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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

História de Gravataí



Os primeiros sesmeiros

    Os primeiros sesmeiros (agricultores que recebiam doações de terras da coroa portuguesa com o obejtivo de cultivá-las) que se radicaram nesta região, estabeleceram-se, onde hoje fica Viamão, Cosme da Silveira e Ávila e Antônio de Sousa Fernandes, sendo que os demais, em campos de Capivari. O historiador Gen. Borges Fortes cita o nome de Sousa Fernandes, referindo-se aos primeiros povos de Gravataí. A sesmaria de Francisco Pinto Bandeira circundava o Morro de Sapucaia, e a de Sousa Fernandes estava localizada nos campos entre este cerro e o de Itacolomi. Posteriormente apareceram outros sesmeiros em 1738 a 1797, 1756 a sesmaria da “Figueira” foi comprada por Domingos Gomes Ribeiro, essa sesmaria viria a ser conhecida por Barro Vermelho. Em 1784 era proprietária dessas terras Dona Maria Eufrásia Quintanilha, sendo adquirida posteriormente pela família Paim de Andrade. No mesmo ano de 1784, João Garcia Dutra ficou proprietário da Sesmaria dos Ferreiros que se estendia até o Passo da Cavalhada.

    Por ocasião da demarcação da fronteira, resolveram as autoridades adquirir uma área suficiente de terra, para nela, aldear os silvícolas das raças Tapes e Guaranis, comandados pelo Gen. Gomes Freire de Andrades. A área escolhida foi um rincão, em local alto e vistoso, distante uma milha e meia do rio Gravataí. Era dividida pelos arroios Barnabé e Ferreiros, e pelo rio Gravataí.

Primeira capela e igreja

    De 1760 a 1761, construiu-se a primeira capela em solo gravataiense, sendo curada a partir de 21 de dezembro de 1761. O padre Bernardo Lopes da Silva foi o indicado para ser o seu capelão. Tornou-se paróquia, em 1772, a Capela de Nossa Senhora dos Anjos. Em 1765, já aqui assentados os silvícolas, oriundos de Rio Pardo, encontramos os primeiros registros de batismo. No mesmo local onde se encontra a atual matriz, construiu-se o segundo templo, por ordem do governador José Marcelino de Figueiredo, em 1774. O material de construção e os serventes eram fornecidos pela Caixa dos Bens das Famílias Rurais. Tal casa de Deus possuía as mesmas dimensões da atual matriz, mas sem torres.

Fundamentos da Aldeia

    No dia 08 de abril de 1763, chegava ao rincão o Capitão e Dragão Antônio Pinto Carneiro, conduzindo uma leva de 1.000 índios, procedentes de Rio Pardo, sendo originários dos Sete Povos das Missões. Antônio Pinto Carneiro lançou os fundamentos da Aldeia. Aqui, havia uma modesta capela, existindo já índios agrupados.

Governo de José Marcelino de Figueiredo

    Em 23 de abril de 1769, foi empossado governo do continente, no Arraial de Viamão, José Marcelino de Figueiredo, fazendo da Aldeia uma organização exemplar, agora, contando com 2.712 almas. Prédios públicos são construídos, os índios são matriculados; manda abrir a primeira rua; contrói alguns prédios públicos. Os índios forma radicados no plantio do trigo e árvores frutíferas. Três moinhos são construídos, para substituir os pilões. Ordena a construção de uma olaria, suprindo as necessidades da Aldeia e parte do mercado do Porto dos Casais, hoje, Porto Alegre, fornecendo tijolos e telhas. Institui a primeira igreja. Mandou também construir teares para os índios tecerem seus vestuários. Em 1770, é fundada uma escola, destinada a instruir os meninos indígenas, tendo como professor Antônio José de Alencastro, primeiro professor público no Rio Grande do Sul. Em 1778, há a criação de um educandário para o ensino das meninas: Escola Mirante das Recolhidas das Servas de Maria. Nas escolas os indígenas não podiam falar o guarani, somente o português, e, com isso, diluiu-se uma rica bagagem cultural, haja vista que a língua, deixada pelos indígenas, se não proibida, teria-nos legado um vocabulário mais farto, tornando possível um maior aprofundamento no que tange às nossas raízes. Em 1795, a Aldeia desmembrou-se da Freguesia de Viamão, passando à categoria de Freguesia, sendo anexadas as terras à direita do rio Gravataí, desde a nascente até a foz. É importante lembrar que a agricultura dos povos guaranis concentrava-se na Costa do Itacolomi, a exemplo dos povos missioneiros, que concentravam suas culturas, separadas das moradias.

Primeira Rua de Gravataí

    A Rua Anápio Gomes, cujo nome foi oficializado em 1966, em homenagem ao ex-prefeito e filho deste município, foi aberta por ocasião da criação da Povoação de Nossa Senhora dos Anjos da Aldeia, em 1769, por ordem do governador José Marcelino de Figueiredo, para dar organização e feição urbanística ao povoado de indígenas trazidos de Rio Pardo, segundo documentos à Capela de Viamão e de Rio Grande. Inicialmente, foi chamada de Rua Primeira, depois de Rua da Direita. Assim foi oficializado o nome de Rua da Direita, como aparece nos documentos oficiais, até a Proclamação da República. Até a década de 20, esta rua foi chamada de “Rua de Baixo”. Alguns a chamavam de “Rua do Seu Lessa ou Rua do Cássio”. Convém lembrar que Seu Lessa foi o primeiro juiz municipal. A rua só passou a ser chamada Marechal Floriano Peixoto, pela população, após sua remodelação, iniciada pelo prefeito José Loureiro da Silva, quando Gravataí perdeu as características de Aldeia: casas de beirais baixos e ruas lamacentas.

