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terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Holocausto Comunista


O holocausto comunista Vencedora do prêmio Pulitzer, Anne Applebaum mergulhou nos arquivos secretos da URSS para mostrar os bastidores de um regime assassino.
 
A jornalista Anne Applebaum começou a desconfiar que alguma coisa estava errada quando percebeu um número crescente de jovens usando camisetas com símbolos soviéticos, em especial a foice e o martelo. Foi aí que ela se perguntou por que as pessoas toleram e até aceitam um regime cruel como o comunismo da União Soviética enquanto desprezam veementemente o nazismo.

Ex-correspondente da revista The Economist na Europa Oriental, Anne teve acesso aos arquivos oficiais, até então secretos, do comunismo soviético. Entrevistou sobreviventes e analisou documentos até desembocar no livro Gulag, a History (“Gulag, uma História”, inédito no Brasil ), que devassa a máquina de matar montada pelo stalinismo. O livro narra a história dos campos de trabalho soviéticos e descreve o dia-a-dia desses lugares – e todas as atrocidades cometidas em nome da foice e do martelo. Com Gulag, Anne ganhou o Pulitzer de 2004, mais importante prêmio do jornalismo. De Washington, onde é colunista e integrante do conselho editorial do jornal The Washington Post, a jornalista falou com a Super.

O que exatamente era o Gulag?

É uma abreviação em russo para “Administração Central dos Campos”. Um nome burocrático para o órgão que administrava todos os campos de trabalho.

Quem foi o responsável pela criação desses campos?

Os czares já tinham pequenas colônias de trabalho forçado. De certa forma, a União Soviética se construiu sobre essa tradição. Stálin sempre admirou a utilização de trabalho forçado por Pedro, o Grande, durante a construção de São Petersburgo. Mas o gulag era um fenômeno bem diferente, bem maior, com milhões de pessoas. O maior campo, Kolyma, era seis vezes mais extenso que a França. O gulag se tornou parte considerável da economia soviética e ícone central da ideologia do regime. Cidades inteiras foram construídas pelos prisioneiros, assim como quase todas as estradas da Sibéria, aeroportos e campos de petróleo.

É possível comparar o gulag a um campo de concentração nazista?

O gulag durou muito mais tempo, atravessando ciclos de enorme crueldade e relativa humanidade. Os campos nazistas duraram menos e tiveram menos variações: simplesmente se tornaram cada vez mais cruéis até que os aliados venceram a guerra. O gulag tinha vários tipos de campos, desde as letais minas de ouro de Kolyma, onde 3 milhões de pessoas morreram, até os “luxuosos” institutos secretos, nos arredores de Moscou, onde cientistas prisioneiros construíam armas para o Exército Vermelho.

A definição de “inimigo” era muito mais enganosa que a definição de “judeu” na Alemanha nazista. Salvo pequenas exceções, nenhum judeu poderia mudar seu status e escapar com vida do nazismo. Enquanto milhões de prisioneiros soviéticos temiam morrer – e milhões morreram –, não existia nenhuma categoria particular cuja morte era garantida. Alguns poderiam provar seu valor e trabalhar em empregos confortáveis, como engenheiros ou geólogos, em que tinham a integridade preservada.

Os campos de concentração eram verdadeiras fábricas de cadáveres. Pouquíssimas pessoas faziam trabalhos forçados – a maioria das vítimas era mandada diretamente para as câmaras de gás e depois cremada. Esse tipo de assassinato não teve um equivalente soviético. Mas, é claro, a União Soviética encontrou maneiras de matar milhões de cidadãos. Normalmente, eles eram levados até florestas, recebiam um tiro na cabeça e terminavam em túmulos coletivos. A polícia secreta usava “emanações exaustivas”, espécie primitiva de gás mortal, como os nazistas faziam antes de ter as câmaras de gás. Prisioneiros também morriam por negligência. Eram mandados para cortar árvores durante o inverno e morriam de frio. Trancados em celas punitivas, morriam de fome. Doentes eram largados em hospitais sem aquecimento e comida. Os campos soviéticos não foram criados para produzir cadáveres em massa – no entanto, acabaram produzindo.

Você disse que as definições de “inimigo” no regime soviético eram elásticas. Qual era, então, a razão que a polícia secreta encontrava para prender pessoas?

Era possível ser preso por qualquer razão. Durante ondas de terror maciças, o regime prendeu todo mundo que parecia suspeito. Se alguém contava uma piada política, ia para a cadeia. Se fosse descendente de estrangeiros, também. A maioria dos presos eram trabalhadores e camponeses de origem russa. Nem todos tinham praticado crimes políticos. Milhões eram chamados de presos criminais. Só que chegar atrasado ao trabalho, por exemplo, era considerado crime pelas autoridades.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Civilizações perdidas da Amazônia


Há 2.000 anos, essas cidades de até 50 hectares eram dotadas de muros, praças e centros cerimoniais, e estavam ligadas por uma densa rede de estradas.

Os primeiros relatos dos colonizadores europeus que navegaram pela região amazônica davam conta da existência de cidades douradas e de mulheres guerreiras. Falavam também de grandes tribos ao longo dos rios. Gaspar de Carvajal, padre que integrou a primeira expedição ao Amazonas, chefiada, em 1542, por Francisco Orellana, descreveu-as assim: “Não há distância de um tiro de balestra entre a última construção de uma aldeia e a primeira de outra. E nossos barcos navegam 5 léguas entre o início e o fim de cada aldeia”. O capitão Altamiro, da expedição de Aguirre, em 1559, arriscou um cálculo para estimar a população local. “Fomos recebidos por não menos que 300 canoas e em cada uma vinham dez índios.” Durante séculos esses relatos foram tomados como pura fantasia, até pela ciência.

De duas décadas para cá, porém, descobertas arqueológicas não deixam dúvidas de que a região abrigou cidades muito maiores do que as que foram descobertas pelos europeus, que mantinham entre si relações de poder e hierarquia, faziam alianças, comercializavam e, é claro, guerreavam. O indício mais recente dessas civilizações foi descoberto pelo arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida. Em seu trabalho, publicado em outubro na revista americana Science, Heckenberger conta que localizou no Alto Xingu, nordeste do Mato Grosso, vestígios de grandes agrupamentos ligados por estradas e com construções sofisticadas, como pontes e barragens defensivas. “A complexa rede de comunicação entre as aldeias comprova a existência de uma grande civilização”, diz.

