O estudo objetiva
investigar a atuação designada à enfermeira integralista e a instrução que
recebia para desempenhar com a máxima eficácia o seu papel nos quadros da Ação
Integralista Brasileira, partido político de extrema direita, que emerge no
Brasil, na década de 1930. Utilizam como fonte documental jornais
integralistas, a coleção “Enciclopédia Integralista” e os prontuários sobre a
Escola de Enfermagem Integralista que compõem o acervo criminal da Polícia
Política, organizado pela Delegacia Especial de Segurança Política e Social.
Como resultado, a pesquisa apresenta um expressivo investimento do integralismo
na formação de enfermeiras, mulheres que aproveitaram o ensejo do momento para
ampliar seus espaços sociais. Conclui que, embora o integralismo reforçasse os
papéis descritos socialmente como femininos, a relação das mulheres com o
movimento foi inovadora, pois possibilitou novas práticas e representações que
elas passaram também a desenvolver na esfera pública, à exemplo, a atuação como
enfermeiras.
A década de 1930
representou um marco na trajetória da política social brasileira, uma vez que a
“questão social” passou a receber um tratamento diferenciado em relação ao
período da Primeira República. Uma variedade de orientações ideológicas,
presentes especialmente a partir de 1920 (nacionalismo, tenentismo e outras),
denota a presença de marcante
inquietação e heterogeneidade sociocultural no período. Nas cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo, as transformações do espaço urbano e a expansão econômica
trouxeram novas oportunidades para as mulheres na esfera pública,
possibilitando assim, uma maior
visibilidade feminina em espaços antes de exclusividade masculina.
Nesse contexto de
mudanças, as mulheres passaram a se fazer mais presentes na vida pública, não
só nas manifestações político-partidárias como também no mercado de trabalho,
gerando na sociedade brasileira algumas tensões e conflitos diante das
inovações culturais do período. Eram solicitadas por vários setores que até
então as excluíam, bem como reivindicavam o direito de acesso ao espaço
público, mesmo que enfrentando críticas e reações frente às tradições e ao
conservadorismo predominante. Impulsionada pelos acontecimentos do período, em
face de uma Nação que buscava se modernizar, a área da saúde pública ampliou
suas atividades na sociedade de modo a promover o controle da população mais
pobre, mediante a vigilância e a educação sanitária através de visitas
domiciliares. Tais intentos possibilitaram às mulheres, que lutavam por um
espaço no mercado de trabalho, a atuação como enfermeiras. Diante das
constantes lutas femininas por melhores condições de trabalho e mais igualdade
de direitos na sociedade, a Ação Integralista Brasileira (AIB), partido
político de extrema direita do Brasil, na década de 1930, não ficou inerte, incentivando o desenvolvimento da enfermagem
no interior do movimento. Provavelmente, as conquistas sociais alcançadas pelas
mulheres, naquele momento, como a obtenção de empregos, antes restritos aos
homens, e o direito ao voto, fizeram a AIB, assim como o restante da
intelectualidade, adaptar seu discurso repressor, de forma que atraísse a
mulher.
Também para o campo
da enfermagem o integralismo direcionou as mulheres militantes, integrantes de
suas fileiras. A AIB compreendia que, no exercício da enfermagem, os atributos considerados
intrínsecos à natureza feminina eram valorizados, tornando-se indispensáveis à
prestação de um cuidado que era, ao mesmo tempo, técnico e abnegado. Assim, a
profissão de enfermeira foi entendida como uma extensão do papel da mulher no
recesso do lar, como esposa, mãe e dona de
casa, no desempenho de funções ligadas ao cuidado do outro, em relação ao qual
havia que se exercitar uma vigilância permanente. O integralismo conferia à
mulher enfermeira o papel de combater as endemias existentes, a fim de fazer do
povo brasileiro um povo forte, capaz de tornar o País “a potência das
potências”. Desse modo, a AIB investiu
em propagandas e cursos integralistas de enfermagem, formando diversas turmas
que atuariam em seus laboratórios, lactários e ambulatórios, além de “[...]
servirem nos trabalhos geraes ou especializados das clínicas privadas, dos
hospitaes e, se necessário, nos serviços sanitários nacionaes”.