Nossa Igreja Matriz e sua história

    Após a igreja sem torres, foi construída a atual. Apesar das preocupações do vigário e da iminência de desabamento, só em 1855, o presidente João Lins Vieira Cansansão do Sinimbu, atendendo ao fato de que a população da Aldeia promovera entre si uma subscrição que rendera 15 contos de réis para a construção da nova igreja, resolve empreender a obra por arrematação. Finalmente, em 1887/1888, a Irmandade contrata com João Cariboni a conclusão da obra, inclusive a cobertura das torres. Nessa mesma ocasião, os dois sinos foram instalados no alto da torre esquerda. Cabe aqui referir que a tradição trouxe até nós que os dois sinos de nossa matriz foram trazidos das Missões, por José Ângelo da Fonseca, numa viagem de carreta de bois que durou seis meses.

Instalação da Vila

    O progresso do povoado era incessante. Por isso, através de uma lei de 11 de julho 1880, o presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Sr. Henrique de Ávilla, elevou a Aldeia dos Anjos para a categoria de Vila. E em 23 de outubro de 1880 declarada a nova vila com o nome de Nossa Senhora dos Anjos de Gravatahy.

Meios de transportes coletivos- tração animal

    Marcelino Costa, residente em Gravataí, na Rua Anápio Gomes possuía uma empresa de carros de tração animal, fazendo transporte de passageiros a Porto Alegre. Eram duas carruagens de quatro rodas. Segunda, quarta e sábado eram os dias escolhidos para as viagens. Tais carruagens eram conhecidas por diligências ou breques. Existiam na década de 1920. As diligências de quatro rodas transportavam seis passageiros, e as de duas rodas, dois passageiros. As passagens eram caríssimas, e a viagem durava, ida e volta, seis horas, devido ao lastimável estado de trafegabilidade das estradas.

Transporte coletivo – primeiros ônibus

    Quem teve iniciativa, visando ao aprimoramento do transporte coletivo, em Gravataí, foi a Empresa Reis e Costa, de Gomercindo Reis e de Olinto Costa, em 1924. Na década de 1930, havia a Empresa Gravataiense, com ônibus verdes, contendo listra marrom. Os ônibus eram abertos, com bancos inteiros e com estribo nas laterais, tendo uma cobertura de lona para proteger as pessoas da chuva. O ponto de saída dos ônibus era na atual Rua Cônego Pedro Wagner coma Rua Dr. José Loureiro da Silva. O ponto de chegada era o canto esquerdo do Mercado Público, na Av. Borges de Medeiros, esquina com a Voluntários da Pátria, em Porto Alegre. No local de chegada, existia um café onde se reuniam os passageiros. Quando alguém queria ir a Porto Alegre, mandava um recado ao motorista o qual ia buscar a pessoa em casa, sendo as viagens feitas duas vezes por semana. Depois dos dois primeiros ônibus, passou a circular a Empresa Gravataiense. Seus ônibus eram verdes com listras marrons. Na década de 1940, quando houve o racionamento de gasolina, devido a crise do Petróleo causada pela Segunda Guerra Mundial, a Empresa Gravataiense tinha alguns ônibus movidos a gasogênio. Gerado do carvão de lenha, possuía dois tubos feitos de latão que e5ram colocados na traseira do carro. No primeiro tubo, era colocado o carvão e, através de uma mecha de pano ou algodão embebido em álcool, era aceso o carvão. O gás, filtrado do segundo tubo, ia diretamente ao motor para mover o carro.

Escola Dom Feliciano: marco cultural de Gravataí

    Os moradores da Aldeia dos Anjos fizeram um pedido à Superiora-Geral da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, objetivando nela ser fundado um colégio. Três irmãs foram enviadas para Gravataí: Maria Matilde, Maria Marta e Maria Gertrudes. O embrião dessa potência cultural, que é hoje a Escola Dom Feliciano, estava germinando e toda a comunidade gravataiense estava sendo conclamada a colaborar com uma tão feliz ideia como demonstra muito bem o seguinte convite: “Realizar-se-á, em Gravatahy, no salão “Padre Vargas”, da Aliança Cathólica, no dia 18/07/1925, às 20 horas, levado pelo corpo cênico Parochial, grande festival, em benefício das obras do Collégio Parochial “Dom Feliciano”. O grande festival aconteceu lentamente, mas decididamente, debruçado no horizonte cultural gravataiense, estava surgindo o Dom Feliciano.

    O Sr. Antônio Cardoso de Jesus muito gentilmente ofereceu um prédio no qual começou a funcionar a Escola ( Primário). Em 1926, o vigário Cônego Pedro Wagner, ardoroso batalhador da causa do ensino e da educação em Gravataí, conseguiu um prédio próprio para o tranquilo funcionamento da Escola, não tendo sido firmado qualquer contrato de aluguel. Aos 2 de março de 1926, iniciaram as aulas com bom número de alunos internos e externos.

