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domingo, 26 de abril de 2015

Calvinismo e Capitalismo: análise das ideias de Max Weber e H.R. Trevor-Roper

   
Professor de história da Universidade de Oxford por vinte e três anos, H.R. Trevor-Roper, possui conclusões diferentes acerca da origem do capitalismo nas potencias protestantes. Primeiramente, Trevor-Roper propõe um período diferente do de Weber como marco do capitalismo. O historiador postula alguns problemas que fragiliza as conclusões de Weber, vejamos:

Em primeiro lugar, Trevor-Roper apresenta que empiricamente a tese de Weber não passa no teste, pois nações que se mantiveram na tradição religiosa católica, como é o exemplo da Áustria e da França e que, portanto, não gozavam do mesmo rigor moral e das concepções doutrinárias dos calvinistas que lastrearam o sucesso econômico dos países onde foram beligerantes, contudo, progrediram à semelhança dos países protestantes. Ao mesmo tempo em que nos pergunta o porquê da Escócia, com forte tradição calvinista e recursos naturais generosos, não teve o mesmo ímpeto desenvolvimentista que a anglicana Inglaterra. Para Trevor-Hope, situações como estas são pontuais na hora de avaliar com cautela alguns axiomas propostos por Weber.

Em segundo lugar, Trevor-Roper também aponta para o fato de que nem todos os calvinistas eram rigorosos em sua piedade e nem todos agiam conforme suas crenças, colocando em xeque, então, o depósito moral que Weber alega possuir os calvinistas e que tanto foi primordial no desenvolvimento das potências protestantes. Na verdade, Trevor-Roper indica até mesmo a circulação nas trincheiras morais por parte de alguns calvinistas, haja vista que muitos, mesmo defendendo confessionalmente o calvinismo, ajudaram a financiar causas católicas contra os protestantes e isso por causa do lucro e poder.

Em terceiro lugar, Trevor-Roper também pontua que muitas das nações que abraçaram o calvinismo como expressão da fé cristã protestante não se desenvolveram economicamente por causa de tais crenças, mas sim porque em seus territórios circulavam comerciantes estrangeiros (flamengos) que já eram empreendedores em seu país de origem e uma vez expulsos de sua terra natal, encontraram em países como a Holanda, por exemplo, as circunstâncias necessárias à livre empresa. Hoper faz questão de dizer, inclusive, que as idéias calvinistas sobre economia pouco efeito fizeram sobre os naturais de Escócia, Holanda e Suíça. E, mesmo cem anos após a militância de João Calvino, não se produziu um único grande empresário calvinista em terras suíças.

Trevor-Roper afirma categoricamente que havia fortes movimentos capitalistas antes da Reforma Protestante, especialmente capitaneada por Lisboa, Antuérpia, Milão, só para citar alguns. Tais centros eram economicamente ativos e foram eles que deixaram a herança do capitalismo para o século XVI e não a ética calvinista.

Para Trevor-Roper a confusão começa quando Weber não percebe que o que aconteceu foi tão somente à emigração destes capitalistas para as regiões onde afluíam às idéias protestantes. Eles levaram o conhecimento e as técnicas de mercado para tais lugares, fugindo das perseguições que lhes eram impostas. Na verdade, o que para Weber foi uma contribuição doutrinária e prática do calvinismo, para Trevor-Roper tudo não passou de contingência histórica, pois tais empreendedores aportaram em bolsões calvinistas, mas, independentemente de onde estivessem, levariam seus conhecimentos de mercado a efeito, até mesmo para lhes garantir a sobrevivência, possibilitando assim o progresso econômico de qualquer maneira. Destarte, para Trevor-Roper, o calvinismo levou a fama, sem merecer, de padrinho do capitalismo nas proposições de Max Weber.

Trevor-Roper é conclusivo ao afirmar que perseguições praticadas por autoridades católicas contra alguns poderosos homens de negócios na Europa que compartilhavam das idéias do humanista Erasmo de Roterdã, o que atraiu o ódio da Igreja Católica, foi o que forçou tais empresários a fugir para ambientes mais seguros, geralmente em países protestantes, sendo este, enfim, o evento catalisador para o florescimento do capitalismo em domínios calvinistas.

