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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os sete mitos da conquista da América.

Como poucas centenas de espanhóis submeteram milhões de índios, alguns tão desenvolvidos quanto as mais avançadas civilizações européias?


Hernan Cortez e Montezuma II

Nem bem o sol iluminou o lago Texcoco, no imenso Vale do México, os dois maiores líderes do Novo Mundo colocaram-se frente a frente. Era 8 de novembro de 1519 e havia anos que espanhóis e nativos se pegavam em violentas batalhas nas terras recém-descobertas da América. De um lado, Hernán Cortez personificava a figura do conquistador europeu como ninguém. Do outro, o todo-poderoso imperador asteca Montezuma II permanecia impassível. Apesar da expectativa de um encontro amigável, a tensão era tão óbvia quanto inevitável. Espanhóis e astecas trocavam olhares, até que Montezuma desceu de sua pequena tenda e foi em direção aos invasores. Cortez repetiu o gesto. Saltou do cavalo e seguiu ao encontro do imperador. A tensão aumentava a cada passo. Olhos nos olhos, eles esboçaram saudações de respeito mútuo, mas não trocaram mais do que poucas palavras, com a ajuda de um intérprete. De qualquer forma, a diplomacia prevaleceu. E, pacificamente, todos tomaram o rumo de Tenochtitlán, a capital do império asteca. Alguns meses depois, os dois lados voltariam a se encontrar. Mas, desta vez, numa sangrenta batalha que culminaria com a morte de Montezuma e faria de Cortez o homem mais poderoso do América espanhola.

Até hoje, muitos historiadores consideram este episódio como o maior símbolo do encontro entre dois continentes. E não por acaso. Pela primeira vez, um imperador nativo acolheu em suas terras o representante de um povo que estava ali justamente para conquistá-las. Além disso, as diferenças culturais entre os dois grupos nunca estiveram tão expostas quanto naquela manhã de novembro. Estas diferenças, além das idiossincrasias do século 16, ajudaram a perpetuar pelos séculos o que o historiador americano Matthew Restall, professor da Universidade da Pensilvânia, chama de “sete mitos da conquista espanhola das Américas” em seu livro Seven Myths of the Spanish Conquest (inédito em português)

Esses mitos podem ser identificados na figura de Cortez, até hoje citado por sua genialidade militar, pela forma como usou e inovou a tecnologia disponível na época, pela maneira astuta como manipulou “índios supersticiosos” e pelo modo heróico com que levou algumas centenas de espanhóis à vitória, contra um império de milhares de guerreiros. Mas a história não foi bem assim. Desde a primeira vez que Cristóvão Colombo pisou nas ilhas do Caribe, os homens enviados para cá se encarregaram de capitalizar o feito em benefício próprio, aumentando uma coisinha aqui, inventando uma ali.

Meia dúzia de aventureiros.

O mito dos homens excepcionais e seus feitos extraordinários
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Cristóvão Colombo estava em algum lugar do Atlântico, em 1504, quando a rainha da Espanha enviou uma esquadra para prendê-lo e levá-lo acorrentado para a Europa. Desde sua primeira viagem pelo Novo Mundo, seu prestígio já não era o mesmo. Sua insistência na mentira de que havia achado uma nova rota para as Índias, fato que lhe rendeu títulos e status, havia deixado a coroa espanhola irritada depois que Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança e deu aos portugueses a liderança na corrida por um caminho mais curto para o Oriente.

A fama de Colombo estava irreversivelmente abalada, ele caiu em descrédito e tornou-se um pária. Mas como, depois de morto, ele se tornaria um herói? Para Restall, a idéia de que ele foi um visionário, um homem à frente de seu tempo surgiu durante as comemorações do tricentenário da descoberta da América, num país que também acabava de nascer: os Estados Unidos. Colombo foi tomado como símbolo dessa nova terra: aventureiro, destemido, um gênio a frente de seu tempo. “Mas a coisa mais espetacular sobre a visão geográfica de Colombo era a de que estava errada. A percepção de que a Terra era redonda, fato geralmente citado para imputar-lhe a condição de visionário, por exemplo, era comum a qualquer pessoa escolarizada da época”, diz Restall.

