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sexta-feira, 3 de junho de 2016

Civilização Paquimé. PARTE I.


Vista área da cidade de Paquimé.

Paquimé localiza-se em Casas Grandes, Chihuahua, no México. Paquimé, no norte do México, tinha edifícios de sete andares, climatizados, e um sofisticado sistema hidráulico, em pleno século XIII. A cidade de barro é um mistério que até hoje os arqueólogos não sabem explicar. É um Patrimônio Mundial da Unesco desde 1998.

Paquimé, que atingiu o seu apogeu nos séculos XIV e XV, teve um papel fundamental no comércio e nos contactos entre a cultura de Pueblo (que viviam no noroeste dos Estados Unidos e norte do México) e as culturas mais avançadas da Mesoamérica. As ruínas são uma clara prova da vitalidade de uma cultura que foi perfeitamente adaptada ao seu ambiente físico e económico, mas que desapareceu no tempo da Conquista Espanhola.


Os espanhóis que chegaram em 1556 ao deserto de Chihuahua, no norte do México, já encontraram Paquimé em ruínas. A cidade foi abandonada no ano 1340, depois de incendiada por um ataque dos índios ópatas, que vieram do norte, provavelmente de onde fica hoje o Estado do Novo México, nos Estados Unidos. Para os europeus, Paquimé era uma das sete cidades de Cíbola, um suposto reino mítico existente no Novo Mundo que os invasores imaginavam repleto de ouro.


O ouro nunca apareceu, mas os edifícios de argila com sete andares, o labirinto de ruas e os muros curvos continuam a intrigar os arqueólogos. A civilização paquimense é praticamente desconhecida. Sabe-se que tem parentesco remoto com os povos anasazi, do Colorado, nos Estados Unidos, e hopi, do Novo México: todos eles construíam vilas de barro, que ficaram conhecidas por “pueblos”.

Ar refrigerado ambiental

O que distingue Paquimé é o prodígio da climatização das casas em um deserto onde a temperatura oscila de 10 graus centígrados negativos a 45 positivos ao longo do ano. As paredes têm 75 centímetros de largura e, com isso, bloqueiam o calor. As casas estão voltadas para o sol da manhã e ficam na sombra durante a quentura da tarde. A pintura, em tons pastel, branco, rosa e verde, reflete a luz do sol, sem absorvê-la. Pequenas janelas, no alto das paredes, garantem o máximo de ventilação e o mínimo de insolação. Até parece ar-refrigerado.


Os paquimenses também eram bons de hidráulica. A cidade possuía água em abundância, trazida do Rio Casas Grandes por um canal de 8 quilômetros. Havia aquedutos atravessando praças, poços e um reservatório, onde a água era filtrada em um tanque de sedimentação formado com camadas de seixos, cascalho e areia para absorver as impurezas. “Havia até uma roda com pás, que mantinha a água em movimento para evitar a estagnação e a putrefação”, diz o arqueólogo inglês Ben Brown, do Instituto Nacional de Antropologia e Arqueologia do México. “Eles tinham confortos de que muita gente ainda carece no mundo moderno.”

Construtores buscavam conchas a 300 quilômetros

Arqueólogos escavaram Paquimé em 1958 e 1961. Acharam indícios de ocupação humana desde antes da era cristã. Os paquimenses seriam descendentes dos povos mogollón, que se fixaram no rio Casas Grandes. A cidade teve seu apogeu entre 1261 e 1340. Aparentemente, depois da destruição, um clã paquimense, os patki, migrou para o norte e fundiu-se aos hopis do Novo México, onde ainda hoje existe o clã palatkwabi.


O mais intrigante, porém, é a engenharia que possuíam. Os paquimenses conheciam a fundo os materiais de construção e as técnicas de proporção e misturas. As paredes de terra argilosa e cascalho não têm material orgânico, como palha, ramos ou esterco, comum nos adobes antigos. São mais resistentes. Espantados, os arqueólogos encontraram 4 milhões de conchas da espécie nassarius, que eram pulverizadas e misturadas para impermeabilizar o revestimento das casas. O surpreendente é que elas foram trazidas do Golfo da Califórnia, que fica a 300 quilômetros de Paquimé.


Concepção artística de Paquimé em seu auge. 

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O experimento “Universo 25”





Desde décadas atrás, pesquisadores vêm alertando sobre os riscos à humanidade que a superpopulação pode trazer. E de volta em 1972, o cientista John Calhoun elaborou um famoso experimento com ratos. Ele construiu um paraíso para os animais – um grande cenário com edifícios e alimentos ilimitados. De início, o cientista introduziu apenas 8 ratos a população. Dois anos depois, um inferno surgiu.

