Rápido
e astuto, o alemão colecionou feitos antológicos e tornou-se o maior
estrategista militar da Segunda Guerra.
"O
senhor é muito rápido para nós”, disse o general francês logo após se render ao
comandante inimigo. A frase soaria frágil e covarde, não fosse dirigida a um
dos mais astutos e mitológicos personagens dos campos de batalha. O tal
“senhor”, no caso, é um general que conseguiu feitos inacreditáveis nas mais
adversas situações. Colecionador de ações antológicas nas duas grandes guerras
que a humanidade já assistiu, Erwin Rommel era um alemão ágil e sabido, que em
pouco tempo se tornou o mais famoso estrategista da Segunda Guerra Mundial. Com
suas tropas, conseguiu avançar cerca de 240 quilômetros em apenas 24 horas,
feito que nenhum outro general foi capaz de produzir naqueles tempos. Logo
ganhou o apelido de “A Raposa do Deserto”, após fortalecer as combalidas tropas
italianas de Mussolini no norte da África, em 1941, e, de quebra, fazer as
avançadas tropas britânicas recuarem no front africano.
Filho
de um professor universitário com uma jovem de ascendência nobre, Rommel nasceu
em 1891 na cidade de Heidenheim. Desde a infância, mostrava gosto por aviões e
planadores, mas acabou ingressando aos 18 anos no 124º Regimento de Infantaria
de Württemberg. Nas cartas trocadas com a mulher, durante o período em que
esteve no deserto, transparece um dedicado pai de família, interessado com o
desempenho escolar do único filho, a quem sempre cobria de elogios. Qualidade,
por sinal, que também era vista na sua relação com os soldados. Sem grosserias,
calmo, ensinava técnicas de combate salientando que a ousadia e a surpresa eram
as grandes armas de um exército.
Nas
correspondências, contava também parte do dia-a-dia no inóspito norte da
África. Falava sobre o calor insuportável, sobre a guerra contra os percevejos
na hora de dormir, derrotados depois de o general ter-se irritado a ponto de
atear fogo na própria cama. Nas vazias noites do deserto, seu passatempo era
matar moscas. A comida merecia capítulo especial. Eis um jantar caprichado
descrito por ele: “Anteontem à noite, comemos uma galinha que devia provir das
poeiras de Ramsés II. Apesar das seis horas que levou para cozinhar, ficou como
sola de sapato e meu estômago não a pôde digerir”.
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Ainda
na Primeira Guerra Mundial, Rommel ganhou a maior condecoração a oficiais
concedida pelo governo germânico. Cerca de 9 mil soldados inimigos e 80 canhões
caíram em suas mãos naquele conflito, ao vencer no norte da Itália a Batalha de
Carporetto.
Em
1929, Rommel escreveu seu primeiro livro, Ataques de Infantaria, no qual
compilou parte de suas idéias e técnicas de estratégia. A obra, lida com
admiração por Hitler e mais de 400 mil alemães, instigou ainda mais o interesse
dos germânicos pelo já reconhecido herói de guerra.
Foi
na Segunda Guerra Mundial, porém, que a fama de Rommel fez o mundo estremecer.
Sob o comando da 7ª Divisão Panzer, em 1940, ele foi um dos primeiros a
ultrapassar a Linha Maginot, na França, antes em mãos de tropas britânicas e
francesas. A inovadora e fulminante Blitzkrieg (guerra-relâmpago) surgia para o
mundo de forma implacável: foi durante a invasão da França que Rommel conseguiu
atingir a inigualável marca de deslocamento de 240 km em um único dia – feito
que rendeu a seus homens a fama de "Divisão Fantasma".
AfrikaKorps
Em
fevereiro de 1941, sob ordem do chefe do Estado-Maior do Reich, Walter von
Brauchitsch, nascia um grupo especial que se tornaria lendário, batizado de
Afrika Korps. Sua missão era auxiliar as frágeis frentes italianas no norte da
África, que padeciam com armamento escasso. Mas a tarefa não seria simples. Com
curto raio de ação, os canhões da divisão datavam de 1914 e estavam
completamente obsoletos. A situação de outras armas não era muito diferente.
Metralhadoras e veículos de defesa pouco podiam fazer diante do poder de fogo
dos aliados. Para piorar, grande parte do exército italiano era constituída por
infantaria não-motorizada, adequada para posições defensivas, mas de valor nulo
nos embates no deserto.
Nessas
horas, porém, a genialidade de Rommel fazia a diferença. Em uma ocasião, ele
mandou seus mecânicos reformarem vários carros Fiat abandonados, cobrindo-os
com telas e falsos canhões de madeira. Batizados de Pappedivision, os veículos
engrossaram as fileiras junto aos Panzers verdadeiros, compondo frentes que se
estendiam por até 1,5 quilômetro. O plano funcionou. Os inimigos recuavam só de
vê-los se aproximando. A reconquista da Cirenaica foi rápida e implacável.