Antigo Porto das Canoas

    O Porto das Canoas ficava no rio Gravataí, ainda hoje é possível identificar o local onde ficava o porto, os alicerces das tulhas e depósitos, assim como as muretas onde as embarcações atracavam, as margens do porto no local hoje conhecido como Passo das Canoas. O Porto das Canoas foi de grande utilidade para o transporte da produção do Município, desde tempos remotos. Dentre as embarcações que utilizavam esse porto, temos conhecimento das “gasolinas”, tanto para o transporte coletivo como para o de carga. Havia também os “lanchões”, sendo barcos tocados a vara. Pelas gasolinas, eram transportados produtos como farinha de mandioca, polvilho, sendo receitas básicas do Município. Também eram transportados melaço, rapadura, tijolos e telhas pelas gasolinas. A produção de farinha era comprada pelos comerciantes e depositada em grandes casarões que eram denominados de “tulhas”. Após era levada até o porto, em carretas, puxadas por bois, e, em carroças, puxadas por cavalos. Dava acesso ao Porto a primeira rua de Gravataí, partindo-se da Praça Floriano Peixoto. Os carreteiros, que traziam farinha e polvilho do interior, sesteavam, soltava os bois e faziam fogo no chão, na Praça Borges de Medeiros, não sendo cortada, como hoje, pela Rua Osvaldo Aranha. Nas gasolinas de transporte coletivo, eram transportados passageiros que iam a Porto Alegre ou vinham de Porto Alegre à Vila Nossa Senhora dos Anjos. As autoridades de Porto Alegre, e até os médicos, quando vinham a Gravataí, do Porto das Canoas, eram conduzidas nas diligências até o centro. As gasolinas traziam mercadorias para os comerciantes que tinham depósitos no Porto das Canoas como Pedro Dutra, Acácio Soares, Ary Tubbs e outros. Também havia, como embarcação, uma pequena barca de madeira que, através de um arame preso nas laterais, fazia com que se pudesse atravessar o rio, chegando ao lado de Viamão. Tal barca era puxada manualmente. As “gasolinas”, que serviam ao transporte coletivo, também recebiam nomes como : “Gasolina Nilza”, de propriedade do Sr. Lalau; a “Gasolina Gomes”, de transporte de carga, pertencia ao Sr. Alcides Gomes, e a “Gasolina Vitória”, de transporte de carga, pertencente ao Sr. Pequeno Revessa.

Engenhos, Alambiques e Moinhos

    Nos primórdios da nossa economia, houve grande número de engenhos, moinhos e alambiques no nosso Município. Os engenhos eram movidos por tração animal. Garapa é o nome que se dá ao líquido que escorre da cana moída. Após, é colocada no forno, em grande tacho, para a fabricação do melado que, batido em tachos, é transformado em rapadura, feita em formas de madeira. Quando pronta, a rapadura é empalhada, com palha de milho, sendo amarrada com tiras de bananeira ou palha de milho. O Alambique é o lugar onde se fabrica a cachaça, sendo a água destilada da garapa, através do uso da serpentina. A garapa é fervida, e o líquido que forma a cachaça é extraído através da serpentina, gerando três tipos de aguardente: forte, média e moderada. Quanto aos moinhos graneleiros, tivemos alguns no Município, mandatos construir pelo governador José Marcelino de Figueiredo. Alguns eram movidos por tração animal; outros, por roda d’água. Antes de ir ao moinho, o milho era debulhado e sempre torrado em casa. No moinho, passava pela mó, saindo, após, a farinha. Moído o milho, pagava-se a moagem. A mecanização da lavoura, as terras gastas e o êxodo rural encarregaram-se de fazer diluir, quase que totalmente, tais afazeres no seio da população gravataiense.

    Em 1930 termina a era dos intendentes e começa a época dos prefeitos nomeados.

    João Cândido Machado, Tenente e Coronel, foi o primeiro Prefeito nomeado de Gravataí (1930-1931), precedendo a brilhante administração do Dr. José Loureiro da Silva (1931-1936). O ano de 1931 marcou o início de uma nova fase econômica para Gravataí, motivada pela nomeação do Prefeito José Loureiro da Silva, prefito nomeado, que veio dar uma vida nova ao Município com sua profícua administração. Efetuou reformas nas velhas casas de beirado baixo, melhorou as ruas que eram empoeiradas, no verão, e barrentas, no inverno, e a Vila, que antes era iluminada deficientemente pelo motor a querosene, de corrente contínua, instado no fundo do quartel velho, onde hoje fica a Junta Militar. O prefeito José Loureiro da Silva, o grande administrador que remodelou e urbanizou a Vila.

A Atafonas e as Farinhadas

    A cultura da mandioca teve participação ativa na economia do Município, fornecendo a farinha de mandioca e o polvilho. Para a obtenção da farinha de mandioca, inclusive a já torrada, utilizava-se as atafonas, sendo moinhos manuais ou movidos por cavalgaduras. As atafonas aqui existentes eram de tração animal, movidas por bovinos, equinos ou muares. A mandioca era trazida por carretas de tração bovina, sendo raspada manualmente com pequenas facas apoiadas num banquinho. Após, era levada ao tremonhado (em moenda ou moinho, utensílio que apara o grão triturado, a farinha)., ao rodízio e, depois, era levada à prensa para extrair o líquido. As prensas eram de madeira, e os tipitis eram de taquara. Da massa da mandioca, extraía-se o polvilho.

Você quer saber mais?

ROSA, Jorge. História de Gravataí. EDIGAL: Gravataí, 1987.

 

Estudando história

 


    Existem várias maneiras de registrar o passado. Uma delas são as fotografias, nelas podemos identificar como os lugares ou as pessoas eram há tempos atrás. O passado não pode ser visitado, mas por meio da história podemos conhecê-lo pelos registros históricos. O trabalho do historiador é como o de um detetive, juntando vestígios deixados pelas pessoas que viveram no período. Depois se deve delimitar os acontecimentos que desejamos investigar. Definido o que iremos estudar o historiador então deverá escolher onde buscar as pistas, essas serão suas fontes históricas que nos trazem os vestígios do passado. Elas podem ser jornais, fotografias, livros, e no caso de serem eventos acontecidos há muito tempo atrás podem ser encontrados em pedras, papiros (papel primitivo), pergaminhos (material para escrever feito de couro). 