O enorme cenário, conhecido como Universo 25, foi feito com o objetivo de ser uma utopia roedora. Mas com o passar do tempo, a caixa, com suas rampas que iam até os apartamentos, foi ficando superlotada. No dia 560 do experimento, a população era de 2.200 animais. Foi o auge. Daí em diante, a população foi diminuindo até ser extinta. Por que isso aconteceu?

No auge da população roedora, os raros passavam todo instante com centenas de outros colegas. Reuniam-se nas principais praças para serem alimentados, e não era difícil os ver se atacando. Poucas fêmeas conseguiam dar a luz, e as que faziam simplesmente abandonavam seus filhotes.

Chegou um momento que os ratos não faziam nada além de comer ou dormir. Quando a população foi diminuindo, os sobreviventes perderam totalmente seus comportamentos sociais, como ter relações sexuais ou cuidar da prole.

Será que a humanidade pode ter o mesmo fim? O controverso experimento na época foi algo assustador, pois concluiu que se a fome não matar todo mundo, os indivíduos da espécie vão se destruir mutuamente.

Agora, um estudo recente resgatou da memória o Universo 25 e concluiu que, no geral, o cenário não era superlotado. Os apartamentos em cada corredor dos edifícios tinham somente uma entrada e saída, o que os faziam fáceis de guardar. Isso fez com que os machos territoriais limitassem o número de animais em cada apartamento, o que fazia superlotar o restante da caixa.

Portanto, ao invés de superpopulação, cientistas agora argumentam que o Universo 25 possuía um problema de distribuição, algo que, segundo os pesquisadores, também pode acontecer com os humanos, que são exímios em desigualdade.           


terça-feira, 31 de maio de 2016

Por dentro dos zigurates.


Plano do zigurate de Ur construído por Ur-Nammu. Construído com tijolo de adobe seco ao sol, tinha uma grossa camada externa de tijolo cozido. Conservaram-se partes dos níveis inferiores. O aspecto geral foi reconstruído a partir das figuras encontradas em relevos e em selos.

Os zigurates eram um dos elementos mais característicos da antiga Mesopotâmia. Em muitas cidades o templo do deus tutelar compreendia um zigurate que constava de uma série de plataformas sobrepostas, em cima dos quais havia um templo. Os templos erigidos sobre plataformas já se encontram no período Ubaid em Eridu, por volta do quinto milênio a.C. os primeiros zigurates verdadeiros foram construídos por Ur-Nammum (2112-2095 a.C.),  primeiro rei da Terceira Dinastia de Ur, em Ur, Eridu, Uruk e Nippur. A planta era semelhante em todos eles, com uma base retangular, três escalinatas que se cruzavam em ângulo reto e que conduziam ao templo alto. Esta é a lanta do zigurate mais famoso de todos, o do deus Marduk, na Babilônia, que deu origem à história da Torre de Babel. Tinha o nome de Etemenanki, que significa “o templo da fundação do céu e da terra”, e foi começando no século XVII a.C.

Não se conhece a natureza exata das cerimônias que se desenvolviam no alto santuário. O historiador grego Heródoto, que descreveu em pormenor o zigurate da Babilônia, dizia que ali se celebravam as núpcias sagradas de uma sacerdotisa com o deus (que talvez estivesse representado na pessoa do rei ) nu ritual destinado a assegurar a prosperidade futura do país.



Os restos de zigurates foram encontrados em 16 jazigos; outros são conhecidos pelos textos (como o de Agadé, que não se sabe exatamente onde estava) ou pela forma das ruínas. Havia dois tipos principais de zigurate: um tipo do S., mais antigo, que tinha uma plataforma retangular e três escalinatas, e um tipo de nortenho, posterior, sem escalinatas, em que o templos costumava ser parte de um grande complexo. A construção do zigurate no jazigo elamita de Al-Untas-Napirisa (meados do séc. XIII a.C.) é excepcional. Encheu-se um pátio quadrado (com salas à volta) para construir um zigurate alto. As escadas dos quatros lados estavam dentro da estrutura.



