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sábado, 30 de janeiro de 2021

A política ao longo da história

 

Ilustração que recria a assembleia popular ateniense (eclésia) reunida na Pnyx, uma colina no sudoeste da Ágora.

Autor:  Leandro Claudir Pedroso, licenciado em História e pós-graduado em Metodologia do Ensino em História e Geografia.

A política e as atividades voltadas a ela são algo presente na sociedade humana desde seus primórdios, para tal premissa baseio-me na definição de política pelo Novo dicionário Aurélio edição de 1975, e na tradição greco-romana, e na antiga e moderna filosofia, bem como nos textos sagrados judaico-cristãos.

O que é política

Lemos no Aurélio que política é a ciência dos fenômenos referentes ao Estado, um sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos, a arte de bem governar os povos, e um princípio doutrinário que caracteriza a estrutura constitucional do Estado.

No mundo grego antigo, temos Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) ele foi um dos primeiros a explicar o que é política, em um compêndio de 8 livros, chamado Política. Para ele a política é ligada a moral, o Estado é um organismo moral, que complementa a atividade moral do indivíduo, mas a política, no entanto é distinta da moral, pois a moral tem como objetivo o indivíduo e a política a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Unicamente no estado efetua-se a satisfação de todas as necessidades, e a família que precede ao estado, e como na família a tarefa essencial do estado é a educação, que deve desenvolver harmônica e hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais, intelectuais e, subordinadamente, as materiais e físicas.

Ainda na Grécia antiga, não posso esquecer de Platão (428 a.C - 347 a.C), que em sua obra prima, República fala sobre uma cidade perfeita. Ele discorre sobre o fato de que os mais virtuosos governantes, são aqueles que governam sem amor às glorias e ao dinheiro. Declara que uma cidade que surgisse baseada em homens bons, fugir-se-iam do poder, saberiam que não deveriam visar seus próprios interesses, mas sim daqueles que por eles são governados. A justiça alimenta a concórdia e a amizade e da injustiça nasce toda sorte de dissenções. Sendo deste modo a justiça uma virtude da alma humana, e a injustiça nada menos do que um vício pernicioso.

Já no mundo romano, temos Sêneca (4 a.C- 65 d.C), que viveu em um período de corrupção, violência e improbidades, bem semelhante ao que vivemos hoje. Sêneca propôs uma nova política, foi um grande representante do Estoicismo. Para ele a política deveria ser justa e humanitária, e evitar todas as formas de excessos, pois estes conduzem às injustiças. E a felicidade suprema seria alcançada por uma vida pautada nas virtudes, incluindo a vida política.

Na filosofia no fim do período moderno trago como expoente do tema político, Voltaire, em seu dicionário Filosófico de 1764, ele afirma que primordialmente a política do homem consiste em tentar igualar-se as relações existentes no meio natural entre os seres vivos, pois a natureza supre todos de suas necessidades. Para que o mesmo ocorra com a humanidade, seria necessário que a política fosse praticada por pessoas dotadas de gênio, que podem inventar todas as artes que promovam a longo prazo um certo bem-estar. Mas seria um trabalho feito com auxílio de toda sociedade, com mentes bastante abertas para compreender e instigadas para seguir as ideias daqueles dotados de gênio para os conduzir. Para Voltaire esse seria o único objetivo de toda política.

Na tradição judaico-cristã vemos que a política deve ser encarada na forma de uma missão dada por Deus aos seus servos, temos os exemplos de José no Egito, Moisés, o período dos juízes como Débora, Samuel e outros, até o período dos reis Davi e Salomão, e outro ainda que não tenham sido perfeitos, mostraram fidelidade a Deus, e na missão a eles incumbida por Deus. No livro de Filipenses lemos que nossa cidadania está no céu, e diante disso devemos trazer um pouco do céu para a terra, por meio de nossas ações pautadas no Evangelho. Em Provérbios lemos que os governantes que odeiam o ganho desonesto prologaram seu governo.

Agora esmiuçaremos a política ao longo da história humana.

A política na Pré-história

Há quem pense que a política só existe desde o advento da escrita, mas vou lhes mostrar como isso é um grande engano. Nossa espécie tem uma alta capacidade de interação social que supre a nossa fragilidade física por meio de uma sofisticada interação social. E estas envolviam sim, o exercício da política para obtenção de conforto para o grupo, seja alimentar ou relativo à segurança, por meio de atividades coletivas. E para gerenciar essas atividades existiam líderes que coordenavam os esforços por meio de sua relação de poder. Seu poder era conquistado por meio da força física, um guerreiro ou um caçador bem sucedido. Havia também a presença do conselho de anciãos que eram consultados pelo seu conhecimento e memória do grupo. Além é claro do líder religioso tribal, que por meio de consulta ao mundo metafisico aconselhava os líderes e anciãos. Na pré-história o que não existia era uma política estruturada que surgiria somente com as primeiras civilizações. 

A Política no mundo grego

A palavra política tem sua origem da palavra grega “politeia”, que era relacionado a tudo que era feito na “Pólis” que pode significar cidade, comunidade ou vida urbana. Neste sentido, determinava a ação empreendida pelas cidades-estados gregas para normalizar a convivência entre seus habitantes e com as cidades-estados vizinhas.

Para os filósofos gregos a política levava o homem a uma vida virtuosa, e a mesma seria o ponto mais alto da vida humana, só sendo considerada inferior a vida contemplativa dos sábios. Os filósofos forneciam a verdade para os governantes das cidades, para eles a política definia a essência do homem. Tanto a filosofia como a política estruturada e organizada, nasceram juntas na Grécia, no século VI a.C, mesmo que a política já estive engatinhando em outras civilizações anterior, como nas cidades de Jericó e Ur (centros urbanos desde +- 9.000 a.C). Há ainda algo de muito curioso sobre a política praticada nas Pólis, pois eles não entendiam a política como nós, para eles a política tinha como fim a justiça comum, e ainda havia uma tênue linha que separava a política da consciência mítica, pois a justiça almejada era relacionada as divindades.

Política no mundo romano

Podemos dividir a história da política romana em três etapas distintas, Monarquia (753-509 a.C.), República (509-27 a.C.) e Império (27 a.C.-476 d.C).

Monarquia

Desde a fundação de Roma por Romulo e Remo, descentes de Enéias, surgiu uma federação de aldeias. Sua estrutura social era formada pelos patrícios, descendentes dos fundadores de Roma, que eram os grandes proprietários; os clientes, que recebiam amparo e proteção dos patrícios e os plebeus, que não tinham a tradição dos fundadores, mas foram incorporados, ocupavam a base da sociedade: artesãos, comerciantes e pequenos proprietários.

A realeza romana surgiu como a realização política da função jurídico-religiosa de soberania, o rei acumulava funções executivas, judiciais, legislativas e religiosas.

A ratificação de leis era feita pela Assembleia das cúrias, composta por todos os cidadãos em idade militar, e o senado, ou "conselho de anciões", atuavam como conselho régio e escolhia novos reis. Na fase final da realeza, a partir do fim do século VII a.C., Roma foi dominada pelos etruscos. Eles influenciaram os romanos tanto na cultura, como na economia.

Esse período foi marcado pela ascensão, estruturação e domínio aristocrático, e seu poder político estava ligado à posse de terras, já que o direito ao voto e eleição ao senado era censitário, que é um voto por renda, ou seja, vota quem tem até um certo valor de renda estipulado.

República

Nesse período o poder executivo do rei passou para dois magistrados anuais, os pretores, chamados depois de cônsules. No início nada excluía os plebeus do consulado. Mas logo os patrícios confiscaram deles esse poder da magistratura. Isso gerou um conflito entre patrícios e plebeus. Os plebeus criaram então a assembleia da plebe, e foi estabelecido um tribuno que defendia seus interesses junto as estruturas aristocráticas (senado e magistrado). A assembleia da plebe era semelhante a um governo dentro do governo, ela elaborava leis, os plebiscitos que a principio afetava só a plebe. A luta entre patrícios e plebeus duro até o começo doo século III, com a vitória da plebe, que teve novamente acesso as magistraturas. A ascensão de uma elite plebeia com o desmoronamento da resistência patrícia deu origem a uma classe de dirigente comum, a nobreza.  E seu poder repousava no equilíbrio de três órgãos políticos que se controlavam mutuamente, os magistrados, o senado e a assembleia do povo. Mas todo o poder emanava do Senado, cidadela da nobreza.

Desse modo nem todos tinham as mesmas oportunidades. Hereditariedade e outros requisitos para cargos eram cruciais. Havia uma minoria que participava na totalidade da vida cívica e o restante da população, limitadas ao serviço militar.

Somente no fim da República é que começam as decisões arbitrárias, preparadas em segredo, sem discussão ou direito de apelação e foi exatamente isso um dos fatores que acabou na crise da República romana.

Na cidade de Roma a igualdade de direitos se dava segundo a capacidade jurídica de cada um nas esferas religiosas, financeiras, militares e políticas.

Segundo  Flavia Maria Schlee Eyler, em seu livro História antiga Grécia e Roma: A formação do Ocidente,  o lema dos romanos prega que, se aquilo que desejais impor aos vossos inferiores, vós decidis impor em primeiro lugar a vós mesmos e aos vossos, obtereis muito mais facilmente a obediência de todos. Há igualdade jurídica, mas não igualdade política.

Os séculos II e I a.C. são tidos como o período de crise da República romana.

Império

O poder migrou do senado para o imperador. Durante o império o poder dos magistrados e senadores foram reduzidos, os impostos antes cobrados por publicanos, agentes particulares que tinham lucro com essa atividade. Passaram a ser recolhidos pelo Estado, desse modo a arrecadação aumentou e diminuiu a exploração dos habitantes das províncias. Foi criado também um serviço de correio que permitiu controlar a administração com mais eficiência. Estabeleceu-se também uma nova ordem social, cujo critério principal era o econômico e não o de nascimento, os cidadãos teriam direitos proporcionais aos seus bens. Surge então três ordens sociais: a Senatorial, formada por cidadãos que possuíam uma grande fortuna, esses tinham privilégios políticos, os Equestres com uma fortuna inferior, podiam exercer alguns cargos públicos, e por fim os inferiores com uma riqueza abaixo dos Equestres não tinham direito algum. Houve uma pacificação dos territórios dominados, consolidação e proteção das fronteiras. O exército passou a uma força permanente, composta por profissionais. Foi um período de estabilidade política e social, a agricultura passou por um grande desenvolvimento, houve um grande apoio aos artistas. Nesse período foi conquistada a pax romana com Otávio que perdurou por 200 anos, até se iniciarem lutas internas pelo poder, e os ataques bárbaros que começaram a enfraquecer o império, muitos imperadores nesse período morreram violentamente, o que desestabilizou a ordem aos poucos. Em todos os três períodos romanos não podemos esquecer os escravos, os motivos que levavam a escravidão eram dívidas,  prisioneiros de guerra de povos conquistados, mas nunca focada em uma etnia. 

