O escravo e o trabalho com a cana de açúcar. Fonte: Arquivo Pessoal CHH.
Autor:
Leandro Claudir
Para
a historiografia sulina durante décadas o escravo africano inexistiu, sendo
esse um consenso entre os historiadores a pouca importância que teria tido o
escravo na formação do Rio Grande do Sul. Avaliavam ser o homem livre o fator
preponderante na formação de nosso Estado. Acreditavam que os escravos eram
pouco utilizados, e quando se falava neles era para ressaltar que aqui, se
houve escravismo, ele foi paternal, benigno. Pelo conceito vigente acreditavam
que havia sido pequena a contribuição de sangue africano na etnia
rio-grandense.
Diante
desses fatos cria-se então o difuso mito da Província libertária, obra do braço
livre, inocente, ou quase, da pecha da escravidão. Mas os primeiros escritos
sérios sobre o assunto irão provar o contrário. Participando do amplo movimento
da década de 30, que reiniciará o estudo mais sistemático da “africanologia”
brasileira, aparecerão os primeiros trabalhos do advogado Dante de Laytano que
procurará, nos documentos, relatos e mapas estatísticos do século XVIII e XIX,
o traço da passagem da escravidão pelo Rio Grande do Sul. Tece duras palavras
sobre a benignidade do tratamento aos escravos, pois enquanto os negros estavam
no pastoril do Rio Grande tiveram um tratamento mais humano, mas ao habitar a
senzala dos granjeiros ou as charqueadas esse tratamento foi modificado pelas
chicoteadas do feitor e pela barbárie escravagista.
Na
verdade, a história do escravo no sul está, ainda, por escrever-se. Isso
deve-se a resistência dos historiadores gaúchos a escrever a história como ela
é, pois tornará pouco simpático os heróis aparecerem como senhores-de-escravos.
Junta-se a esse problema a raridade das fontes históricas, pois muitas foram
propositalmente destruídas. A saga do escravo no Rio Grande do Sul não deve ser
esquecida, pois ali nas fétidas e úmidas senzalas das charqueadas, nos
suicídios do escravo desesperado, no negro aquilombado, nas tentativas de fuga
e insurreições está o passado do nosso povo. No fim do século XVII, Portugal
funda a Colônia de Sacramento e uma das mercadorias procuradas que mais
chegavam à mesma colônia era o negro. Era um gigantesco mercado de mão-de-obra
servil devido a sua posição geográfica que facilitava tanto o recebimento como
a distribuição pela região. O comercio com o homem escravizado será uma
realidade cotidiana na Colônia. Outra atividade importante para a Colônia de
Sacramento além do contrabando era o couro, sebos carnes salgadas e os escravos
africanos como citados anteriormente. A caça ao gado da Banda Oriental, pelo
seu couro, será permanentemente, um dos pilares econômicos da Colônia.
Conseguindo o couro, era ele secado e exportado para o Brasil, ou para o
exterior. Com a abertura do ciclo mineiro, com o descobrimento dos campos auríferos
em Minas Gerais. As “vacarias” do sul serão agora valorizadas não somente pelo
couro que se podia extrair. O gado vale como animal de carga, como fonte de
suprimento.
Nos
primeiros anos do novo século, começarão a descer, em direção ao sul, tropeiros
vicentinos em busca do valorizado e abundante gado. Isso possibilita a fixação
do homem: as primeiras “estâncias”, os primeiros povoados. A ocupação do sul,
que vinha dando-se em função da Colônia de Sacramento, torna-se independente
desta, toma uma razão em si. Mas isso não significa que a ocupação do Rio
Grande do Sul tenha-se dado baseada essencialmente sobre o braço livre. Mesmo
sendo obvio que a caça ao gado selvagem não se combinava com o trabalho
compulsório. Os peões que trabalhavam na courama eram senhores de seus
destinos, pois se encontravam com boas montarias e armados. Coisas que não se
encaixavam com o homem escravizado. Alguns escravos que participavam dessas
atividades transformavam-se em acompanhantes de seus senhores como guarda-costas
e pajens. A escravidão era meramente jurídica. A abundância de mão de obra para
estas atividades estava relacionada com a dificuldade de obter terras e o
orgulho impedia os colonos de competir com os escravos índios e negros pela
agricultura, pois isso os faria manchar a honra espanhola. O negocio do gado
era diferente. Era “Sport”, não trabalho. O mesmo era válido para o lusitano.