Rommel
também se aproveitava dos erros do inimigo. Em suas palavras, o maior vacilo
dos aliados, além do excesso de táticas de dispersão, era o uso de
"técnicas metódicas de comando, a sistemática emissão de ordens até os
mais ínfimos pormenores, deixando pouca iniciativa ao comando subalterno, e o
seu fraco poder de adaptação ante uma mudança no decorrer da batalha".
Maleabilidade no comando é essencial para embates no deserto, dizia ele. Nesse
tipo de terreno, onde uma ventania é capaz de mudar a configuração de uma tropa
por causa da falta de abrigo, os planos têm de ser alterados a qualquer
momento. Várias vezes a falta de obstáculos terrestres deixou o caminho livre
para Rommel aplicar as práticas de guerra entre tanques, até então inovadoras.
Ele as usou com maestria e criou novas táticas, deixando os britânicos sem
reação.
Hitler,
o desafeto
Apesar
da liberdade de que Rommel gozava, suas rusgas com o Reich eram constantes. Não
se considerava nazista, apesar de respeitar Hitler. Mas a relação entre os dois
degringolou no início de 1943, quando o Führer jogou as forças dos Afrika Korps
em segundo plano. Os recursos escassearam, e a paciência de Rommel também. Se
os suprimentos não viessem, teria de se retirar. Hitler e o marechal Hermann
Goering, principal desafeto de Rommel, ficaram furiosos. O braço-direito do
Führer acusava o general de desanimado e doentio, pois achava inconcebível um
comandante descartar a vitória.
Em
novembro de 1943, após a retirada dos Afrika Korps para a Tunísia (a
contragosto de Hitler, claro), Rommel foi deslocado para supervisionar as
defesas que restaram na Dinamarca, Bélgica, Países Baixos e França. No ano
seguinte, foi cuidar da Muralha do Atlântico, região que os alemães acreditavam
ser forte o suficiente para segurar o avanço dos aliados. Aumentou as
fortificações, instalando bunkers, postos e cerca de 6 milhões de minas. Mas já
suspeitava que o ataque dos inimigos seria pela Normandia, fato confirmado em 6
junho de 1944, o Dia D.
Em
outubro de 1944, Rommel voltou para sua casa em Herrlingen. Com graves
ferimentos, depois de ter seu carro atingido por um morteiro, passou seus
últimos dias desiludido pela guerra e indignado com a resistência absurda
imposta por Hitler ao exército alemão. A casa estava sendo vigiada pela
Gestapo, que suspeitava da participação de Rommel no atentado a Hitler alguns
meses antes. Na manhã do dia 14, vestindo sua farda cáqui dos Afrika Korps, ele
morreu depois de ingerir veneno. Era o paliativo oferecido por Hitler, em
respeito aos serviços prestados na África. Caso não aceitasse o suicídio, seria
preso e sua família, acusada de alta traição.
Enterrado
com pompa, foi um dos últimos grandes generais. Grande não só pela capacidade
militar, mas também pelas atitudes. Rommel nunca foi acusado de crimes de
guerra, tortura ou maus-tratos. Cortava a água de suas tropas no deserto, mas
não deixava seus prisioneiros morrerem de sede.
Caça
à raposa
Em
pouco tempo, Rommel e os Afrika Korps fizeram uma reviravolta no front
africano. O pânico tomou conta dos oficiais britânicos, que davam como certa a
vitória sobre os italianos. Nesse momento de desespero, o general Alan
Cunningham criou a Operação Caça à Raposa, um plano minucioso para atacar os
alojamentos alemães e assassinar Rommel, única alternativa para tentar frear o
avanço do Eixo no deserto. A operação envolvia o uso de dois submarinos para o
transporte das tropas. Depois, os combatentes seriam divididos em três grupos:
dois ficaram encarregados de sabotar as centrais de comunicações; outro
atacaria o QG alemão em Beda Littoria e a instalação onde estava Rommel. Quando
a operação começou, tudo aconteceu como planejado – tanto que os comandantes
ingleses chegaram a abrir uma garrafa de champanhe para comemorar o sucesso da
missão. Ledo engano. Na madrugada de 18 de novembro de 1941, os britânicos
chegaram ao local planejado e, sem uniformes e respondendo ao sentinela em
alemão, conseguiram entrar no QG. Para surpresa de todos, a Raposa havia ido
embora no dia anterior. Por pouco eles não obtiveram sucesso. Ficaram no
“quase”.