Nossa proposta foi à abordagem resumida de duas proposições distintas que explicam a origem do capitalismo e qual a relação deste com a Reforma Protestante. Avanços no intuito de chegar a conclusões mais aprofundadas serão necessários em investigações posteriores. O assunto é rico. O contexto histórico situado é amplo. O tema é instigante. Outros autores precisarão ser convocados à contribuição.

Humanismo muito além da religião


Em meados do século XVII a Europa viveu uma transformação que seria fundamental para quase tudo que se passou no mundo desde então. Na expressão do historiador inglês Hugh Trevor-Roper (1914-2003), ela virou “de cabeça para baixo” em termos políticos, econômicos e intelectuais. Ou melhor, sua cabeça virou para o norte: países como Inglaterra e Holanda passaram a ser as potências do continente; Itália e Espanha entraram em decadência. O poder, em outras palavras, se deslocou das regiões católicas – que incluíam ainda Flandres e o sul da Alemanha – para as protestantes, como também Suíça e a França dos huguenotes, comandada por banqueiros e industriais calvinistas. O capitalismo tal como o conhecemos nasceu, e com ele as diferenças de ritmo e mentalidade que marcariam o jogo das nações nos séculos seguintes.

Em seu fascinante volume de ensaios sobre o tema, A Crise do Século XVII – Religião, A Reforma e Mudança Social, enfim publicado no Brasil (editora Topbooks), Trevor-Roper tenta entender o que se passou no intervalo que vai do fim do Renascimento, que data em 1620, até o surgimento do Iluminismo, ao redor de 1660. Um movimento, de certo modo, era continuidade do outro, mas sofreu um deslocamento geográfico tão rápido quanto evidente. Segundo a conhecida tese do sociólogo alemão Max Weber, essa mudança se deu por uma razão ética: a moral protestante estava mais predisposta ao espírito capitalista, por infundir no indivíduo mais autonomia intelectual e menos aversão ao lucro. Trevor-Roper está de acordo, mas tenta acrescentar nuances importantes à visão. Para ele, a religião foi um dos fatores, não o único.

O primeiro e melhor ensaio do livro, que está no subtítulo do volume (originalmente publicado em 1967 pela Liberty Fund), é eloquente ao mostrar que os países católicos no início daquele século estavam, por assim dizer, preparados para dar o salto capitalista, para converter seu mundo comercial e financista em uma economia baseada na indústria, em novas escalas de produção. Havia condições materiais e culturais para tanto. Mas uma série de acontecimentos mudou o panorama. Nos países protestantes, empreendedores calvinistas formavam “a elite econômica da Europa”; nos católicos, existia um hiato entre a Igreja e as forças produtivas. Só que a diferença não se deve apenas à mentalidade calvinista.

Um dos acontecimentos centrais foi a expansão do poder da Espanha, responsável maior pela Contra-Reforma, pela aproximação entre Estado e Igreja que se intensificou com as novas concorrências. Diferentemente da Itália, em especial de cidades mercantis como Veneza, a Espanha tinha sua riqueza apoiada em uma sociedade ainda feudal e burocrática que havia sido “acidentalmente alçada ao poder mundial pela prata da América”. Como tal, essa riqueza da monarquia espanhola era mais aparente do que duradoura, porque fora de sintonia com os novos tempos. O seu era um capitalismo de Estado, centralizador e opressor, menos tolerante com heresias, dominado por príncipes personalistas. Ou seja: não foi apenas o protestantismo que abriu espaço para o capitalismo, mas também o catolicismo que fechou as portas para ele.

