Condutas pessoais, demonstram a conduta da
sociedade como um todo?
A base de
tudo é o homem, a sua visão de mundo e a sociedade que cria. O homem e a
sociedade humana tem em si variáveis e processos que podem nos permitir explicar
a civilização ou o domínio crescente do homem daquilo que lhe cerca.
Nossa
tarefa, contudo, extrapola a visão do historiador ou do antropólogo ao tentar
dar essa explicação. É fácil tanto para um como para outro explicar porque
Atenas ou Esparta colocavam o seu mundo na Grécia, ou Roma colocava o seu mundo
no Mar Mediterrâneo, ou porque chegou-se a uma época em que o mundo está
colocado no planeta Terra.
Para eles
o entendimento deste pressuposto tenderia a restabelecer, de forma estranha e
paradoxal, o mundo de Ptolomeu. A Terra, todos sabemos, não é mais,
conceitualmente, na astronomia, como foi por longo tempo, o centro do Universo.
Os astros não giram em torno da Terra e isto foi provado por Copérnico, há
quatro séculos. Entretanto, cada vez mais, nos últimos quatro séculos, a Terra,
em sua totalidade, tem sido ocupada pelas mesmas questões e tem sido arrebatada
pelas mesmas idéias. E de idéias que, em seu interior, carregam o processo
civilizatório. Na verdade, a Terra tem sido, cada vez mais, o centro de tudo,
ao ser progressivamente ocupada pela civilização.
Para nós,
que olhamos sob o prisma das relações entre dualidades, por isto a Terra tem-se
transformado, crescentemente, em um campo de luta, em que se digladiam, de um
lado, a intransigência, e suas aliadas: o mercado e a desordem natural; e, de
outro lado, a razão e suas forças principais: o planejamento e a ordem
construída. Este é o fenômeno. É a civilização. Não é a globalização.
Qual será a chave para uma sociedade humana honesta
e honrada?
Diferentemente
do que tem sido propagado, a prevalência das mesmas teses no mesmo espaço e a
sua luta tem explicitado, crescentemente, as dualidades primitivas das
sociedades humanas: a do centro com a periferia, e a da barbárie com a cultura.
Entretanto, é de fundamental importância o entendimento que estes contrários
sempre formam uma única unidade. Existe permanentemente uma unidade dos
contrários.
Esta é a
verdadeira explicação porque a disputa desse espaço, que é finito, que é
limitado, tem sido feita, nos últimos quatrocentos anos, com muito maior vigor
e rapidez, pelas partes que compõem o todo.
Entretanto,
chegar-se a este estágio no processo civilizatório requereu um permanente
embate do homem com o universo. A conquista é uma ação de cooptação. Mas também
é a afirmação de uma dominação. Há uma tese original - o homem - mas, também,
há a sua antítese - o universo. Um para o outro.
A
mediação entre esses contrários foi, até a época das luzes, o trabalho; hoje é
a ciência. As contradições permanecem intocadas. Nem o trabalho, nem a ciência
desvelam o ignoto. As perguntas iniciais permanecem sem respostas. Entretanto,
é inegável que o homem se aproximou do Absoluto, desde que se levantou sobre as
patas posteriores e andou em alguma planície deste, na época, para ele, imenso
planeta. E isto se tornou possível porque assumiu a posição de ordenador de seu
contraditório: a natureza - materialização primeira do universo. O homem desde
que racionalizou, se inconformou. E desde que se inconformou, defrontou-se com
a intransigência.
Seria a sociedade reflexo de cada individuo envolvido nela?
As razões
desta aproximação com o Absoluto são várias. Uma, no entanto, é unânime, em
todos os pensadores que discutem o progresso humano: a vida social e a sua
acompanhante permanente, a vida política. E estas têm, como sua última
criatura: o Estado-Nação.
A ideia
de Estado-Nação é um pensamento muito elaborado. Seu entendimento pressupõe o
caminhar por uma linha ininterrupta de idéias, através do espaço e do tempo,
que ligam as hordas às grandes potências. O Estado - Nação constitui o
resultado das soluções silenciosas e progressivas das questões que surgiram da
convivência humana. Querer, num ensaio, estabelecer o preciso momento e a
melhor via em que se deram essas soluções, é buscar o inalcançável. Entretanto,
a forma dessas soluções sempre foi a mesma: o pacto. Seja aquele resultante da
imposição do mais poderoso e que, portanto, decorre da racionalização de
desvantagens; seja aquele que advém da composição de vontades, e que, portanto,
resulta da racionalização de vantagens.
O pacto
é, antes de tudo, um produto da razão. A linha que liga as hordas à sociedade
atual - à civilização - é um contínuo de pactos, sendo, talvez, a mais visível
expressão da razão. O Estado-Nação é a última estação dessa linha ininterrupta
de acordos. Não a última, mas a última conhecida. Não a definitiva, mas a
última praticada. Conhecer o Estado-Nação é conhecer a história da razão e de
seus pactos.
Nos tornamos uma sociedade cada vez mais artificial, lutando para manter sua identidade natural?
O
entendimento de que o Estado-Nação resulta da razão é importantíssimo. O homem
em sua inteireza se defronta internamente com muitas dualidades. As mais
importantes para a sua existência, são, em nossa opinião: o inconformismo
versus a resignação e a razão versus a emoção. A resignação e a emoção
conceituamos como formadores da intransigência, enquanto que consideramos o
inconformismo e a razão como os estimuladores da conquista do universo, pelo
gênero humano. Sintetizamos, assim, o processo. E esta síntese nos acompanhará,
ao longo deste ensaio.
A ideia
de Estado Nacional resulta, portanto, da posição ordenadora do homem.
Entretanto, esta posição ordenadora se processa por ondas sucessivas. Pode-se
observar passagens da história da civilização, onde se verifica empiricamente a
formulação proposta e que foi por nós nomeada como teoria do retardo.
Em
síntese, há ações que desencadeiam a desordem e há ações que restabelecem uma
nova ordem, em um novo patamar. Ruptura e equilíbrio transitório, estes se
alternam. Nada pode explicar melhor a marcha do processo civilizatório, do que
o aceite da teoria do retardo e das rupturas que nela estão consignadas e que
resultam da ação ordenadora do homem, fruto de seu inconformismo.
Ruptura
processada segue-se uma nova ordem.
Você quer
saber mais?
WINNICOTT,
D.W. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1990.
PINKER,
Steven. Tabula Rasa: a Negação Contemporânea da Natureza Humana. São
Paulo: Companhia das Letras,2004.