Carlos Fausto, antropólogo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, co-autor do estudo, conta que foram mapeados 19 sítios arqueológicos da época pré-Cabral. “Algumas aldeias chegavam a ter 500 metros quadrados e abrigavam entre 7500 e 15000 habitantes”, afirma. Com o auxílio de satélites GPS (sigla em inglês para Sistema de Posicionamento de Global), o trabalho mapeou os caminhos que ligavam as aldeias. Eles tinham entre 10 e 50 metros de largura e até 5 quilômetros de extensão. “Pudemos localizar intervenções na paisagem original, como aterros, valas, barreiras de contenção”, afirma o pesquisador Heckenberger.

As cidades se pareciam com as aldeias atuais: as residências ficavam em torno de uma praça central, que servia como área para práticas religiosas. “No entorno dos povoamentos, encontramos fossos com até 3 metros de profundidade que, provavelmente, serviam para proteger os habitantes.” A conclusão derruba a teoria de que a Amazônia foi uma floresta virgem, intocada.

A pesquisa no Alto Xingu mostra apenas uma das várias sociedades complexas daquela região. “Elas existiam em outras partes da Amazônia, na Bolívia, no trecho do rio Amazonas quase inteiro, no médio e baixo Orinoco e em outras áreas”, afirma Michael Heckenberger. “Em 1492, a Amazônia era provavelmente uma área de enorme variabilidade cultural, com grupos regionalmente interligados.”

Berço do Brasil

Provas das complexas sociedades amazônicas não são propriamente novidade. A civilização marajoara, que prosperou entre os séculos 2 e 12, na ilha de Marajó, e a tapajônica, que ocupou a região de Santarém (ambas no Pará) até o século 16, são dois exemplos conhecidos. No geral, em todas houve grandes intervenções humanas na paisagem.

Gêngis Khan: A Fúria Mongol


Numa tribo nômade de uma das regiões mais remotas do mundo, nasceu aquele que lideraria um dos mais eficientes exércitos já reunido. Impiedoso e violento, ele conquistou o maior império que um só homem já dominou. Seu nome é Temudjin, ou Gêngis Khan.

O ano é 1215. Zhongdu, capital do Império Jin, cai na segunda tentativa de invasão pelos mongóis. Um ano antes, um pesado tributo foi pago e os bárbaros das estepes se foram. Desta vez, porém, nem os muros de pedra com 12 metros de altura, nem a chuva de setas despejada pelos mais de mil arqueiros postados no alto das torres foi capaz de deter o cerco. Quem não fugiu se arrependeu. A cidade foi saqueada e destruída. Seus habitantes foram mortos ou escravizados. Zhongdu, mais tarde rebatizada como Pequim, foi mais uma vítima da máquina de guerra comandada por Gêngis Khan.
Em seus 72 anos de vida, o líder mongol amealhou o maior império em extensão que um único homem já conquistou, da costa do Oceano Pacífico ao Mar Cáspio. Seus descendentes chegaram à Europa e ao Golfo Pérsico. “É a carreira militar mais fulminante da história. É como se um chefe de uma tribo indígena brasileira conquistasse hoje a América do Sul”, afirma Mario Bruno Sproviero, professor de Língua, Literatura e Cultura Chinesas da Universidade de São Paulo. A comparação faz todo sentido. Além de dispersos geograficamente, os mongóis não possuíam leis escritas, na verdade não tinham sequer escrita. Não conheciam a agricultura e seus modos eram pouco civilizados mesmo para os padrões da época.

Não tomavam banho, comiam carne crua e viviam infestados de piolhos e outros parasitas. Na guerra, eram impiedosos: pilhavam seus vizinhos, matavam os homens com crueldade ímpar, raptavam as mulheres e escravizavam seus filhos.

Mas nem só o terror construiu o império de Gêngis Khan. Ele foi um líder carismático, com profundo senso de justiça. Atos de bravura conquistavam seu coração e os guerreiros mais valentes, mesmo entre os inimigos, eram recompensados com posições de comando em suas tropas. Por outro lado, os traidores eram castigados com a morte. O líder era grato até o último fio de sua barba aos amigos e respeitava a religião alheia, incorporando cristãos, budistas e muçulmanos em seus quadros. Valorizava o conhecimento a seu modo: entre os prisioneiros, aqueles que tinham profissões ou alguma habilidade eram enviados para Caracorum, fortaleza militar que servia de capital para os mongóis. Como escravos, que fique claro, mas vivos.

Temudjin, seu nome verdadeiro, nasceu por volta de 1165, à beira do Rio Onon, no noroeste da Mongólia, uma vastidão de terras planas e clima árido, ocupada pelos turcos até o século 12. Ali viviam diversas tribos nômades, organizadas em clãs. Entre as mais importantes estavam os tártaros, os caraítas, os merquitas, os naimanos, os quirquizes, os oirates e, é claro, os mongóis. Aos 8 anos de idade, após a morte se seu pai, Yesugai, envenenado pelos tártaros, Temudjin e sua família foram abandonados com poucas posses e alguns cavalos. Eles viviam da caça de pequenos animais, dos peixes do Rio Onon, da coleta de frutos e do leite das éguas. Aos 15 anos, Temudjin já almejava assumir a liderança da família, então composta pela mãe, três irmãos, a segunda esposa de seu pai e dois meio-irmãos. Um deles, Bekter, também era candidato ao posto de chefe do grupo. Temudjin sabia que nas estepes, a única forma de se livrar da concorrência era eliminá-la. Durante uma pescaria, ele matou o meio-irmão com uma flechada.

O jovem Temudjin não parou mais de eliminar quem tivesse a coragem, ou o azar, de cruzar seu caminho. Os laços familiares entre tribos e clãs tornavam constantes as rivalidades: mulheres, butins ou cavalos, eles só precisavam de um motivo, às vezes nem isso, para acender velhas vinganças.

Aos 18 anos, Temudjin entrou numa dessas refregas com os merquitas (leia quadro na página 39). Ele tinha poucas posses e nenhuma força fora de seu clã, e para enfrentar seus inimigos pediu ajuda a Toghrul, líder dos poderosos caraítas, e ao amigo Jamuka, influente chefe militar de um clã aliado. Juntos, eles reuniram cerca de 40 mil homens e, sob a liderança de Temudjin, derrotaram os merquitas. Naquela imensidão inóspita, porém, as alianças eram como os períodos do dia, não como as estações do ano. E aquele que era seu irmão pela manhã podia tornar-se seu pior inimigo ao cair da noite. Temudjin e Jamuka eram amigos desde crianças e chegaram a dividir a mesma ger (uma espécie de cabana leve, típica dos povos nômades) para enfrentar os invernos mais rudes. Agora adultos, ambos almejavam a mesma coisa: tornar-se o líder das estepes. Com a vitória sobre os merquitas, Temudjin havia conquistado a admiração de seus comandados e, portanto, mais poder que o amigo.