A forma dos zigurates era parecida com as pirâmides do Egito, como a pirâmide escalonada de Saqqara (acima, figura), mas a sua função era diferente. As pirâmides eram túmulos, onde a câmara mortuária estava oculta no centro do monumento, sem estrutura por cima. Os zigurates eram sólidas construções de tijolo coroadas por um templo; parecem-se mais aos templos da América Central, como o de Chichén Itzá (figura inferior). É possível, contudo, que a ideia de uma grande estrutura piramidal tivesse vindo do Egito.


Plano reconstruído do templo e zigurate de Tell al-Rimah, provavelmente a antiga Qatara. É provável que fosse construído em tempos de Samsi-Adad I(por volta de 1800 a.C.). ao contrário do tipo anterior do S., que tinha três escalinatas, o zigurate formava parte do edifício do templo e do santuário mais alto chegara até ao teto do templo do pátio.



Em cima: O zigurate da capital assíria de Dur-Sarrukin foi um dos que forma descobertos anteriormente. Julgava-se que um caminho em espiral conduzia até à cúspide e que os três níveis inferiores estavam pintados de branco, negro e vermelho. Os níveis superiores não foram conservados, mas, segundo a combinação normal de cores, teriam sido azul, laranja, prateada e dourada.

sábado, 28 de maio de 2016

Cirurgias e mumificação no antigo Egito



A mumificação

Um dos melhores exemplos da engenhosidade dos antigos egípcios é a mumificação, que ilustra o conhecimento profundo que tinham de inúmeras ciências, como a física, a química, a medicina e a cirurgia. Esse conhecimento era resultado do acúmulo de uma longa experiência. Por exemplo, à descoberta das propriedades químicas do natrão – encontrado em certas regiões do Egito, em particular no Uadi El-Natrum – seguiu-se a utilização das mesmas no cumprimento prático das exigências da crença na vida além-túmulo. Preservar o corpo humano era uma forma de dar realidade à crença. Análises recentes revelaram que o natrão se compõe de uma mistura de carbonato de sódio, bicarbonato de sódio, sal e sulfato de sódio. Os antigos egípcios conheciam portanto, as funções químicas dessas substâncias. No processo de mumificação, o corpo era embebido em natrão durante setenta dias. O cérebro era extraído pelas narinas, e os intestinos removidos através de uma incisão num dos lados do corpo. Operações desse tipo exigiam um acurado conhecimento de anatomia, queé e ilustrado pelo bom estado de conservação das múmias.

A Cirurgia

Foram sem dúvida os conhecimentos adquiridos com a prática da mumificação que permitiram aos egípcios o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas desde os primeiros tempos de sua história. A cirurgia egípcia é, com efeito, bastante conhecida graças ao Papiro Smith, cópia de um original escrito durante o Antigo Império, entre – 2600 e – 2400, um verdadeiro tratado sobre cirurgia dos ossos e patologia externa. Quarenta e oito casos são examinados sistematicamente. Em cada um deles, o autor do tratado começa o estudo com um título geral: “Instruções acerca de {tal e tal caso}”. Segue-se então uma descrição clínica:  “Se observares [tais sintomas]”. As descrições são invariavelmente precisas e incisivas, seguidas de um diagnostico: “Em relação a isso, dirás: um caso de [tal e tal lesão]”, e, dependendo do caso, “um caso que poderei tratar” ou “um caso que não tem remédio”. Se o cirurgião pode tratar o paciente,o tratamento a ser administrado é então explicado em detalhes; por exemplo:  “no primeiro dia, deves usar um pedaço de carne como bandagem; depois, deves colocar duas tiras de tecido de modo a juntar os lábios da ferida...”
Ainda hoje são aplicados vários tratamentos indicados no Papiro Smith.
Os cirurgiões egípcios sabiam suturar ferimentos e curar fraturas empregando talas de madeira ou de cartonagem. Algumas vezes, o cirurgião simplesmente recomendava que se permitisse à natureza seguir os seu próprio curso. Em dois exemplos, o Papiro Smith instrui o paciente a manter sua dieta normal.

Dos casos estudados pelo Papiro Smith, a maioria se refere a lacerações superficiais do crânio ou da face. Há também casos de lesão dos ossos ou das juntas, como contusões das vértebras cervicais ou espinhais, luxações, perfurações do crânio ou do esterno, e diversas fraturas que afetam o nariz, o maxilar, a clavícula, o úmero, as costelas, o crânio e as vértebras. Exames nas múmias revelaram vestígios de cirurgia, como é o caso do maxilar (datado do Antigo Império) em que foram praticados dois orifícios para drenar um abscesso, ou do crânio fraturado por golpe de machado ou espada e recomposto com sucesso. Existem também indícios de tratamentos dentários, como obturações feitas com um cimento mineral; há uma múmia que apresenta uma espécie de ponte feita de ouro ligando dois dentes pouco firmes.

