Promover multidisciplinar (economia,
demografia, sociologia, geografia, antropologia), a renovação do foco (tudo é
história) e da diversificação das fontes (material escrito, oral), a nova
história está dando atenção prioritária aos grupos - e não os indivíduos - de
estruturas sócio-econômicas e fenômenos mais geral que evoluíram lentamente -
ao invés de eventos. Imagem: Capa do livro a Escola dos Annales de Peter Bunker.
Essa
corrente do pensamento historiográfico surgiu com a inauguração da revista [1]: “Analles de História
Econômica e Social”, fundada em 1929 pelos historiadores Marc Bloch (1886-1944)
e Lucién Febvre (1878-1956) (ambos professores da Universidade de Estrasburgo).
A intenção era promover estudos relativos às estruturas econômicas e sociais,
favorecendo possíveis contatos interdisciplinares [2] no seio das Ciências
Sociais. A importância maior da revista, sem dúvida, foi a ampliação do ofício
do historiador em direção a um novo paradigma [3], notadamente:
[...] Uma
renovação dos métodos e do próprio objeto da ciência histórica, mediante à
atenção dada às estruturas e aos fenômenos coletivos, assim como a abertura
para outras ciências sociais, eram desejadas e esperadas nos anos 30 e deviam
necessariamente impor-se à comunidade científica [...] a atenção prioritária
concedida aos grupos – e não mais aos indivíduos (herança do positivismo) -, às
estruturas socioeconômicas e, de modo geral, aos fenômenos de evolução lenta –
e não mais aos acontecimentos [...] (BURGUIÉRE, 1993, p. 50-52).
Os fundadores da Revista dos Annales não poupavam críticas à
Escola positivista da História, pois estes: exaltavam a ação “vazia” dos
líderes políticos; valorizavam os estudos biográficos de reis, príncipes,
chefes de Estado; apoiavam suas análises no “acontecimento” ou fato político,
descartando as ações dos grupos sociais e as transformações de caráter
econômico; tinham a intenção “oca” de recuperar dados referentes à genealogia
das Nações, etc. Para os historiadores dos Annales, a Escola Positivista
visitara somente a superfície factual do passado histórico: “O nascimento dos
Annales é portanto um assunto de geração intelectual e científica tanto quanto
de poder. Trata-se de defender uma liberdade nova e de dar fim ao “velho ídolo
da história política factual”. (BLOCH apud TÉTART, 2000, p.
109).
O olhar
dado ao passado, na perspectiva de Bloch (medievalista) e Febvre (Modernista)
estabelecia novos objetos para a ciência histórica: análises demográficas sobre
deslocamentos de povos, “destacando as formas de ocupação social em grandes
espaços, em torno de mares e oceanos [4]” (BITTENCOURT,
2004, p. 145) com o auxílio da Geografia; estudos sobre as mentalidades
coletivas juntamente com as novidades da Psicologia; comparações
socioeconômicas de caráter regional, estadual e/ou nacional; Interpretações
possíveis a respeito das tradições, costumes, vestuário, crenças de camponeses,
escravos, indígenas, povos primitivos, situando-os dentro de uma perspectiva
antropológica [5], etc. Os
horizontes de ação do historiador ampliavam-se e possibilitavam recuperar o
passado por intermédio de questões colocadas pelo tempo presente, assim como a
ampliação da noção de fonte que é fundamental na Escola dos Annales:
A
história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. [...] Mas pode fazer-se,
deve fazer-se sem documentos escritos se estes não existirem. Com tudo o que a
engenhosidade do historiador pode lhe permitir usar para fabricar seu mel.
[...] Paisagens, telhas. Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses lunares e
cabrestos [...] (FEBVRE apud TÉTART, 2000, p. 112).
As
décadas de 1920 e 1930 representavam realmente um cenário conjuntural de
profundas transformações. Nas relações políticas: um mundo destruído e abalado
pela guerra entre as Nações (1914-1918); Na economia: o colapso do Capitalismo
após o Crash da bolsa de valores de Nova York e o “fantasma”
do Socialismo, como alternativa possível à crise, simbolizado pelos planos
quinqüenais de Stálin; Nas relações sociais a predominância do “medo,
insegurança, descrença no futuro”, destacadamente a partir da ascensão dos
partidos totalitários (fascismo, franquismo e nazismo) com a proposta de
“reconstruir” o que fora perdido. Notoriamente, um período rico relativo aos
caminhos teóricos atribuído às ciências sociais. As questões que incomodavam o
presente foram incorporadas como objetos de análises históricas:
No início
dos anos 1930, Bloch escreve: “A história na vida contemporânea, a análise do
presente, fornecem o mapa e o compasso da pesquisa histórica. Entre o passado e
o presente não há separação estanque” (BLOCH apud TÉTART,
2000, p. 113).