E, entre os mongóis, sempre que havia uma crise: havia uma guerra. Jamuka reuniu 30 mil homens de 13 tribos diferentes e atacou Temudjin, em 1187. Quem morreu atingido por flechas envenenadas ou golpes de lança foi considerado um sujeito de sorte. Os naimanos a comando de Jamuka ferveram os líderes das tropas de Temudjin em caldeirões. Os mongóis, que eram xamanistas, acreditavam que ao cozinhar seus inimigos, seus espíritos nunca iriam assombrá-los. Jamuka amarrou as cabeças de dois soldados mortos em seu cavalo e desfilou pelo campo de batalha. Uma mensagem de horror ao líder rival, que conseguira escapar.

A derrota obrigou Temudjin a quase dez anos de exílio, tempo que passou na China. Para voltar, ele só tinha uma alternativa: promover outra guerra. Com a ajuda do velho aliado, Toghrul, ele liquidou os tártaros, dando início a uma época de terror que lhe daria fortuna e fama entre as outras tribos. Temudjin tornou-se cada vez mais temido e poderoso. Em mais uma uma reviravolta, ele virou-se contra Toghrul e assumiu o controle dos caraítas.

Faltava agora acertar as contas com Jamuka. Catorze anos depois, eles voltaram a se encontrar e, dessa vez, o exército de Temudjin derrotou a força mais poderosa com que havia cruzado até então. Quando Jamuka percebeu que a batalha estava perdida, escapou acompanhado apenas por alguns de seus homens. Durante a fuga, sua escolta mudou de lado: Jamuka foi atacado e preso. Como Temudjin estava ficando muito poderoso e Jamuka cada vez mais isolado, seus homens decidiram se juntar ao vencedor, imaginando que ao entregar seu líder, ganhariam a gratidão do inimigo. Mas, para Temudjin, a traição era um ato imperdoável, mesmo quando isso o beneficiava. Ele prendeu todos e ordenou que fossem decapitados. Jamuka foi poupado para que visse a morte de seus traidores. Depois disso, também foi executado.

O soberano infinito

Após a morte de Jamuka, Temudjin era o líder de fato dos mongóis. Faltava tornar-se líder de direito. Em 1206, o ano do Tigre, um Kuriltai (uma espécie de assembléia), foi convocado entre os mandatários das dezenas de tribos que viviam nas estepes. À beira do Rio Onon, eles se reuniram e declararam que Temudjin passaria a ser chamado Chingis Khan (Gêngis é a versão persa do nome, que ficou famosa por terem sido eles os primeiros a relatarem sua história), que significa “soberano do oceano”. Não se sabe exatamente qual o significado do título, considerando que os mongóis não tinham lá muita intimidade com a água salgada. A explicação mais provável é a de que sendo o oceano a maior coisa que eles conheciam, chamar seu líder assim era compará-lo a algo sem fim, eterno. O soberano infinito.

O líder militar deixou momentaneamente a espada de lado para compilar uma série de leis chamada Yasak que, entre outras coisas, instituíam o serviço militar obrigatório a partir dos 15 anos e a condenação à morte em casos de furto e adultério. Pela primeira vez na história dos mongóis, um líder estava acima de todos os chefes tribais e de suas tradições e leis orais.

No ano seguinte, Gêngis Khan retomou suas campanhas militares, desta vez, levando suas ambições a lugares mais distantes. Sua motivação era conquistar terras para pastagens, saquear e fazer escravos. Era a única forma que conheciam de adquirir riquezas. Não comercializavam, não tinham muito o que vender a não ser cavalos. Seus cavalos, aliás, eram o ponto forte de seu exército, que além da excelente técnica para combate sobre montaria não possuía nenhuma outra característica peculiar. Não era especialmente bem armado nem utilizava estratégias inovadoras. No entanto, seus homens eram muito organizados e disciplinados. Generais e soldados comiam a mesma comida, usavam as mesmas roupas e armas. Isso fazia com que as lideranças fossem respeitadas. O avanço rápido e arrasador se deve, acima de tudo, ao terror que Gêngis Khan impunha em seus adversários. A matança provocada por suas tropas não se limitava ao campo de batalha. Os mongóis não negociavam rendição ou tratados de paz.

Quando entravam em combate, não poupavam nobres ou governantes e assassinavam populações inteiras, como aconteceu com os tártaros. Depois, destruíam tudo que não podiam carregar. A fama de implacável fez com que muitas cidades que estavam em seu caminho preferissem se render, pagar tributos e entregar mulheres e escravos, a correr o risco acabar sendo massacradas.

Em 1207, quando Gêngis Khan iniciou a longa campanha na China, seu nome já era conhecido. Foram sete anos até que chegasse às muralhas de Zhongdu. Com quase 1 milhão de habitantes, a capital dos Jin – que dominavam o norte da China, dividida após a queda da dinastia Tang – era cercada por imensos muros e centenas de postos protegidos por arqueiros. Ligações subterrâneas de abastecimento permitiram que a cidade resistisse até o ano seguinte. Em 1215, no entanto, Khan conseguiu romper o cerco e invadiu a cidade. Lá, sua tropa destruiu aquilo cuja utilidade não conhecia, ou seja, quase tudo. As mulheres foram levadas.

Os homens com habilidades especiais, como os artesãos, foram escravizados, e os demais sumariamente assassinados. Um massacre.

As incursões na China não aplacaram o apetite Gêngis Khan por novas conquistas. Pelo contrário. Em 1217, após sufocar uma rebelião dos caraquitais, ele entrou em choque com império muçulmano de Khwarazm – uma das possessões turcas na região que havia composto a Pérsia e que se estendia do Mar de Aral ao norte do Golfo Pérsico, na Ásia Central. Na época, esse era o maior poderio militar do continente asiático. No início, as relações entre Gêngis Khan e sultão Maomé II foram boas. Mas não seriam assim por muito tempo. Maomé acusou os mongóis de saquearem caravanas turcas que voltavam da China e, em represália, matou os embaixadores mongóis. Foi a gota d’água. Liderado pelo próprio Khan, um enorme exército de 200 mil homens invadiu o território Khawarazm. As cidades que resistiam acabaram como Bocara (no atual Uzbequistão), dizimada por uma série de incêndios. Os mongóis tomaram grande parte da região que corresponde hoje ao Irã e Turcomenistão.

Em Samarcanda, um dos mais prósperos centros urbanos da época, e onde morava o sultão, as baixas foram menores. A população teve de pagar um pesado tributo, mas 30 mil membros do exército derrotado foram mortos. Gêngis Khan destacou dois de seus melhores generais para capturarem o sultão, mas ele nunca seria pego, pois morreu doente em um esconderijo. Na perseguição, porém, os mongóis invadiram várias cidades do Reino da Rússia.