Outros fatos se passaram no campo das idéias. Não por causa da moral protestante, e sim porque tolerada por ela, a filosofia iluminista começou a vicejar nos países do norte europeu. Pensadores do protestantismo francês (huguenotes), como Languet e Duplessis-Mornay, formulavam a nova ciência política, pós-Maquiavel. Na Holanda o conceito de Direito Natural era forjado por Grotius e outros intelectuais. Na Inglaterra de Cromwell, apesar do messianismo de seu líder, o ensaísmo de Francis Bacon lançava as bases da ciência moderna, empírica, e Thomas Hobbes propunha a submissão do poder religioso ao político. Na terra de Calvino, a Suíça, assim como na Escócia, as universidades fomentavam o pensamento laico de Montesquieu, David Hume, Adam Smith e Voltaire, influenciando cabeças como as do grande historiador Edward Gibbon e a do fundador americano Thomas Jefferson.

Qual era então a conexão entre calvinismo e Iluminismo? Era moral, social ou teológica? Para responder a essa pergunta, Trevor-Roper, no quarto ensaio, As Origens Religiosas do Iluminismo, vai primeiro às raízes do movimento no final da Renascença. E lá encontra, em destaque, o pensamento de Erasmo de Roterdã (1466-1536), representante mais completo de uma era liberal, pacífica e cosmopolita, anterior às guerras religiosas da primeira metade do século 17. Era uma época em que se acreditava numa Igreja unida, consensual, em que correntes como os arminianos (seguidores de Armínio, que dizia que a fé depende da vontade individual) e os socinianos (seguidores de Socino, que não acreditava em pecado original) discordavam de Calvino e não eram perseguidas por isso. Trevor-Roper resume: “Podemos dizer que as diferentes sociedades calvinistas da Europa contribuíram para o Iluminismo apenas na medida em que se afastaram do calvinismo.”

O Iluminismo teve, sim, bases religiosas, mas delas se distanciaria cada vez mais. O calvinismo mudou o paradigma ético, ao romper com o antiindividualismo católico, mas foram movimentos dissidentes do calvinismo que abriram caminho para a afirmação da razão crítica e do livre-arbítrio. Weber estava certo em seu diagnóstico a respeito da nova ética, mas não em associá-la com tanta ênfase ao calvinismo. O humanismo de outro herdeiro de Erasmo, Montaigne, na virada para o século 17, era também produto dessa reação ao puritanismo religioso. Sem as “heresias” ao próprio protestantismo, sem o pensamento laico ou laicizante de todos esses inimigos de utopias e ideologias, o novo mundo capitalista não teria irrompido com a mesma força.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Hy Brazil: a ilha fantasma e os “Antigos”.


Detalhe do mapa europeu de 1572 do cartógrafo Abraham Ortelius.

“On the ocean that hollows the rocks where ye dwell,
A shadowy land has appear’d, as they tell;
Men thought it a region of sunshine and rest,
And they call’d it ‘O Brazil – the Isle of the Blest’.
From year unto year, on the ocean’s blue rim,
The beautiful spectre show’d lovely and dlim;
The golden clouds curtain’d the deep where it lay,
And look’d like an Eden, away, far away.”

Trecho de um antigo poema irlandês sobre Hy Brazil.

“Hy Brazil” — “Ilha Afortunada”, no irlandês — aparece na mitologia gaélica irlandesa, cuja lenda está relacionada a diversos avistamentos por marinheiros de uma porção de terra encontrada no Atlântico Norte que desaparecia em meio à neblina. Ao longo dos séculos, a ilha foi deslocada por diversas vezes nos mapas, inclusive chegando onde seria a costa da América do Sul, em algumas ocasiões.

Considerada como existente na cartografia européia medieval, Hy Brazil, portanto, nunca teve uma localização específica.

Aparentemente os cartógrafos da época, baseados nas lendas e relatos de avistamentos, ficaram confiantes o suficiente de sua existência para incluírem o local mítico em mapas a partir do século XIV; como no mapa da Catalunha (1325-1330). A inclusão de Hy Brazil na cartografia marítima pode ter inspirado diversas viagens e aventuras malfadadas que ocorreram até o final do século XV.


Mapa mostrando a localização de Hy Brazil. Detalhe do mapa catalão de 1350 mostrando a localização de Hy-Brazil. (imagem de Donald Johnson, “Ilhas Fantasma do Atlântico” )

A ilha aparece na mitologia irlandesa muito antes da data oficial do descobrimento de Vera Cruz (Brasil). Assim, como é possível verificar nos trechos abaixo, algumas vertentes históricas atribuem que o nome “Brasil” tenha sido dado em decorrência da lendária ilha e não da árvore Pau Brasil, visto que durante os séculos seguintes, a fantasiosa porção de terra já era conhecida na Europa.

