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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Agentes de fronteira da Stasi tinham ordens para matar fugitivos


Documento da polícia secreta da Alemanha Oriental mostra que agentes não deveriam hesitar em utilizar armas de fogo contra fugitivos mesmo que entre eles houvesse crianças.

Um documento que se tornaram público mostram que agentes de fronteira da Stasi, a polícia secreta da antiga Alemanha Oriental, tinham ordens de atirar para matar contra fugitivos do regime comunista alemão. O documento foi encontrado nos arquivos regionais da cidade de Magdeburg e tem data de 1º de outubro de 1973.

"Não hesite em utilizar armas de fogo mesmo que a fuga pela fronteira ocorra ao lado de mulheres e crianças, o que traidores já utilizaram com freqüência", está escrito no documento, que é dirigido a agentes da Stasi que agiam incógnitos entre guardas da fronteira na região de Magdeburg e tinham por missão identificar soldados que estivessem dispostos a fugir.

Em muitos casos, as tentativas de fuga aconteciam com a família. Historiadores calculam que mais de 2,8 mil soldados tenham desertado e fugido para a Alemanha Ocidental. Já o número de pessoas que foram mortas durante tentativas de fuga é impreciso e varia entre 270 e 780.

A revelação da existência do documento foi feita pelo jornal Magdeburger Volksstimme e ocorreu às vésperas do aniversário de 46 anos (2007) da construção do Muro de Berlim.

Controvérsia

O achado provocou controvérsias na imprensa alemã. Um porta-voz do escritório responsável pela administração dos arquivos da Stasi, Andreas Schulze, confirmou a informação do jornal e apresentou o documento como sendo a primeira prova de que havia uma ordem do governo da Alemanha Oriental para matar fugitivos.

Após vários relatos na imprensa de que um texto praticamente igual já havia sido tornado público em 1997, numa antologia publicada pelo historiador Matthias Judt, os responsáveis pelos arquivos da Stasi reconheceram neste domingo que a descoberta de Magdeburg não é inédita.

Stasi: a polícia secreta da Alemanha Oriental - Oito histórias inacreditáveis.


Ministério para Segurança do Estado.

Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, os alemães ainda se espantam com as histórias e técnicas da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental. Veja abaixo 8 exemplos de como o governo comunista vigiava e perseguia seus próprios cidadãos por Texto Vanessa Vieira 

1. Um espião para cada 60 moradores

Se houve uma nação que materializou o Estado onisciente descrito por George Orwell no livro 1984, esta nação foi a Alemanha Oriental. No país comunista, o Ministério para Segurança do Estado, mais conhecido como Stasi, representava o papel de Big Brother, o Grande Irmão de Orwell, munido de câmeras e escutas para espionar todos os cidadãos. Para vigiar a população e evitar movimentos organizados contra a política comunista aliada à União Soviética, a polícia secreta da República Democrática da Alemanha adotou meios que ainda hoje impressionam. "Absolutamente nada era sagrado para a polícia secreta. Pequenos buracos eram perfurados nas paredes de apartamentos e de hotéis para que a Stasi filmasse seus suspeitos. Até os banheiros eram penetrados pelos voyeurs comunistas", afirma o escritor e jornalista Joseph Koehler em seu livro Stasi: the Untold Story of the East German Secret Police ("Stasi: a história não contada da polícia secreta da Alemanha Oriental", sem edição no Brasil).

Os alemães orientais estavam acostumados à ostensiva vigilância por meio de microfones camuflados, câmeras fotográficas, vídeos e milhares de colaboradores. Agentes eram colocados em tempo integral nas fábricas para reportar tudo o que acontecia. Em cada condomínio de apartamentos, havia um responsável por anotar e relatar toda a rotina - que visitas cada morador recebeu, se algum visitante passou a noite no local. Essa estrutura de vigilância exigia muitos, muitos funcionários.


Em 1989, a Stasi empregava 90 mil agentes e mantinha 175 mil informantes para monitorar 17 milhões de habitantes. Ou seja, havia um espião para cada 63 habitantes. Alguns especialistas, levando em conta os colaboradores ocasionais, estimam que um em cada 6 alemães orientais passava informações à Stasi. É um número maior até mesmo que a polícia secreta anterior, a temível Gestapo dos tempos nazistas, que tinha cerca de 40 mil oficiais para vigiar 80 milhões de pessoas. O resultado de tamanha vigilância é que 6 milhões de pessoas, ou mais de um terço da população, tinham sua ficha nos enormes arquivos da Stasi.