Por sua abordagem metódica, o Papiro Smith serve como testemunho  da habilidade dos cirurgiões do antigo Egito, habilidade que, supõe-se, foi transmitida pouco a pouco à África, à Ásia e à Antiguidade clássica pelos médicos que acompanhavam as expedições egípcias aos países estrangeiros.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

O Positivismo de August Comte no Brasil


Rafael Augusto Sêga      

Bernjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891) como ministro da Instrução Pública reformulou todo o ensino brasileiro de acordo com as ideias de Augusto-Comte.
Não obstante, essa corrente de pensamento também se faz presente no dístico de nosso maior símbolo pátrio, a bandeira: Ordem e Progresso. É curioso, mas a tentativa mais efetiva de colocar em prática a doutrina positivista, uma ideologia tipicamente francesa, foi realizada em um país latino-americano: o Brasil.

Como isso aconteceu?

A pergunta exige o conhecimento de certos aspectos das origens e dos fundamentos do pensamento positivista ainda na França no século XIX, para mostrar sua chegada e ascendência sobre o pensamento brasileiro dentro do contexto histórico e cultural da época.

O avanço científico europeu do início do século XIX, decorrente da Primeira Revolução Industrial, fez com que o homem acreditasse em seu completo domínio da natureza. O positivismo surgiu nessa época como uma corrente de pensamento que apregoava o predomínio da ciência e do método empírico sobre os devaneios metafísicos da religião.

Nesse sentido, o movimento intelectual erigido por Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte, ou simplesmente Auguste Comte (1798-1857), defendia que todo saber do mundo físico advinha de fenômenos "positivos" (reais) da experiência, e eles seriam os únicos objetivos de investigação do conhecimento.

Comte sustentava a existência de um campo de ação, no qual as idéias se relacionavam de forma lógica e matemática e, por fim, toda investigação transcendental ou metafísica que não pudesse ser comprovada na experiência deveria ser desconsiderada.

As raízes do positivismo são atribuídas ao empirismo absoluto de David Hume (1711-1776), que concebia apenas a experiência como matéria do conhecimento e também a Ilustração, ou Iluminismo, que apregoava a razão como base do progresso da história humana.

Dessa forma, o positivismo é fruto da consolidação econômica da revolução pela burguesia, expressa nas Revoluções Inglesa do século XVIII e Francesa de 1789. As ciências empíricas passaram a tomar frente às especulações filosóficas meramente idealistas e Comte buscou a síntese do conhecimento positivo da primeira metade do século XIX, especialmente da física, da química e da biologia.

Seu objetivo era a formulação de uma "física" social (a "sociologia") que reformulasse o quadro social instável decorrente das novas relações de trabalho do capitalismo industrial.

Na primeira fase de seus trabalhos, Comte teve como mentor o teórico do socialismo utópico, o conde de Saint-Simon (Claude-Henri de Rouvroy, 1760-1825). Em sua obra Curso de filosofia positiva (1830-1842), Comte expõe a base de sua doutrina cujos alicerces teóricos estão assentados na norma de três estados do desenvolvimento humano e do conhecimento, o teológico, o metafísico e o positivo.

Na fase teológica o ser humano entende o mundo a partir dos fenômenos da Natureza dando a eles caráter divino. Essa fase encerra-se no monoteísmo. Na fase metafísica, a interpretação do mundo é calcada em conceitos abstratos, idéias e princípios.

Por fim, na fase positiva o ser humano limita-se a expor os fenômenos e a fixar as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles. Nessa fase, as causas e as essências dos fenômenos são deixadas de lado para se evidenciarem as leis imutáveis que nos regem, pois o conhecimento destina-se a organizar e não a descobrir.

O fim da filosofia é a organização das ciências, hierarquizadas, segundo Comte, em seis. Na base dessa pirâmide está a matemática, seguida da astronomia, física, química, biologia e sociologia. Em outra obra sua, Discurso sobre o conjunto do Positivismo (1848), Comte parte das feições reais do termo "positivo" para atingir uma significação moral e social maior, a fim de reorganizar a sociedade, com a supremacia do amor e da sensibilidade sobre o racionalismo.