   Temos também diferentes formas de medir o tempo, os primeiros grupos humanos adotavam a natureza como referencial para medir o tempo, ou seja, a natureza era seu calendário. Os nativos indígenas de nosso município, os índios Carijós utilizavam essa maneira para medir o tempo. Observavam a posição do Sol, as fases da Lua e os períodos de chuva e estiagem. Com o advento da agricultura as civilizações precisaram medir o tempo de maneira mais precisa, e assim nasceu os calendários. O calendário que usamos hoje é o gregoriano, e ele tem por base o tempo que a Terra demora para dar uma volta completa em torno do Sol, que é de 365 dias 5 horas e 49 minutos, e está em vigor há quase 500 anos.

      O calendário gregoriano utilizado em países cristãos tem como marco inicial o nascimento de Jesus Cristo, e nele estamos no ano de 2023, mas existem outros calendários como o judaico que é utilizado em Israel e em comunidades judaicas ao redor do mundo, e tem por marco a criação do mundo por Deus e estão no ano de 5782. Já os islâmicos marcam seu calendário do momento da migração de Maomé de Meca para Medina, e estão no ano de 1444, esse calendário é mais utilizado pelos muçulmanos da África e Ásia.

O aprendizado é uma jornada, e você não a fará sozinho!”

Leandro, professor de História

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Por que a vaca é sagrada na Índia?

 

        A tradição nasceu com o hinduísmo. Os Vedas, coletânea de textos religiosos de cerca de 1500 a.C., comentam a fertilidade do animal e o associam a várias divindades. Outra escritura hinduísta fundamental, o Manusmrití, compilado por volta do século I a.C, também enfatiza a importância da vaca para o homem. Nos séculos seguintes, foram criadas leis elevando gradualmente o status religioso bovino. No sistema de castas que ainda vigora na sociedade indiana, a vaca é considerada mais “pura” até do que os brâmanes (indivíduos pertencentes à casta mais elevada, dos sacerdotes) — por isso não pode ser morta nem ferida e tem passe livre para circular pelas ruas sem ser incomodada. O leite do animal, sua urina e até mesmo suas fezes são utilizados em rituais de purificação. A adoração, no entanto, não é unanimidade entre os hindus e suscita debates inflamados no país. Em seu livro The Myth of Holy Cow (O mito da vaca sagrada, sem tradução para o português), o historiador indiano Dwijendra Narayan Jha, da Universidade de Délhi, sustenta a tese de que o hábito de comer carne era bastante comum na sociedade hindu primitiva e condena o “fundamentalismo em torno da santificação do animal”, imposto pelos principais grupos religiosos da Índia.

Você quer saber mais?

 VICENTINO,  Claudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto Mosaico - História. São Paulo: Editora Scipione, 2015.

A educação espartana

         Os espartanos eram treinados para defender a pólis e seus domínios. Com um sistema rígido de educação e formação militar, o Estado esperava garantir a proteção da cidade contra inimigos externos e a preservação da ordem interna, como a repressão aos hilotas. O vigor físico era um atributo importante para a sociedade espartana. O Conselho dos Anciãos examinava cada criança espartana recém-nascida. As crianças que nasciam com deficiências eram atiradas de um desfiladeiro. Os bebês saudáveis eram devolvidos aos pais. As meninas permaneciam com os pais até se casar. Já os meninos deixavam a família aos 7 anos para cumprir o serviço militar obrigatório até os 18 anos. 

     Durante a formação militar, os meninos alojavam-se em barracas e enfrentavam dificuldades como fome, chuva e frio. O aprendizado de técnicas de guerra, como o manejo de escudos, arcos, flechas e lanças, era iniciado nesse período. Aos 18 anos, o jovem tornava-se hoplita (soldado) e permanecia a serviço do Estado até os 60 anos. Aos 30 anos conquistava o direito de participar da Ápela, passava a ser considerado um cidadão e era obrigado a se casar para ter filhos. As mulheres espartanas não participavam da vida política. Sua obrigação era se casar e gerar filhos saudáveis para servir ao Estado. Por isso, a saúde do corpo também era uma preocupação feminina. Elas praticavam exercícios para ter uma constituição forte e saudável, caso fossem convocadas para a guerra.

Você quer saber mais?

VICENTINO,  Claudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto Mosaico - História. São Paulo: Editora Scipione, 2015.


Havia história antes da história?

     A expressão “Pré-História” quer dizer anterior à História (pré = antes). Ela indica o enorme período compreendido entre o aparecimento dos seres humanos sobre a Terra (há mais de 5 milhões de anos) e o surgimento da escrita, que, em alguns lugares, ocorreu no final do quarto milênio antes de Cristo. Isso significa que todo o período anterior ao surgimento da escrita não seria considerado parte da História. Mas por que a invenção da escrita foi escolhida como marco inicial da História? 

      Há cerca de 200 anos os historiadores se baseavam nos textos escritos pelos povos antigos para entender seu passado. Assim, acreditavam que os povos do passado que não possuíam  escrita não poderiam ser estudados e, portanto,  não teriam uma história. Daí criaram a expressão “Pré-História” para denominar o período em que viveram esses povos que não dominavam a escrita. Com o tempo, os historiadores descobriram que desenhos, moradias e ferramentas deixados pelos povos pré-históricos também revelavam muito sobre seu passado. Ou seja, entenderam que era possível contar sua história utilizando documentos não escritos. Apesar disso, a expressão “Pré-História" continuou sendo usada para definir o período anterior à invenção da escrita. 

Você quer saber mais?

VICENTINO,  Claudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto Mosaico - História. São Paulo: Editora Scipione, 2015.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Uma história de vitória


  A história de um dos maiores estadistas que o mundo já conheceu!