Esse é só um exemplo do mito de que a conquista da América só foi possível graças à coragem e à genialidade de meia dúzia de conquistadores e que surgiu desde os primeiros relatos dos colonizadores enviados à Espanha. Para obter a permissão de explorar novas terras, eles precisavam provar que a colonização era rentável e, para tanto, escreviam qualquer lorota: omitiam fatos, inventavam histórias, exaltavam a si mesmos. Hernán Cortez e Francisco Pizarro, responsáveis pelos tombos dos impérios asteca e inca, respectivamente, foram especialmente beneficiados por tais relatos e elevados à categoria de heróis. Biógrafos, cronistas e religiosos que participaram das expedições ajudaram a construir esta imagem, por meio das cartas enviadas à coroa, chamadas de probanzas de mérito (ou “provas de mérito”).

Pelo menos num ponto, porém, os relatos tinham razão: a desvantagem numérica dos espanhóis – fato que os levou a derrotas freqüentemente ignoradas nas tais probanzas de mérito. Como, então, os conquistadores conseguiram expandir seus domínios e subjugar milhares de nativos? A resposta não está na genialidade militar de Cortez ou Pizarro. Em nenhum momento eles apresentaram novas táticas de guerra e, na maior parte do tempo o que fizeram foi seguir rotinas adotadas em conflitos anteriores ao descobrimento. Uma das mais importantes foi a aliança com os nativos (que veremos mais adiante). Mesmo assim, eles não abriram mão de procedimentos igualmente eficientes, mas que nada tinham de inventivos: o uso da violência indiscriminada para intimidar os resistentes. Nos casos extremos, pessoas eram decepadas ou queimadas vivas em praça pública, tinham braços e mãos amputados e suas famílias recebiam seus corpos, o que costumava garantir a submissão de outros nativos.

Nem pagos, nem forçados

O mito de que os espanhóis que desembarcaram na América eram todos militares

A esquadra de Colombo mal aportou na praia da ilha de Hispaniola, no Caribe, e um grupo de soldados já estava perfilado na areia. Vestiam armaduras reluzentes, carregavam as mais potentes armas da época e aguardavam apenas a ordem de seu capitão para marchar em direção às terras do Novo Mundo. Disciplinados, estavam prontos para enfrentar o inimigo. Faziam parte de uma grande operação militar. Afinal, eram soldados. Esta cena jamais aconteceu, mas passa a idéia, constantemente repetida em filmes, ilustrações e livros, de que os conquistadores eram militares enviados pelo rei e faziam parte de uma máquina de guerra.

Mas, então, quem eram eles? Nobres aventureiros ou plebeus em busca da terra prometida? A rigor, nem uma coisa, nem outra. Em sua maioria, os espanhóis eram artesãos, comerciantes e empreendedores de pequeno porte, com menos de 30 anos de idade, alguma experiência em viagens desse tipo e sem qualquer treinamento militar. Armavam-se como podiam e entravam na primeira companhia que pudesse lhes render a quantia necessária para investir em outras expedições. Assim, poderiam acumular riquezas até receber as chamadas encomiendas – ou seja, o direito de cobrar taxas e impostos sobre a produção de uma determinada área conquistada e faturar em cima do trabalho de um grupo de nativos.

A maioria dos conquistadores não recebia ajuda financeira da coroa. Em geral, viajava por sua conta e risco em busca de status e dinheiro. Ou, no máximo, tinha um vínculo com eventuais patrocinadores, em nome dos quais as terras recém-descobertas eram exploradas. De qualquer forma, eles não eram pagos, tampouco obrigados a viajar. E muito menos soldados aptos a lutar pelos interesses da Coroa.