A política no Brasil Colônia


Governador geral Tomé de Souza

A administração política do Brasil foi desde o princípio um grande empreendimento português, com o objetivo de com o mínimo tirar o máximo da colônia. Toda relação era regida pelo pacto colonial, que somente permitia aos brasileiros comercializarem com Portugal. Nesse primeiro momento de nossa história vinculada a Europa, os primeiros representantes dessa administração política das capitanias hereditárias, os capitães donatários eram membros da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, todos muito próximos da coroa. Nenhum representante da grande nobreza estava entre os donatários. Os donatários tinham o monopólio da justiça, fundavam vilas, doavam sesmarias, alistavam colonos para fins militares. Após o fracasso das capitanias tivemos o governo geral, cujo administração conseguiu consolidar a colonização e melhor integrar a colônia ao sistema mercantilista europeu. O trabalho compulsório era uma das bases do governo colônia, sustentado sobre os ombros da mão de obra africana. A grande maioria dos lucros de tudo que era extraído do Brasil ia para coroa portuguesa, então desde nossa aurora conhecemos a exploração, pois o tipo de colonização estabelecida por Portugal no Brasil foi de exploração. Dessa forma todos os indivíduos que vieram da metrópole par cá, representavam os interesses da Coroa na colônia. Então as leis, impostos e as instituições presentes na colônia zelavam unicamente pelos interesses portugueses. A população tinha praticamente nenhuma autonomia para elaborar e impor direitos que se direcionavam aos seus próprios interesses. Verificamos dessa maneira que desde de nossa aurora fomos explorados pelos interesses das políticas colônias, com a diferença de agora sermos explorados por políticas nacionais que desprestigiam os próprios filhos de nossa terra.

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Bibliografia

PLATÃO, A República de Platão: tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Editora Best Seller, 2002.

VOLTAIRE, AROUT, François-Marie. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2002.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.

EYLER, Flavia Maria Schlee. História antiga Grécia e Roma: A formação do Ocidente. Editora Vozes, 2014.

ARRUDA, José Jobson de A; PILETTI, Nelson. Toda a História: história geral e história do Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1999.

Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1999.v.21. 

https://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/alunos/paulosergio/politica.html acessado em 10 de janeiro de 2021.

https://www.todamateria.com.br/o-que-e-politica/ acessado em 10 de janeiro de 2021.

http://fabiopestanaramos.blogspot.com/2014/07/organizacao-politica-na-antiguidade.html#:~:text=Durante%20a%20pr%C3%A9%2Dhist%C3%B3ria%2C%20os,forte%20e%20bem%20sucedido%20liderava. Acessado em 12 de janeiro de 2021.

https://descomplica.com.br/artigo/como-surgiu-a-politica/4nB/#:~:text=Filosofia%20e%20pol%C3%ADtica,o%20que%20h%C3%A1%20de%20melhor. Acessado em 12 de janeiro de 2021. 

 "A humildade é o principio de toda sabedoria!"

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

UMA ANÁLISE DA AUTOBIOGRAFIA DE PU YI: O ÚLTIMO IMPERADOR DA CHINA

Pu Yi, 1915-1920, coleção biblioteca do congresso de George Grantham Bain, Washington DC.

Autor: Leandro Claudir Pedroso, formado em licenciatura plena em História, e pós-graduado em Metodologia do Ensino em História e Geografia.

S

audações construtoras a todos os amigos e visitantes do Construindo História Hoje. Como todos já têm visto, tem sido momentos de grandes transformações para o Projeto Construindo História Hoje, e nenhuma dessas mudanças seria possível sem vocês, que de todos os meios contribuem para o bom desenvolvimento de nossa empreitada pelas veredas da história.

 Recentemente terminei de ler o livro O Último Imperador da China, a autobiografia de Pu Yi Xiansheng, o livro cujo nome no original em Chinês chamava-se “A Primeira Metade da Minha Vida”, foi traduzida para o inglês como “From Emperor to Citizen” que deu origem ao clássico filme de Bernardo Betolucci, The Last Emperator de 1987. O filme de Bertolucci baseado na autobiografia de Pu Yi foi o primeiro a receber permissão do governo Chinês para ser gravado dentro da Cidade Proibida. A saga de Pu Yi é fantástica em todos os sentidos, pois podemos acompanhar pelas próprias palavras do último imperador desde sua ascensão ao trono até sua prisão nos campos de concentração do Partido Comunista Chinês. No filme de Bertolucci, uma verdadeira obra prima da sétima arte, com tão boa direção, roteiro, cenografia, iluminação e figurino, ainda assim nada se compara ao livro, aonde podemos com os mais fantásticos detalhes compreender a epopeia vivida por um homem que nasceu para ser imperador e acabou como jardineiro-botânico e bibliotecário na China Comunista. Trago aos meus leitores um pequeno vislumbre desta maravilhosa obra e espero por meio desta postagem leva-los a conhecer está grandiosa história. Com um conteúdo humano fantástico, pois uma pessoa que passou por tantas transformações em sua vida “publica” e privada, sem enlouquecer, é forçosamente um personagem interessante. Afinal, não é qualquer um que deixa de ser “deus” para ser jardineiro, e Pu Yi recorda todas suas transformações com um notável bom humor. Como entender a psicologia de um personagem desses? 

O Segundo Príncipe Chun Tsai Feng, sentado com Pu Yi (a sua direita), e seu irmão bebê, Pujie em 1908. Imagem: O Ùltimo Imperador da China; autobiografia de Pu Yi. 

Como Imperador 

Pu Yi Xiansheng nasceu em Pequim, filho do Segundo Príncipe Chun, o Príncipe Tsai Feng na mansão da família Chun, em sete de fevereiro de 1906. Seu avô, Yi Huan, o sétimo filho do Imperador Tao Kuang que reinou de 1821 a 1850, foi o primeiro Príncipe de Chun. Foi o filho mais velho de seu pai o segundo Príncipe Chun. Foi coroado em dois de dezembro de 1908, aos três anos de idade na condição de décimo soberano da dinastia Ching (A dinastia Ching reinou de 1644-1911) e último imperador da China. Quando explodiu a Revolução de 1911 contra a Dinastia Ching. Foi destronado aos seis anos de idade em 10 de outubro de 1911, por uma seção do Novo Exército, instigado pelas sociedades revolucionárias da burguesia e da pequena burguesia insurgiu-se. Mais insurreições, em outras províncias seguiram-se a essa, e a Dinastia Ching não demorou a cair. Mesmo destronado continuou vivendo na Cidade Imperial de Pequim com toda sua corte, aonde manteve muitas de suas prerrogativas, inclusive o titulo de Imperador. Em 1924 quando as tropas do Kuomintang, o Partido Nacionalista Chinês invade Pequim, ele é expulso pelos militares quando contava 19 anos de idade e refugia-se na embaixada japonesa. 

Após a Revolução de 1911sua família foi a primeira a abandonar os velhos costumes e seu pai Tsai Feng (Segundo Príncipe Chun), foi o primeiro dos príncipes a ter um automóvel e a instalar um telefone em sua casa. Foram os primeiros a cortar os rabichos, e ele foi o primeiro dentre os príncipes da nobreza a usar trajes ocidentais. Seu pai Tsai Feng, após renunciar a Regência e ser expulso do palácio imperial pelas forças rebeldes de 1911 pronunciou estas palavras: 

“Ter livros é riqueza verdadeira, e dispor de um pouco de ócio é estar a meio caminho da imortalidade.” 

Tsai Feng (Segundo Princípe Chun)

 O Traidor 

Quando em 1931 o Japão invade o nordeste da China no chamado Incidente de Mukden, Pu Yi aos 26 anos é obrigado pelos militares japoneses a tornar-se o imperador fantoche da região ocupada na Manchúria, aonde o governo japonês criou o Estado fantoche de Manchukuo. Governaria o Estado de Manchukuo de 1934 á 1945, até o fim da Segunda Guerra Mundial. 

Na União Soviética 

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, Pu Yi foi capturado pelos soviéticos junto com a primeira leva de criminosos de guerra de “Manchukuo”, ao chegar a União Soviética passaram por uma privilegiada detenção com três grandes refeições russas e uma refeição intermediária à tarde. Havia empregados para atender, médicos e enfermeiras para cuidar de nossa saúde, rádios, livros, jornais e equipamentos para outros tipos de recreação. Havia até pessoas para leva-los para caminhar. Durante os cinco anos que Pu Yi passou na União Soviética nunca abandonou seu ar superior. Membros de sua família dobravam seus acolchoados, arrumavam seu quarto, traziam a comida e lavavam suas roupas. Como não lhes era permitido chamarem-no de “Majestade”, chamavam-no de “Elevado”; e exatamente como nos velhos tempos vinham ao seu quarto para lhe prestar seus respeitos. 

Como Pu Yi não abandonava sua forma superior de se portar e recusava-se a estudar e seus pensamentos não haviam mudado em nada de fundamental para admitir sua culpa de traição. 

Diante dessas atitudes Pu Yi foi levado pelas autoridades soviéticas para testemunhar em um Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, em agosto de 1946, ele denunciou veementemente os crimes de guerra cometidos pelos japoneses que ele odiava por tê-lo usado como Imperador fantoche por quase 15 anos. O Testemunho de Pu Yi durou oito dias, e foi o mais demorado do julgamento, dando excelentes notícias para os jornais que no mundo inteiro exploram o sensacionalismo. 

A razão pela qual Pu Yi foi chamado para testemunhar era para expor a verdade sobre a invasão japonesa na China, e para demonstrar como o Japão havia me usado como títere para ajuda-los a governar o Nordeste da China ao qual haviam denominado “Manchukuo”. Mesmo denunciando todos os crimes cometidos pelos japoneses Pu Yi escondeu seus próprios crimes do Tribunal Militar Internacional. Mesmo assim um advogado americano gritou no tribunal para Pu Yi: “Você põem a culpa nos japoneses para tudo, mas esquece dos seus próprios crimes, mas cedo ou tarde o governo Chinês irá condená-lo por seus crimes”.