Para Roger Casement, não existe a menor dúvida que tanto os livros escolares, enciclopédias e dicionários como os brasileiros indagados individualmente estavam cometendo um engano. ‘Por mais estranho que possa parecer, o Brasil deve o seu nome não à abundância de um certo pau-de-tinta, mas à Irlanda. “A distinção em nomear o grande país da América do Sul, eu acredito, pertence seguramente à Irlanda e a uma antiga crença irlandesa tão remota como a própria mente celta'”. — Geraldo Cantarino.

“Assim, tal qual Duarte Pacheco que, com sua etimologia selvagem havia dado à madeira ibirapitanga dos indígenas o nome de brisilicum, frei Vicente também contribuía, à sua maneira, para obscurecer a origem mítica do nome Brasil. De erros em enganos foi-se sedimentando a assimilação do vocábulo brasa ao nome Brasil, perdendo seu significado primitivo como metonímia do Outro Mundo dos celtas atlânticos.” — Ana Donnard.


Hy Brazil em mapa de 1572
Mapa europeu de 1572 do cartógrafo Abraham Ortelius.

Histórias sobre o lugar vinham circulando por toda a Europa durante séculos, alegando que era a Terra Prometida dos Santos, um paraíso terrestre onde seres puros viviam. Mas supostamente Hy Brazil era cercada por uma névoa espessa, escondida dos olhos dos mortais. Na mitologia celta, ela aparecia a cada 7 anos, mas não era possível alcançá-la, pois a mesma desaparecia sempre que uma embarcação se aproximava. Entretanto, o monge irlandês São Brandão alegou descer na ilha, considerando-a o Éden.

As buscas pela Hy Brazil tiveram ápice entre os anos de 1300 e 1500, sendo patrocinadas por inúmeros monarcas. Ainda que outras ilhas míticas da época tenham sido descobertas, a ilha fantástica nunca foi encontrada.

Tradução do poema:

“No oceano que esculpe as rochas onde moras,
Uma terra enigmática apareceu, é o que contam;
Os homens a consideraram uma região de luz e descanso,
E a chamaram de O’Brazil, a ilha dos Bem-Aventurados.
Ano após ano, na margem azul do oceano,
A linda aparição se revelava encontadora e suave;
Nuvens douradas encortinavam o mar onde ela se encontrava,
Parecia um Éden, distante, muito distante.”

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quarta-feira, 8 de abril de 2015

Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho: de alma nobre e sombria.


"O dever do piloto de caça é patrulhar seu setor nos céus e abater todo avião inimigo naquela área. O resto não importa."                                                                                                                
 Manfred von Richthofen

O maior piloto de caças militares de todos os tempos, o alemão Manfred von Richthofen, abateu 80 aviões inimigos de seu país na 1ª Guerra Mundial. Suas principais máquinas de guerra foram o Albatros e o triplano Fokker DR 1, que voava a até 165 km/h. Com ele, Manfred ganhou destaque na Força Aérea Alemã e, quando foi nomeado líder de seu esquadrão, pintou a nave com um vermelho brilhante para ser reconhecido de longe pelos oponentes. Nascia assim o famoso apelido. Ao sobrevoar o norte da França em 1918, o Barão Vermelho se desgarrou da esquadrilha para perseguir um caça inglês e acabou sozinho em território inimigo, sob fogo duplo, vindo do ar e da terra. Os britânicos comemoraram a morte do temido rival, porém sepultaram-no com honras de herói de guerra.

Não importa a nacionalidade, o conflito ou o número de vitórias, ninguém se iguala à sua fama na História da Aviação Militar. A lista de grandes ases existentes é gigantesca mas, com certeza, não só podemos dizer que nenhum deles têm o mesmo apelo que o jovem prussiano, mas também que ele foi a sua principal inspiração. Mas quem era esse homem que, há quase noventa anos atrás, tornou-se a primeira lenda da aviação e era chamado pelos seus adversários como o "Barão Vermelho"?