Guerreiros invisíveis.

O mito de que poucos soldados brancos venceram milhares de guerreiros índios.


Quando o conquistador Bernal Díaz de Castillo viu a capital asteca pela primeira vez, não conseguiu descrever a visão que teve do alto do Vale do México. A metrópole pontilhada de pirâmides, irrigada por canais navegáveis, engenhosamente construída para ser a referência de outras grandes cidades do império, poderia ser comparada às maiores capitais européias. Uma pergunta talvez lhe tenha surgido: como poucos de nós poderemos subjugá-la? Seguindo o mesmo raciocínio, como apenas centenas de europeus poderiam vencer os milhões de índios espalhados pelo continente? Nem a “genialidade” de seus líderes, a pólvora ou o aço espanhol dariam conta. Há algumas respostas para essas questões.

A primeira é que os espanhóis sempre foram minoria nos campos de batalha da América, mas jamais lutaram sozinhos. Os nativos nunca formaram uma unidade política, nem no caso de astecas e maias, que fosse imune às rivalidades e intrigas. E os conquistadores se aproveitaram, desde muito cedo, dessa desunião, conseguindo formar verdadeiros exércitos índios, dispostos a eliminar seus inimigos. Na primeira vez que Cortez chegou a Tenochtitlán, mais de 6 mil aliados davam cobertura aos espanhóis, que eram cerca de 200. Na batalha final, alguns meses depois, ele conseguiu reunir mais de 200 mil homens para tomar a capital asteca. “As pessoas tendem a imaginar que os povos americanos eram unidos em torno de uma identidade nativa. Na verdade, acontecia o contrário. Quando os espanhóis chegaram à América, encontraram várias tribos rivais, que não precisavam de mais que um empurrãozinho para entrar em conflito”, afirma Restall.

Além disso, no final do século 16, cerca de 100 mil africanos desembarcaram na América. A princípio, eles trabalhavam como serventes e auxiliares dos espanhóis, mas, sempre que necessário, recebiam armas para lutar contra os inimigos. Como recompensa, ganhavam a liberdade e logo eles também se tornavam conquistadores.

Sob a tutela do rei.

O mito de que, em pouco tempo, toda a América estava sob jugo espanhol
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Palavras de Cortez: “Deixei a província de Cempoala totalmente segura e pacificada, com 50 mil guerreiros e 50 cidades. Todos estes nativos têm sido e continuam sendo fiéis vassalos de Vossa Majestade. E acredito que eles sempre serão”. A carta de Cortez enviada ao rei da Espanha dá uma boa idéia de como funcionava a burocracia da conquista. Para o monarca, não bastava o conquistador encontrar uma terra e reivindicar o direito de explorá-la. Ele precisava convencê-lo de que aquela região era economicamente viável, de preferência com minas de ouro e prata, e contava com mão-de-obra para tirar dali tais riquezas. Como resultado, os líderes espanhóis não pensavam duas vezes antes de carregar seus pedidos com informações exageradas.

Essa combinação de fatores contribuiu para a criação do mito de que a conquista total dos povos americanos foi alcançada logo nos primeiros anos da presença espanhola. Muitas cidades, no entanto, resistiram à dominação durante décadas. No Peru, alguns estados independentes só foram dominados depois de 1570, após a morte de líderes como Túpac Amaru. Quando os espanhóis fundaram Mérida, em 1542, boa parte da península de Yucatán, na América Central, permaneceu sob a influência dos maias – e muitas políticas elaboradas por eles sobreviveram até 1880. A experiência espanhola na atual Flórida, nos Estados Unidos, foi ainda mais desastrosa. Pelo menos seis expedições foram enviadas para lá entre 1513 e 1560, quando a região finalmente foi controlada pelos europeus. Mas um dos exemplos mais curiosos vem da bacia do Prata, onde os fundadores de Buenos Aires, em 1520, viraram jantar de tribos canibais.