 De volta à China 

Em 31 de julho de 1950, um trem soviético carregando os criminosos de guerra do “Manchukuo” chegou à estação na fronteira sino-soviética. Devolvido à China depois de cinco anos, já República Popular governada por Mao Tse-Tung, como criminoso de guerra certo de que iria ser fuzilado por crimes de guerra. Não foi! Os soviéticos o levaram até a cidade de Shenyang aonde foi entregue as tropas chinesas que o avisaram que não seria executado, mas sim “reeducado”. De Shenyang foram levados para o presídio de Fushun e colocados em celas! Nos dias que se passaram receberam livros e jornais para começarem seus estudos voltados para o comunismo chinês ou Maoísmo. 

Foi para o presídio de Fushun com mais 1350 "criminosos de guerra" japoneses, manchus e chineses. Durante oito anos aprendeu a profissão de jardineiro, como parte do processo de reeducação a que foi submetido em nome do "humanismo revolucionário socialista".  

Ele que se considerava o “Filho Celestial” e não sabia sequer amarrar os próprios sapatos, passaria os próximos 10 anos como prisioneiro, recebendo “reeducação socialista”. Passou o restante da vida trabalhando em Pequim no pleno gozo de seus direitos políticos, trabalhando no Jardim Botânico e em pesquisas históricas. Casado várias vezes (com duas imperatrizes e três concubinas), morreu em 1967 aos 61 anos de idade, sem deixar descendentes.  

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YI, Pu. O Último Imperador da China. São Paulo: Editora Marco Zero, 1988.

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terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O MESTRE, O PUPILO E A MONTANHA DO CAOS

 Master and Pupil, de Jaques de Gheyn II (1565–1629. Manchester Art Gallery.

U

m jovem pupilo, certa vez perguntou ao seu mestre:

___Mestre, ao que se assemelha o caos? O Mestre pensou um pouco e rolou uma pequena pedra até o pupilo e disse:

___O caos assemelha-se a uma pequena pedra, que ao rolar do alto da montanha, leva consigo, mais e maiores pedras. Terminando em um desabamento que pode vir a destruir toda a montanha!  Assim é a mente do homem que não administra seus pensamentos, um dia ele joga uma pequena pedra em uma pessoa, e joga novamente em outra e assim vai jogando, até jogar pedras maiores. Um dia toda a sociedade está ferida e doente...caótica! Então esse homem vê, que tudo o que ele fez está caindo sobre ele próprio.

O pupilo então deduz:

___Então a montanha é a sociedade, as pedras nossos atos maus e o homem a humanidade!

O mestre responde com singela sabedoria:

___Sim meu jovem pupilo. Tudo que fazemos gera uma reação, boa ou má. Depende somente de nossas escolhas. Se hoje vivemos em uma sociedade caótica, foi porque assim a construímos.

Então o pupilo indaga:

___Mas, podemos mudar, não é mestre?

E o Mestre com toda sabedoria responde:

___Sim meu filho podemos, mas só depende de nós!

 

Leandro Claudir Pedroso

domingo, 20 de setembro de 2020

Distributismo, o caminho do meio entre capitalismo e socialismo.

 


Significado do símbolo do Distributismo. Antes nascer São Domingos Gusmão (1170-1221), sua mãe, em sonho misterioso, viu um cão que trazia na boca uma tocha acesa, que irradiava luz sobre o mundo inteiro. Esse relato, presente na L.A. – a Legenda Áurea - e consagrado na historiografia de São Domingos, está relacionado com a etimologia do nome: uma denominação comum assumida pelos dominicanos era domini cane, os cães de Deus ou cães a serviço do Senhor.

Boa tarde, mentes ávidas do amanhã. Recentemente um amigo me falou, sobre um sistema político-econômico que seria uma via do meio entre socialismo e capitalismo. Fiz uma pequena pesquisa sobre o assunto, e trago agora para a apreciação dos amigos.

Leandro Claudir Pedroso

É uma teoria política e econômica inglesa que foi elaborada primeiramente pelo historiador francês Hilaire Belloc (1870-1953), sistematizado a teoria em seu livro The Servile State (1913). Sua principal característica é se opor ao capitalismo e o socialismo em defesa da propriedade privada e de uma autêntica concepção de liberdade, e uma visão conservadora do mundo O principal propagador das ideias distributistas foi o famoso escritor inglês Gilbert Keith Chesterton (1874-1936). Uma curiosidade importante, é que podemos encontrar na obra de John Ronald Reuel Tolkien muito das ideias de Chesterton e Hilaire na trilogia “O Senhor dos Anéis” aonde passa de forma sutil muitas ideias distributistas. A própria filha de Tolkien, Priscilla Anne Reuel Tolkien, afirma que seu pai era aprofundado nos trabalhos de Chesterton e Hilaire Belloc. 

Seria uma espécie de "terceira via" pois se opõem ao capitalismo e o socialismo. Considerando tanto um quanto o outro, faces de uma mesma moeda, pois ambos são concentradores de propriedade: o primeiro a concentra nas mãos de alguns poucos indivíduos, o segundo nas do Estado. Em 1926 surgiu a liga distributista, um movimento intelectual que visava fundamentar às bases das ideias da restauração da verdadeira propriedade privada, segundo pronunciou Chesterton no discurso inaugural. Sendo ele mesmo eleito o primeiro presidente da liga.

Belloc em seu livro The Servile State crítica o capitalismo por deixar os meios de produção limitados a uma pequena parcela da população, e a grande maioria da população no sistema capitalista é formada por proletários que constituí a característica da servidão capitalista e presença de uma legislação que defende direitos e privilégios aos que possuem meios de produção.

1-    Proletariado, servidão capitalista.

2-    Legislação que defende direitos e privilégios aos que possuem meios de produção.

No capitalismo os trabalhadores são obrigados a venderem sua mão de obra,  este comercio por mão de obra está presente em toda a vida do sujeito e de forma coercitiva, criando uma ideia de que todos que se opõem a está visão de mundo são vagabundos, chegando a coerção pelos poderes do Estado. Com salários baixíssimos os proletariados não conseguem tornar-se proprietários de meios de produção. Sendo assim, a mobilidade social no dito sistema, quase nula, muito semelhante ou em alguns aspectos iguais a da Idade Média.

Para Belloc a descentralização dos meios de produção é o caminho para libertar o proletariado, pois acabaria com a concentração dos meios de produção que são os responsáveis pela servidão do povo. Sendo então por raciocínio lógico a propriedade privada distribuída como único caminho para a liberdade. Sendo o povo proprietário de meios de produção, estes teriam protegidas suas liberdades individuais, protegendo-o da escravidão, servidão, coerção e opressão do Estado ou dos grandes proprietários.

Para o distributismo não existe liberdade ou democracia sem a distribuição da propriedade, pois um homem sem posses é um homem dependente e destituído de poder.

Gustavo Corção, um escritor chestertoniano, afirmava em seu livro "Três Alqueires e uma Vaca" (1961), que a ideia central é a da defesa da pequena propriedade e da pequena empresa contra o gigantismo, que já no seu tempo ameaçava a sociedade, e que no nosso tornou-se uma calamidade declarada. Afirmava o direito à posse, não como uma concessão, mas ousadamente, como outorgado por Deus; admitia o capital enquanto indispensável reserva, mas não admitia, de modo algum, o capitalismo, porque a principal característica desse regime a seu ver está na raridade e não na abundância do capital (...) o capitalismo é, de fato, contrário à ideia de posse. Considerando o capitalismo nas suas origens e causas, estudando o ambiente do liberalismo e apreciando o fenômeno de dissociação entre o conceito de posse e o de responsabilidade moral, concluímos que o capitalismo foi gerado por um desregramento da propriedade e da liberdade (...) a hipertrofia da ideia de posse tornou-se uma atrofia; a livre competição degenerou em privilégio. Se o direito de posse é um direito comum não pode ser um privilégio. Logo, o capitalismo como tal, de fato, é uma negação do direito à propriedade privada.


“...Se não restaurarmos a Instituição da Propriedade, não poderemos escapar de restaurar a Instituição da Escravidão.”

Hilaire Belloc

No distributismo encontramos proteção ao individuo e a comunidade, dando ao povo liberdade e responsabilidade por meio da difusão do direito a propriedade privada, mas baseada no pequeno negócio e não em grandes empresas e latifúndios, fundamentada na ideia que o artesanato é superior a produção em massa, e na descentralização do poder por meio de governos locais mais fortes em detrimento do um poder central.

Foi em 1893 que o então Papa Leão XIII articulou a relação entre propriedade e justiça no mundo moderno. O capitalismo se baseia em duas ideias: que o rico sempre será rico o bastante para empregar o pobre; e que o pobre sempre será pobre o bastante para querer ser empregado pelo rico. A paralisia dentro deste sistema é inevitável. Capitalismo é uma contradição.

Dale Ahlquist, presidente da American Chesterton Society, declara que a solução preferida de Chesterton é a de que a maioria dos negócios se torne pequenos negócios. Onde os amplos negócios fossem necessários, eles deveriam pertencer aos empregados, os quais deveriam ser direcionados por um guia, combinando as suas contribuições e dividindo os seus resultados. Ele acredita que pequenas lojas podem ser governadas – mesmo que sejam governadas por si mesmas. Ele acredita que pequenas lojas podem ser sustentadas – se as apoiarmos. Distributismo é democracia, baseada na propriedade. Democracia pode funcionar somente se a propriedade for expandida. Democracia significa autogoverno. Propriedade significa autossuporte. Numa sociedade Distributista, pessoas produzem e usam seus próprios bens, fazem as suas próprias leis e não são dependentes de estranhos.

Isso significa tomarmos extraordinário controle sobre as nossas próprias vidas; pararmos de ser escravos assalariados e consumistas; sermos justos, livres e esperançosos. “A finalidade do homem político”, diz Chesterton, “é a felicidade humana. Mas isso não significa que estamos obrigados a nos tornarmos ricos, ou atarefados, ou mais eficientes, ou mais produtivos, ou mais progressivos. Nós não estamos obrigados a ser qualquer dessas coisas se elas não nos fizerem mais felizes”.

Para você que acha isso muito utópico cito um trecho do trabalho presente no site da Distributist Review: Isso tudo não é muito utópico?

