanukiá de seis metros de altura em Berlim, capital da Alemanha, para celebrar o início do feriado religioso Hanukkah.

Rabinos instalam chanukiá, candelabro de nove braços que representa o Hanukkah, que começa nesta quarta

O Hanukkah marca a marca a reinauguração do Templo Sagrado em Jerusalém, no século 2 a.C., e o milagre de uma pequena quantidade de óleo durar oito dias. Neste ano, o feriado começará no pôr do sol desta quarta-feira.

A chanukiá, um candelabro de nove braços, foi montado perto do Portão de Brandenburgo, um dos portões históricos mais importantes da Alemanha.

Os oito rabinos enfrentaram vento forte para montar o candelabro de metal, com uma vela para cada noite do festival, na mesma praça central na qual é montado desde 2003.

"Esta praça representa a Alemanha como a Estátua da Liberdade representa os EUA", disse o rabino Yehuda Teichtal. "Portanto, tem um grande significado para nós [que esteja] no mesmo ponto que, um dia, foi a essência da escuridão e do mau", completou, em referência ao local atravessado pelo muro de Berlim e centro de manifestações de nazistas.

Mais de 200 mil judeus alemães e seis milhões na Europa morreram durante o Holocausto. Até o final da Segunda Guerra (1939-1945), apenas 10 mil a 15 mil judeus permaneciam na Alemanha.

Recentes políticas governamentais têm visto o número de judeus aqui inchar a 200 mil --ainda uma minoria, contudo, em um país de 82 milhões.

O recém-eleito presidente do Conselho dos judeus na Alemanha, Dieter Graumann, disse ao diário "Tageszeitung" que a envelhecida comunidade judaica da Alemanha tem de atrair os jovens e assegurar que "o Holocausto não seja o único tema que mantém os judeus unidos".

O candelabro foi instalado próximo a uma árvore de Natal de 17 metros de altura, decorada na semana passada.

Mais o tempo frio no país, que já deixou oito mortos, tem afastado os moradores e turistas do local.

Teichtal disse, contudo, que não está preocupado. Ele afirmou que há uma multidão "de 6 milhões de almas judaicas olhando para nós no céu e dizendo: muito bem. Responda a eles com luz, faça boas ações e envolva as pessoas"".

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http://www1.folha.uol.com.br/