Outro aspecto que mostra que a conquista não foi total era a relativa autonomia que alguns nativos mantiveram em relação aos seus dominadores – condição sancionada pelos próprios oficiais espanhóis, que procuravam não intervir nas regras que vigoravam antes de eles chegarem. E não por acaso. Esta era mesmo a melhor forma de garantir a manutenção das fontes de trabalho e da produção agrícola. Além disso, membros da elite nativa participavam dos conselhos das cidades coloniais, onde eram tomadas as decisões mais importantes. Ou seja, além de continuar influenciando politicamente, eles mantiveram o status que tinham antes da descoberta.

As palavras de La Malinche.

O mito de que a falta de comunicação levou ao massacre indígena
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Foi na praça central da cidade inca de Cajamarca que Pizarro e Atahualpa se viram pela primeira vez, em 1532, numa espécie de versão peruana do encontro entre Montezuma e Cortez. Ao lado do conquistador, menos de 200 homens armados pareciam não temer os mais de 5 mil nativos leais ao imperador. E, de fato, eles não tinham porque se intimidar: a maioria dos locais não possuía uma arma sequer. O primeiro espanhol a se aproximar de Atahualpa foi um frei dominicano que segurava uma pequena cruz numa das mãos e a Bíblia na outra. Em poucos minutos, a batalha havia começado. Mas, apesar da desvantagem numérica, os invasores conseguiram dizimar um terço dos nativos. Atahualpa foi capturado.

Há várias versões sobre os motivos que causaram a briga e sobre como a batalha de Cajamarca começou. Francisco de Jerez, presente no local, escreveu que o imperador atirou a Bíblia ao chão, porque não a entendia. A blasfêmia teria sido o motivo para Pizarro dar o sinal de ataque. Na versão inca, no entanto, a ofensa partiu dos espanhóis, que teriam se recusado a tomar uma bebida sagrada oferecida por Atahualpa.

É praticamente impossível saber o que aconteceu de fato naquele dia, mas o encontro sangrento entre incas e espanhóis é um bom exemplo de como as supostas falhas na comunicação serviram para justificar as ações dos europeus e, por conseqüência, a própria conquista. Mas estas falhas não eram tão freqüentes assim. O diálogo entre Montezuma e Cortez, por exemplo, apesar de ter gerado diferentes interpretações, mostra que os dois lados podiam se entender muito bem. Isso graças a uma figura central durante todo o processo de colonização: os intérpretes. O papel deles foi tão importante que um dos principais procedimentos de guerra era justamente encontrar e “formar” tradutores. Alguns destes tradutores se deram tão bem que alcançaram status inimagináveis para um nativo. Receberam encomiendas e chegaram a ser citados nas cartas enviadas ao rei. O exemplo mais famoso é o de La Malinche, a amante e intérprete que acompanhou Cortez durante anos e esteve presente no encontro com Montezuma.

O fim dos índios

O mito de que a conquista só trouxe desgraça para os nativos


A derrota de Cortez era inevitável. Havia horas que ele e seus guerreiros lutavam contra a união de três exércitos inimigos na grande praça central de Tlaxcala, uma comunidade nativa aliada aos espanhóis, e a derrocada do conquistador se aproximava a cada golpe. Finalmente ele seria vencido. E foi mesmo. Ainda no chão, Cortez pôde ouvir os aplausos efusivos da platéia. Aquela encenação do dia de Corpus Christi ficou conhecida como o evento teatral mais espetacular e sofisticado do ano de 1539. Numa curiosa inversão de papéis, o conquistador interpretou o Grande Sultão da Babilônia e Tetrarca de Jerusalém. O papel dos reis da Espanha, Hungria e França ficou com os nativos da comunidade.