                A. L. era um jovem simples, filho de lavradores. Não teve privilégios sociais, raramente ganhava presentes. Mas tinha uma característica dos vencedores: reclamava pouco. Nada melhor para fracassar na vida do que reclamar muito. Não sobra energia para criar oportunidades. Desde a juventude A. L. conheceu as dificuldades da existência. Perdeu a mãe aos 9 anos. Nosso jovem poderia ser controlado pela perda, mas sobreviveu. Havia algo nele digno de elogiar: sua capacidade enorme de viajar. Viajava muito — pelo mundo dos livros. Assim, construiu secretamente um tesouro enterrado no seu intelecto. Era comum por fora, mas um sonhador por dentro. Certa vez ele resolveu montar um negócio. Sonhava em ganhar dinheiro, ter prestígio social e uma vida tranquila. Sentiu-se inspirado e destemido. Nos sonhos tudo parece fácil, não há acidentes. Mas todo sonho traz pesadelos. O resultado do negócio? FALÊNCIA. O jovem enfrentou o drama da derrota muito cedo. Alguns, ante um fracasso, bloqueiam a inteligência. Eles registram o fracasso intensamente nos solos do inconsciente, através do registro automático da memória (fenômeno RAM).

                O mecanismo é o seguinte: o fracasso é lido continuamente, gerando reações emocionais dolorosas e Ideias negativas que obstruem a liberdade de pensar, de fazer novos planos, de acreditar no próprio potencial. A derrota não superada esmaga os sonhos e dilacera a coragem, aprendendo a não ser controlado pelos fracassos. Você já enfrentou a dor de uma derrota? A. L. viveu-a e ficou abalado, mas não se submeteu ao controle dela. Assumiu-a, enfrentou-a, levantou a cabeça e voltou a sonhar, Saltou do mundo dos negócios para o mundo da política. Candidatou-se a um cargo. Sentia que poderia ser um grande homem. O resultado das urnas? FOI DERROTADO! “Não é possível!”, exclamava. “O que fiz de errado?” Muitas perguntas, muitas respostas, mas nenhuma apaziguava a sua emoção. À razão tenta se preparar para as derrotas, mas a emoção nunca se submete a elas.  Um mecanismo súbito de ansiedade desenhava-se em sua mente. Apesar de desanimado, A. L. não se deixou vencer. Todos os sonhadores são inimigos da rotina. Quando eles pensam em desistir de tudo, os sonhos surgem no teatro da mente e voltam a instigá-los. Assim ocorreu com nosso jovem. Ele retornou ao mundo dos negócios, dessa vez apostou que ia dar certo. Tomou certas precauções. Conversou mais, refletiu mais. Fez uma pequena análise dos erros que deveria evitar e de quanto ganharia. Foi tomado por intensa euforia. A emoção é bela e crédula, bastam alguns respingos de esperança para que o humor se restabeleça e a garra retorne. Nunca devemos retirar a esperança de um ser humano, mesmo de um paciente portador de câncer em fase terminal. À esperança é o fôlego da vida, o nutriente essencial da emoção.

                A. L. acreditava na vida. Então, depois de despender energia para organizar sua pequena empresa e trabalhar muito, FALIU NOVAMENTE. Os pensamentos derrotistas de A. L. não apenas alimentavam sua insegurança, seu sentimento de incapacidade e ansiedade, como, pior, eram acumulados como entulho no delicado solo de sua memória. Os que não sabem cuidar desse solo não veem dias felizes. O fenômeno RAM registrou sua falência de maneira privilegiada. Por isso, A. L. não gostava de tocar no assunto, pois, quando falava nisso, o gatilho da memória abria imediatamente as janelas que libertavam a tristeza. Muitas vezes não gostamos de tocar em nossas feridas. Elas não são sanadas, apenas escondidas. Mas A. L. não as escondeu. Procurou superá-las resgatando sua vocação política. Candidatou-se novamente. Depois de muita labuta, enfim veio a bonança. Conseguiu ser eleito deputado. Parecia que os ventos mudavam. Sua emoção encontrou à primavera. 

Golpes inevitáveis

Mas a alegria de A. L. logo se dissipou no calor das suas perdas. No ano seguinte sofreu uma perda irreparável. Sua noiva morreu. Sua mãe havia morrido cedo, e agora nunca mais veria o rosto da mulher que amava.  A perda roubou-lhe não apenas a alegria, mas produziu algumas janelas killers na sua memória. Killer quer dizer “assassino”. Janelas killers são zonas de conflitos intensos cravadas no inconsciente que bloqueiam o prazer e a inteligência. Quando entramos nessas janelas, reagimos como animais, sem pensar. Elas são construídas por meio de perdas dramáticas, frustrações intensas, angústias indecifráveis que não são superadas. Quando uma pessoa possui síndrome do pânico, ao entrar em sua janela killer, ela tem a sensação súbita de que vai morrer ou desmaiar, mesmo estando na plenitude da saúde.  Quando crianças fazem birra e adolescentes entram em crise diante de um não, estão sob o controle dessas janelas. Todas as vezes que perdemos o controle de nossas reações somos vítimas dessas janelas. Quando A. L. entrava nas janelas que aprisionavam sua inteligência, ele produzia uma avalanche de ideias negativas que financiavam sua angústia. O resultado? No ano seguinte teve uma crise depressiva. Alguns, por perdas menores, se deprimem por anos. A. L. estava deprimido, mas se distinguia da maioria das pessoas. Sabia que tinha dois caminhos a seguir. Ou suas perdas o construíam ou o destruíam.

Que escolha você faria? É fácil dizer que seria a primeira, mas frequentemente escolhemos a segunda opção às perdas nos destroem e nos abatem. A. L. treinou sua emoção e escolheu a primeira alternativa. Em vez de se colocar como vítima do mundo, resgatou a liderança do “eu”. Saiu da própria miséria. Agradeceu a Deus pela vida e pelas perdas. Fez delas uma oportunidade para compreender as limitações da existência e crescer. 