Laços de sangue

Gêngis Khan morreu no nordeste da China, em 1227, de causas desconhecidas. As especulações vão desde malária a ferimentos provocados por uma queda do cavalo. Sabe-se apenas que seu último desejo foi atendido. Seus restos mortais foram levados para a região onde nasceu e ali foram sepultados.

Mas nem a morte colocou fim às conquistas militares que Gêngis Khan iniciou. Tolui, o filho mais novo, obedeceu a tradição de seu povo e assumiu a regência. Dois anos depois, um Kuriltai foi convocado para que o escolhido por Gêngis, Ogodai (seu terceiro filho), ascendesse ao trono dos então poderosos mongóis.

A conquista da Rússia se concretizaria apenas na campanha iniciada em 1236. O novo Khan enviou o sobrinho Batu, neto de Gêngis Khan, para a Rússia, que na época era dividida em pequenos principados. Batu conquistou Moscou e Kiev, em 1240, e partiu para a Hungria e a Polônia. No ano seguinte, sem reforços e esgotado, o exército mongol voltou com a notícia da morte de Ogodai. Batu se estabeleceu no sul da Rússia e fundou a Horda de Ouro. O reinado ganhou este nome porque a sede do governo às margens do Rio Volga era uma enorme tenda recoberta com fios de ouro. Horda em mongol é tenda. Para os ocidentais, a palavra ganharia um novo significado, mais apropriada para designar o comportamento dos descendentes de Gêngis Khan: bando de malfeitores.

Na China, os combates prosseguiram ininterruptamente desde a tomada de Zhongdu. A região só seria definitivamente controlada, juntamente com a Península Coreana, em 1234, sob a liderança de Ogodai. O enorme império, no entanto, não sobreviveria ao seu tamanho e às divisões entre os descendentes de seu fundador. Tolui obteve a China. Batu, filho de Jochi, o primogênito de Gêngis, que morreu um ano antes do pai, ficou com a Rússia. Chagatai, o segundo da escadinha, ficou com cidades importantes como Samarcanda e Bocara. Mas não se pode datar exatamente o fim do império fundado por Khan, pois, se a oeste, suas terras seriam parcialmente conquistadas pelo líder turco Tamerlão, no século 14, a leste, o neto de Khan, Kublai, fundou a dinastia Yuan, que governou a China até a metade do século 14 e cuja influência sobreviveu aos anos.

Se a morte de Gêngis Khan não chegou a ser um alívio para seus opositores, também não o foi para os aliados. A última de suas histórias sobre a terra tornou-se uma lenda. Conta-se que para esconder o local do sepultamento (segundo a tradição mongol, quando um túmulo é violado, o espírito do morto deixa de proteger sua família), todos os coveiros e até aqueles que cruzaram o cortejo foram assassinados. Os soldados que executaram a tarefa permaneceram ao lado da tumba até que a vegetação cresceram à sua volta, ocultando a sua localização. Na volta para casa, os próprios guardas também foram mortos. O episódio é narrado no livro The Secret History of the Mongols (A História Secreta dos Mongóis, sem tradução em português), uma compilação de histórias sobre a vida de Gêngis Khan, escrito por autor desconhecido logo após a morte do líder.

Tamanho segredo se manteve preservado por oito séculos. Em 2001, um grupo de arqueólogos americanos anunciou a descoberta de um complexo de 20 túmulos de pedra a 321 quilômetros de Ulan Bator, capital da República Popular da Mongólia. Como eles estão próximos da região onde Gêngis Khan teria nascido e onde seu pai foi enterrado, há grandes chances de que ele realmente tenha sido enterrado no local. Mas a exploração do sítio arqueológico e a confirmação de que se trata do túmulo do órfão pobre que tornou-se o imperador de meio mundo, ainda depende da autorização do governo da Mongólia.

Mulheres e cavalos

Em toda a história de Gêngis Khan as mulheres raramente são citadas. Nas estepes, até um cavalo valia mais que uma companheira. Ele era mais do que o melhor amigo do homem, era um indispensável instrumento em batalhas, tanto para o combate, como para a fuga. O quadrúpede também era necessário no pastoreio, segunda atividade econômica dos mongóis, precedido, é claro, pela pilhagem. Homens e cavalos nunca se separavam. Já as mulheres eram deixadas para trás nos acampamentos, enquanto os homens passavam longos períodos de batalha ou caça. Por isso, perder a mulher para uma outra tribo era comum. Arrumar uma também não era lá muito difícil, naqueles dias. Os casamentos eram acertados entre os pais quando os noivos ainda eram crianças, no entanto, a forma mais simples de conquistar a companhia feminina era usar a força. Fosse nas guerras, quando os homens podiam incorporar novas esposas, ou simplesmente seqüestrando as jovens de outras tribos, uma prática corriqueira entre as tribos nômades.

Uma partida de morte entre alemães e ucranianos


A incrível partida que reuniu ex-jogadores ucranianos contra nazistas que invadiram a União Soviética em plena Segunda Guerra.

Primeiro tempo. O Flakelf, time dos orgulhosos pilotos da Luftwaffe, vencia o Start por 1 a 0 na base do pontapé e da ajuda do árbitro. Os jogadores ucranianos do Start dominavam a bola e escapavam como podiam das ferozes divididas e aos poucos foram impondo seu estilo. Num avanço rápido, Kusmenko driblou o zagueiro alemão em direção à meia-lua e foi puxado pela camisa por trás. A torcida vaiou a complacência do árbitro. Kusmenko, ainda em movimento, dominou a bola, saltou sobre outro zagueiro alemão que vinha num arrebatado carrinho e meteu um chute direto na gaveta, empatando o jogo.

A torcida ucraniana enlouqueceu. O grito de gol foi como se tivessem se libertado da opressão. Sim, era uma partida de futebol entre invasores e conquistados. No dia 9 de agosto de 1942, ela era importante para os dois lados, em guerra desde 1941.


A partida não foi jogada no novíssimo Estádio Stalin (ironicamente inaugurado em 22 de junho de 1941, dia da invasão) ou no do Dynamo (o tradicional, inaugurado em 1927), mas no pequeno estádio Zenith, com capacidade para 10 mil torcedores. "Isso era para o caso de os alemães perderem e não haver desordem na saída", afirma o escritor inglês James Riordan, autor de Match of Death (Jogo da Morte). "O estádio estava cercado por soldados armados e cães. Os assentos foram ocupados por soldados nazistas e mercenários ucranianos. O resto do espaço foi preenchido por velhos, mulheres e crianças, arrebanhados para testemunhar a vitória germânica." Kiev, capital da Ucrânia, estava sob o domínio do exército nazista desde 26 de setembro de 1941. O torneio de futebol fora suspenso e os jogadores da cidade estavam no front. Com a ocupação, os soldados foram aprisionados e enviados a campos de concentração nos arredores da cidade. Parte foi executada. Outros, enviados à Alemanha para trabalhos forçados. Alguns presos classificados como "inofensivos" foram libertados e voltaram a Kiev, onde perambulavam como mendigos, sem trabalho, casa ou comida.

