Talvez o maior paradoxo da
imagem do líder “bárbaro” seja o de que, em verdade, ele era melhor diplomata
do que general de guerra.
Átila
e suas hordas invadem a Itália e as artes, Eugène Delacroix, c.1843, óleo sobre
tela, Palais Bourbon.
O rei sabe quem ele mantém
ao seu redor. Culto, fala latim e grego. Ele prova ser um debatedor habilidoso
e conduz seus homens com mão de ferro e luvas de pelica. Bem longe daquilo a
que o termo “bárbaro” remete. Tendo escrito um século após a morte do rei dos
hunos, o historiador Jordanes oferece uma imagem ambígua do monarca: “Átila
amava a guerra, mas era capaz de controlar sua própria violência”. Sem negar
seu gosto pela conquista e pelas pilhagens, ele lembra que Átila era também um
animal político que se servia, muitas vezes, de meios sutis.
Governar consiste, em
primeiro lugar, em saber se cercar. Para receber os melhores conselhos, Átila
reuniu ao seu redor uma corte tão numerosa quanto original. Ela era composta
por hunos nobres, como o seu braço-direito Onegésio ou um certo Berik, que
possuía um vasto comando territorial, mas também por chefes dos povos
germânicos, seus aliados, aos quais Átila atribuía extensas responsabilidades.
Entre eles, o ostrogodo Teodomiro, pai daquele que viria a se tornar o rei
Teodorico, o Grande, conquistador da Itália.
Átila deixava o comando de
seus exércitos nas mãos dos bárbaros, mas incumbia os romanos das tarefas
administrativas. Assim, dois de seus secretários sucessivos tinham o mesmo
nome, Constâncio – o primeiro era gaulês, o segundo, italiano. Sob sua influência,
a corte empregou um pequeno corpo de intérpretes. Quanto à chancelaria real,
esta foi confiada a Orestes, um aristocrata da província romana da Panônia. Após
a morte de Átila, Orestes retornou ao território romano, recebendo importantes
funções militares até assumir o controle do Império, em 475.
MESTRE DAS ARMAS
PSICOLÓGICAS Se Átila parecia ter talento para detectar personalidades
notáveis, seu círculo heterogêneo não deixava de ser um produto do acaso. Seu
bobo da corte, Zercon, era um mouro, anão e poliglota, que pertencera a um
general romano até ser “tomado” pelos exércitos hunos. Os prisioneiros de
guerra que demonstravam talentos especiais se beneficiavam de um tratamento
diferenciado. O prisioneiro romano Rusticius escapou da escravidão por ser capaz
de escrever cartas diplomáticas.
Átila
chegou a acampar diante das enormes muralhas de Constantinopla e planejava outra campanha contra a capital
bizantina quando a morte o surpreendeu, no início de 453.
Átila governava sua corte
com um misto de doçura e violência. Aqueles que ele queria bajular ganhavam
presentes, elogios, tinham lugares preferenciais à mesa e recebiam até mesmo a
promessa de ricos casamentos. Eventualmente, alguns de seus auxiliares eram
encarregados de partir em delegações a Constantinopla. Eles podiam estar certos
de uma grande recepção e de voltarem carregados de presentes. Por outro lado,
Átila era implacável com traidores. Assim, mandara crucificar seu
primeiro-secretário, suspeito de desviar um lote de cálices preciosos. Incutir
o terror era útil ao rei: enquanto Bizâncio tentava subornar sua corte na
tentativa de assassiná-lo, o complô acaba sendo denunciado por seu conselheiro
Edika tamanho o seu medo da retaliação, caso o plano desse errado.
No que concerne às legações
estrangeiras, Átila mostrava-se um interlocutor hábil. Os embaixadores recebiam
uma enxurrada de insultos ou de adulações; no decorrer da discussão, o rei os
ameaçava da pior das mortes, antes de assegurá-los de que, a seus olhos, eles
eram sagrados. Desconcertados, os diplomatas se viam em uma posição frágil para
conduzir as negociações. Átila se aproveitava também de qualquer oportunidade
para usar suas armas psicológicas. Seus visitantes retornavam cobertos de
presentes suntuosos mas, ao longo do caminho de volta, eram obrigados a
assistir ao suplício de homens culpados de traição.
Em matéria de política
externa, era um oportunista. Suas relações com o Império Romano do Oriente
tinham um único objetivo: conseguir o máximo de riqueza. Na maior parte das
vezes, ele se contentava em recolher tributos: para isso, multiplicava as
missões diplomáticas, ameaçava seus interlocutores, exigia que as disposições
dos tratados anteriores fossem respeitadas... E se porventura o pagamento dos
impostos fosse interrompido, ele não hesitava em recorrer à guerra. Violenta e
breve, esta não terminava com uma conquista, mas com um acordo financeiro mais
favorável do que o anterior.
Resta saber se a diplomacia
de Átila era realmente eficaz. Ele parece ter subestimado os recursos que o
império podia recolher. Na verdade, os tributos pagos não arruinavam
Constantinopla, tampouco prejudicavam seu potencial militar. As repetidas
exigências dos hunos e suas múltiplas depredações acabaram exasperando, porém,
a opinião pública bizantina. Átila terminou contribuindo assim para que adeptos
de métodos mais duros chegassem ao poder. Em 450, Marciano subiu ao trono,
fazendo da eliminação dos hunos a primeira meta de seu reinado.
O
saque de Aquileia (imagem) ocorreu em 452 e foi realizado pelos hunos sob a
liderança de Átila.
Átila parecia mais
confortável com os romanos ocidentais. Sem escrúpulos, ele acolhia em sua cor
te personalidades contrárias às autoridades vigentes. Como Eudoxo, um líder dos
camponeses gauleses que se rebelou contra a carga tributária e passou para o
lado dos hunos em 448. O rei criou laços também com a princesa romana Honória,
irmã do imperador Valentiniano III. Ela se ofereceu ao rei huno em casamento.
Seu “esposo” reivindicou então direitos sobre o Império do Ocidente.
HÁBEIS NEGOCIAÇÕES COM
BÁRBAROS Mais uma vez, a diplomacia de Átila, ainda que inventiva, mostrou
certas limitações. Em 451, sua ignorância do terreno e a falta de apoio local o
levaram a liderar uma campanha infeliz na Gália. No ano seguinte, na Itália,
ele negligenciou os principais objetivos políticos ou militares e suas tropas
saquearam o vale do Pó. Vendo suas forças minadas por uma epidemia, ele
concordou em negociar com uma delegação imperial conduzida pelo papa Leão I, o
Grande. Essa negociação, mal documentada, não se revelou necessariamente
desfavorável a Átila, que era ameaçado pelo imperador oriental. Mas ela
tampouco compensou os esforços empreendidos.
Por outro lado, Átila teve
alguns sucessos notáveis nas suas relações com outros bárbaros, especialmente
com os povos germânicos. Foi assim que conseguiu manter sua hegemonia nesse
misto de tribos que constituíam seu império. Ele estabeleceu relações
vantajosas também com reis distantes, especialmente com Genserico, rei dos
vândalos, novo soberano da África do Norte, mas não conseguiu manipular os
francos e os visigodos da Gália. Esses ficaram do lado romano durante a
sangrenta Batalha dos Campos Cataláunicos.
O paradoxo de Átila não
seria, em última análise, o de ser melhor diplomata do que conquistador? Pois,
enquanto, no seu papel de chantagista, ele triunfava, inquietante e sedutor,
quando tentava exibir todo o seu poder, era detido pelos acasos da guerra.
BRUNO DUMÉZIL é escritor e
especialista em Idade Média.
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