Um exemplar de Fundamentos do
nacional-socialismo, de Alois Hudal, entregue a Hitler em novembro de 1936 como
parte de uma conspiração pra dividir o movimento nazista. Imagem: Arquivo
Pessoal CHH.
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Esse trabalho é baseado no livro “A
Biblioteca esquecida de Hitler: os livros que moldaram a vida do Führer”, do
autor Timothy W. Rybach.
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Em 1936 o bispo Católico Alois Hudal, com então 49 anos
escreveu o livro Fundamentos do nacional-socialismo. A primeira vista poderia parecer mais
um livro dentre tantos que apoiavam e instruíam os cidadãos dentro das
políticas do nacional-socialismo. O livro era apresentado com uma capa marrom
estridente que lembra os uniformes das Tropas de Assalto, com seu título e
autor escritos em um tom dourado atenuado em uma capa de linho. A principio parece
um tratado conspiratório, assim como a fotografia brilhante em página inteira
de seu autor, mal parece a imagem do artífice de uma trama do Vaticano para
dividir o movimento nazista de dentro, purificá-lo das toxinas antissemitas,
infundi-lo de caridade cristã e despertar em seus seguidores o catolicismo
romano latente que os conspiradores tinham certeza de que jazia dormente dentro
de suas almas.
O herege livro “O Mito do Século XX”.
Um plano que parecia tão ingênuo quanto ambicioso, mas
por algumas horas em novembro de 1936, quando Hitler recebeu o livro, aquele
plano pareceu cambalear à beira do sucesso, uma conspiração de um homem só (bispo franciscano
Alois Hudal) iniciado dois anos e meio antes, na tarde de 7 de
fevereiro de 1934, por um estudioso do Antigo Testamento.
Exemplar do livro O Mito do século XX de
Alfred Rosenberg. Hitler certa vez descreveu o livro como algo impenetrável.
Esta edição de 1940 contém o Ex-Libris de Hitler, mas não mostra sinais de ter
sido lida. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.
Naquela tarde especial de 1934, Hitler recebeu o cardeal Karl Joseph
Schulte, , bispo de Colônia, em seu escritório na Chancelaria do
Reich. O cardeal viera a Berlim para expressar sua preocupação com a agitação
anticristã crescente entre os nazistas locais e, em particular, com a recente
nomeação de Alfred
Rosenberg como o “Ideólogo
principal.” de Hitler, responsável pelo bem-estar “espiritual” do povo
alemão. Agora o cardeal Karl Joseph Schulte vinha levantando a questão com o
próprio Hitler. Este foi lembrado de que Shulte era responsável pelo bem-estar
espiritual de 7 milhões de católicos, que inicialmente apoiaram a tomada do
poder pelos nazistas e o acordo firmado com o Vaticano. Schulte disse que havia
observado um aumento preocupante da retórica anticristã e anticlerical entre os
líderes nazistas, tendências agravadas ainda mais pela nomeação de Rosenberg
como “representante” do ensino “ideológico e espiritual”. Não apenas
monitoramento do ensino Religioso violava os termos do acordo com o Vaticano,
como Rosenberg era um conhecido militante crítico da Igreja, fato que ficava
bem claro em seu livro o Mito do século XX.
Rosenberg estava
entre os nazistas anticristãos mais militantes, seu livro O mito do século XX
constituindo um compêndio de heresias, incluindo a defesa da poligamia,
a esterilização forçada e a propagação do “quinto Evangelho”, que
revelaria a verdadeira natureza de Jesus Cristo. De acordo com aquele “Evangelho perdido”, Jesus era
revoltado contra seu próprio povo, era um profeta irado propenso a destruição.
Em seu livro Rosenberg alegou que “São Pedro, agindo como um agente judeu,
mudou seu nome para de Saulo para Paulo e ocultou o quinto Evangelho como meio
de escravizar os povos da Europa” (A mais pura paranoia antissemita).