Não, o Distributismo é um sistema prático, que é validado por vários exemplos de empresas Distributistas em funcionamento; em pequena escala, existem milhares de empresas baseadas em casa e de posse dos seus trabalhadores, bancos de microcrédito, cooperativas de crédito, e companhias de seguros; em grande escala, há a corporação de cooperativas Mondragón, na Espanha, uma das mais bem sucedidas cooperativas na Europa, e a economia Distributista de Emilia-Romagna (Bologna), na Itália, onde mais de 45% do PIB vem de cooperativas, e que possui um padrão de vida que é o dobro do restante da Itália, e um dos maiores da Europa. As economias e companhias Distributistas têm uma vantagem competitiva inerente sobre suas contrapartes capitalistas e socialistas, assim como benefícios sociais e comunitários que o capitalismo e o socialismo não conseguem desenvolver.

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The Servile State de Hilaire Belloc

http://ldataworks.com/aqr/H_Belloc_The_Servile_State.pdf

Sociedade Chesterton Brasil

https://www.sociedadechestertonbrasil.org/o-esboco-da-sanidade/

Distributist Review

https://distributistreview.com/

Rerum Novarum

http://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html

Doutrina Social da Igreja

http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html

https://web.archive.org/web/20070723062114/http://www.ciari.org/investigacao/dsi_e_democracia_crista_marca_jpII.pdf

Tradução para português do livro The Servile State

http://angueth.blogspot.com/2010/03/o-estado-servil.html

https://medium.com/sociedade-chesterton-brasil/o-m%C3%ADnimo-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-distributismo-77129312004a 

 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

AS INVENÇÕES DE HERON DE ALEXANDRIA

  

 Motor a vapor de Heron de Alexandria.

O

 grande gênio das máquinas que poderia ter adiantado uma Revolução Industrial em 1700 anos. Costuma-se imaginar a Antiguidade Clássica como uma espécie de estagnação tecnológica. Entre as Guerras Greco-Persas e a queda do Império Romano, são quase 900 anos em que nada de novo parece ter sido criado. Por isso, não deixa de ser inquietante descobrir que já existiam coisas como portas automáticas e motores a vapor. Como isso não levou a uma revolução industrial 1700 anos adiantada? 

Muitas obras de Heron de Alexandria, um dos maiores engenheiros e matemáticos da época, sobreviveram por intermédio dos árabes e se tornaram conhecidas no Ocidente na Renascença. "Não sabemos muito sobre sua vida, e estudos acadêmicos foram poucos e esparsos", diz Serafina Cuomo, da Universidade de Cambridge. Heron viveu entre cerca dos anos 10 e 75, e provavelmente tinha um cargo no Mouseion, a primeira grande instituição de ensino do mundo, ligada à Grande Biblioteca de Alexandria. 

Precursor de Leonardo da Vinci, Heron inventou máquinas movidas por pesos, manivelas, água ou fogo. Como o gênio italiano, também descreveu equipamentos de guerra, mas sua contribuição foi escassa nesse quesito, pois viveu no auge da Pax Romana, período em que os conflitos se limitavam a insurreições dos povos dominados. A natureza de suas invenções explica por que, afinal, não houve uma revolução industrial na Antiguidade: quase todas são instrumentos para encantar e divertir, e não para substituir o trabalho manual. "No fundo, é simples: não houve revolução industrial porque havia escravidão", resume o historiador Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Propor que máquinas fizessem o trabalho dos prisioneiros implicaria que esses deveriam ser trucidados. "Na guerra, você mata os inimigos ou os poupa para serem escravos. Portanto, era considerado um ato de humanidade preservar a vida de alguém que poderia ter matado você", diz Funari. 

Órgão de vento

Exemplo de pioneirismo na energia eólica, foi baseado no hidraulis, um órgão de água criado por Ctesíbio no século 3 a.C. Nele, o líquido, vindo de aquedutos, era usado para impulsionar o ar através dos tubos, e o músico usava um teclado para controlar as notas. Heron reimaginou o aparelho para funcionar com um cata-vento que movia um pistão. Foi, portanto, não apenas o primeiro órgão a ar mas também a primeira máquina a usar energia eólica. Aparentemente, a tecnologia foi perdida. Os moinhos de vento só surgiram na Europa no século 12. 

Motor a vapor

Ninguém viu função no invento que fundaria o mundo moderno, embora a eolípila (“bola de Éolo”, deus do vento) tenha sido ao mesmo tempo o primeiro motor a vapor e a jato da história. Seu princípio é usado hoje nas turbinas que movem reatores nucleares, usinas termoelétricas e navios. Consistia numa caldeira ligada por tubos a uma esfera. Esta, com dois canos de escape para o vapor, girava rapidamente quando a água fervia. Heron menciona “figuras dançantes”, provavelmente um brinquedo ou decoração de templo movido pela máquina. Fora isso, nem o inventor nem ninguém em sua época parece ter se interessado pelo potencial de transformar calor em movimento, alcançado pela primeira vez na história e a partir do qual seria fundado o mundo industrial, 1700 anos depois. 

Teatro de autômatos

Um dos brinquedos mais impressionantes descritos pelo engenheiro foram os diversos “teatros de autômatos”, plataformas nas quais pequenas figuras, movidas a água, vapor ou pêndulos, executavam ações inspiradas em peças de teatro. Eram como robozinhos encenando uma peça inteira. Em uma dessas engenhocas, Hércules atacava com uma clava um dragão que cuspia água ao ser atingido. O mais complexo era uma coluna que se movia para a esquerda e a direita, com personagens que giravam, espirravam líquido e andavam, representando Nauplius, uma tragédia passada após a Guerra de Troia. O objeto, movido por um peso que afundava lentamente em uma coluna de grãos, tinha até trilha sonora, tocando pequenos sinos e tambores ocultos durante seu movimento, que era programável a partir de mudanças nas cordas internas – novamente, o primeiro exemplo de algo do gênero. 

Máquina de vendas

O Egito da época de Heron tinha uma forma peculiar de religião, um sincretismo entre divindades gregas e egípcias. Em ambas as tradições, água benta era usada em rituais de purificação. Assim como as máquinas de refrigerante atuais, o primeiro mecanismo automático de vendas dispensava um cálice do líquido abençoado em troca de uma moeda – ela caía numa plataforma, que abria uma válvula por alguns segundos, até escorregar para um depósito, fechando-a novamente. 

Bomba de pressão

Com ela, bombeiros romanos passaram a contar com veículos de combate a incêndio. Água encanada já era uma comodidade no mundo greco-romano, mas todo o sistema era baseado na gravidade, com poucas partes pressurizadas. Isso queria dizer que a água só se movia para baixo, um problema grave em cidades como Roma, com edifícios de até 10 andares. Em 64, durante o reino de Nero, o conhecido Grande Incêndio destruiu dois terços dos prédios da capital, com os vigiles, membros das brigadas de combate às chamas, incapazes de atingir os pisos superiores. Foi pensando nisso que Heron inventou a primeira bomba pressurizada. 

Seringa

A invenção mais duradoura e universal do matemático sobreviveu quase sem modificações até hoje e já era usada por médicos durante o século 1. Teve também uma aplicação militar, servindo como lança-chamas: na Idade Média, o Império Bizantino usava o chamado fogo grego, um composto desconhecido que não era apagado pela água. Sua aplicação principal se dava nos navios, mas, no campo de batalha, os soldados utilizavam grandes seringas para dispará-lo. 

Porta automática

Outra criação capaz de converter calor em movimento, basicamente era uma forma de fazer os visitantes dos templos acreditarem no poder milagroso dos deuses. Quando o fogo no altar era aceso, o ar de uma câmara abaixo dele se expandia com a temperatura elevada, forçando a água de um reservatório a seguir para um balde, cujo peso fazia com que as portas se abrissem. Esse conjunto diz muito sobre a forma como a tecnologia era vista na época de Heron: uma espécie de poder sobrenatural, não uma comodidade para a vida cotidiana. No Mouseion, máquinas eram usadas pelos professores não só para demonstrar princípios físicos como para convencer seus estudantes do valor da Filosofia, uma disciplina ainda não separada da Ciência.

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(BRITANNICA EDUCATION) The 100 Most Influential Inventors of All Time, vários autores, Britannica Educational Publishing, 2009.

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domingo, 30 de agosto de 2020

Germinal de Émile Zola

 


Boa noite, mentes ávidas do amanhã!

Alguém já leu o livro Germinal de Émile Zola?

Li está obra em 2014, retrata o processo de desenvolvimento (germinação) das greves e das lutas dos trabalhadores das minas de carvão da França. Os acontecimentos se dão durante o século XIX, num período em que a França começou a se industrializar e o uso do carvão mineral (hulla) era muito empregado pelas empresas.

Mostra à exploração dos trabalhadores, crianças, mulheres e velhos que trabalhavam até 15 horas por dia com salários baixíssimos que mal dava para comprarem pão.

No seio desta população explorada germina o espírito da greve, único meio de se defenderem da burguesia industrial ascendente.

Hoje estou assistindo o filme baseado na obra de Emile Zola e indico aos amigos, pois não devemos esquecer do suor e sangue deste povo trabalhador e tão desvalorizado em sua época como também na atualidade!

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Livro Germinal

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Filme Germinal

https://filmescult.net/germinal-1993/

SAMBAQUIS DO BRASIL

Sambaqui Figueirinha II,  praia de Nova Camboriú/SC.
 

Leandro Claudir Pedroso, graduado em História e pós-graduado em Metodologia do Ensino em História e Geografia. Trabalho realizado em novembro de 2014.                                

Para dar início ao meu relatório farei primeiramente uma pequena exposição sobre a ciência que estuda os sambaquis: a Arqueologia é a ciência que procura entender os monumentos e vestígios de civilizações antigas e é uma ciência relativamente nova. Na segunda metade do século XIX, o campo e a prática dessa disciplina se firmaram e definiram suas bases. A arqueologia tem várias vertentes, cada uma voltada para uma área, com a arqueologia dos monumentos e obras de arte. A linha de seguimento arqueológico que nos interessa nesse relatório e a arqueologia pré-histórica cujas raízes remontam o século XVI, e foram fortalecidos no século XVII, com a multiplicação de achados associáveis a tempos remotos da história humanidade. No século XIX deu-se a cristalização da disciplina, com a formulação de princípios metodológicos.        

              O presente relatório tem por objetivo apresentar as pesquisas e estudos presentes sobre os Sambaquis do Litoral brasileiro. Suas origens e motivos de existência, quem os construíram e o mais importante o porquê os construíram e desse modo traçar um padrão das descobertas referentes aos mesmos.