Todos nós construímos cárceres usando como grades invisíveis a cobrança excessiva, a autopunição, o desespero. Muitos pensam que seu cárcere é um chefe insensato, um concurso competitivo, as doenças físicas, as crises financeiras. Mas nossos reais cárceres estão alojados na psique. Se formos livres por dentro, nada nos aprisionará por fora. 

Ergueu-se das cinzas

A. L., aos poucos, voltou a ter encanto pela existência. Desejou ser útil à sua sociedade, porque não via outro sentido para a vida. Sob a chama desse ímpeto, candidatou-se a deputado federal. Preparou-se para uma grande vitória. Então, veio o resultado. FOI DERROTADO. Sentia-se sufocado. Olhava para os lados, achando que as pessoas comentavam seu fracasso. Cuidado! Se você depender muito dos outros para executar seus sonhos, corre o risco de ser um frustrado na vida. Os jovens precisam estar alertas. Eles são exigentes para consumir, mas não sabem construir seu futuro, são frágeis e dependentes.  Alguns achavam que o sonho de A. L. era mero entusiasmo. Mas ele se reergueu. Seus sonhos eram sólidos demais para fazê-lo ficar submerso nos escombros dos seus fracassos. Alguns anos depois o sonho de ser um grande político renasceu. Candidatou-se mais uma vez, fez uma campanha com segurança e ousadia. Gastou saliva e sola dos sapatos como ninguém. Estava animadíssimo. Após uma extenuante campanha, veio o resultado. PERDEU DE NOVO. Foi um desastre emocional. Ao vê-lo, as pessoas meneavam a cabeça. Os mais próximos diziam: “Pare de sofrer! Faça outra coisa!” Muitos jamais entrariam numa outra disputa. Mas quem controla o sonho de um idealista?

A. L. teve de enfrentar a humilhação das derrotas, os deboches dos amigos, o sentimento de incapacidade. Tudo isso feriu sua psique, mas educou a emoção para suportar crises e perdas.  Nosso sonhador emergiu do caos. Ninguém acreditava, mas A. L. decidiu enfrentar mais uma campanha para o Congresso. Nunca se viu tanta garra. Às injustiças sociais e a discordância das desigualdades humanas geravam nele uma fonte inexplicável de energia para correr riscos. Agora havia mais fé e mais experiência. Corrigiu os erros de outras campanhas e tornou-se mais sociável. Finalmente, veio o resultado. PERDEU MAIS UMA VEZ. Nos dias que se seguiram, A. L. afundou no pântano do seu pessimismo. Não se concentrava no mundo concreto. Havia momentos em que queria fugir do mundo. Entretanto, quem pode fugir de si mesmo?  Havia amargado diversas derrotas eleitorais, falências e perdas. Sua coleção de fracassos era mais do que suficiente para fazê-lo vítima do medo. Por muito menos, pessoas ilustres escondem a cabeça debaixo do travesseiro. Todos entenderiam se ele desistisse das suas metas. Era o mais recomendável. Vencer parecia um fenômeno inalcançável. Entretanto, quando todos esperavam que ele não se erguesse mais, A. L. se levantou das cinzas. Não era propenso a aceitar ideias sem passá-las pelo filtro da sua crítica.

Ele apareceu na roda dos políticos e, para espanto da platéia, se candidatou para o Senado. Às derrotas, em vez de destruir sua autoestima, realçavam seu projeto.  A campanha foi diferente. Sua voz estava vibrante. Deixou de ser refém de algo que facilmente nos aprisiona: nosso passado. Acreditou que romperia a corrente de fracassos e que o sucesso beijaria os solos da sua história.  Mas não queria o sucesso pelo sucesso. Não era um político dominado pela coroa da vaidade. Os que amam a vaidade são indignos da vitória. Os que amam o poder são indignos dele. Ter sucesso para estar acima dos outros é mais insano do que as alucinações de um psicótico.  A. L. tinha uma ambição legítima. Ele queria o sucesso para ajudar o ser humano. Queria fazer justiça para os que viviam no vale das misérias físicas e emocionais. Sonhava com o dia em que todos fossem tratados com dignidade na sua sociedade. Após extenuante campanha, em que expôs inflamado suas ideias, aguardou impacientemente o resultado. Não podia perder dessa vez. Então, veio o resultado. PERDEU OUTRA VEZ. 

Uma coragem incomum

Não dava para exigir grandes atitudes de um colecionador de perdas. As opiniões se dividiam em relação a ele. Algumas pessoas supersticiosas acreditavam que ele estava programado para ser um derrotado. Outras, fatalistas, acreditavam que seus fracassos eram decorrentes de seu destino previamente traçado. Para elas, uns nasceram para o sucesso, outros, para o fracasso. Todas concordavam que ele deveria se conformar com seus fracassos, mudar de cidade, de país, de emprego. O conformismo, em psicologia, chama-se psicoadaptação. O fenômeno da psicoadaptação é a incapacidade da emoção humana de reagir com a mesma intensidade  diante da exposição ao mesmo estímulo. Quando nos expomos repetidamente a estímulos que nos excitam negativa ou positivamente, com o tempo perdemos a intensidade da reação emocional: nos psicoadaptamos a eles. No aspecto positivo, a psicoadaptação gera uma revolução criativa. Estimula-nos a procurar o novo, amar o desconhecido. Ela é um dos grandes fenômenos psicológicos inconscientes responsáveis pelas mudanças nos movimentos literários, na pintura, na arquitetura e até na ciência. Todavia, quando a psicoadaptação é exagerada, ela gera insatisfação crônica e consumismo. Nada agrada por muito tempo. Às conquistas geram um prazer rápido e fugaz. Aqui está uma das maiores armadilhas da emoção. Por isso, não é saudável que os pais deem muitos presentes para os filhos. Eles se psicoadaptam ao excesso de brinquedos. O resultado é maléfico! Consomem cada vez mais coisas, mas obtêm cada vez menos prazer. A. L. tinha tudo para se psicoadaptar aos seus fracassos. Poderia se colocar como um supersticioso, achar que era um desafortunado, sem sorte. Mas ele considerava que a verdadeira sorte não é gratuita, mas a que se constrói com labuta.