Eventualmente reuniam-se na Padaria N°3, que abastecia toda a cidade, inclusive as tropas nazistas. O gerente, Iosif Kordik, empregava alguns jogadores desocupados, como Nicolai Trusevich, ex-goleiro do Dynamo, agora faxineiro da padaria. O time, fundado em 1927, era destaque no campeonato nacional soviético de futebol desde seu início, em 1936, quando foi vice-campeão, perdendo para o Spartak de Moscou. Kordik, torcedor fanático do Dynamo, teve a ideia de montar um time de futebol amador visando manter os homens motivados. Pediu a Trusevich para encontrar seus velhos companheiros de bola, inclusive os da equipe rival, o Lokomotiv. O faxineiro passou a primavera de 1942 atrás deles e encontrou Makar Goncharenko, do Dynamo. O jornalista e escritor escocês Andy Dougan relata em seu livro Futebol e Guerra as palavras de Goncharenko: "Nicolai me encontrou na Rua Kreschatick, onde eu morava ilegalmente na casa da minha sogra, e veio com a ideia de procurar os meninos".

Nas semanas seguintes, formaram um time que batizaram de FC Start. Eram oito jogadores do Dynamo e três do Locomotiv, que batiam bola à noite no fundo da padaria. Logo decidiram encarar um torneio municipal organizado pelos nazistas. Usariam camisas vermelhas, que Trusevich e Putistin acharam num depósito abandonado. Trusevich dizia que suas armas seriam as vitórias no gramado, e a camisa vermelha jamais seria derrotada pelos nazistas. E não foi mesmo. No campeonato, o Start só aplicou goleadas: 6 a 2 na Guarnição Húngara; 11 a 0 na Guarnição Romena; 9 a 1 nos Operários da Estrada de Ferro; sempre encantando o público com seu futebol estiloso. Então veio um convite para enfrentar um time militar alemão, o PGS. Venceram por 6 a 0.

Os nazistas, humilhados, desafiaram o Start a jogar contra o poderoso Flakelf (literalmente: "11 à prova de balas"). Em 6 de agosto o subnutrido time do Start derrotou o bem alimentado time nazista em seu melhor estilo: 5 a 1. O Start havia vencido todos os times dos inimigos. Mas a gota d¿água foi ter goleado o Flakelf, o time de pilotos da Luftwaffe e dos artilheiros (de verdade, eles manejavam artilharia antiaéreas). Inconformados com a derrota para o "time da padaria", os nazistas pediram revanche.

Naquela tarde de domingo de agosto, a população de Kiev só pensava em ver os opressores goleados e humilhados. O estádio fervilhava. Os nazistas remexiam-se nos assentos esperando pelo início do tira-teima. O árbitro, um oficial da SS, foi antes do jogo ao vestiário do Start e disse aos atletas que eles deveriam seguir todas as regras, inclusive fazer o cumprimento à moda nazista. Antes de começar o jogo, os atletas se perfilaram, tendo ao fundo bandeiras vermelhas com a suástica. Os alemães, de calções pretos e camisas brancas, saudaram com o notório Heil, Hitler! Os ucranianos (de calções brancos e camisas vermelhas) levantaram parcialmente os braços e bateram as mãos no peito gritando: "Fizkult-urra-urra-urra!", ou seja: "Viva a Fisicultura" ou "Hurra ao esporte", uma tradicional saudação soviética.

O árbitro soou o apito e então só fez vistas grossas às faltas do Flakelf, inclusive sobre o goleiro Trusevich, que sofria uma pancada a cada defesa. Foram tantas que após levar um chute na cabeça, ainda meio tonto, não conseguiu evitar que os alemães abrissem a contagem. No final do primeiro tempo, Goncharenko arrancou soberano, driblou toda a defesa do Flakelf e estufou as redes: 2 a 1. Nem bem o Flakelf deu a saída, o Start retomou a bola e num ataque fulminante meteu mais um ¿ 3 a 1. A situação ficou ruim para os alemães. No intervalo, um colaborador dos nazistas, Georgi Shvetsov, foi ao vestiário do Start e pediu para entregarem o jogo. Um oficial da SS que o acompanhava sugeriu que deveriam perder... ou haveria consequências.

Os times foram para o segundo tempo. O árbitro deixava a pancadaria correr solta. O Flakelf pressionou e marcou dois gols, deixando os nazistas contentes com os 3 a 3. Mas o Start tinha futebol para liquidar a fatura. E em dois lances fez dois gols: 5 a 3. Pouco antes de acabar a partida, o zagueiro Klimenko driblou toda a defesa alemã e o goleiro, mas em vez de cruzar a linha do gol, virou-se e chutou a bola de volta para o meio-campo. O árbitro apitou o final de jogo antes dos 45 minutos.

Muita coisa se escreveu sobre o "jogo da morte". O escritor uruguaio Eduardo Galeano registra em seu livro Futebol ao Sol e à Sombra: "Durante a ocupação alemã, eles [o Dynamo de Kiev] cometeram o ato insano de derrotar o esquadrão de Hitler no estádio local. Depois de terem sido avisados de que `se ganharem vão morrer¿, estavam conformados de perder, tremendo de medo e fome, mas não puderam resistir à tentação da dignidade. Quando o jogo acabou todos os onze foram mortos com suas camisas à beira de um precipício".

Na verdade, isso não aconteceu, pois consta que o Start jogou no dia 16 contra o Rukh e aplicou uma goleada de 8 a 0. Essa sim foi a última partida. No dia 18, a Gestapo invadiu a Padaria N°3 e prendeu 9 jogadores, alegando suspeita de trabalharem para a NKVD ¿ a polícia secreta comunista à qual os atletas do Dynamo eram obrigados a se filiar durante o período da União Soviética para poder jogar futebol. Depois prenderam os jogadores Nicolai Korotkikh e Oleksiy Klimenko. O primeiro morreu torturado e o segundo, baleado ao tentar fugir da Gestapo. O resto do time foi enviado ao campo de Siretz - onde os prisioneiros trabalhavam como escravos até a morte.