Cicatrizes dos açoites dos feitores. Fonte: Arquivo Pessoal CHH.
Desse
modelo social nasce o gaudério, changador ou gaúcho. Em regra homens de má
índole, vagabundos e fugitivos. O gaúcho foi parte fundamental de nossa
história que esqueceu do eterno presente : o escravo. Embora, até quase o
início do século XIX não tivéssemos um regime social de produção escravista a
presença do homem escravizado era constante e significativa. O nosso território
começa a ser ocupado durante um período aonde a sociedade brasileira esta toda
alicerçada sobre a exploração do trabalho servil. A posse de um escravo
significava status social. A presença do escravo em nossas primeiras estâncias
e algo pouco estudado, mas seu papel importante esta presente na analise de
mapas estatísticos da Capitania. A agricultura ocupará, também, nesses
primeiros anos o braço escravo. Não o fará porém com exclusividade. O regime
social de escravidão se estrutura com a expulsão dos espanhóis e a fundação da
primeira charqueada, ao nível industrial, que teremos uma atividade produtiva
de primeira ordem, baseada na exploração do trabalho escravo. Iniciando a
introdução sistemática de escravos para a exploração na atividade produtiva. O ato
de charquear era uma pratica artesanal e o próprio peão podia preparar o couro
e carneá-lo, estender as carnes. O começo da produção industrial de charque no
Rio Grande do Sul deve-se as secas do final do século XVIII, no nordeste que
até então era o produtor da carne seca.
Desse
modo o mercado do produtor; o Rio Grande do Sul o substituirá. O ciclo da
charqueada inaugura a definitiva estruturação do escravismo como modo social de
produção dominante de uma ampla região de nosso território. As conseqüências e
determinação que isso trará para a nossa história não foram, ainda, nem mesmo
delineadas. Por mais de cem anos, a classe economicamente mais dinâmica viverá
da exploração direta do trabalho escravo. Teremos então nossas senzalas,
feitores, tronco, nossas “casas grandes” e nelas frente a frente, o senhor e o
escravo. Pode-se dizer que o limite da jornada de trabalho na charqueada era a
resistência física do escravo. A violência na charqueada era extrema, o escravo
mau trabalhador era na maioria das vezes castigado e torturado. Era um nodo de
coerção muito eficiente para os senhores das charqueadas. Com a supressão
“Legal” da entrada de novos escravos em 1850, pressionado pela marinha inglesa,
o império começa efetivamente a reprimir o tráfico negreiro. Teremos porém
ainda os desembarques clandestinos.
O
contrabando de escravos que desembarcaram em Montevidéu no Uruguai era comum
até a abolição da escravatura no mesmo. Outro problema a ser abordado pela
historiografia era a origem dos escravos que chegavam ao Rio Grande do Sul,
pois no máximo o que aparecia nos registros era o porto em que eram embarcados
no continente africano. Para esboçar a origem e tradição histórico-cultural do
afro-gaúcho seria necessário dois grandes processos. Identificar as correntes
escravistas do continente africano e definir suas conexões com o nosso tráfico.
O escravo era ensinado a obedecer e acreditar na superioridade de seu senhor.
Porém incessantemente, o escravo resistiu. Quando resiste e retoma das mãos do
senhor sua vida, reassume sua essência, é homem.