Rosenberg falou de uma ética cristã “judaizada” e
imaginou o surgimento de uma nova religião. Com símbolos de culto voltados a
soldados tombados em batalha, como símbolos do mito eterno do sangue e vontade,
deram a vida pela honra do nome alemão.
E novembro de 1933, o Vaticano havia feito um protesto
formal contra a inclusão do Mito de Rosenberg nos currículos escolares, mas em
vão. Em janeiro o ministro da Educação prussiano incluiu o livro numa lista de
títulos “recomendados” a bibliotecas
escolares. Os bispos fizeram soar o alarme.
“Recentemente, soube que o livro O mito do século XX deveria ser
incluído nas bibliotecas escolares das escolas de nível médio. Esse livro de
Rosenberg não condiz com tal biblioteca no mínimo caberia no Index [o Index
Librorum Probitorum do Vaticano, a famosa lista de livros proibidos].”
Cardeal Karl Joseph Schulte
À menção do livro de Rosenberg fez Hitler interromper
Shulte.
“Não quero aquele livro, Rosenberg sabe disso! Eu mesmo lhe disse
que não quero nenhuma relação com aquelas coisas pagã”.
Adolf Hitler
O
cardeal Schulte respondeu que Hitler não podia mais falar assim sobre Rosenberg
e seu livro, Herr chanceler do Reich, porque, há poucos dias o senhor nomeou oficialmente
esse mesmo Herr Rosenberg como instrutor ideológico do Partido Nazista e,
portanto como instrutor de grande parte do povo alemão e portanto quer goste ou
não o senhor será identificado com Herr Rosenberg! Hitler respondeu que se
identificava com Herr Rosenberg, mas com o autor do livro O Mito. Hitler
Repetiu que sua convicção de que sua convicção de nomear Rosenberg nada tinha a
ver com seu livro o Mito. O livro repetiu Hitler era assunto particular. E
destacou que se alguém devia ser responsabilizado pelo livro, era a Igreja
Católica, pois foram os bispos que tornaram o livro de Rosenberg tão conhecido.
Sem eles, ninguém ele teria dado a menor atenção. Quando Schulte disse que
Hitler estava “distorcendo” os fatos, este mudou de assunto. O encontro chegou
a um final nervoso.
O Contragolpe Cristão com o livro “Fundamentos do
Nacional-socialismo”.
Em
1933, Hitler foi nomeado por Paul Von
Hindenburg com o 16º chanceler da República
de Weimar. Na noite de 30 de junho de 1934, numa operação conhecida
como “Noite dos Longos Punhais”, Hitler mandou eliminar líderes do Partido
Nazista que discordavam de suas opiniões, muitos foram presos e executados. Hitler
agora detinha a autoridade absoluta, e a natureza implacável do seu regime era
evidente a todos.
Mas enquanto Hitler eliminava a
dissidência em seu país e no próprio partido, a trama do bispo católico Alois Hudal
para solapar a movimento nazista já estava em andamento. Na mesma tarde em que
Hitler discutiu com o cardeal Schulte sobre o livro o Mito de Rosenberg,
uma assembleia de cardeais conhecida como Santo Ofício se reunia em Roma para tomar uma decisão que pôs
em marcha os projetos ambiciosos do bispo Hudal.
Nas
negociações com o Partido Nazista que culminaram no acordo da primavera e verão
de 1933, o bispo Hudal havia identificado duas
facções dentro do movimento nazista:
os “conservadores” como
Goering e Goebbels, preocupados principalmente com o poder político, e os “radicais” do partido, como
Rosenberg, que promoviam uma ideologia ariana fanática e estranha. Completando a
inclusão do livro o Mito de Rosenberg no Index, o bispo Hudal recomendou uma
campanha de relações públicas para expor essas divisões e forçar Hitler a tomar
partido.
Para o bispo Hudal, a expectativa
pública poderia obrigar Hitler e Von Papen a se distanciarem dos radicais e
adotar plenamente os termos do acordo como parte de seu “dever com a
felicidade” do povo alemão. Desse modo disse o bispo Hudal, a posição do
Vaticano e de todos os jornais católicos possíveis no exterior deve ser a exigência
idêntica no espírito idêntico: Von Papen e Hitler, Hitler e Von Papen! Só assim
segundo Hudal um clima potencialmente benéfico pode ser criado.