Em fevereiro de 1943, em represália às dissidências ucranianas, os nazistas executaram um terço dos prisioneiros de Siretz, entre eles Ivan Kuzmenko e Nicolai Trusevich. Conta-se que, ao ser alvejado, Trusevich caiu ao chão, mas com sua agilidade de atleta voltou a ficar de pé e gritou: "O esporte vermelho jamais morrerá!" E então caiu sem vida, vestido com sua camisa vermelha e preta de goleiro. Essa dramática história foi contada por Fedir Tyutchev, Mikhail Sviridelsky e Makar Goncharenko, que fugiram de Siretz em 6 de novembro de 1943 e foram acolhidos pelo Exército Vermelho, que a essa altura da guerra entrava em Kiev.

Vikings chegaram à América bem antes de Colombo


Os vikings chegaram ao Novo Mundo cinco séculos antes de Colombo - não há mais dúvida sobre isso. O mistério é como e por que eles o abandonaram, menos de 50 anos antes da "descoberta" oficial dos espanhóis

Após semanas perdidos no Atlântico, Bjarni Herjólfsson e sua tripulação desembarcaram na Groenlândia, aos trapos. Ele procurava pelos pais, que haviam embarcado com Eric, o Vermelho, para colonizar a ilha. Entre reclamações dos infortúnios da viagem, na qual ficaram perdidos em meio a nevoeiros e foram jogados para cima e para baixo por tempestades, Bjarni tinha uma revelação: havia descoberto a América.

Para além de pilhagens e conquistas, perder-se no mar era um dos esportes favoritos dos vikings. A própria Groenlândia havia sido descoberta algumas décadas antes por outro viking perdido no Atlântico e explorada por Eric, o Vermelho, enquanto curtia um exílio de três anos por assassinato. Eric então batizou a ilha de "Terra Verde" (Groenland) para atrair colonos. A publicidade não era tão enganosa: no verão, nasce musgo e capim nos fiordes (braços de mar). E havia peixes, renas, morsas, focas e ursos polares por perto, que era o que interessava aos vikings. 

Bjarni não desceu à terra em nenhum ponto da viagem e não fazia ideia da importância da descoberta. Tampouco os outros vikings: nem então, nem pelos séculos que viriam, eles entenderam que aquelas terras eram um continente desconhecido do resto do mundo. De tudo o que Bjarni falou, só uma palavra chamou a atenção: "árvores". Ele avistou árvores nas terras a sudoeste da Groenlândia. Os navios dependiam de madeira e os vikings dependiam dos navios. Não havia árvores na Groenlândia - e foi como se ele houvesse encontrado petróleo. Assim, o filho mais velho de Eric, Leif, comprou o navio do explorador acidental e partiu para o sudoeste com 35 homens. Era o ano de 999, e começava a primeira tentativa europeia de colonização da América. 

Morte e vida americana

O primeiro local avistado, a Ilha de Baf-fin, no Canadá, não pareceu muito promissor. Só havia gelo e pedras. Leif desceu do navio, só para garantir que fosse o primeiro a pôr os pés no local, e batizou a ilha de Hellulland, "terra da pedra chata". Continuando a viagem, chegou à península de Labrador, onde achou as prometidas árvores, e batizou o lugar de Markland, "terra da floresta". Na Ilha de Newfoundland, fizeram um acampamento permanente, com casas grandes de pedra e madeira, e continuaram a exploração. Um dia, um escravo de Eric apareceu com um achado surpreendente: uvas, coisa que os vikings só conheciam de países do sul da Europa. Eram da espécie Vitis labrusca (as conhecidas uvas niágara), ruins para vinho, boas para comer. Leif batizou o lugar de Vinland - terra da uva - e, na volta, carregou seu navio com as frutas. Em sua primeira viagem à América, os vikings acharam uvas, árvores, salmões, clima temperado e belas paisagens canadenses. Era um começo promissor.

Quando Leif retornou à Groenlândia, seu irmão, Thorvald, preparou a segunda viagem, que começou em 1004. Após dois anos sem incidentes, Thorvald explorava um fiorde quando topou com uma visão inesperada: três botes de pele, cada um com três homens, se aproximando do navio. Era o primeiro contato entre europeus e nativos da América, e não acabou melhor que os posteriores: os vikings capturaram oito dos nove homens e os mataram (sem explicar o motivo). O sobrevivente fugiu. Os europeus continuaram a exploração e toparam com o que pareciam habitações. Não tiveram tempo de se certificar. Dezenas de botes surgiram no fiorde e começaram a disparar flechas contra eles.

Thorvald foi atingido embaixo do braço e morreu pouco depois. Seu último pedido foi que marcassem sua sepultura com duas cruzes, pois era cristão. Mesmo com a baixa, os nórdicos chamaram os nativos de skraeling, algo como "fracotes". Sobre a identidade dos skraeling, Hans Christian Gullov, do Museu Nacional da Dinamarca, afirma que poderiam tanto ser índios beothuk quanto paleo-esquimós da cultura Dorset, ambos extintos por outros povos americanos.

Fora as matanças, as notícias não pareceram ruins para o comerciante Thorfinn Karlsefni. Ele se casou com a viúva de Thorvald, Gudrid, e organizou a terceira expedição. Karlsefni também encontrou os skraeling, desta vez no acampamento em Vinland. Os nativos espalharam objetos sobre o chão, dando a entender que queriam comércio. As mulheres trouxeram queijo e manteiga, o negócio foi aceito, e os grupos se separaram sem incidentes. Apesar da promessa de paz, Karlsefni construiu paliçadas em volta do acampamento. Durante o inverno, chegou o filho do casal, o primeiro descendente de europeus a nascer na América. Na outra estação, os índios reapareceram. Um deles tentou roubar uma arma de um servo de Karlsefni, que reagiu à moda viking, com a espada - o incidente deu início a uma batalha, mas os vikings conseguiram expulsar os nativos e se bandear de volta para a Groenlândia.

Houve uma quarta e última expedição. Dessa vez, os vikings não precisaram de ajuda dos skraeling para morrer. A filha de Eric, Freydis, se desentendeu com os integrantes de uma equipe rival, dizendo que só ela podia usar os prédios do acampamento, propriedade de seu irmão. Os rivais se conformaram em fazer mais casas. Após outra discussão, Freydis resolveu matar todo mundo - quando seus subalternos recusaram-se a executar as mulheres, ela pediu um machado e resolveu a situação sozinha. Matar índios não merecia comentário, mas, dessa vez, o relato não ignorou que o ato foi visto como um grande mal na Groenlândia, uma mancha na reputação dos descendentes de Freydis. Assim, entre serem mortos pelos nativos ou por eles mesmos, os nórdicos deixaram a colonização do Novo Mundo para outros europeus, séculos depois. Mas não foi o fim de sua presença na América. 