Os cursos de
enfermagem ofertados pela AIB
também são objeto de investigação deste estudo. Considerando a expressividade
da AIB no cenário político da época e compreendendo a crescente participação
das mulheres na sociedade do período, com destaque neste estudo para a participação
da mulher no integralismo, a pesquisa objetiva investigar a atuação designada à
enfermeira integralista e a instrução que recebia para desempenhar com a máxima
eficácia o seu papel nos quadros da AIB, para que pudesse tornar fortes e
saudáveis os integralistas, aptos a lutar pelas causas do movimento. Ao
realizar um levantamento dos estudos desenvolvidos sobre o integralismo e sobre
a história da enfermagem na década de 1930 foi possível observar que poucos
autores investiram esforços na compreensão sobre a atuação da mulher, como enfermeira,
nos quadros da AIB. Pôde-se constatar que as enfermeiras integralistas são
mencionadas em estudos que se dedicaram a investigar a participação da mulher
no integralismo, mas que esses estudos não se aprofundam na análise da temática
em questão, limitando-se a apontar a enfermagem como um campo de ação das
militantes.
Desse modo, o estudo
justifica-se pela análise do destacado papel desempenhado pelas enfermeiras
integralistas nas fileiras da AIB e na sociedade do período, dado que assinala
uma trajetória histórica não evidenciada pela área da enfermagem. Justifica-se,
também, pelo ineditismo da temática, que
aponta para um significativo espaço de atuação destinado à mulher numa
sociedade em que a esfera pública se caracterizava como um lugar de circulação
predominantemente masculina.
ABORDAGEM
TEÓRICO-METODOLÓGICA
Esta pesquisa
histórica, de cunho qualitativo, apresenta como recorte temporal o período de 1932
a 1938, cuja delimitação emerge do próprio objeto de estudo, uma vez que 1932 é
o ano de fundação da Ação Integralista Brasileira e, 1938, o ano de extinção da
Associação Brasileira de Cultura (ABC), antiga AIB. Vale lembrar que no início do
Governo ditatorial de Getúlio Vargas todos os partidos políticos foram
suprimidos, juntamente com eles a AIB, o que demandou uma readaptação das suas
funções, levando-a a se transformar em sociedade civil com a
denominação de Associação Brasileira de Cultura. Como ABC, funcionou até 1938,
quando foi extinta, e seus líderes foram enviados para o exílio. O
estudo utiliza como fonte documental jornais integralistas – “A Offensiva”,
“Monitor Integralista” e “Província de Guanabara” – a coleção “Enciclopédia
Integralista” e os prontuários sobre a Escola de Enfermagem Integralista, que compõem
o acervo criminal da Polícia Política, organizado pela Delegacia Especial de
Segurança Política e Social (DESPS/RJ)** e que se encontra no Arquivo do Estado
do Rio de Janeiro. Do jornal A Offensiva, órgão de divulgação doutrinária
da AIB, foram selecionados cinco artigos e algumas notas, dos 748 exemplares
publicados, de 17 de maio de 1934 a 19 de março de 1938.
As notas publicadas
nas seções Movimento Integralista e na Página Médica possibilitaram o acompanhamento
dos acontecimentos ocorrentes na Escola de Enfermagem da AIB. Do jornal Monitor
Integralista, periódico doutrinário e prescritivo do movimento, publicado
da primeira quinzena de 1933 (n. 1) a 7 outubro de 1937 (n. 22), foram utilizados
os Estatutos da Secretaria Nacional de Arregimentação Feminina e dos Plinianos (SNAFP), presentes no exemplar de número
oito, que foi veiculado em 1934. Do jornal Província de Guanabara, o estudo fez uso
das notícias referentes ao Curso Prático de Enfermagem, com ênfase à notícia
publicada em 19 de abril de 1937, presente na página dois do
exemplar quatro, que tratava da organização do referido curso.