              Compreendidos muitas vezes como sobras da alimentação dos homens Pré-históricos, e passam ainda sendo vistos como uma espécie de lixeira dos povos que ali próximos habitavam ou um acúmulo de detritos nos quais predominam conchas e ostras, misturadas costumeiramente com instrumentos de pedra e osso, esqueletos ou parte de esqueletos de animais e humanos, provas de que nos dão a certeza de não estarem definitivamente decifrados os significados plenos desses monumentos artificiais.  Mais um dos mistérios a ser revelado pelos estudos dos sambaquis é o fato de além de serem depósitos de restos alimentares são também monumentos funerários, aonde encontramos ossadas humanas e até sepulturas.

 

                                       Por definição, sambaquis – também conhecidos como casqueiros, concheiros, terraços, berbigueiros ou ostreiras – são grandes montes artificiais compostos por restos faunísticos característicos da região litorânea (mariscos, berbigões, conchas e ossos de aves e de pequenos mamíferos) que, acumulados ao longo de milhares de anos, conformaram enormes monumentos que serviram de acampamentos ou cemitérios, mas, sobretudo, como marcos paisagísticos para os colonizadores do litoral brasileiro, anteriores aos povos ceramistas dos quais descendem as comunidades indígenas atuais (GASPAR, 2004).

 

Muito trabalho tem sido feito por parte dos arqueólogos exigindo, dos políticos a criarem leis que regulamentem a preservação dos sambaquis, pois os sambaquis do Brasil podem atingir até uma idade de 10.000 A.P.

 

                                      A escatologia pode ser definida como um conjunto de representações          relativas ao destino post mortem do homem.  Tal conjunto faz    parte de uma herança cultural, de uma acervo da sociedade,       e não pode portanto, como assinala Max  Gluckman (1937:117) ser tido como uma reposta individual à ideia de morte.  (CUNHA, 1978, p.112).

 

              Nós, povos da atualidade, responsáveis por essas descobertas, deveríamos no mínimo respeitar a história destes povos que foram ancestrais de muitos de nós. Mesmo não sendo os monumentos mais velhos da Pré-história brasileira luta-se há muitos anos para defender a integridade dos sambaquis como reserva para a pesquisa cientifica.

              Este relatório será elaborado tendo em vista os sambaquis do litoral brasileiro e em particular os sambaquis do Sul do Brasil, e seu motivo de ser na história dos povos pré-históricos que habitavam os litorais do Brasil. Escolhi esse tema por diversas vezes ver os nativos das terras brasileiras serem considerados índios menos inteligentes ou desenvolvidos que os demais grandes impérios da América como os Incas, Maias e Astecas. Segundo os estudos arqueológicos os Sambaquis são o inicio de grandes descobertas que serviram para uma análise mais critica sobre essa opinião acerca da distinção cultura entre as tribos nativas do Brasil e os impérios da América pré-colombiana. Por exemplo, a recente descoberta da hierarquização dos sambaquis pela altura. Quanto mais alto mais importante e respeitada era a tribo. Além do fato que esses nativos persuadiam outros povos com menos poder a deixarem seus restos materiais, alimentares em seu sambaqui, desse modo com mais pessoas cooperando mais rápido e maior eles ficavam. Como pudemos observar esse é só um pequeno nuance do que foi escavado e pesquisado que realmente tenha ocorrido pelo Brasil Pré-colonial. Conhecemos apenas uma ínfima parte da grande história que é a história dos nativos brasileiros. 

1. ORIGENS DOS SAMBAQUIS.

 

              Os sambaquis mais antigos estão presentes entre os Estados de Paraná e São Paulo. Onde alcançam uma idade de até 4.000 anos a.C. Seguindo em direção norte e em direção ao sul desse ponto, os sambaquis são cada vez menos antigos.    Quem foram seus fundadores e como essa adaptação ao litoral aconteceu ainda está por ser descoberta. Os sambaquis são resultantes do acúmulo de conchas, ossos de peixes e outros resíduos de atividade humana, como resultado da ocupação do             litoral marítimo por grupos especializados em sua exploração para alimentação,               resíduos volumosos produzidos por população pré-histórica brasileira. Podendo chegar a formar morros de 30 metros da altura, ao longo de lagoas, lagunas, mangues, pântanos ou baías, onde os alimentos eram ricos, mas dificilmente são encontrados ao longo de praias retilíneas.

              Com base nas pesquisas chegamos à conclusão que os homens que construíram os sambaquis, da região de Iguape, e Cananéia, viveram nesses lugares, entre 2 a 10 mil anos; ignoravam a olaria, e a agricultura, a domesticação de qualquer espécie, mesmo o cão, que os índios atuais conhecem. Viviam principalmente da pesca e da coleta e eram pouco ativos em relação à caça. Perante os estudos realizados nos sambaquis chegou-se a conclusão que não produziam instrumentos de grande eficácia para arremesso, como arcos e propulsores, devido a esse fator a caça terrestre era colocada em segundo plano. 

              Os sambaquis são monumentos artificiais construídos no decorrer do tempo por tribos que habitavam a região em tempos pré-históricos e que permanecem como seu legado a nossa civilização.        

              A grande maioria dos sambaquis está localizada no litoral e são feitos de conchas marinhas, as praias eram uma das bases de aquisição de recursos alimentares do litoral, devendo-se isto ao farto fornecimento de fauna mamífera marinha, tais como cetáceos e penípedes. Fragmentos de ossos de mamíferos calcinados foram encontrados nos sítios do Parque Nacional da Lagoa do Peixe.                                    

              Entretanto são nos sambaquis marinhos que foram registradas significativas quantidades de ossos de fauna marinha descartada. Mas há sambaquis no interior, á margem de grandes e pequenos rios, cujas conchas provêm de moluscos fluviais e até terrestres. Os primeiros cronistas do século XV a XVIII tiveram já a sua atenção chamada para esses depósitos, atribuindo-os ao índio aqui encontrado. Não são poucas as referencias de Anchieta, Nobrega, Fernão Cardim, Gabriel Soares, Madre de Deus, e outros, aos numerosos sambaquis do Cubatão, de Itanhaem, alguns ao lado de São Paulo e, ainda hoje, o sítio chamado Casqueiro, na estrada São Paulo-Santos, conserva esse nome por causa dos sambaquis espalhados pelo Egá-guaçu, que é toda a baixada do Cubatão e Santos, área parte do Paleoarquipélago de alguns milhares de anos entre o oceano e a Serra do Mar. No próprio sambaqui pode haver grande diferença de idade, entre a última camada, no cume, e a primeira, na base, essa diferença pode atingir um longo período. Devido a isso, acontece, com frequência, que as camadas superiores sejam inteiramente diversas das demais, pela cultura diferente e até tipos humanos variados. A análise de todas essas descobertas, principalmente dos restos dos índios, tem conduzido a muita especulação (GASPAR, 2000).

               O que temos por fato é que numerosos sambaquis continuam a existir como necrópole de nativos e em suas camadas superiores aparece, com frequência sepulturas dos nativos atuais ou extintos pelo colonizador, cujos ossos e instrumentos são dados etnológicos e antropológicos ligados aos índios, de raça, cultura, cronologia, diferentes dos achados nas camadas inferiores, estes, sim, correspondentes aos sambaquianos, que pode ser colocado na categoria paleo-americana, em quase tudo diferente dos outros nativos.

              A verdade é que a atividade normal dos sambaquis terminou bem antes da chegada dos colonizadores europeus aqui na América. Pelo que sabemos os sambaquianos não teve olaria ou cerâmica, nem arco e flecha, talvez extinguiram-se devido a outros povos tecnicamente mais bem equipados e estes recém-chegados das migrações neolíticas, mais bem armados, marcaram o fim da Era dos Sambaquis.                                 

                                    

Se considerarmos o problema apenas de um ponto de vistalógico, poderemos distinguir duas opções (1) entre outras ossíveis para uma sociedade: ela pode, por um  lado, enfatizar a oposição vivos/mortos e coloca-los sempre como divisão primária. Mas pode também fazer prevalecer a continuidade dos consanguíneos e relegar a oposição vivos/mortos ao segundo plano. A última opção poderá vir expressa – mas não virá necessariamente – em grupos de descendência unilineares e será consistente com existência de ancestrais concebidos como prolongamento senão parte integrante da sociedade. (CUNHA, 1978, p.142).

 

            Enquanto que os marinhos distribuem-se ao longo da face intermareal. Isso ocorre porque naquele ponto da lagoa a salinidade é menor, favorecendo a proliferação do molusco e na praia a salinidade é homogênea em toda sua extensão, ocorrendo os sambaquis por uma área maior. Ao analisarmos a porção central da planície costeira, as áreas de captação de recursos estão inseridas em diferentes habitats e, às vezes, no mesmo nicho ecológico. Como exemplo, o marisco cujo habitat é a zona de arrebentação, está num mesmo nicho ecológico que os peixes, ou seja, a beira do mar. Existe  uma relação entre populações e recursos, que para determinarem estratégias particulares de exploração constatam a disponibilidade das fontes alimentares e seu potencial energético. Já na planície costeira Meridional, entre os municípios de São José do Norte e Mostardas, as áreas que mostram melhores condições de habitabilidade e alimentação para a tradição Tupi-guarani são aquelas contíguas e próximas à Lagoa do Peixe, isto é, os campos de dunas vegetadas, as matas ciliares e a proximidade entre as lagoas internas e as matas insulares, pois a fauna é mais abundante e o solo mais fértil.

              Em ambiente lacustre, destaca-se o molusco bivalve Erodona mactroides, que possui concha relativamente pequena. Provavelmente usados na confecção de adorno e para a alimentação e pode ser obtido através de coleta. Os sambaquis lacustres que possuíam cerâmica Tupi-guarani em superfície eram compostos destas bivalves. Em sambaquis muito grandes, compostos principalmente de conchas, os sepultamentos parecem formar a menor parte dos restos; em sambaquis rasos os sepultamentos são muito evidentes.