Segundo
o bispo Hudal, uma vez que o movimento nazista tivesse sido polarizado, os
“radicais” apartados na extrema esquerda e os “conservadores” atraídos para a
ala cristã, Hudal pretendia propor um projeto teológico combinado à crença
católica romana com a doutrina nacional-socialista. Hudal via grande potencial
nisso.
Se
os nazistas pudessem ser persuadidos a abandonar o “antissemitismo” a favor do “antijudaismo”, ou
seja, incomodar-se com a comunidade religiosa, em vez da racial, o bispo Hudal
acreditava que os alemães pudessem criar uma forma catequizada de fascismo que
representaria a força política e social mais poderosa da Europa: a disseminação
do bolchevismo. Hudal se referiu a certa “Wermacht
do espírito” e notou que o ministro do Exterior soviético, Viatcheslav
Mólotov, declarara que a maior ameaça ao comunismo seria a fusão do fascismo
com o catolicismo romano.
Quando o bispo Hudal delineou sua
estratégia durante uma audiência privada com Pio XI, o papa ouviu pacientemente
e depois disse ao bispo austríaco que este julgara mal Hitler e seu movimento
ao achar que o nacional-socialismo representava um sistema de crenças.
“Ai você cometeu seu primeiro erro bispo Hudal. Você não pode falar
de nada espiritual nesse movimento. É um materialismo total.”
Papa Pio XI
Para
o Papa Pio XI, não havia desejo por parte dos nazistas de entrar em acordo com
o cristianismo, e nunca haveria. O movimento envia táticas e poder, não fé ou
crença. No final da audiência, Pio XI informou Hudal que não acreditava na
“possibilidade de uma compreensão” entre nazistas e católicos, mas desejava a
Hudal “boa sorte” em sua iniciativa. Hudal ignorou o conselho papal, pois
acreditava que existia dentro de Hitler ainda aquele menino que um dia recebeu
lições de canto no coro paroquial de Lambach e que via na posição de pároco de
aldeia o ideal de vida e que deseja no mais
a situação de abade uma grande aspiração (Estas palavras o bispo Hudal
extraiu lendo Mein Kampf).
Na primavera de 1935, quando Hudal
se aproximou de Von Papen com sua proposta de uma fusão católico-fascista, ele
instintivamente viu o potencial e acreditou que aquilo fosse agradar Hitler,
não apenas por razões táticas, mas também devido às ressonâncias mais profundas
com sua formação austríaco-católica.
Naquela primavera, ao discutir a
proposta de Hudal várias vezes com Hitler, ficou encorajado pelo “grande
interesse” que este mostrou pela ideia. Von Papen aconselhou Hudal a não
publicar sua obra até que tivesse oportunidade de mostrá-la pessoalmente a Hitler
e assegurar sua aprovação pessoal. Hudal concordou em aguardar.
Em 8 de junho de 1936, durante uma
reunião com Hitler e Goebbels, Von Papen apresentou os originais de Hudal,
louvando sua capacidade de reduzir a distância entre a teologia católica e a
ideologia nazista, formando assim um anteparo contra a ameaça bolchevique.
Conforme a previsão de Hudal, Hitler pareceu receptivo à ideia. Goebbels
manteve-se cético. Pegou os originais e disse que iria examinar. Uma
semana depois, enviou a Von Papen uma lista de dezessete pontos de que
discordava.
“Livro do bispo Hudal proibido, Von Papen intercedeu muito por ele”, Goebbels
anotou no seu diário. Mas Von Papen não esmoreceu. Mostrou a
resposta de Goebbels a Hudal e recomendou que o bispo fizesse as emendas
sugeridas. Depois escreveu a Hitler insistindo que apoiasse Hudal “de modo a
manter esse homem capaz de lutar por nós e não expô-lo ao grupo de cardeais que
são seus superiores e podem silencia-lo para sempre se seu livro iminente for
oficialmente proibido”.