Ele estava ferido, mas não vencido. Estava abatido, mas não destruído. Estava mutilado, mas almejava correr a maratona. Sua coragem era quase surreal, beirava o inacreditável, mas trazia-lhe saúde psíquica. Suas flagrantes derrotas, em vez de se tornarem um pesadelo, tornaram-se um romance pela vida. Ás suas crises de ansiedade tornaram-se como ondas que se debruçavam sobre a praia da sua história e produziam marcas de maturidade. Tornou-se um ser humano de raríssimo valor. Encontrou grandeza na sua pequenez, você tem encontrado grandeza na sua pequenez? 

Alguns amigos recomendavam que ele se aquietasse, tivesse pena de si, não corresse mais riscos. “Tudo tem limite”, diziam. Mas ele tinha algumas das cinco características dos grandes gênios:

1. Era persistente na busca de seus interesses;

2. Animava-se diante dos desafios;

3. Tinha facilidade para propor ideias;

4. Tinha enorme capacidade de influenciar pessoas;

5. Não dependia do retorno dos outros para seguir seu caminho.

A. L. entrou numa nova campanha: a vice-presidência da República. Já que não estava na linha de frente, estaria mais protegido, faria uma campanha mais segura, menos tensa. Mas teria que propor seu nome na convenção.  No dia da votação, sua ansiedade aumentou. Começaram a contar os votos da convenção. Não demorou muito para sair o resultado. RECEBEU UMA FLAGRANTE DERROTA. Muitos pensaram que ele contagiaria com seu derrotismo o candidato à presidência. À verdade a respeito daquele homem era que ele se tornara um dos maiores colecionadores de fracassos da história. Raramente alguém tentara tanto e perdera tanto.  Os amigos se afastaram. Às pessoas não esperavam mais nada dele. As janelas killers produziam o cárcere da emoção. Sua autoestima estava quase zerada, seu encanto pela vida, combalido. O pessimismo o envolveu. Começou a crer que uns nasceram para a vitória e, outros, para o fracasso, uns, para o palco e, outros, para a platéia. O que você faria depois de tantos fracassos? O que você faria se fosse abandonado pelas pessoas mais próximas? Que atitude tomaria se fosse despedido do emprego em que colocou todo o seu futuro? Que reações teria se atravessasse uma crise financeira tão grave que não tivesse nem dinheiro para pagar o aluguel da casa? Qual seria sua postura se fosse criticado publicamente e as pessoas ao seu redor desacreditassem completamente de você?

Muitos simplesmente desistiriam dos seus sonhos. Um escultor de ideias, um artista da vida A. L. tornou-se o “Senhor Fracasso”. À maioria das pessoas acreditava que ele não apareceria mais em público, muito menos na roda de políticos e partidários.  De repente, ele entrou na sede do partido. As pessoas avistaram-no, mas não acreditaram no que viram. Esfregaram os olhos para enxergar melhor.  Para surpresa de todos, ele iria candidatar-se novamente para o Senado. Apesar do péssimo currículo das suas derrotas, nosso sonhador fez uma campanha primorosa para o Senado, estava determinado a vencer. Para A. L., cada disputa era um momento mágico, estar na disputa era mais importante do que o pódio, os que valorizam o pódio mais do que a disputa não são dignos de subir nele.  Finalmente chegou o dia da votação. Aguardou com expectativa incomum o resultado das urnas. Dessa vez tinha de ser diferente. FOI NOVAMENTE DERROTADO, as lágrimas deixaram o anonimato e escorreram pelas vielas do seu rosto. Escondia a face, mas chorou muito. Era um ser humano apaixonado pela sua sociedade, mas não tinha uma oportunidade de ajudá-la.  Parecia que dessa vez A. L. se entregaria, chegara ao limite. Faria qualquer coisa, menos se candidatar a qualquer cargo — nem para o clube dos fracassados. Seria controlado pelo fantasma do medo e pelo monstro da derrota. 

Grande lição

                As pessoas superficiais veem os resultados positivos como parâmetros do sucesso, enquanto a psicologia avalia o sucesso usando como critérios motivação, a criatividade a resistência intelectual. Diferentemente da maioria das pessoas, ele lutou pelos seus sonhos até a última gota de energia. Nesse aspecto, A. L. foi vitorioso. Schopenhauer afirmava que jamais deveríamos fundamentar nossa felicidade pela cabeça dos outros. A. L. seguiu esse princípio, pois se gravitasse em torno da opinião dos que o cercavam estaria condenado ao ostracismo, ao completo isolamento social. Diante do tumulto social, ele entrou no único lugar protegido do mundo: dentro de seu próprio ser. Lá ele se calou e fez a oração dos sábios: o silêncio. Nos momentos mais tensos da sua vida, em vez de reagir, procure a voz do silêncio. Qualquer ser humano que não ouve essa voz obstrui sua inteligência, tem atitudes absurdas, fere quem mais merece seu carinho. Devemos gravar isto: nos primeiros trinta segundos de tensão cometemos os maiores erros de nossas vidas. Nos focos de tensão bloqueamos a memória e reagimos sem pensar, por instinto. Nesse caso, o homo bios (animal) prevalece sobre o homo sapiens (pensante). Ninguém imaginava que A. L. novamente apareceria em cena. À última derrota parecia ter sepultado seus sonhos. Entretanto, quando todos pensaram que ele tivesse sido derrotado por suas decepções, ele surgiu novamente no meio político e se candidatou ao cargo mais alto da política.