              Não temos uma ideia clara se há sambaquis realmente pequenos, levantados por poucos indivíduos. Os arqueólogos dão uma média de 50 a 100 indivíduos como responsáveis por todos os restos de um sítio médio; para sítios grandes ou muito grandes o total da população, proveniente de numerosas gerações sucessivas, poderia chegar a 600 indivíduos. Isto daria, em qualquer um dos casos, uma ocupação simultânea de poucas famílias no topo e arredores do sambaqui, unidas provavelmente por laços de parentesco biológico ou social, típico dos pequenos bandos de caçadores e coletores. Para os Tupi-guaranis por exemplo a religião e o idioma, são os dois pontos mais importantes para a identidade do seu povo. Independente de cor da pele e nascimento. O que vale é a cultura. Falar seu idioma é importantíssimo para os índios. A crença em seus deuses e rituais também é um fator aglutinador desses povos. Embora existam particularidades regionais e temporais, dados arqueológicos apontam para a persistência de um conjunto bem estabelecido de regras sociais no espaço e no tempo, a partir das quais foram definidos o local de implantação dos sítios, suas características estruturais, seu processo construtivo, sua função, e seu próprio significado simbólico (GASPAR, 2000). A complexidade interna da sociedade sambaquiana, assim como a complexidade estrutural destes sítios litorâneos devem, necessariamente, ser levadas em consideração antes de se utilizar datações destes sítios como indicadores de variações do nível relativo do mar.

              Outra questão importante são os debates mais antigos que perduram sobre os sambaquis se eram ou não uma jazida natural ou artificial, não eram feitas por Paleontologistas nem Pré-historiadores, nem Geólogos. Exceto pouquíssimos, em geral, engenheiros, topógrafos, no máximo geógrafos e ninguém considerava sério ainda o estudo desses discutidas jazidas. Hoje se pode afirmar a existência de ambas as coisas, os depósitos naturais, os terraços e os sambaquis, que são monumentos artificiais feitos gradualmente por nativos sambaquianos.

2. OS POVOS SAMBAQUIANOS           

              Antes da Revolução Agrícola o homem vivera sempre em pequenos bandos móveis, de coletores de raízes e frutos, de caçadores e pescadores, rigidamente condicionados ao ritmo das estações engordando nas quadras de fartura e emagrecendo nos períodos de penúria. Só em regiões excepcionalmente dadivosas, como as costas marítimas ricas em mariscos, e por isso mesmo muito disputada, esses grupos podiam alcançar maiores concentrações. Ainda assim, o montante de cada grupo era limitado pela capacidade de provimento alimentar nas quadras de maior escassez e pelas dificuldades de ordenar socialmente o convívio de unidades sociais maiores. O desenvolvimento aparece, uma visão global de Humanidade, não geralmente de um povo. Pois são comuns as estagnações e mesmo regressões culturais se considerarmos os povos um por um. Em sentido de humanidade, porém, vê-se que o povo que atingiu o ponto de desenvolvimento mais produtivo, vai aos poucos difundindo ao redor de si, seja por difusão, ou por imposição, a própria cultura, “atualizando”, assim, os outros povos. É por isso também que encontramos povos de um mesmo nível cultural, separados no tempo por milênios.

              Os distintos hábitos culturais e alimentares levaram à conclusão de que eram construções de um grupo diferente daquela dos Tupi-guaranis, que habitavam a região costeira do país. Na atualidade, a ideia de construtores de sambaquis em tanto que “comedores de moluscos” caíram em desuso. Enfatizando a questão, os Sambaquis são construções artificiais feitas por populações pré-históricas que habitaram a costa do Brasil mais ou menos entre 7 e 10 mil anos AP (GASPAR, 2000), são provável os sítios mais antigos encontrados no litoral brasileiro. Muitos deles podem ter sido destruídos pela do mar durante o Holoceno, e na atualidade estão submersos, ou foram preservados em grandes profundidades no mar graças as armadilhas geomórficas e sedimentares que os preservam. Estes tipos de sítios variam de pequenas elevações de 2m de altura até grandiosas estruturas de 30m de altura por 500m de comprimento, consideradas na atualidade como monumentos que marcar a paisagem litorânea brasileira. Por um longo período da arqueologia brasileira, os sambaquis eram considerados como acúmulos de restos alimentares de grupos nômades coletores de grande mobilidade territorial e baixa densidade populacional. Segundo os dados encontrados verificamos que, posteriormente, estes grupos se tornaram pescadores.

              Esta alteração de modo de subsistência foi atribuída às mudanças climáticas e ambientais relacionadas a variações do nível do mar e a um clima mais seco, que teriam reduzido à quantidade de moluscos e levando-os a variar sua dieta com outros alimentos encontrados através da pesca. Mesmo assim muitos estudos de Zooarqueologia apontam que a pesca foi preponderante desde as ocupações mais antigas. Os restos de moluscos representam um volume maior de material, sendo mais visíveis na estratigrafia, mas os restos de peixes correspondem a um aporte nutricional e a um volume de alimento muito superiores (FIGUTTI, 1993). A coleta de moluscos, embora estratégica em sua economia, era, portanto uma fonte de alimentos secundária para estes grupos pescadores.

              Os sambaquis eram construídos por cada grupo com o objetivo de atender suas necessidades, como por exemplo, para marcação de território, observação e rituais fúnebres, dentre outros. Eram compostos por diversos objetos naturais ou artificiais. Esses grupos que se alimentavam de moluscos, frutos silvestres e caça de pequenos animais. Sua dieta era farta em peixes, segundo análises químicas, o que permite concluir que, embora fosse uma cultura de pescadores-coletores, também poderiam ter hábitos sedentários. Os sambaquianos tinham o hábito de acumular os restos de alimentos, enfeites que usavam no corpo e artefatos quebrados e inteiros no entorno de sua moradia. Outro costume era o de realizar sepultamentos no próprio sambaqui, com o tempo era aplainado o terreno e organizada novamente as camadas de cima do local. Muitas atividades do seu dia-a-dia eram feitas no lugar onde eles moravam. Por exemplo, objetos como raspadores de conchas e facas de pedra encontradas nos sambaquis sugerem que eles fabricavam no próprio local objetos de madeira, couro e fibra. Os batedores, suportes de pedra e a grande quantidade de lasquinhas indicam a fabricação de objetos líticos. Os restos de fogueiras mostram que também lá preparavam alimentos e se aqueciam. Os mortos ali sepultados eram decorados com objetos que resistiam ao passar do tempo. Sendo muito comum encontrar entre os esqueletos, dentes e vértebras de animais e adereços feitos de conchas. Objetos, como pontas de osso e lâminas de machado, são achados junto com os mortos. Sepultar os membros do grupo envolvia muito cuidado como preparar a sepultura, muitas vezes revestida com argila ou areia e madeira, mas não sendo muito comum. Os moradores tinham perto de onde habitavam os materiais necessários para seus artefatos que deveriam ser de fácil fabricação, pois somente as esculturas eram feitas em pedra polida, os zoólitos, parecem ter exigido um esmero maior em sua fabricação. 


                                      Alguns arqueólogos já definiram a sociedade sambaquieira como bando ou macro-bando, tendo por elemento definidor o número de pessoas envolvidas na trama social e o tipo de ocupação. O limite entre sociedades simples e complexas é o surgimento de permanente hierarquia social [...] A especificidades dos locais de implantação de alguns sítios, as dimensões de alguns assentamentos e o tratamento diferenciado dos mortos apontam para uma sociedade com incipiente hierarquia social. (GASPAR, 2000.p.75,6).

 

              O que mais impressiona é a ocupação de diversas ilhas, sendo que muitas estão distantes da costa, e a  grande quantidade e variedade de resíduos de fauna aquática caracterizam intimidade com o mar. Certamente os povos sambaquianos possuíam embarcações para poderem ir de diferentes pontos do continente e das ilhas. Quando encontramos restos de peixes grandes entre os resíduos faunísticos, incluindo tubarões, aponta para uma grande habilidade em pesca marinha, chegando a verificar por meio de estudos que realizavam pescas em águas profundas no mar. Sua estrutura óssea nos deixou um vestígio rico de informações sobre suas atividades diárias, pois através deles podemos verificar que eram pessoas robustas característica de povos que faziam uso frequente de embarcações, sendo que o hábito de mergulhar também deixou seus traços. Fora as embarcações, deviam existir armadilhas para pesca e redes de arrasto, mas, devido ao fato destes objetos ficarem na água, não se tem vestígios de sua presença entre os matériais recuperados nos sambaquis. Encontramos um eficiente arsenal tecnológico para a pesca, formado por uma variedade de pontas ósseas, tal qual uma farpa de arpão, que deveriam ficar presas a hastes para serem lançadas durante a pesca.

            Os materiais escolhidos para fabricação destes artefatos são espinhas de peixes, ossos longos de aves e de mamíferos, como macacos, porcos-do-mato e veados. Em alguns sítios anzóis de osso complementam o acervo voltado para a captura de peixe. Pequenos pedaços de quartzos eram raspados com conchas resistentes para fazer adornos. Contavam também com objetos para triturar e moer alimentos, como os quebra-coquinhos que facilitava o consumo de vegetais mais duros. Sua indústria lítica possuía um significativo acervo de peças lascadas, polidas e perfuradas que podiam ser usados tanto para a manufatura de artefatos práticos relacionados com a alimentação ou como adereços pessoais.

3- SAMBAQUIS DO SUL DO BRASIL 

              Os sambaquis brasileiros têm uma grande amplitude geográfica sendo apontados em quase todo o litoral e em algumas áreas fluviais. Existem registros desses assentamentos “pela faixa litorânea do Rio Grande do Sul até a Bahia e do Maranhão até o Litoral do Pará, incluindo o Baixo Amazonas” (GASPAR, 2000: 159). A homogeneidade tipológica das indústrias lítica e em ossos, bem como as características das estruturas dos sítios propriamente ditos, aponta que seus construtores sambaquianos de todo o litoral brasileiro pertencessem ao mesmo grupo devido aos indícios de sua sociedade e cultura.

              Os Sambaquis são um fenômeno cultural humano, que como tal possuí seu simbolismo e seu motivo de ser, os Antropólogos definem a cultura como a herança social de uma comunidade humana, os grupos sambaquianos construíam e erguiam seus monumentos que representam pelo acervo coparticipado de modos estandartizados de adaptação à natureza para o provimento da subsistência através dos restos faunísticos marinhos ou de outras naturezas, de normas e instituições reguladoras das relações sociais e de corpos de saber, de valores e de crenças que juntas movimentaram esse  habitantes pré-históricos da América a erguerem seus monumentos que explicam sua experiência, exprimem sua criatividade artística e se motivam para a ação de construírem. Assim conceituada, a cultura é uma ordem particular de fenômenos que tem de característicos sua natureza, réplica conceitual da realidade em que vive, tal como é percebida por suas experiências de vida, e transmitida simbolicamente, de geração a geração como uma tradição para todos os seus descendentes.