O Corpus Christi de Tlaxcala não foi o único festival do século 16 no Novo Mundo. A imensa maioria das colônias da Mesoamérica e dos Andes encenou, dançou e até representou as batalhas contra os espanhóis. Muitas dessas manifestações culturais sobrevivem até hoje. Mas o curioso é que o objetivo não era reconstruir a conquista como algo traumático. Ao contrário. Para os nativos, os festivais significavam uma celebração de sua integridade e vitalidade cultural. “Eram eventos que transcendiam aquele momento histórico particular e não estavam associados à lembrança de algo ruim. Até porque o sentimento de derrota não era algo comum a todos os povos nativos”, afirma Restall.

Manifestações desse tipo eram apenas uma das formas pelas quais os nativos mostravam que o impacto da conquista não foi tão traumático quanto sugere boa parte da retórica comum. Muitas comunidades mantiveram seu estilo de vida e outras tantas evoluíram rapidamente com a necessidade de se adaptar às novas tecnologias e demandas trazidas pelos espanhóis. Aprenderam novas formas de contar, construir casas, planejar cidades e, sobretudo, guerrear. Assim, houve nativos que enriqueceram com o comércio de alimentos e com o aluguel de mulas. O povo Nahua, por exemplo, depois de lutar ao lado dos espanhóis por anos, organizaram campanhas militares próprias e expandiram seus domínios para além das terras onde hoje estão Guatemala, Honduras e parte do México.

Macacos e homens.

O mito da superioridade e da predestinação dos europeus
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“Os espanhóis têm a governar estes bárbaros do Novo Mundo. Eles são em prudência, ingenuidade, virtude e humanidade tão inferiores aos espanhóis quanto as crianças são para os adultos, e as mulheres, para os homens”, escreveu o filósofo Juan Ginés de Sepúlveda, em 1547. O mito da superioridade espanhola é visto em todos os relatos do período colonial. Para Restall, ele vem desde as primeiras expedições e está ligado à justificativa de que os europeus tinham a aprovação divina para conquistar novas terras. Eles acreditavam que eram os escolhidos de Deus, os encarregados de levar o cristianismo a outros povos.

Existem outros fatores, no entanto, que ajudaram a perpetuar este mito. Um deles combina a crença de que os nativos seriam incapazes de evitar a invasão dos europeus porque eles (os nativos) também acreditavam que os espanhóis eram deuses. De fato, os povos americanos enxergavam os conquistadores como seres poderosos, mas em nenhum momento – nem mesmo nos relatos dos cronistas do período colonial – os nativos comparam os espanhóis a seres supremos, ou deidades. Além disso, a diferença brutal entre as armas dos dois grupos também ajudou a construir a idéia da superioridade espanhola.

Mas Deus não foi o principal aliado dos espanhóis. A expansão dos europeus só foi possível graças a três fatores. O primeiro e mais determinante foram as doenças que os estrangeiros trouxeram. Sem oferecer nenhuma resistência para varíola, sarampo e gripe, os nativos morreram tão rápido que em poucas décadas tribos inteiras foram extintas. O impacto das epidemias foi tão devastador que, um século e meio após a chegada de Colombo, a população de nativos havia caído mais de 90%. Os astecas sentiram o poder desses males. “As ruas estavam tão cheias de gente morta e doente que nossos homens caminhavam sobre corpos”, escreveu o padre Bernardino de Sahagún, quando os conquistadores tomaram Tenochtitlán.

O segundo aliado foi a desunião dos nativos. A rivalidade entre diferentes grupos étnicos e intrigas entre vizinhos levou dezenas de milhares de pessoas a lutarem ao lado dos espanhóis. As armas que os conquistadores trouxeram para estas batalhas são o terceiro fator mais importante. Nas primeiras expedições, várias delas fizeram diferença. Cavalos e até cachorros acabaram entrando nos campos de batalha. Mas a mais eficiente foi mesmo a espada, mais longa e resistente que os machados dos nativos. No campo da guerra, Matthew Restall considera ainda um outro fator. Os nativos lutavam em sua própria terra. Precisavam, portanto, proteger a família, defender suas casas, pensar no plantio, calcular a colheita e fazer o possível para não deixar que a guerra prejudicasse e interferisse no seu dia-a-dia. Por isso, eles sempre estiveram mais dispostos a negociar e a protelar os confrontos com os conquistadores. Já os espanhóis não tinham muito a perder. Basicamente, precisavam se preocupar apenas com suas próprias vidas. E com o que teriam de fazer para continuar conquistando novas cidades e acumulando mais riquezas.