Das sagas para a História

Tudo o que você leu até agora vem da Saga dos Groenlandeses, livro escrito na Islândia por volta de 1200. A mesma história é contada na Saga de Eric, o Vermelho, com alguns detalhes distintos. Durante os séculos 18 e 19, as sagas começaram a ser traduzidas para línguas nórdicas modernas e depois para o inglês, francês e alemão, dando origem a uma certa "vikingmania". Os feitos nórdicos foram saudados por gente como o escritor norueguês Henrik Ibsen (Os Guerreiros em Helgeland, 1857) e o compositor alemão Richard Wagner (O Anel dos Nibelungos, 1874). Na época surgiu o estereótipo do viking de elmo chifrudo - que existiu entre nórdicos na Antiguidade, mas já abandonado na Idade Média.

Em 1837, o historiador dinamarquês Carl Christian Rafn escreveu Antiquaes America, primeiro trabalho acadêmico desbancando a primazia de Colombo. No livro, Rafn apontava uma torre de pedra em Rhode Island (EUA) como uma igreja de vikings cristãos. Em 1898, uma pedra rúnica foi encontrada no Minnesota, a milhares de quilômetros do litoral canadense. A pedra era uma fraude e a torre, depois de escavada, só rendeu artefatos do século 17. No início do século 20, a maioria dos historiadores estava cética em relação às narrativas das sagas. Os amadores não desistiram. Em 1914, o empresário William F. Munn, de Newfoundland, escreveu artigos apontando o extremo norte da ilha como o local onde os vikings aportaram.

Após várias escavações que encontraram apenas vestígios indígenas, em 1960 o casal de arqueólogos noruegueses Helge e Anne Ingstad acharam o que parecia ser o contorno de prédios nórdicos sob a grama, em L¿Anse aux Meadows, uma vila de pescadores. O anúncio da descoberta, no ano seguinte, foi recebido com ceticismo - mas um estudo mais aprofun-dado do local, nos anos 60 e 70, trouxe resultados surpreendentes. Em L¿Anse aux Meadows havia, sim, uma vila nórdica, construída por volta do ano 1000, que foi habitada por não mais de 20 anos. O local não tinha os elementos de um povoamento definitivo, como cemitério ou igreja. Em vez disso foram encontrados forjas, serralherias e armazéns. A conclusão: era o acampamento de Leif Ericsson. As sagas estavam certas. "As histórias sobre as viagens são muito rea-listas e nunca foram consideradas mitológicas", afirma o historiador Gísli Sigurdsson, da Universidade da Islândia. "As sagas contêm memórias sobre personagens e eventos reais, apesar de que isso pode não ter ocorrido exatamente como contado." 

Cristianismo

A Saga de Eric, o Vermelho, deixa claro que a razão do abandono do acampamento eram os skraelings hostis. Mas isso não quer dizer que eles abandonaram a América completamente. "Temos indícios que os nórdicos da Groenlândia mantiveram contato com a América. Encontramos no povoamento ocidental fibras de pelo de bisão e urso marrom, provavelmente da América, datados de depois de 1200", diz a arqueóloga Jette Arneborg, do Museu Nacional da Dinamarca. A colonização da América ocorreu no mesmo período em que os vikings deixavam de ser vikings. Um dos primeiros prédios construídos na Groenlândia foi uma igreja - pela mulher cristã de Eric. Antes de ir ao Canadá, Leif Ericsson havia se convertido e recebido a missão de converter a Groenlândia. Os nórdicos foram absorvidos na diplomacia, política e cultura europeia - houve até sagas em latim.

Se os nórdicos fugiram dos skraeling ao sul, logo tiveram de se entender com eles na Groenlândia - que, vale lembrar, é parte da América. Os esquimós modernos, ou inuítes, começaram a se expandir a partir do Alasca perto do ano 1000. Por volta de 1200, estavam na Ilha de Ellesmere, e logo depois montaram acampamento na Groenlândia, ao norte de áreas habitadas por vikings. A relação deve ter ido bem, ao menos no começo: mais de 200 artefatos nórdicos foram encontrados em ruínas inuítes, além de esculturas que parecem representar europeus. "Os dois grupos tiveram contato por séculos. Mas viviam suas próprias vidas e se encontravam apenas em locais de comércio", diz Gullov. O número de artefatos inuítes em ruínas nórdicas é muito menor, o que parece mostrar que os nórdicos exportavam tudo o que compravam dos inuítes - marfim de morsa e peles.

Os nórdicos continuaram na Groenlândia até o século da descoberta de Colombo. Se Markland e Vinland eram terras mais habitáveis, havia razões econômicas para permanecerem naquele ambiente hostil: o comércio de marfim de morsa e peles de foca e rena (ou caribu). Quando chegaram, a região era 1º C mais quente que hoje, já que vivia-se o Período Quente Medieval. Eles trouxeram gado, cavalos, ovelhas e cabras, que alimentavam com a grama da tundra, no verão, ou feno, estocado para o inverno. Em anos bons, era possível plantar cevada e trigo, o que não durou muito. Em 1250, o livro norueguês O Espelho Real descrevia a Groenlândia como "o lugar onde ninguém nunca viu pão".

O clima começou a esfriar no século 13, na Pequena Era do Gelo, que duraria até o começo do atual aquecimento, no século 19. O legista Niels Lynnerup, da Universidade de Copenhague, estudou esqueletos nórdicos encontrados na Groenlândia: "No começo, eles tinham uma dieta diversificada, de gado e ovelhas. Mais tarde, dependiam de foca". O frio não era o único problema. Após a Primeira Cruzada, em 1096, foram abertos caminhos para a Ásia e a África, que permitiram a entrada de marfim de elefante na Europa. O marfim de morsa, bem menor, foi se tornando cada vez menos interessante. Em 1361, o bispo Ivar Bardson visitou as ruínas do povoamento ocidental, que chegou a abrigar 20% da população da Groenlândia (no auge, 5 mil pessoas). Ele culpou os skraeling - os inuítes, neste caso - pela destruição. No fim, ninguém mais ouviu falar de nórdicos na ilha.

Historiadores apontam o fim da colonização viking por volta de 1450 - se eles foram mortos ou incorporados pelos inuítes, ou simplesmente partiram, ainda é um mistério. Segundo o historiador Thomas McGovern, da Universidade da Cidade de Nova York, eles desperdiçaram uma chance ao não copiar o estilo de vida dos inuítes, com tecnologias adequadas para o inverno e a neve. "Os groenlandeses decidiram evitar a inovação, enfatizar suas tradições e morrer pelo que consideravam seus valores", escreveu McGovern, em The Demise of Norse Greenland (O Fim da Groenlândia Nórdica). 