              Os principais vestígios dos grupos sambaquianos é um tipo de sítio denominado sambaqui, base de diversos temas de interesse científico desde o inicio da segunda metade do século XIX. Sendo a palavra Sambaqui de origem Tupi, língua falada pelos horticultores e ceramistas que viviam em parte significativa do litoral brasileiro quando os europeus chegaram a América e iniciaram a colonização através do litoral. A palavra Tamba significa conchas, Ki amontoado, que são as características mais marcantes desse tipo de sítio arqueológico, sendo assim Tamba Ki, deu origem à palavra Sambaqui (GASPAR, 2000, p.160). Alguns autores inclusive especulam sobre a presença de chefias nesses sítios e enfocam o elaborado ritual funerário como forte indício de complexidade e diferenciação social. Outros autores apontam que esses construtores “formavam um grupo étnico, no sentido de que se tratava de uma população, cujos membros se identificavam e eram identificados como tais...” (GASPAR, 2000:34). Desse modo trata-se da denominação mais amplamente utilizada pelos arqueólogos e que denota a capacidade de observação e síntese dos habitantes nativos que construíram estes monumentos. São sítios positivos, monumentos que demonstram liderança e poder (como uma pirâmide), que mostrasse aos outros grupos sambaquianos ou não seu poder, pois quanto mais alto, mais pessoas trabalhavam em prol daquele monumento, o que significava que possuíam mais força perante outros.

              Eles são basicamente caracterizados como uma elevação de forma arredondada que, em algumas regiões do Brasil, chegam a possuir até mais de 30 metros de altura. São construídos dentre outros com restos de faunísticos como conchas, ossos de peixe e mamíferos. Encontram-se também sementes, sendo que determinadas áreas dos sítios foram espaços dedicados ao ritual funerário e onde foram sepultados homens, mulheres e crianças de diferentes idades.

 

Sob uma apelação genérica podemos incluir o envolvimento do corpo do morto em esteiras, a transladação do defunto, a escavação da sepultura e seu preparo, e enfim a inumação propriamente dita. Se englobamos todas estas etapas sob o título de ‘Remoção do cadáver é porque este se afigura ser o ponto culminante da cerimônia, o nó da tragédia: em nenhum outro momento serão os grupos e o conflito entre eles tão claramente definidos e tão exacerbadas as expressões de dor. A inumação propriamente dita não despertará depois senão um interesse limitado. (CUNHA, 1978, p.31).

 

            Igualmente contam com inúmeros artefatos de pedra e de osso, marcas de estaca e manchas de restos de fogueiras, que compõem uma intricada estratigrafia que remonta as muitas centenas de anos de utilização daquele local como sítio ritualístico e monumental. Os restos que mais se sobressaem na composição dos sambaquis são de origem marinha ou de lagoas como as conchas de berbigão. Estudos iniciados no fim dos anos 90 do século passado colocam mais uma vez em evidência os esqueletos e terminaram por teorizar a ideia de que os grandes sambaquis do sul de Santa Catarina mostram indícios de terem sido usados somente como cemitério, devido a ausência de locais de moradia, de resíduos de alimentação, de etapas de fabricação de artefatos usados para alimentação e caça/coleta, ligados ao fato de que todos os utensílios estão espalhados em relação aos esqueletos, como também estão as estruturas verificadas e a própria construção dos monumentos sambaquianos.

              Os estudos de arqueólogos que não identificaram traços característicos de moradia nos grandes sambaquis do sul de Santa Catarina demonstram que alguns desses grupos não habitavam o mesmo local aonde eram construídos os monumentos sambaquianos. Deste modo reforçando também a visão de grandes monumentos aos mortos e sua cultura, seu modo de vida e alimentação ali eram deixados por meio de rituais.

              Um dos exemplos mais interessantes desses rituais são a ocorrência de zoólitos, incríveis esculturas de pedra presentes juntos aos sepultamentos nos sambaquis, são uma característica dos sítios do Sul do Brasil, expressões elaboradas de arte demonstram práticas cerimoniais e grande habilidade na fabricação destas peças líticas o que aponta para uma sociedade complexa, se de modo que é possível reconhecer atualmente que esses povos sambaquianos eram sedentárias e tinham uma população consideravelmente alta se comparada com outros grupos distintos. Desse modo podemos crer que existam na região diversos outros sítios de igual porte, e eventualmente contemporâneos uns dos outros, de modo que taxas parecidas de sepultamentos foram identificadas, podendo-se ter uma ideia do índice populacional desses grupos que habitavam o litoral durante esse período. Várias características de grande importância destes grupos nativos que habitavam o litoral brasileiro apontam para um claro padrão de ordem social e cultural muito complexa daquilo que considerávamos durante as primeiras descobertas.

             Vemos entre os apontamentos mais importantes, uma crescente relação com a coleta de moluscos em uma escala bem alta para fins de construção de seus monumentos sambaquianos, desse modo apontando para um trabalho organizado com a existência de liderança organizada por um objetivo comum. No sul do Brasil entre os povos construtores de sambaquis vemos uma produção especializada de artefatos líticos e de ossos e a existência de grandes redes de troca e difusão conhecimento entre esses grupos, assim como provas de tratamento diferenciado dos seus mortos, bem como uma hierarquia social e de gênero e manejo um manejo do cultivo de vegetais para fins de consumo.

               Em Joinville/Santa Catarina encontramos diversos sambaquis que são considerados Patrimônio Cultural Brasileiro e protegidos por leis, na região já foram datados em até 5 mil AP, e que ocupavam as regiões mais secas junto aos manguezais, lagoas e rios, de onde pescavam seus recursos alimentares. São constituídos por restos faunísticos, como conchas de moluscos e ossos de animais, principalmente peixes. Caracterizam-se por sua forma circular/ovalar com dimensões muito variadas.

              Existem também as oficinas líticas localizadas na beira de rios, lagoas e oceano. Resultam da ação de polimento de instrumentos de pedra de populações pré-históricas e, em Joinville, estão associadas a sambaquis. A seguir segue-se a lista dos 42 principais sambaquis em Joinville, Santa Catariana: Cubatão I, Cubatão II, Cubatão III, Cubatão IV, Cubatãozinho, Espinheiros I,  Espinheiros II, Gravatá, Guanabara I, Guanabara II, Ilha do Gado I, Ilha do Gado II, Ilha do Gado III, Ilha do Gado IV, Ilha dos Espinheiros I, Ilha dos Espinheiros II, Ilha dos Espinheiros III, Ilha dos Espinheiros IV,  Iririuguaçu, Itacoara,  Lagoa do Saguaçu, Morro do Amaral I, Morro do Amaral II, Morro do Amaral III, Morro do Amaral IV, Morro do Ouro (Parque da Cidade), Paranaguamirim II, Ponta das Palmas, Ribeirão do Cubatão, Rio Bucuriuma, Rio Comprido, Rio das Ostras, Rio Fagundes, Rio Ferreira,Rio Pirabeiraba, Rio Riacho, Rio Sambaqui, Rio Velho I, Rio Velho II, Rio Velho III, Rua Guaíra e Tiburtius.

              Diante do que estudamos até então vemos que o fato de existirem sambaquis desde o nordeste do Brasil até o estado do Rio Grande do Sul demonstrou a hipótese que esses grupos sambaquianos seguiram o caminho de sua expansão através do próprio mar como demonstra os diversos sítios destes grupos encontrados no litoral brasileiro. 

 

Os sambaquieiros foram o grupo que deixou a maior quantidade e diversidade de testemunhos de sua permanência no território brasileiro. A expressão material de seus costumes está ainda muito bem preservada e só sofreu intensos ataques com a exploração de cal usado para a construção e com a expansão imobiliária atual. Os materiais estão bem preservados porque, diferente de alguns grupos que estavam sempre mudando de um lugar para outro ou limpando sistematicamente o local de moradia, os sambaquieiros habitavam durante muito tempo o mesmo local e tinham o hábito de acumular os restos faunísticos. Num mesmo lugar, acumulavam conchas de moluscos, ossos de animais, especialmente peixes, mas também mamíferos, aves e répteis. Restos de caranguejos, de ouriços, sementes e coquinhos. Com esses materiais, em alguns lugares construíram morrinhos de 4m de altura e em outros chegaram a erguer verdadeiras montanhas que ultrapassam 25m de altura. Essas elevações feitas pelos pescadores-coletores-caçadores, que os arqueólogos, usando uma palavra tupi, chamam de sambaqui (tamba=mariscos e ki=amontoado), apresentam excelentes condições de preservação dos materiais arqueológicos. (GASPAR, Maria Dulce. Os ocupantes Pré-históricos do litoral brasileiro. TENORIO, Maria Cristina. Pré-história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. p.160).   

             

 4. SEPULTAMENTOS NOS SAMBAQUIS 

              Quando durante as escavações os arqueólogos chegavam em profundidades que correspondiam aos primeiros sepultamentos, os arqueólogos encontraram covas com uma grande quantia de buracos de estacas que revelam o que um dia foi uma estrutura de madeira, hoje já decomposta, que demarcava o local onde estava o morto, na cova. Encontramos também grossas camadas de conchas que separam grupos de sepultamentos em níveis, algo que reflete sepultamentos de pessoas que não possuíam laços sentimentais com os sepultamentos anteriores, essas camadas de conchas são encontradas com dezenas de anos de diferença, o que explica a falta de laços com os antigos sepultamentos, pois o grupo atual desconhecia os indivíduos sepultados anteriormente.

              Ao serem escavados, alguns sambaquis revelaram que o sepultamento em si com conchas e objetos do morto e aonde algumas vezes são encontrados alimentos para o falecido ficava logo abaixo de onde havia ocorrido a cerimonia fúnebre devidos aos vestígios de oferendas e fogo ritual que foram encontrados acima do mesmo. Quando analisamos as práticas funerárias desenvolvidas pelos grupos sambaquianos, vemos desde o principio o desenvolvimento de uma hierarquização com base nos bens depositados juntos ao corpo na sepultura e também pelo modo como o corpo do individuo é tratado após a morte, pois indivíduos de status superior recebiam um tratamento de preparação de seus corpos antes do sepultamento em si. Embora alguns arqueólogos afirmam que não havia uma relação direta entre estes aspectos de tratamento, pois são verificados dois tipos de status: um é aquele que a pessoa adquiri com seus feitos durante o decorrer de sua vida e o outro é aquele que pode ser herdado de seus ancestrais.