Você quer saber mais?

Restall, Matthew. Seven Myths of Spanish Conquest, Oxford University Press, 2004 - O autor, professor da Universidade da Pensilvânia, é um dos maiores especialistas mundiais em culturas pré-colombianas.

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Os soviéticos pisaram na lua?

O lado vermelho da Lua

Com um plano ultra-secreto, os soviéticos estiveram bem próximos de vencer a corrida contra os EstadosUnidos para colocar o primeiro homem na superfície lunar. Saiba por que eles fracassaram!

Milhões de pessoas acompanham pela televisão. Uma imagem embaçada mostra um homem em traje espacial, prestes a descer o último degrau de uma escada. Em meio aos chuviscos em preto-e-branco, caracteres indicam que se trata de uma transmissão ao vivo da superfície da Lua. O sujeito desce o último degrau e imprime a primeira pegada humana naquele corpo celeste. Suas palavras ficam eternizadas: “Odin malen’kii shag dlya cheloveka, gigantskii pryzhok dlya chelovechestva”. Naquele ano, 1968, o cosmonauta soviético Alexei Leonov se tornava, finalmente, o primeiro homem a caminhar sobre a Lua.

Ok, ok, todo mundo sabe que não foi assim que aconteceu, que os soviéticos nunca estiveram na Lua e que a frase acima (versão em russo para a célebre “um pequeno passo para o homem, um gigantesco salto para a humanidade”) foi dita mesmo no bom e velho inglês do norte-americano Neil Armstrong, em 20 de julho de 1969. Mas o que pouca gente sabe é o quanto a cena descrita aí em cima esteve perto de ocorrer. Pouca gente mesmo. Pois até o fim da União Soviética, os esforços – e os fracassos – dos russos para colocar um homem na Lua antes dos americanos permaneceram como um dos maiores segredos da Guerra Fria.

Para todos os efeitos, os soviéticos não estavam nem aí para pousar na Lua e diziam que isso não serviria para quase nada, cientificamente falando. Pura balela. O recente acesso aos arquivos do programa espacial soviético confirmou uma antiga desconfiança dos historiadores de que o governo comunista não só tentou fazer o primeiro pouso na Lua, como falhou feio. “Havia algumas pistas de que esse programa estava sendo preparado”, lembra Alexander Sukhanov, físico do Instituto de Pesquisas Espaciais da Rússia, o IKI. “Por exemplo, eu me lembro de uma entrevista com cosmonautas soviéticos no fim de 1965. Uma das perguntas era: ‘Astronautas americanos pousarão na Lua no ano de 196x. Quando os cosmonautas soviéticos irão pousar?’. E Alexei Leonov respondeu: ‘No ano de 196x menos 1’”. Foi aplaudido de pé. O cosmonauta Leonov havia se tornado um dos principais nomes da história do programa espacial soviético quando, em 18 de março daquele ano, deixou sua nave, a Voskhod, e se tornou o primeiro homem a “caminhar” no espaço.

Yuri Gagarin, realizou o primeiro voo tripulado ao espaço.