O apogeu dessa tese é a religião da humanidade. A filosofia positiva passa, então, a preconizar também uma teoria de reforma da sociedade e uma religião. A unidade do conhecimento positivo passa a ser coletiva em busca da fraternidade universal e da convivência em comum. A junção entre teoria e experiência é baseada no conhecimento das ações repetitivas dos fenômenos e sua previsibilidade científica.

Assim, é possível o aprimoramento tecnológico. O estágio positivo corresponde à atividade fabril e à transformação da natureza em mercadorias. Se entendermos a ciência como a investigação da realidade física, o positivo é o objeto e o resultado dessa investigação. Dessa forma, a sociedade também é passível dessa análise e a fase positiva será caracterizada pela passagem do poder político para os sábios.

Fragmentação do pensamento

A segunda fase dos trabalhos de Comte é representada em sua obra Sistema de política positiva (1851, 1854), que preconiza a "religião da humanidade", cuja liturgia é baseada no catolicismo romano, estabelecida em O catecismo positivista (1852).

Destarte, a doutrina positivista adquire feição religiosa com credo na ciência. Essa divisão do pensamento comteano também separou seus seguidores em duas correntes: os ortodoxos, que seguiram Comte em seu período religioso; e os heterodoxos, que se conservaram perseverantes ao período científico e filosófico do positivismo.
O líder dos heterodoxos, Émile Littré, autor de Fragmentos de filosofia positiva e sociologia contemporânea (1876), concebeu o período religioso de Comte como um atraso. Já o ortodoxo Pierre Laffitte chegou a sacerdote máximo da chamada religião da humanidade.

As teorias científicas de Comte sofreram severas críticas de ordem metodológica, principalmente por desconsiderarem os procedimentos hipotéticos e dedutivos. Entretanto, o positivismo causou forte eco tanto nas doutrinas utilitaristas e pragmáticas de vertente americana.

Embora o positivismo seja julgado metodologicamente ultrapassado por transformar a ciência em objeto de reflexão da filosofia, a epistemologia comteana é possuidora de consideráveis princípios filosóficos que tentam determinar o homem em relação a sua atividade e espaço histórico. Atualmente, traços positivistas são identificados em diferentes atividades no mundo ocidental, e especialmente no Brasil.

Na verdade, o Brasil, país latino-americano, se transformou numa segunda pátria do positivismo. O pensamento positivista chegou ao Brasil em torno de 1850, e foi trazido por brasileiros que estudaram na França; alguns tinham até mesmo sido alunos de Comte.

A presença da doutrina positivista, em sua fase científica, no Brasil, tornou-se visível a partir de 1850, quando apareceu na Escola Militar, depois no Colégio Pedro II, na Escola da Marinha, na Escola de Medicina e na Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Já o positivismo de vertente religiosa pôde ser atestado no Apostolado Positivista, a partir de 1881, fruto da iniciativa de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira.

A atuação do positivismo no Brasil foi uma reação filosófica contra a doutrina confessional católica, até então única reflexão intelectual existente no país. Nessa luta no campo das idéias figuraram também o naturalismo e o evolucionismo.

No Brasil, a marca inicial do positivismo mais aceita é a publicação do livro de Luís Pereira Barreto As três filosofias, em 1874, e também, dois anos mais tarde, a fundação da Sociedade Positivista Brasileira (origem da Igreja da Humanidade) no Rio de Janeiro. Contudo, o núcleo irradiador do positivismo seria transferido para Recife, por iniciativa de Tobias Barreto e, depois, Sílvio Romero e Clóvis Bevilácqua.

O positivismo que se assenhoreava no Brasil moldava-se ao país e adquiria o perfil de doutrina com influência geral, e aceita por um grupo reduzido de estudiosos, composto por duas facções: os ortodoxos e os dissidentes. Miguel Lemos e Teixeira Mendes lideravam o primeiro, e um número de políticos com visão monárquica positivista, junto com Luís Pereira Barreto, Tobias Barreto e Sílvio Romero lideravam o último, e buscavam em Comte a fundamentação teórica para a República.

O republicanismo brasileiro, nascido da Convenção de Itu, de 1870, gerou duas alas: a liberal-democrática, de inspiração americana, e a autoritária, de inspiração positivista. Todavia, em um primeiro momento, o programa do Partido Republicano estava muito mais preocupado com o combate objetivo ao Império do que com querelas doutrinárias. Nessa fase destacam-se os nomes dos chamados republicanos históricos, como Silva Jardim, Aníbal Falcão e Demétrio Ribeiro.