Manfred von Richthofen é um desses heróis cuja vida parece tirada de um roteiro de filme. Disciplina, orgulho, habilidade para caçar, espírito nato de liderança e patriotismo teutônico eram características que, combinadas neste homem, elevaram-no ao um patamar de fama que ultrapassou sua própria vida. "Maldito seja você, Barão Vermelho" freqüentemente rosnava o personagem Snoopy, nos desenhos animados da "Turma do Minduim". Longe de ser um personagem de tira cômica, Richthofen foi o mais eficiente piloto de caça da I Guerra Mundial, metodicamente derrubando pelo menos 80 inimigos, antes dele mesmo tombar em um desfecho típico das óperas de Wagner.



O Barão Vermelho tinha a alma sombria

A cintilante luta aérea das trincheiras lamacentas da Primeira Guerra Mundial, um avião se destacou com a cor mordaz e desafiadora de Marte e o nome de Manfred von Richthofen (1892-1918), o Barão Vermelho, o piloto de combate mais famoso de todos os tempos. A sua lenda o transformou, além de uma das figuras mais emblemáticas do conflito que comemora o centenário do seu início, em um paradigma de piloto de caça cavalheiro, tão temido quanto admirado e respeitado por seus inimigos. No entanto, e como só acontece com os mitos, há grandes rachaduras na personalidade real do famoso piloto, campeão dos céus na Grande Guerra, com 80 vitórias confirmadas. Agora, a publicação, na Espanha, de suas memórias de guerra "O avião vermelho de combate" (Macadán) e de uma extensa biografia de 600 páginas (Almuzara), do entusiasta J. Eduardo Caamaño, que mergulhou na monumental bibliografia sobre Von Richtofen - especialmente nos livros do grande especialista Peter Kilduff - para colocar à disposição do leitor um relato completo da sua vida e aventuras (inclusive as listas e as coordenadas das suas vítimas e desenhos dos aviões que pilotou e derrubou), que permite observar um indivíduo em toda sua dimensão, com facetas inquietantes, desagradáveis e hostis.

O retrato real de Manfred von Richtofen é o de um jovem (começou a carreira de piloto de caça aos 23 anos e encerrou da pior forma, com a morte, aos 25), militarista, arrogante, ambicioso e muito mais cruel do que a sua reputação sugere. Muita arrogância, sede de glória, coragem e técnica e muito pouco de humanidade ou compaixão. Para o Barão Vermelho, cuja imagem ensanguentada cortando os céus era a última coisa que muitos rivais viram, voar significava a extensão dos prazeres da caça terrestre de animais, pela qual era fanático desde criança. No ar, transformou-se com muita alegria em um falcão implacável, a joia escarlate no poleiro do Kaiser.


Nem em seu livro - escreveu apenas outro, um manual de combate, Reglement für Kampfflieger - nem nos relatórios ou nas cartas encontramos a sutileza, a reflexão, a comiseração, a poesia ou a literatura, dos grandes pilotos de guerra escritores como Salter, Richard Hillary - autor de O último inimigo - ou Saint Exupéry.

"Sou um caçador por natureza", escreve Von Richtofen no O avião vermelho de combate. "Quando derrubo um inglês, minha paixão pela caça se acalma por pelo menos quinze minutos." É difícil conciliar esse comentário frívolo à realidade dos aviadores, uivando em suas quedas desesperadas enquanto são consumidos como tochas em seus aviões incendiados. E o Barão acrescenta: "Caçadores precisam de troféus." Assim justifica um de seus costumes - além de matar pessoas - que mais causa aversão: sua obsessão por recolher ou arrancar elementos dos aviões que derrubava, metralhadoras, pás de hélices e especialmente os números de identificação que arrancava como terríveis lembranças das suas vitórias. Com eles, decorou um quarto na sua casa. Alguém pode se perguntar como conseguia se sentir confortável sentado ali, entre recordações do destino fatal de tantos aviadores, e não perceber o espectro da morte que também o assombrava. Quando o derrubaram - já convertido em lenda -, em uma assustadora imitação do seu costume, as mãos ávidas dos soldados aliados arrancaram lembranças da sua máquina voadora e do seu corpo inerte, inclusive as suas botas. Desde a sua primeira morte, Von Richtofen encomendou em um joalheiro uma taça de prata, uma para cada inimigo abatido.