Categoricamente,
uma História de combate à tradição narrativa dos eventos, instituindo como
fundamento de análise os problemas do tempo presente. Nessa perspectiva, não há
fronteiras que limitam o trabalho do historiador. Os objetos; As fontes; Os
recortes temáticos; As metodologias de análise ganham uma dimensão que depende
dos problemas enfrentados no presente. A História deixa de ser “narrativa” para
ser “problema”:
Na
história-problema, o historiador escolhe seus objetos no passado e os interroga
a partir do presente. Ele explicita a sua elaboração conceitual, pois reconhece
a sua presença na pesquisa: escolhe, seleciona, interroga, conceitua. O
historiador procura demonstrar um problema, que ele próprio formulou, delimita
seus objetos, compara-os, interrogando-os em uma longa série homogênea, inventa
as suas fontes, ressignificando-as, utiliza técnicas quantitativas,
estatísticas e o computador. (REIS apud CONDÉ, 2005, p. 93)
Se o presente traz para a academia os questionamentos que viabilizam o estudo
sobre o passado, sem dúvida, a noção de tempo também se transforma. Para as
correntes anteriores, notamos que o recorte temporal é enquadrado dentro de
categorias específicas de análise. Para os Positivistas, por exemplo, o
“acontecimento”, o fato político, representa o “motor” das transformações
históricas, portanto, a noção temporal é linear e cronológica. Para os
historiadores adeptos do Materialismo dialético, a noção de tempo é ampliada. O
“acontecimento” ou o “fato” (objeto dos historiadores positivistas) é analisado
no cerne da macro-estrutura social e econômica. Ou seja, é estudado as
mudanças, rupturas, permanências e contradições inscritas no tempo do Capitalismo.
A noção de acontecimento é interpretada pela própria dinâmica do
modo-de-produção.
Autor: André Wagner Rodrigues - coordenador do curso de História da
UNIBAN/ANHANGUERA.
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Você quer saber mais?
[1] O título original da
revista mudou em algumas ocasiões, transformando também suas características,
primeiramente: “Annales d´histoire economique et sociale, depoisAnnales:
économie-societe-civilisation, em 1946, e, desde 1993, Annales:
Histoire et sciences sociales. (Ver estudos de TÉTART, 2000, p. 108).
A rede de colaboradores e simpatizantes que se formou em torno da revista, a
transformou, depois da guerra, em Instituição Universitária, quando Febvre
criou com Ernest Labrousse e Charles Mozaré a VI Seção da EPHE (Escola Prática
de Altos Estudos) (Citado em BURGUIÉRE, 1993, p. 49) Vamos, nesse texto,
enfatizar as propostas teóricas e metodológicas em torno da primeira fase da
revista (1929-1946).
[2] A abertura
“interdisciplinar” promovida por Bloch e Febvre aos estudos históricos, nos
primeiros anos da revista, seriam ainda modestos para uma dimensão “Complexa”
da História (como Morin emprega esse termo). Como afirma o historiador francês
André Burguiére: “[...] A herança do momento em que criaram sua revista: a
escola geográfica de Vidal La Blache, a economia estatística de Simiand, a
Sociologia de Durkhéim e a psicologia histórica preconizada por Henri Berr.
(Ver estudos de: BURGUIÉRE, 1993, p. 52).
[3] Chamamos de “novo
paradigma”, pois essa escola também apresenta limites teóricos de abordagem e
visões paradigmáticas, tais como: o peso dado às análises sócio-econômicas e às
mentalidades coletivas. Em suas críticas veementes à Escola Positivista,
sobretudo à ênfase aos estudos sobre a política, Bloch e Febvre abandonaram,
por assim dizer, o papel dos dirigentes; das ações individuais e das instituições
políticas nos trabalhos dos Anais.
[4]Fernand Braudel
ocupou-se de análises demográficas em torno do Mediterrâneo, Pierre Chaunu e
Frédéric Mauro do Oceano Atlântico. Historiadores franceses, na trilha de uma
macro-história, passaram a trabalhar com grandes estatísticas, registrando a
produção em cifras e tabelas, comparando e destacando as diferenças e semelhanças
tanto das condições de infra-estrutura quanto da própria população. (Ver
estudos da Historiadora e Educadora Circe Bittencourt, 2004, p. 145).
[5] Em relação às
propostas de interligação entre História e Antropologia, destacam-se os
trabalhos dos historiadores: Jean Pierre Vernant, Pierre Vidal-Naquet e Pierre
Levêque.
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