domingo, 10 de agosto de 2014

O Cérebro e a violência




            Qual é o determinante mais forte das nossas ações: a natureza genética ou a influência do ambiente? A questão era badalada nos anos 70, mas já há alguns anos a ciência deixou de se preocupar tanto com qual é o mais forte. Hoje se reconhece que ambos são importantes, e a pergunta da hora é outra: como e onde genética e ambiente se combinam para afetar nosso comportamento?

            O onde é certo: no cérebro. O como ainda é impreciso, embora boas hipóteses existam. Uma delas é apresentada em artigo publicado dia 2 de agosto na revista Science, que sugere como o comportamento violento, que tem um componente social sabidamente forte, também sofre importante influência da herança genética. A resposta está no produto de um gene que afeta a disponibilidade no cérebro de um neurotransmissor -- a serotonina.

            Manter o equilíbrio dos neurotransmissores cerebrais é tarefa delicada, e as interferências são várias. Mesmo assim, geralmente o cérebro dá conta do recado sozinho. Ocasionalmente, no entanto, a balança cai desproporcionalmente para um dos lados, e os efeitos podem ser palpáveis. No caso da serotonina, a deficiência está ligada à depressão e falta de motivação. Já seu excesso leva a outro extremo: agressividade. O comportamento agressivo em humanos costuma andar de mãos dadas com um excesso de serotonina e da sua prima noradrenalina no cérebro. Além disso, camundongos em cujo genoma é deletado o gene que comanda a produção de uma enzima que decompõe excessos de serotonina ganham um 'superávit' permanente desse neurotransmissor em seu cérebro -- e os machos adultos ficam tão agressivos que brigam entre si, e chegam a ser difíceis de manipular por humanos.

            Como se chega a um excesso de serotonina? Uma maneira é a manipulação genética -- e não é preciso fazer com humanos o que cientistas fazem em laboratório com o genoma dos camundongos. A natureza se encarrega disso, criando variantes mais ou menos eficazes de enzimas que regulam a quantidade de serotonina disponível no cérebro, como a monoamina oxidase (MAOA) deletada artificialmente em camundongos. Uma variante especialmente ineficaz da MAOA foi encontrada em 1993 numa família holandesa, assolada por casos de agressividade impulsiva, incêndios criminosos, tentativas de estupro e exibicionismo. Todos os membros violentos da família eram completamente deficientes em MAOA -- o que leva a níveis elevadíssimos de serotonina no cérebro.

            Outra maneira de provocar um nível excessivo de serotonina no cérebro é por meio de maus-tratos na infância, como espancamento ou abuso sexual -- que são, aliás, grandes fatores de risco para o comportamento violento na idade adulta.

            A influência social, no entanto, não é tudo -- felizmente. Maus-tratos na infância são fator de risco, mas não sinônimo de violência futura: embora o índice de criminalidade adulta aumente em 50% entre crianças maltratadas, a maioria delas não se torna adultos delinqüentes ou criminosos. O que faz a diferença?

            A genética, segundo um estudo da equipe dos psicólogos clínicos Terrie Moffitt e Avshalom Caspi, do King's College London e da Universidade de Wisconsin. Os pesquisadores tiveram acesso a um estudo neozelandês que acompanha desde 1972 a saúde física e mental de mais de mil pessoas desde o nascimento. Para diminuir o número de variáveis, Moffitt e Caspi selecionaram 442 homens com os quatro avós caucasianos. Por um lado, estudaram sua tendência à violência, usando índices diferentes como sintomas de distúrbio anti-social e indiciamentos por crimes violentos. Por outro, analisaram tanto o registro de maus-tratos na infância quanto a variante da enzima MAOA produzida por cada voluntário.

            O resultado? Homens maltratados na infância tinham uma probabilidade dez vezes maior que os demais de cometerem crimes violentos desde que eles, além de terem sofrido maus-tratos severos, possuíssem uma forma pouco ativa da MAOA, que permite níveis elevados de serotonina no cérebro. No total, 85% desses homens severamente maltratados na infância e cuja MAOA é pouco ativa exibiram mais tarde comportamento violento. Dentre aqueles que possuíam a forma muito ativa, em comparação, maus-tratos na infância não aumentaram o risco de comportamento violento em adulto.

            O elo entre uma baixa atividade da MAOA -- e portanto um alto nível de serotonina -- e a predisposição à violência está provavelmente em estruturas do cérebro como a amígdala, que controlam o medo. Uma alteração permanente no equilíbrio da serotonina, causada pela conjunção entre maus-tratos e baixa MAOA, pode fazer com que a amígdala se torne permanentemente hiper-reativa a ameaças, reagindo desmesuradamente a um estímulo que de outra forma não evocaria uma reação violenta.

            Por fim, o simples fato de possuir a forma pouco ativa da MAOA não torna os homens violentos. A propensão à violência requer a conjunção no cérebro entre a genética -- a versão da MAOA que cada um possui -- e o ambiente -- no caso, na forma de maus-tratos na infância.

            Ah, sim. Há um terceiro fator nessa história. Não deve ser uma surpresa para o leitor descobrir, a esta altura, que o gene da MAOA fica no cromossomo X, presente em duas cópias nas mulheres, mas apenas uma nos homens. Como lembram os geneticistas, o mais forte marcador genético para a violência ainda é a presença de um cromossomo Y...