O
ápice da resistência ao escravismo foi a insurreição mesmo rara e os quilombos,
sociedades livres para homens livres. Eram insurgências sociais, coletivas. De
modo individual o escravo, fazia corpo mole, fugia, ajustiçava eu senhor e sua
família, feitor e o suicídio como o limite máximo da busca por liberdade. O
suicídio será uma constante na história do escravismo. As concepções religiosas
africanas, a brutalização e desumanização a que era lançado, as duras condições
de sua vida, tudo apontava ao suicídio como possível alternativa. Podia assumir
esse ato proporções verdadeiramente endêmicas. O suicídio não era só um perda
material, mas uma sansão moral. A fuga de escravos para alcançar liberdade era
comum, pois fugiam para aquilombar-se em um retirado ermo, para construir uma
cabana afastada no campo, para procurar um novo senhor. No Rio Grande do Sul
fugia em direção a fronteira castelhana, raia da liberdade.
Engenho colonial de cana de açúcar. Fonte: Arquivo Pessoal CHH.
A
fuga do escravo atravessará toda a história do escravismo gaúcho. A mais comum
era a fuga para a constituição de “quilombos”. O escravo não só procurava
conquistar sua liberdade através da fuga. São constantes, na documentação do
Império, referências a insurreições ou tentativas de insurreições servis. As
conspirações libertarias dos escravos gaúchos, no entanto,foram sempre
reprimidas antes de eclodirem. E isso não era de estranhar devido a várias
barreiras como: comunicação, línguas distintas, repressão e delação entre
outras. O envelhecimento da escravaria, a escassez crescente de braços servis,
assim como outros fatores, obrigou aos senhores-de-escravos a procurarem outro
tipo de trabalhador para suas fazendas, plantações, etc. A escravidão no
Brasil, prolongou-se até o apodrecimento. O apego constante dos historiadores
gaúchos, em manter sob sua tutela a presença imaculada dos heróis de nosso
estado tem impedido que a luz de fatos que construíram nossa sociedade atual
venham a tona. Protegendo os heróis de receberem também o titulo de
senhores-de-escravos, estão obstruindo o avanço do nosso encontro com nossas
origens. No decorrer do texto o autor demonstra uma clara preocupação em situar
o leitor dentro do contexto internacional e nacional que levaram a escravatura
no Rio Grande do Sul e de forma objetiva demonstra o uso do instrumento servil
desde o inicio da colonização no Estado.
A
única mudança foi devido à maior necessidade de produção e capital com a vinda
das charqueadas. Com as charqueadas os escravos começaram a trabalhar como
máquinas em uma linha de produção, sendo cobrados para trabalharem mais por
muito pouco (custo-benefício). Para que desse modo seus senhores viesse a
lucrar muito. Podemos observar que o escravo era um objeto de uso para seus
senhores, pois se ficasse desgastado (muito doentes e velhos) depois de muito
trabalho eram substituído como um maquinário obsoleto por um mais atual, no
caso um negro mais jovem. Mas pior que a escravidão é alguns historiadores
terem o interesse de excluir esse evento dos anais da história de nosso Estado.
Isso é como se mantivéssemos escravizados até hoje todos os escravos que aqui
em nosso Estado chegaram e com sangue ajudaram a construir nossa economia e
desenvolvimento. Diante de todos os fatos presentes no texto fica clara a luta
permanente do humano de pele negra procurando constantemente a liberdade, pois
é um grito presente dentro da própria alma do individuo. Essa luta estava
presente nas fugas mesmo que sem rumo, nos quilombos como uma luta organizada
de estabelecer uma sociedade construída por eles e para eles, aonde fossem
aceitos. Uma luta que levava a natureza de liberdade presente na alma humana ao
extremo, de sentir-se em saída e como última saída à vingança contra seus
algozes ou o suicídio baseado em suas crenças na esperança de retornar a sua
terra.
A escravidão no Rio Grande do Sul é um exemplo
para todo o Brasil e o mundo, um triste exemplo de que na atualidade homens são
incapazes de curvar seus diplomas empoeirados há realidade dos fatos, é um
exemplo de luta cultural entre o branco europeu imigrante que recebia todo
respeito da sociedade e o negro escravo, à quem não sobrava nenhum pouco de
respeito na sociedade.
Autor: Leandro Claudir. Criador e administrador do Projeto Construindo
História Hoje e Acadêmico de História.
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José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: Economia e Política: O Escravo
Africano no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Mercado Aberto, 1979.
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