Mas o que na época pareceu pura fanfarronice de Leonov pode mesmo ter sido uma indiscrição do herói soviético, já que, em 1965, o programa soviético para colocar um homem na Lua estava em andamento. E era secretíssimo. O engenheiro aeroespacial Sergei Korolev, a maior figura dos bastidores do programa espacial russo, trabalhava pessoalmente, desde 1963, num desenho de nave espacial que servisse para uma visita à Lua. Korolev liderara um grupo de cientistas e assistentes num escritório supersecreto identificado apenas pelo código OKB-1. Ali, ele criou o míssil R-7, que serviu como lançador para os pioneiros satélites artificiais soviéticos (os primeiros do mundo), a começar pelo Sputnik-1, em 1957. O R-7 foi mais tarde adaptado para colocar em órbita espaçonaves tripuladas, como a Vostok (que levou Yuri Gagarin a se tornar o primeiro a entrar em órbita da Terra, em abril de 1961) e a Voskhod (de Alexei Leonov). Em 1964, Korolev trabalhava no projeto do veículo tripulado Soyuz – que até hoje está em operação, servindo à Estação Espacial Internacional (leia quadro ao lado).

Em 3 de agosto daquele ano, o Partido Comunista oficializou a criação do programa conhecido simplesmente como N-1/L-3. Desmembrando as siglas: “O N-1 referia-se ao plano para a construção de grandes foguetes para colocação em órbita de objetos e naves maiores”, explica o ex-cosmonauta Anatoly Berezovoy, que passou 211 dias no espaço no início dos anos 1980, como comandante da estação russa Salyut-7. “Com a designação L existiam os modelos L-1, L-2 e L-3. O L-1 era uma nave tripulada que apenas contornaria a Lua, enquanto os artefatos da série L-2 e L-3 seriam usados para colocar nossos cosmonautas na Lua.”
As espaçonaves do tipo L-1 eram versões ligeiramente encolhidas da Soyuz, que podiam ser lançadas com os foguetes já disponíveis na União Soviética em 1964, como o Proton. Mas as naves L-2 e L-3 precisariam esperar pelo desenvolvimento do gigante N-1. A L-2 era uma espécie de Soyuz vitaminada, capaz de transportar dois cosmonautas até a órbita lunar, fazendo as vezes da cápsula Apollo americana. O L-3 era um módulo de pouso com capacidade para apenas um cosmonauta, que teria de descer sozinho até a Lua. Os planos previam os primeiros vôos-teste para 1966 e as missões reais seriam conduzidas entre 1967 e 1968.

Diagrama da Vostok, que levou o primeiro homem ao espaço.

Hoje, até os especialistas russos concordam que o plano soviético era cheio de falhas e muito arriscado. “A arquitetura da L-2 era mais frágil que a do rival americano. Comparado com o Apollo, aquele não era um bom programa”, afirma Sukhanov. “O lançador N-1 era menos poderoso que o Saturn V e só podia lançar cerca de 90 toneladas em órbita terrestre baixa. Portanto, a espaçonave lunar teria de ser menor e mais leve que a americana, o que tornaria a descida arriscada demais.” Mas até 1965 ninguém – dentro ou fora da União Soviética – pensava assim. A idéia por trás do programa era apenas chegar lá primeiro, não chegar lá melhor, então qualquer esforço – e risco – estava valendo. Afinal, os soviéticos permaneciam invictos na corrida espacial, não tendo perdido um único marco importante para os americanos.

No fim de 1965, porém, Sergei Korolev teve diagnosticado um câncer de cólon, foi internado, tratado e operado. Em janeiro de 1966, ele morreu sem ver um único teste de suas criações. Só em 23 de abril de 1967 partiu ao espaço a nave Soyuz-1, com Vladimir Komarov a bordo. A idéia era testar a operacionalidade do veículo na órbita terrestre. Após 18 voltas de um vôo cheio de problemas, Komarov teve de dirigir o veículo manualmente de volta à atmosfera. Os pára-quedas da nave não se abriram e o cosmonauta se espatifou no chão. Era a primeira morte do programa soviético, e a partir dela ficou decidido que as naves teriam testes extensos sem tripulação antes que pudessem ser habilitadas a transportar humanos.