Conforme se pretendia, o manuscrito de Hudal semeou a
discórdia entre a elite nazista. Claro que Von Papen pressionou pela
publicação. Rosenberg ficou furioso com o fato de que um bispo pudesse “impor”
condições ao partido. No início de outubro, Hitler cansado do exibicionismo e
brigas em torno do original de Hudal, “endossou” o livro. Fundamentos do
nacional-socialismo, de Hudal, foi publicado naquele mês pela
Johannes Günther Verlag, em Viena. As
fissuras na elite do Partido Nazista forma claras, as posições se acirrando,
mas a balança parecia pender a favor de Hudal.
“Em
setembro de 1935, Hitler já havia se distanciado publicamente dos radicais do
partido. Seu discurso é uma rejeição singular de Rosenberg e Streicher. Mas
Hitler também vinha se cansando de Goebbels que por quase dois anos tem
orquestrado calúnias e difamações contra o clero católico”.
Timothy
W. Ryback
Em
outubro, os
primeiros exemplares do livro de Hubal, “Os fundamentos do nacional-socialismo”
saíram da gráfica. Sentado no escritório em 3 de novembro de 1936,
Hudal, com uma série de floreios elegantes escreveu uma dedicatória no primeiro
exemplar para “o Führer da ressurreição alemã” e “Siegfried da esperança e
grandeza alemã,” entregando-o depois a Von Papen para que fosse presenteado a
Hitler. Em 14 de novembro de 1936 Von Papen se reuniu com Goebbels e Martin
Bormann e entregou
o livro a Hitler, este lhe disse que com certeza leria. Nessa
reunião iniciaram-se debates que durariam horas e no final os “radicais” do partido acabaram
prevalecendo. “No final, consegui assegurar a importância de 2
mil exemplares sob pressuposto de que seriam distribuídos aos círculos
dominantes do partido”, Von Papen mais tarde lembrou. “A tentativa de uma discussão séria acabou
sendo sabotada”. “O livro de Hudal foi
de novo derrubado”, Goebbels escreveu no seu diário.
Quando Hudal soube do resultado,
ficou arrasado. Com toda a sua ambição para o livro, este havia sido relegado a
um círculo de indivíduos que dificilmente o leriam, e menos ainda o
entenderiam. Fundamentos havia se
tornado irrelevante. Mais ou menos na mesma época, o Vaticano se distanciou
do livro de Hudal numa declaração final:
“Como o próprio autor declarou a uma entidade austríaca, e com base
em diferentes observações solicitadas, declara-se que, ao escrever seu livro,
não foi inspirado por mais ninguém e não foi oficialmente incumbido de
fazê-lo”.
Declaração do Vaticano sobre o livro de Hudal,
Fundamentos do nacional-socialismo.
Novembro de 1936.
O
bispo Hudal sentiu-se insultado e magoado com o que ele considerou uma afronta.
Ao reclamar com um cardeal sobre aquela reprimenda pública, foi informado de
que poderia ter sido pior. De acordo
com o cardeal, o Papa Pio XI ficara furioso com os Fundamentos do nacional-socialismo
e defendera sua inclusão no Index. O que salvou Hudal de ser o primeiro
bispo de todos os tempos a entrar no Index foi que pareceu “inoportuno”. Quando
Hudal tentou discutir o assunto com o próprio papa, seu pedido foi recusado. Os
bispos da Alemanha foram igualmente duros. Chamaram-no de “bispo nazista”.
Hudal
nunca se recuperou da derrota. Após a guerra , viu-se forçado a deixar seu
posto no Vaticano, e foi transferido para um mosteiro isolado. O bispo controvertido talvez tenha se
consolado com a máxima latina: habent sua fata libelli – os livros têm seu próprio destino.
07/06/2014
Leandro Claudir é Acadêmico de História e Administrador do
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esquecida de Hitler: os livros que moldaram a vida do Führer. São Paulo:
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