O resgate

Em 1492, Colombo chegou ao Caribe pelo meio do Atlântico, uma rota que os escandinavos não seriam capazes de fazer. Oito anos depois, o português Gaspar Corte Real chegou à Groenlândia pelo Atlântico Sul, batizando uma ilha de Terra Nova (daí o inglês "Newfoundland"). Um mapa português de dois anos depois já mostrava a Groenlândia como possessão portuguesa, pois ficava a leste da Linha de Tordesilhas. Isso ficou só no papel.

Em 1604, o rei Cristiano IV da Dinamarca enviou uma "expedição de resgate" - ele acreditava que ainda havia nórdicos morando na Groenlândia. Foi um fracasso, com os navios bloqueados pelo gelo. Em 1721, com Hans Egede, os dinamarqueses conseguiram tomar posse do país novamente, mas só encontraram inuítes, que mostraram a eles as ruínas nórdicas. Hoje, 89% dos 59 mil groenlandeses são inuítes. Desde 2009, a Groenlândia é um país semiautônomo. A maioria da população apoia a independência total da Dinamarca. Um plebiscito vai resolver a questão em 2017. 

As sagas

Sagas são relatos épicos em prosa, presentes nas culturas nórdica e germânica, sobre as viagens dos vikings. A maioria foi escrita depois da conversão ao cristianismo, com base na tradição oral pagã. 

Objetos do cotidiano

Os vikings não usavam chapéu com chifres nem bebiam em canecas feitas de caveira - mas canecas de chifre eram comuns. Seu drinque favorito era a cerveja - o vinho era visto como um produto de luxo vindo do sul. Eles usavam roupas de lã, adornadas com abotoaduras e joias decoradas com motivos animais. Entre seus passatempos favoritos estavam dados e xadrez, com peças de marfim de morsa. Do mesmo material, ou de osso, faziam instrumentos musicais, como flautas. 

As mulheres

As mulheres vikings desfrutavam de muito mais liberdade em relação a outros povos europeus do período. Podiam ser donas de propriedade, como navios, e tinham a alternativa de pedir divórcio. 

Homens do mar

As embarcações vikings tinham por volta de 20 m e uma tripulação de 40 pessoas, mas podiam ser maiores, com até 32 m em alguns navios de propriedade real. Com vento de popa, podiam chegar a 15 nós (27 km/h) de velocidade - o dobro da velocidade de uma caravela da época de Colombo. Sua construção simples deixava um bom espaço para carga. As desvantagens ficavam por conta da precária navegação: eles não tinham mapas ou bússolas, usavam apenas o Sol, estrelas e pontos de referência para se guiar. Bastava um nevoeiro para ficarem perdidos - o que, como vimos, às vezes se transformava em vantagem. Os barcos vikings usavam cascos trincados - cada tábua era presa às tábuas adjacentes, diferente de uma caravela, em que as tábuas são paralelas e presas ao esqueleto. Elas, assim, se tornavam parte da estrutura de sustentação, dispensando um esqueleto pesado - era a razão de sua grande velocidade e maior capacidade de carga. Antes do uso do velame triangular das caravelas, remar era a única solução quando o vento era contrário. Os remadores costumavam ser poupados se o plano era atacar - não adiantaria nada ter um exército exausto. Como os demais europeus medievais, os nórdicos achavam que o mundo era um círculo com centro em Jerusalém, cercado por oceanos cheios de monstros. Sem aceitar que havia um novo continente, acreditavam que a Groenlândia era uma península da Europa, e Vinland, uma península saída da África. 

Os inuítes

domingo, 20 de outubro de 2013

Marco Polo não descobriu a China.


Marco Polo sendo recebido na corte do neto de Gêngis Khan O rei da França decidiu nomear uma nova delegação, dessa vez confiada a Guilherme de Rubruck, para difundir os ensinamentos do Evangelho na Ásia e relatar tudo aquilo que pudesse observar. O religioso deixou Constantinopla em 1253 e levou 90 dias para percorrer os 3 mil km que o levariam a Karakorum, no norte do deserto de Gobi, onde residia o khan Mongke, quarto imperador mongol. Imagem: Biblioteca Nacional da França / Paris

Marco Polo sendo recebido na corte do neto de Gêngis Khan Apesar da fama acumulada por Marco Polo, ele não foi o primeiro europeu a ser recebido na corte do imperador mongol, que dominava a maior parte da Ásia no século XIII. O pioneiro foi um monge franciscano natural de Flandres, chamado Guilherme de Rubruck. O religioso foi também o primeiro a descrever detalhadamente sua viagem ao maior império do Oriente.

Essa história começou na primeira metade do século XIII, numa época em que os mongóis ainda faziam a Europa tremer. O filho de Gêngis Khan havia tomado Moscou em 1238, se apoderado das cidades de Kiev e Zagreb, na atual Ucrânia, invadido a Polônia e ameaçado até mesmo Viena. Essa série de vitórias só foi interrompida pela morte do soberano, já que as disputas por sua sucessão enfraqueceram a dinastia e forçaram os mongóis a recuar até a Ásia central.

Afastado o perigo, o Ocidente passou a enxergar as populações do Leste como aliados em potencial nas cruzadas contra o mundo islâmico, já que alguns asiáticos seguiam o credo nestoriano, variante do cristianismo surgida no século V e considerada herética pela Igreja de Roma. A primeira tentativa de aproximação ocorreu em 1244, quando o papa Inocêncio IV confiou ao monge franciscano Giovanni da Pian del Carpine e ao frei dominicano Ascelino de Cremona a missão de levar até o Grande Khan uma mensagem de desaprovação das destruições que ele provocara, convidando-o a aderir ao “bom caminho”, ou seja, ao cristianismo. O soberano oriental, irritado, respondeu dizendo estar pronto para reconhecer o papa, mas como seu vassalo.

Dois anos depois, quando Luís IX estava na ilha de Chipre liderando a Sétima Cruzada, um enviado mongol lhe propôs uma ação militar conjunta: enquanto os cristãos atacassem o sultão do Cairo, o império do Leste investiria contra o califado de Bagdá. Luís aprovou a ideia, mas o Grande Khan faleceu antes que a delegação francesa chegasse à sua corte para firmar o acordo, fazendo tudo voltar à estaca zero.

No dia 3 de janeiro de 1254, Guilherme de Rubruck finalmente chegou à corte do neto de Gêngis Khan, que pela primeira vez acompanhou a entrada de uma delegação ocidental na cidade. Depois da calorosa recepção, o franciscano participou de uma discussão entre muçulmanos, budistas e cristãos organizada pelo líder oriental, na qual percebeu que sua missão estava fadada ao fracasso: os mongóis não seriam convertidos.