À Enciclopédia
Integralista, composta por um compêndio de textos elaborados por integrantes da
AIB, inclusive por alguns escritos do Chefe Nacional do movimento, Plínio
Salgado, recorreu-se para análise e compreensão sobre o Regimento da Secretaria
Nacional de Arregimentação Feminina e dos Plinianos, que coordenava, de modo mais
abrangente, todas as atividades femininas no integralismo, inclusive as
atividades desempenhadas pelas enfermeiras.
Finalmente, recorreu-se aos prontuários da Polícia Política, órgão de repressão
do governo no período, para análise dos documentos apreendidos e dos relatórios
elaborados após a extinção da AIB, por determinação do governo ditatorial de
Vargas. A seleção do material se deu pelo levantamento prévio dos artigos e
documentos relacionados à temática em questão. Como ferramenta metodológica foi
utilizada a análise dos documentos em separado e,
posteriormente, relacionados entre si. Desse entrecruzamento entre as
diferentes fontes de pesquisa foram elaboradas unidades de significado que
possibilitaram melhor compreender a atuação das enfermeiras nos quadros do
integralismo e as ações empreendias pelo movimento para a formação dessas
militantes.
A Ação
Integralista Brasileira e atuação feminina em seus quadros
Com Núcleos
organizados em todo território nacional e contando, em 1937, com mais de um
milhão de adeptos, segundo informações divulgadas em o Monitor Integralista,
a AIB buscou transmitir a imagem de um movimento preocupado com a população,
com os problemas sociais do Brasil. O integralista, além dos deveres para com a
Pátria e com o movimento, que iriam até o sacrifício da própria vida, teria o
dever de prestar assistência e socorro a todos os brasileiros. Para levar a
cabo seus intentos de conquistar novos adeptos, inclusive por intermédio da
caridade e beneficência, o integralismo não poupou esforços e atuava com vigor
nos centros beneficentes, ambulatórios e lactários por intermédio das
militantes. Compreendendo a nova posição social que a mulher assumia e sua
presença mais marcante no espaço público, o integralismo aproveitou para direcionar
a “energia feminina” para as atividades de assistência social, educação e
saúde, além do trabalho de arregimentação e doutrinamento de jovens e crianças.
As mulheres inscritas na AIB eram chamadas de “blusas-verdes”, em alusão ao uso
do uniforme constituído por blusa de meia-manga de cor verde. Essa vestimenta
deveria ser utilizada pela militante em aparições públicas, desfiles, reuniões,
batizados, casamentos e outros eventos integralistas ou não-integralistas,
sendo seu uso obrigatório em solenidades do movimento. A presença oficial
feminina na AIB, na qualidade de membros efetivos, foi definida
institucionalmente a partir do Regimento da Secretaria Nacional de
Arregimentação Feminina e dos Plinianos (SNAFP), aprovado em 10 de agosto de 1936,
obedecendo aos princípios hierárquicos da agremiação. Nota-se que a Secretaria
era chefiada por mulheres e a posse dos cargos era comemorada em reuniões
solenes e divulgada nos jornais integralistas que enfatizavam a “[...] nobreza
de caráter da mulher integralista, sendo ela a mais indicada para organizar e
chefiar o trabalho das companheiras blusas-verdes”. A SNAFP compreendia dois Departamentos:
Feminino e dos Plinianos. De acordo com o regimento da SNAFP, o Departamento
Feminino tinha por objetivo “[...] orientar, dirigir, controlar e arregimentar
as atividades Femininas no Movimento”,10:170 e o Departamento dos Plinianos
“[...] reunir, disciplinar e educar, por intermédio da escola ativa, todos os
brasileiros, de ambos os sexos, até 15 anos de idade, de modo a realizar o seu
aperfeiçoamento moral, cívico, intelectual e físico”.