O programa do foguete N-1 continuava em desenvolvimento, mas os avanços eram lentos. Já o L-1 estava bem adiantado e em março de 1968 foi feito o primeiro teste com o veículo. O segundo, em 14 de setembro, ainda sem tripulação, conseguiu cumprir sua meta original e dar a volta ao redor da Lua, retornando em segurança.

Os americanos entenderam o recado e a Nasa tratou de redirecionar o lançamento da Apollo-8. Em dezembro daquele ano, naquela que era apenas sua segunda expedição, a espaçonave foi enviada em direção à Lua: era o terceiro lançamento do Saturn V e o primeiro com tripulação. Frank Borman, William Anders e James Lovell passaram 20 horas em órbita lunar e, na véspera do Natal, leram trechos da Bíblia ao vivo para o público que, pela televisão, acompanhava as inéditas fotos do “nascer da Terra”, visto da Lua.

A corrida para a Lua entrava em seu momento decisivo. No início de 1969, o gigante N-1 finalmente estava pronto para um vôo-teste. Às 9h18 da manhã do dia 21 de fevereiro, os supermotores foram ligados, com barulho ensurdecedor. O foguete se desprendeu da base e subiu, deixando atrás de si uma elipse de fumaça branca. O sonho durou 68,7 segundos, até que vibrações anômalas e um incêndio fizeram o comando abortar a missão e explodir o N-1, a 30 quilômetros de altitude. A falha ocorreu enquanto o foguete ainda estava acionando os motores de seu primeiro estágio. Ninguém saiu ferido. Uma segunda tentativa ainda seria conduzida em 3 de julho daquele ano, mas os resultados não foram muito diferentes. Depois de 50 segundos de vôo, o enorme N-1 ficou fora de controle e teve de ser destruído no ar.

Apenas 13 dias depois, partia do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, o Saturn V que impulsionaria a Apollo-11 até a Lua. Em 20 de julho, Neil Armstrong e Edwin Buzz Aldrin fincariam a bandeira americana na superfície lunar, marcando a definitiva virada dos Estados Unidos na corrida espacial.

O N-1 passou por mais dois vôos-teste, em 1971 e 1972, mas ambos também terminaram em falhas, todas no primeiro estágio. Depois do pouso de Armstrong, os soviéticos jamais voltaram sequer a falar em missões lunares tripuladas e passaram a negar, em todas as oportunidades, que tivessem algum programa para o desembarque de humanos na Lua. Mas as consecutivas falhas do N-1 ainda hoje são motivo de polêmica na Rússia. Muitos atribuem a culpa à morte de Korolev, que deixou todos os projetos espaciais tripulados à deriva, até que outros à sua altura conseguissem tomar as rédeas. Mas há quem diga que foi uma atitude de Korolev em vida que condenou o N-1.

Segundo Vladimir Kurt, pesquisador do IKI e veterano de projetos espaciais na Rússia, motores muito potentes para o primeiro estágio do N-1 chegaram a ser desenvolvidos pelo escritório de Valentin P. Glushko, outro grande engenheiro aeroespacial da época de ouro da União Soviética. “No entanto, as relações entre Glushko e Korolev eram muito ruins, sei lá por que razão, e Korolev decidiu usar outros motores, com um sexto da potência dos de Glushko, para o primeiro estágio do N-1”, diz Kurt.

Para compensar os motores mais fracos, foi preciso aglutinar 32 deles. Seu funcionamento simultâneo foi o que causou as vibrações que levaram ao fracasso dos quatro lançamentos do grande foguete soviético. O projeto foi encerrado em 1974, quando Glushko assumiu o comando do OKB-1.
A Leonov, que, se o cronograma soviético tivesse sido cumprido, teria sido o primeiro a pisar na Lua (seu principal concorrente, Yuri Gagarin, morreu em 1968), sobrou um irônico prêmio de consolação: ele acabaria sendo o único soviético a orbitar a Lua, a bordo de uma espaçonave Apollo, durante uma missão conjunta de soviéticos e americanos, em julho de 1975.

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