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terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Holocausto Comunista


O holocausto comunista Vencedora do prêmio Pulitzer, Anne Applebaum mergulhou nos arquivos secretos da URSS para mostrar os bastidores de um regime assassino.
 
A jornalista Anne Applebaum começou a desconfiar que alguma coisa estava errada quando percebeu um número crescente de jovens usando camisetas com símbolos soviéticos, em especial a foice e o martelo. Foi aí que ela se perguntou por que as pessoas toleram e até aceitam um regime cruel como o comunismo da União Soviética enquanto desprezam veementemente o nazismo.

Ex-correspondente da revista The Economist na Europa Oriental, Anne teve acesso aos arquivos oficiais, até então secretos, do comunismo soviético. Entrevistou sobreviventes e analisou documentos até desembocar no livro Gulag, a History (“Gulag, uma História”, inédito no Brasil ), que devassa a máquina de matar montada pelo stalinismo. O livro narra a história dos campos de trabalho soviéticos e descreve o dia-a-dia desses lugares – e todas as atrocidades cometidas em nome da foice e do martelo. Com Gulag, Anne ganhou o Pulitzer de 2004, mais importante prêmio do jornalismo. De Washington, onde é colunista e integrante do conselho editorial do jornal The Washington Post, a jornalista falou com a Super.

O que exatamente era o Gulag?

É uma abreviação em russo para “Administração Central dos Campos”. Um nome burocrático para o órgão que administrava todos os campos de trabalho.

Quem foi o responsável pela criação desses campos?

Os czares já tinham pequenas colônias de trabalho forçado. De certa forma, a União Soviética se construiu sobre essa tradição. Stálin sempre admirou a utilização de trabalho forçado por Pedro, o Grande, durante a construção de São Petersburgo. Mas o gulag era um fenômeno bem diferente, bem maior, com milhões de pessoas. O maior campo, Kolyma, era seis vezes mais extenso que a França. O gulag se tornou parte considerável da economia soviética e ícone central da ideologia do regime. Cidades inteiras foram construídas pelos prisioneiros, assim como quase todas as estradas da Sibéria, aeroportos e campos de petróleo.

É possível comparar o gulag a um campo de concentração nazista?

O gulag durou muito mais tempo, atravessando ciclos de enorme crueldade e relativa humanidade. Os campos nazistas duraram menos e tiveram menos variações: simplesmente se tornaram cada vez mais cruéis até que os aliados venceram a guerra. O gulag tinha vários tipos de campos, desde as letais minas de ouro de Kolyma, onde 3 milhões de pessoas morreram, até os “luxuosos” institutos secretos, nos arredores de Moscou, onde cientistas prisioneiros construíam armas para o Exército Vermelho.

A definição de “inimigo” era muito mais enganosa que a definição de “judeu” na Alemanha nazista. Salvo pequenas exceções, nenhum judeu poderia mudar seu status e escapar com vida do nazismo. Enquanto milhões de prisioneiros soviéticos temiam morrer – e milhões morreram –, não existia nenhuma categoria particular cuja morte era garantida. Alguns poderiam provar seu valor e trabalhar em empregos confortáveis, como engenheiros ou geólogos, em que tinham a integridade preservada.

Os campos de concentração eram verdadeiras fábricas de cadáveres. Pouquíssimas pessoas faziam trabalhos forçados – a maioria das vítimas era mandada diretamente para as câmaras de gás e depois cremada. Esse tipo de assassinato não teve um equivalente soviético. Mas, é claro, a União Soviética encontrou maneiras de matar milhões de cidadãos. Normalmente, eles eram levados até florestas, recebiam um tiro na cabeça e terminavam em túmulos coletivos. A polícia secreta usava “emanações exaustivas”, espécie primitiva de gás mortal, como os nazistas faziam antes de ter as câmaras de gás. Prisioneiros também morriam por negligência. Eram mandados para cortar árvores durante o inverno e morriam de frio. Trancados em celas punitivas, morriam de fome. Doentes eram largados em hospitais sem aquecimento e comida. Os campos soviéticos não foram criados para produzir cadáveres em massa – no entanto, acabaram produzindo.

Você disse que as definições de “inimigo” no regime soviético eram elásticas. Qual era, então, a razão que a polícia secreta encontrava para prender pessoas?

Era possível ser preso por qualquer razão. Durante ondas de terror maciças, o regime prendeu todo mundo que parecia suspeito. Se alguém contava uma piada política, ia para a cadeia. Se fosse descendente de estrangeiros, também. A maioria dos presos eram trabalhadores e camponeses de origem russa. Nem todos tinham praticado crimes políticos. Milhões eram chamados de presos criminais. Só que chegar atrasado ao trabalho, por exemplo, era considerado crime pelas autoridades.