“As
áreas de recompensa sofrem modificações com o uso das drogas que facilitam a
adição no futuro. O cérebro fica pronto para a dependência.”
Rodrigo
Grassi de Oliveira
GRUPO DE mulheres que usaram Cannabis
sativa antes dos 15 anos tem 3,97 vezes mais chance de sofrerem sintomas de
abstinência que as demais.
Por
Ana Paula Acauan
Ampla pesquisa sobre a
vulnerabilidade de mulheres dependentes de crack e sua exposição ao trauma na
infância rendeu publicações de artigos e defesas de teses e dissertações de
integrantes do Grupo de Pesquisa Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento, do
Núcleo de Pesquisa em Trauma e Estresse, dos Programas de Pós-Graduação em
Psicologia e Pediatria. Dois anos depois de finalizado o estudo, novas
revelações vêm mostrar que a maconha prejudica o tratamento dessas mulheres. Das 93 investigadas, as que começaram a
usar Cannabis sativa antes dos 15
anos têm 3,97 vezes mais chance de sofrerem com sintomas de abstinência durante
a desintoxicação de crack do que as
demais. Para aquelas que, nos últimos cinco anos, fumavam maconha regularmente
(três vezes por semana, pelo menos), a chance de piorar aumentava para 2,84
vezes.
Os
pesquisadores, liderados pelo psiquiatra Rodrigo Grassi de Oliveira, procuraram
saber se as mulheres precisaram voltar à Unidade Psiquiátrica São Rafael, do
Sistema de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre, dois anos e meio depois de
completado o estudo. Oitenta por cento de todas as entrevistas (146 no estudo
geral) fizeram novamente o tratamento no local, que dura no máximo, 21 dias (coberto
pelo Sistema Único de Saúde). A média de reinternações foi maior entre as
usuárias com histórico de abuso de maconha (5,29 vezes) em relação àquelas sem
essa trajetória (4,41).
Para Grassi de Oliveira, esses
resultados evidenciam a necessidade de repensar o discurso defendido por alguns
profissionais de que uma droga seria um substituto ao crack. “Na
balança científica, ponderamos fatores que poderiam alterar os resultados, como
uso de álcool e tabaco e idade, testamos todas as hipóteses e nos surpreendemos
com o resultado.” O psiquiatra destaca que a dependência não começa de
uma hora para outra; vai se consolidando
ao longo da vida. “As áreas de recompensa sofrem modificações com o uso das drogas que
facilitam a adição no futuro. O cérebro fica pronto para a dependência.” Virá
para a PUCRS, somar-se aos estudos, o professor Timothy Bredy, das
Universidades da Califórnia (EUA) e de Queensland (Austrália), pelo programa
Pesquisador Visitante Especial, do Ciência sem Fronteira (CNPq). Ele estuda em
modelos animais como o ambiente altera o DNA.
Os próximos passos do Núcleo são
buscar alvos de proteção á mulher usuária, incluindo a realização de um manual
de políticas e cuidado dirigido a profissionais da saúde. Os pesquisadores
pretendem ainda entender o ciclo de vulnerabilidade. Noventa por cento das
mulheres do estudo relataram histórico de algum tipo de abuso ou negligência na
infância. Grande parte delas têm filhos e há preocupação de que os maus-tratos
possam se repetir na relação com as novas gerações. Na amostra, grande parcela
de mulheres morava na rua e todas haviam procurado tratamento voluntariamente.
A maioria desejava largar o crack.
Curiosidade científica
Vasculhando
o banco de dados, o psicólogo Thiago Viola, aluno do Programa de Pós-Graduação
em Pediatria e Saúde da Criança, e seus colegas, notaram que as entrevistadas,
em geral, reduziam os sintomas de abstinência do crack durante a
desintoxicação. Mas um bom número não obteve efeitos positivos no tratamento,
às vezes até piorando.
Em debates com Grassi de Oliveira e atento a artigos recentemente
veiculados, Viola deu-se conta de que o uso de maconha poderia ter implicações
com esse resultado. Essa curiosidade científica rendeu uma conclusão
inédita para a área de pesquisa em crack
e uma publicação na revista científica Drug
and Alcohol Dependence, uma das mais importantes da área.