Para Dostoiévski, “dar o primeiro passo, proferir um nova palavra é o que as pessoas mais temem”. A. L. deu mais um grande passo, tomou mais uma nova atitude, e ao vencer seus temores, deixou os outros temerosos. À reação de A. L. fez com que o medo da derrota se dissipasse da sua psique e passasse a ser um problema dos outros. Quando usamos as palavras para compreender as raízes do medo e enfrentar seus tentáculos, o medo é reeditado, pois novas experiências são acrescentadas às janelas da memória, onde ele se encontra. O medo se torna nutriente da coragem. Candidatar-se à presidência do seu país parecia loucura, e não sonho. Mas, quando nos deixamos conduzir pelos sonhos, podemos reescrever nossa história e construir janelas inconscientes que arejam nossa emoção. À alma de A. L. era controlada por seus sonhos. Ele estava desacreditado. Mas A. L. se levantou do caos. Estava decidido, queria mais uma chance. Parecia incansável. Sua persistência deixava os resistentes confusos, e com seus sonhos ele contagiava seus parceiros.

Terminada a eleição, começou a apuração. A. L. estava muito ansioso. Ele sabia que não podia ouvir a voz do seu corpo comandada pelo cérebro. Tinha de ouvir a voz da sua inteligência, custasse o que custasse. Para muitos, ele estava prestes mais uma vez a acrescentar um fracasso ao seu extenso currículo. Finalmente chegou o resultado: ELEITO O 16º PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.

A. L. não apenas foi eleito como se tornou um dos políticos mais importantes da História moderna. Seu nome? ABRAHAM LINCOLN. Foi o presidente que emancipou os escravos do seu país, foi um dos grandes poetas da democracia moderna e dos direitos humanos.  Abraham Lincoln foi um dos maiores sonhadores de todos os tempos. Teve todos os motivos para abandonar seus sonhos, mas, apesar de todas as crises e das incontáveis frustrações, jamais desistiu deles.  “O homem que se vinga quando vence não é digno da sua vitória”, pensava o afiado escritor Voltaire. Abraham Lincoln venceu, mas não se vingou dos que a ele se opunham. Ele apenas zombou do próprio medo, transformou a insegurança em ousadia, a humilhação em lágrimas, que lapidaram sua personalidade, as lágrimas em gemas preciosas no território da emoção. 

Sonhos que nunca morrem

Em 1842, Abraham Lincoln se casou com Mary Todd, uma mulher inteligente, ambiciosa e de princípios sólidos, que influenciou muito sua vida e o apoiou nos momentos difíceis. Em 14 de abril de 1865, no início do seu segundo  mandato, uma tragédia aconteceu. Lincoln estava no Teatro Ford, em Washington. Tranquilo velejava pelas águas da emoção enquanto assistia ao espetáculo. Não imaginava que nunca mais veria as cortinas de um teatro se abrirem, pois fecharia os olhos para o espetáculo da vida. Um ex-ator, que era um escravista radical, caminhou se sutilmente até onde estava o presidente e o atingiu com um tiro de pistola na nuca. Uma bala penetrou-lhe o corpo, destruiu-lhe a medula, rompeu suas artérias. No outro dia ele morreria pela manhã, antes de o orvalho da primavera se despedir ao calor do sol. Morreu um sonhador, mas não seus sonhos. Seus sonhos se tornaram sementes nos solos de milhões de  negros e de brancos que o amavam, influenciando todo o mundo ocidental.

Abraham Lincoln fez a diferença no mundo. Nunca desistiu dos seus sonhos porque viveu um dos diamantes da psicologia: o destino não está programado nem é inevitável. O destino é uma questão de escolha. 

Abraham Lincoln e a sociedade moderna

A história da vida desse mestre pode colocar combustível na mente de todas as pessoas que sonham. O consumismo, a competição social, a paranóia da estética, a crise do diálogo têm sufocado a vida de milhões de jovens e adultos em todos os países do mundo. À sociedade moderna tornou-se psicótica, uma fábrica de loucura. Infelizmente, do jeito que as coisas caminham, investir na indústria de antidepressivos e tranquilizantes parece ser a melhor opção no século XXI. Se você acorda cansado, tem dores de cabeça, está ansioso, sofre por antecipação, sente dores musculares, não se concentra, tem déficit de memória ou outros sintomas, saiba que você é normal, pois nos dias de hoje raramente alguém não está estressado. Raramente alguém não possui algum transtorno psíquico ou sintomas psicossomáticos.  Os adultos estão se tornando máquinas de trabalhar, e as crianças, máquinas de consumir. Estamos perdendo a singeleza, a ingenuidade e a leveza do ser. À educação, embora esteja numa crise sem precedente, é a nossa grande esperança.

Abraham Lincoln queria libertar os escravos porque encontrou a liberdade em seu interior. Ele desenvolveu saúde psíquica e expandiu a sabedoria nos acidentes da vida e nos campos das derrotas. Quem valoriza as dificuldades e os fracassos numa sociedade que apregoa a paranóia do sucesso? Precisamos sonhar o sonho de liberdade de Abraham Lincoln. Ele enfrentou o mundo por causa dos seus sonhos. Desenvolveu amplas áreas da inteligência multifocal — pensar antes de reagir, expor e não impor suas ideias colocar-se no lugar dos outros, ter espírito empreendedor, ser um construtor de oportunidades, ter ousadia para reeditar seus conflitos. Por tudo isso, ele se tornou autor da sua própria história

Você quer saber mais?

CURY, Augusto. Nunca desista de seus sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2013.