              Os arqueólogos ao analisar os sepultamentos de jovens aonde são encontrados um tratamento diferenciado com deposito de artefatos lindamente pintados como esculturas em pedra e osso especialmente confeccionadas com motivos do cotidiano do seu povo denota um status herdado, pois alguém tão jovem não teria tido tempo de realizar algo significante para sua sociedade segundo os padrões e expectativa de vida de seu grupo (GASPAR, 2000).

               Nos sepultamentos os ossos humanos estão muitas vezes juntos com conchas os quais acabam como matéria-prima na construção moderna, uma falta de respeito com os povos que sepultaram seus parentes nessas estruturas denominadas Sambaquis. Se esses povos possuíam uma preocupação com o sepultamento provavelmente preocupavam-se com a vida pós-morte do sepultado o que nos remete que este individuo não foi simplesmente colocado ali.   Algo que se destaque nos sepultamentos em geral são os ossos robustos dos esqueletos encontrados, que mostram pertencer a pessoas que realizavam atividade física de modo rotineiro com certeza relacionados à pesca e ao remar dos seus barcos, pois sabemos que os sambaquianos tinham barcos que os levavam até ilhas no litoral.

              Alguns corpos sepultados, devido a rituais religiosos tinham seus corpos pintados de vermelho com algum corante natural, isto é verificado nos ossos dos esqueletos que aparecem cobertos com este material. Conforme os sepultamentos iam ocorrem o sambaqui crescia no decorrer de centenas de milhares de anos, aliados ao acumulo de restos alimentícios e de utensílios era um verdadeiro monumento a vida e ao cotidiano desses povos que nos seu final culminava com seus próprios corpos os principais componentes destes maravilhosos monumentos aos seus grupos sociais.

Pobres que foram humildes e grosseiros, os homens dos sambaquis eram, no entanto, acompanhados frequentemente à sepultura de seus toscos utensílios de pedra e osso, de algum alimento como se verifica da omoplata duma anta ou dum veado, com frequência ao lado dos objetos, e até de restos humanos incompletos: crânio mais comumente, às vezes dentro de cerco de pedras brutas contornando os corpos. Daí o encontro duma pedra maior, atípica, ter-se tornado, a princípio, sinal de ossada perto, quando em trabalho de pesquisa em sambaqui. (DUARTE, 1968.p.103).

 

            Ao serem analisados devidamente, esses sepultamentos nos mostram em parte como eram as estruturas físicas desses povos paleo-americano, podemos encontrar ossos de crânios, com dentes muito fortes, desgastados pela areia dos mariscos ou pelo mastigo de raízes e outros alimentos duros, mas, incrivelmente, sem uma só cárie, algo incrível até para a atualidade. Verificaremos como eram realizados os rituais de sepultamento, uma área de estudo responsável pela escatologia.

 

Mas embora grosseiros esses túmulos primevos não deixavam de insinuar outros túmulos toscos também, perfeitamente característicos e pequenos do Egito ainda selvagem, dos clãs e das tribos nilóticas, cujo culto dos mortos evoluiria para os megálitos, tipicamente documentados pelos menhires e dólmens de tantos sítios da Europa, da Ásia e da América, e também para as sepulturas coletivas do Egito nação, para as pirâmides faraônicas, possível estilização dos mastabas, cuja forma embora mais avançada atrai claramente as longínquas origens nos grosseiros amontoados de conchas mesolíticas. Das pirâmides e das tumbas, subterrâneas ou não, ao túmulo de Máusolo ou de Cleópatra, seria apenas uma questão de tempo. [...] Resumindo: estaria no sambaqui a forma primeva de um complexo sociológico iniciado em plena era totêmica? De um lado os ritos funerários, a sepultura do chefe e indivíduos diferenciados, o Panteão. De outro, as assembleias do grupo. Para decisões coletivas, combinações de guerra ou de paz; conselho dos velhos, característico das sociedades primitivas; ritos mágicos de caça, de pesca, de instituições sociais, nascimento, casamento, alianças; festejos, danças e cantos, refeições coletivas, comemorações de todo o grupo; refúgio para segurança noturna ou defesa contra as feras e os homens. Tudo se desenrolaria no sambaqui, como à influência de um mimetismo ou contágio sociológico das grutas pintadas do Magdalense, alguns milhares de anos antes. (DUARTE, 1968, p.104-5).

 

            Nessa reflexão de Paulo Duarte podemos analisar até aonde poderiam ter ido os grupos sambaquianos senão tivessem desaparecido. Poderiam ter-se desenvolvido e aperfeiçoado suas tradições e culturas de modo que isto seria só uma questão de tempo? Algo que muitos arqueólogos respondem positivamente.

 

Enquanto em outras culturas é comum uma certa separação do espaço destinado ao sepultamento, uma vez que o cemitério é visto como um lugar a ser ignorado e/ ou evitado, os construtores de sambaquis e acampamentos litorâneos criaram um vínculo espacial claro com seus mortos ao manterem as sepulturas na mesma área do sítio, e este fato deve ser considerado como o eixo principal de todo o padrão funerário estabelecido por estes grupos. (WESOLOSKY, Verônica. Práticas funerárias Pré-históricas do litoral de São Paulo. TENÓRIO, Maria Cristina (Org.) Pré-história da Terra Brasilis, Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 190-1).

 

CONCLUSÃO

            O relatório aqui apresentado visa expor de forma clara e extremamente curiosa esses grupos sambaquianos que habitaram os litorais do Brasil, suas origens e motivos de existência. Entendemos que os sambaquis eram monumentos erguidos durante milhares de anos gerações e gerações de grupos que habitaram e utilizaram do mesmo em seu cotidiano como abrigo, cemitério e deposito de restos alimentares e artefatos. Sendo que os principais vestígios são os restos de conchas provindos de sua alimentação diária, além de ossos de mamíferos e peixes, incluindo também restos de tubarões e outros peixes que habitavam águas mais profundas.

            Verificamos que através de estudos os grupos sambaquianos tem origem nos primeiros habitantes da América que aqui chegaram a 10 mil AP e se estabeleceram nos litorais sul-americanos com cultura material própria e que denota grande habilidade com artefatos feitos de ossos e pedra. Na análise dos sítios sambaquianos do Sul do Brasil descobrimos que os primeiros datam de 3 mil AP e que em SC no Sambaqui de Jabuticabeira-II existem mais de 43 mil sepultamentos. Por meio dessa complexidade vemos que os grupos que habitavam o litoral brasileiro eram organizados em estruturas sociais hierarquizadas com redes de troca entre outros grupos, e com uma população alta se comparada com outros grupos e que eram sedentários. Não eram simples agrupamentos humanos, mas existia uma estrutura cultual envolvida em suas relações diárias entre si e o mundo que os rodeia. Possuidores de uma indústria lítica aonde eram preparados machados, armas (incluindo pontas de flecha e outros), moedores e outros artefatos como um grande número de artefatos lascados e lascas de quartzo. Registraram-se raspadores, furadores, pontas-de-arremesso triangular, facas, quebra-cocos, percutores, talhadores e alisadores. Não podemos esquecer é claro dos zoólitos, que são esculturas feitas de osso ou pedra com a forma dos animais das regiões onde habitavam, alguns zoólitos tem forma de animais marinhos, aves e raramente, mas existem alguns com forma humana. Mas a característica mais marcante dessa cultura sambaquiana é o hábito de acumular todas essas coisas é o que diferencia seu grupo de tantos outros que ocuparam o território brasileiro. Eles consideravam os restos alimentares como material construtivo e os acumulavam, dia a dia, erguendo uma plataforma que, com o passar do tempo, mais se destacava na paisagem.

            Esse costume de acumular restos alimentares e usa-los para erguer construções não é um costume que deva ser entendido segundo a visão pratica, pois se relaciona com o prestígio dos moradores de cada local em relação aos vizinhos.  Os sambaquis eram locais de moradia, sabemos disso, pois, são encontrados diferentes artefatos e nos mostram sua relação com o cotidiano desses povos e sua vida. Outro indicio importante é que nunca foi encontrado outro local de habitação dos povos sambaquianos além do sambaqui em si. Mesmo realizando muitas atividades do dia-a-dia no próprio sambaqui os seus construtores exploravam muito todos os locais nos arredores do sambaqui.

            Ao cursar a disciplina de Estágio III ministrada pela professora Gislene Monticelli tive a oportunidade de ampliar meus conhecimentos sobre os povos que habitavam as terras que hoje chamamos de Brasil. Tivemos a oportunidade através da Saída de Campo para Xangri-lá conhecer um Sambaqui e verificar pessoalmente a habilidade e demonstração de força de vontade em construir um monumento para seu grupo, de modo que estivesse visível no terreno até longa distancia. Por meio deste estágio pude aperfeiçoar meus conhecimentos sobre as normas da ABNT que me serão de grande importância. Somente tenho a agradecer pela oportunidade de ter estudado a disciplina de Estágio III, pois ela ensinou-me acima de todas as outras questões, o quão importante é conhecer profundamente a cultura de um povo para então poder dizer ao menos que conheço.

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Currículo Lattes Leandro Claudir Pedroso

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REFERÊNCIAS

 CADASTRO NACIONAL DE SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS, sítio RS-LN-19: Capão Alto, sambaqui localizado no município de Xangri-lá/Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.iphan.gov.br/sgpa/cnsa_detalhes.php?11993. Acessado em 13 de nov. de 2014.

CUNHA, Manuela Carneiro da Cunha. Os mortos e os outros. São Paulo: Hucitec, 1978.

DUARTE, Paulo. O sambaqui visto através de alguns sambaquis. São Paulo: Instituto de Pré-história da Universidade de São Paulo, 1968. p.100-105.

FERREIRA, C. C.; TORRES, F. R.; BORGES, W. R. Cubatão: Caminhos da História. Cubatão: do autor, 2007.

GASPAR, Maria Dulce. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

GASPAR, Maria Dulce. Os ocupantes Pré-históricos do litoral brasileiro. TENORIO, Maria Cristina (Org.) Pré-história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.

SCHMITZ, Pedro Ignácio. Pré-história do Rio Grande do Sul: arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil 2º Edição. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 2006.

WESOLOSKY, Verônica. Práticas funerárias Pré-históricas do litoral de São Paulo. TENÓRIO, Maria Cristina (Org.) Pré-história da Terra Brasilis, Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.

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