Qual é o determinante mais forte das nossas ações: a
natureza genética ou a influência do ambiente? A questão era badalada nos anos
70, mas já há alguns anos a ciência deixou de se preocupar tanto com qual é o
mais forte. Hoje se reconhece que ambos são importantes, e a pergunta da hora é
outra: como e onde genética e ambiente se combinam para afetar nosso
comportamento?
O onde é certo: no cérebro. O como ainda é impreciso,
embora boas hipóteses existam. Uma delas é apresentada em artigo publicado dia
2 de agosto na revista Science, que sugere como o comportamento violento, que
tem um componente social sabidamente forte, também sofre importante influência
da herança genética. A resposta está no produto de um gene que afeta a
disponibilidade no cérebro de um neurotransmissor -- a serotonina.
Manter o equilíbrio dos neurotransmissores cerebrais é
tarefa delicada, e as interferências são várias. Mesmo assim, geralmente o
cérebro dá conta do recado sozinho. Ocasionalmente, no entanto, a balança cai
desproporcionalmente para um dos lados, e os efeitos podem ser palpáveis. No
caso da serotonina, a deficiência está ligada à depressão e falta de motivação.
Já seu excesso leva a outro extremo: agressividade. O comportamento agressivo
em humanos costuma andar de mãos dadas com um excesso de serotonina e da sua
prima noradrenalina no cérebro. Além disso, camundongos em cujo genoma é
deletado o gene que comanda a produção de uma enzima que decompõe excessos de
serotonina ganham um 'superávit' permanente desse neurotransmissor em seu
cérebro -- e os machos adultos ficam tão agressivos que brigam entre si, e
chegam a ser difíceis de manipular por humanos.
Como se chega a um excesso de serotonina? Uma maneira é a
manipulação genética -- e não é preciso fazer com humanos o que cientistas
fazem em laboratório com o genoma dos camundongos. A natureza se encarrega
disso, criando variantes mais ou menos eficazes de enzimas que regulam a
quantidade de serotonina disponível no cérebro, como a monoamina oxidase (MAOA)
deletada artificialmente em camundongos. Uma variante especialmente ineficaz da
MAOA foi encontrada em 1993 numa família holandesa, assolada por casos de
agressividade impulsiva, incêndios criminosos, tentativas de estupro e
exibicionismo. Todos os membros violentos da família eram completamente deficientes
em MAOA -- o que leva a níveis elevadíssimos de serotonina no cérebro.
Outra maneira de provocar um nível excessivo de
serotonina no cérebro é por meio de maus-tratos na infância, como espancamento
ou abuso sexual -- que são, aliás, grandes fatores de risco para o
comportamento violento na idade adulta.
A influência social, no entanto, não é tudo --
felizmente. Maus-tratos na infância são fator de risco, mas não sinônimo de
violência futura: embora o índice de criminalidade adulta aumente em 50% entre
crianças maltratadas, a maioria delas não se torna adultos delinqüentes ou
criminosos. O que faz a diferença?
A genética, segundo um estudo da equipe dos psicólogos
clínicos Terrie Moffitt e Avshalom Caspi, do King's College London e da
Universidade de Wisconsin. Os pesquisadores tiveram acesso a um estudo
neozelandês que acompanha desde 1972 a saúde física e mental de mais de mil
pessoas desde o nascimento. Para diminuir o número de variáveis, Moffitt e
Caspi selecionaram 442 homens com os quatro avós caucasianos. Por um lado,
estudaram sua tendência à violência, usando índices diferentes como sintomas de
distúrbio anti-social e indiciamentos por crimes violentos. Por outro,
analisaram tanto o registro de maus-tratos na infância quanto a variante da enzima
MAOA produzida por cada voluntário.
O resultado? Homens maltratados na infância tinham uma
probabilidade dez vezes maior que os demais de cometerem crimes violentos desde
que eles, além de terem sofrido maus-tratos severos, possuíssem uma forma pouco
ativa da MAOA, que permite níveis elevados de serotonina no cérebro. No total,
85% desses homens severamente maltratados na infância e cuja MAOA é pouco ativa
exibiram mais tarde comportamento violento. Dentre aqueles que possuíam a forma
muito ativa, em comparação, maus-tratos na infância não aumentaram o risco de
comportamento violento em adulto.
O elo entre uma baixa atividade da MAOA -- e portanto um
alto nível de serotonina -- e a predisposição à violência está provavelmente em
estruturas do cérebro como a amígdala, que controlam o medo. Uma alteração
permanente no equilíbrio da serotonina, causada pela conjunção entre
maus-tratos e baixa MAOA, pode fazer com que a amígdala se torne
permanentemente hiper-reativa a ameaças, reagindo desmesuradamente a um
estímulo que de outra forma não evocaria uma reação violenta.
Por fim, o simples fato de possuir a forma pouco ativa da
MAOA não torna os homens violentos. A propensão à violência requer a conjunção
no cérebro entre a genética -- a versão da MAOA que cada um possui -- e o
ambiente -- no caso, na forma de maus-tratos na infância.
Ah, sim. Há um terceiro fator nessa história. Não deve
ser uma surpresa para o leitor descobrir, a esta altura, que o gene da MAOA
fica no cromossomo X, presente em duas cópias nas mulheres, mas apenas uma nos
homens. Como lembram os geneticistas, o mais forte marcador genético para a
violência ainda é a presença de um cromossomo Y...