Certamente, ver tantas mortes ao seu redor, e mesmo a sua, tão próxima, começaram a transformá-lo. Escreveu, então, um breve texto, Gendanken in unterstand, Reflexões no meu refúgio, não publicado até 1933 - como parte do seu livro -, no qual aponta que pensa em escrever uma continuação do O avião vermelho de combate, cujo tom já é mais insolente, em que explica que a guerra não é tão divertida, nem heroica, mas um assunto "muito sério e triste." Confessa que sente angústia cada vez que volta de um combate e a vida parece sombria. Nesse crepúsculo, mais digno e humano, é onde brilha de verdade a luz do Barão Vermelho.



Avião pequeno e ágil

Richthofen foi também um dos primeiros a pilotar um triplano Fokker, que estreou nas frentes de batalha no outono europeu de 1916. Era um avião de caça pequeno, tendo como principal arma sua agilidade e velocidade de decolagem. Em manobras, era impossível colocá-lo em mira, mas, se seguisse um rumo fixo, tornava-se alvo fácil. Foi isso o que provavelmente acabou com Richthofen.
A Força Aérea alemã perdeu 7.700 pilotos na Primeira Guerra Mundial. Réplicas do triplano Fokker (que Von Richthoffen havia mandado pintar de vermelho para provocar seus adversários) estão expostas na maioria dos museus de tecnologia e aviação do mundo. "Manfred von Richthofen" virou nome de esquadras, quartéis, praças e ruas no país.

Carreira curta

O Barão construiu sua reputação destruindo inimigos entre 1916 e 1918 Manfred passou o início da 1ª Guerra, em 1914, na cavalaria, fazendo reconhecimento de território. Em 1915, conseguiu transferência para a Força Aérea. Depois de treinar como observador e bombardeador, estreou como piloto em 1916.

Último solo

Manfred von Richthofen morreu em combate, às vésperas de fazer 26 anos
1. Manhã de 21 de abril de 1918. O Barão treina seu primo mais novo, Wolfran, para futuros combates quando se depara com uma patrulha de cinco aviões Sopwith Camel da RAF, a Real Força Aérea britânica
2. Com a briga iniciada nos céus, tropas entrincheiradas dos Aliados - inimigos dos alemães - observam o Barão em perseguição a um de seus caças, pilotado pelo tenente Wilfrid May. Quando o Barão se prepara para atacar, outro Camel, guiado pelo capitão Roy Brown, mergulha para interceptá-lo

3. O Barão Vermelho dispara várias vezes e o canadense Wilfrid May escapa com manobras em ziguezague. Enquanto isso, o Fokker vermelho é abatido por tiros disparados por Roy Brown e pela artilharia terrestre

4. O corpo de Von Richthofen é examinado por uma junta de médicos Aliados. A causa da morte é uma bala vinda das trincheiras. O projétil entrou abaixo da axila direita e subiu pelo peito, causando danos mortais ao coração e aos pulmões

5. A RAF reconhece o inglês Roy Brown como quem derrubou o maior ás da 1ª Guerra, mas o artilheiro australiano Robert Buie reivindica ter feito o disparo. Após uma reconstituição feita em 1998, o verdadeiro autor do tiro é revelado: o australiano Cedric Popkin, que morreu sem saber da proeza.


Herói Homenageado até pelo Inimigo

Depois de uma licença no Natal de 1917, que passou caçando com o irmão Lothar na floresta de Bialowicka, von Richthofen retomou definitivamente sua carreira de piloto de caça, mas mantendo o "espírito esportivo". Quando ele abateu o 2nd Lieutenant H. J. Sparks - sua 64ª vitória - ele enviou para o inglês hospitalizado, uma caixa de charutos.