A atuação doutrinária levada a cabo por Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833-1891), professor da Escola Militar e defensor do princípio positivista da valorização do ensino para alcançar o estado sociocrático, ganha destaque nesse contexto. Contudo, se para Comte o ensino, no continente europeu, deveria ser destinado às camadas pobres, no Brasil essa meta foi impossível, devido ao baixíssimo nível de instrução do proletariado nacional. Assim, a transmissão dos ensinamentos positivistas acabou se restringindo aos poucos que estudavam nas escolas militares.

A atividade doutrinária bem no interior da massa pensante das forças armadas brasileiras foi fundamental para criar um espírito de corpo na caserna, pois boa parte da oficialidade se achou imbuída do destino histórico de implantar um regime republicano que fosse fundamentado na razão e na ciência positivista.

Os republicanos jacobinos, radicais, combatiam os monarquistas e os republicanos liberais, e apregoavam a implantação de uma república temporária e ditatorial, com o fim de se alcançar a sociocracia preconizada por Comte. Ocorreu, assim, uma cisão no movimento republicano, e até mesmo entre os positivistas, pois no episódio de 15 de novembro de 1889 sentimos a presença dos positivistas dissidentes (militares seguidores de Benjamin Constant), em detrimento dos ortodoxos (civis seguidores da Igreja Positivista).

O positivismo tornou-se uma filosofia fundamental no debate político no Brasil do século XIX, uma vez que o regime republicano foi instalado sob sua égide teórica. O 15 de novembro pode ser considerado o ápice do positivismo no Brasil, em razão da grande quantidade de adeptos de Auguste Comte que assumiram cargos de relevo no novo regime (Benjamin Constant chegou a ministro da Guerra).

Foram numerosas as influências do positivismo na organização formal da República brasileira, entre elas o dístico Ordem e Progresso da bandeira; a separação da Igreja e do Estado; o decreto dos feriados; o estabelecimento do casamento civil e o exercício da liberdades religiosa e profissional; o fim do anonimato na imprensa; a revogação das medidas anticlericais e a reforma educacional proposta por Benjamin Constant.

O farol do positivismo no Brasil seria transferido para o Rio Grande do Sul, onde a instalação do regime republicano foi sui generis, pois desde o início o novo governo foi dominado pelos positivistas, liderados por Júlio Prates de Castilhos (1860-1903).

Quando da Proclamação da República, em 1889, Castilhos recusou o cargo de presidente do Estado, e preferiu assumir como secretário do governo estadual. Ele estava convicto no intento de inaugurar uma nova fase positiva na política gaúcha, transformando as velhas práticas político-administrativas clientelistas do período imperial.

Em 1890, Júlio de Castilhos elegeu-se deputado no Congresso que iria elaborar a primeira Constituição da República, e logo identificou-se com a ala ultrafederalista, passando a defender o projeto político de inspiração positivista.

Em 1891, eleito presidente do Estado pela Assembléia Legislativa, Júlio de Castilhos redigiu - e fez aprovar quase que integralmente - a nova Constituição estadual. Era uma Carta extremamente autoritária, atribuindo ao presidente do Estado poderes extraordinários, tais como: nomear o vice-presidente, reeleger-se, atribuir papel meramente deliberativo ao Legislativo estadual e o voto descoberto. Castilhos pretendia criar no Rio Grande do Sul uma ditadura republicana comteana, e seus adeptos foram chamados de republicanos.

Do ponto de vista doutrinário, o positivismo não compartilha os princípios da representação eleitoral preconizados pela democracia liberal burguesa, e seu princípio de delegação política por meio da eleição à representação de cargos. Para os positivistas, o direito ao voto é um dogma metafísico e, dessa forma, Júlio de Castilhos acreditava na legitimidade do regime republicano em razão de razões históricas e científicas, e não por motivos metafísicos ou populares.


Com base nesse princípio, os castilhistas ficaram no poder no Rio Grande do Sul por quase 40 anos, primeiro com Castilhos, depois com Antônio Borges de Medeiros (1863-1961), que se elegeu sucessivamente quatro vezes para a presidência daquele Estado, e, finalmente, em 1928, com Getúlio Vargas (1883-1954).

No plano nacional, Vargas procurou implantar o positivismo castilhista. Em seus mandatos, notadamente no Estado Novo (1937-1945), procurou substituir a noção da representação eleitoral pela da hegemonia científica, na qual a ordem e o fortalecimento de um dirigente moralmente responsável concebe um regime promotor do bem-estar social rumo ao progresso.