Mais do que os números, o que chama atenção é a constatação de que amigos, colegas de trabalho, de faculdade e até familiares delatavam seus pares. As razões para colaborar eram diversas - iam desde a fidelidade na ideologia comunista à coação e à ameaça, passando pelo oferecimento de privilégios, como promoções e permissões para viajar, ou mesmo o bom e velho pagamento em dinheiro, na melhor tradição capitalista.

Muitos cidadãos só descobriram que eram espionados depois da queda do Muro, consultando os arquivos que restaram. A deputada federal Vera Lengsfeld descobriu que a polícia sabia até que marca de sabonete ela usava. Informações repassadas por 49 informantes que a monitoravam - entre eles o próprio marido dela, pai de seus dois filhos. Vera acabou encarcerada na prisão de Hohenschönhausen, hoje transformada em museu. História parecida com a do ator Ulrich Muehe, protagonista do filme A Vida dos Outros, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2007, que ilustra as páginas desta reportagem. Muehe, morto há três anos de câncer no estômago, também descobriu que sua ex-mulher havia repassado informações sobre ele durante os 6 anos de seu casamento.

2. O quebra-cabeças de 600 milhões de peças

A maior parte das informações que se tem sobre a Stasi vem da própria instituição. Como era uma organização muito burocrática, produzia relatórios em série sobre as observações de milhares de informantes alemães e estrangeiros. Se toda a documentação produzida pela polícia secreta fosse enfileirada, alcançaria facilmente a distância de 110 quilômetros.

A Stasi bem que tentou se livrar de parte dessa montanha de papel dias antes da queda do Muro. Nas cidades menores, documentos começaram a ser queimados. Nas cidades maiores, para não chamar atenção, os agentes optaram por picotar freneticamente pilhas e pilhas de papéis. O material rasgado foi armazenado em 17 200 sacolas, que seriam descartadas. Mas acabou sendo descoberto quando os quartéis da Stasi foram invadidos pela população. Os arquivos destruídos representam apenas 5% do total de documentação produzido pela polícia secreta durante sua existência. Apenas esses pedaços de papel se constituem num quebra-cabeças de mais de 600 milhões de peças - os fragmentos de documentos produzidos durante 4 décadas. Entre eles, há cartas feitas de papéis de diferentes texturas, fotografias, folhas de carbono, recortes de jornal.

Dois funcionários gastaram 8 meses para organizar os papéis de apenas uma das 17 200 sacolas. O trabalho foi recompensado com o levantamento de provas de que a Alemanha Oriental abrigou terroristas, financiou programas de doping e praticou espionagem industrial contra os vizinhos europeus, além de revelar o nome de vários informantes - entre religiosos, intelectuais e altos funcionários da Alemanha Ocidental.

Hoje, para trazer à luz os tempos escuros da polícia secreta, os alemães empreendem um gigantesco esforço para remontar os papéis cortados. Não restam dúvidas de que o material merece ser examinado. O grande desafio é como fazê-lo de forma produtiva e rápida. No ritmo de uma sacola anual por funcionário, estimava-se que seriam necessários 700 anos para concluir a missão.

Desde 2006, um supercomputador, ainda em teste, tenta reunir os fragmentos com as mesmas características - como tipo de papel, cor e padrão de escrita - para facilitar a montagem do quebra-cabeças. Para colocar o sistema em funcionamento em larga escala, serão necessários US$ 30 milhões.

3. Catálogo de cheiros

No museu da Stasi Runde Ecke, em Leipzig, ficam em exposição fileiras de potes de vidro contendo flanelas amarelas. São parte de uma coleção de milhares de amostras de cheiro coletadas pelos agentes da Stasi para identificar e rastrear suspeitos de agir contra os interesses do governo. "Era uma forma primitiva de conseguir provas científicas contra supostos infratores, numa época em que o exame de DNA não estava disponível", diz Jonathan Zatlin, professor de História Moderna da Alemanha na Universidade de Boston.

Se encontrassem panfletos jogados no chão, pincéis usados para afixar cartazes ou latas de spray de pichação, os agentes depositavam flanelas sobre esses objetos para obter as amostras de cheiro. O pano era guardado dentro de um pote de vidro. Quando a Stasi encontrava algum suspeito de ser o responsável pela ação, procurava, secretamente, obter uma amostra de cheiro para comparar com a recolhida anteriormente. Uma das táticas era chamar o suspeito para uma conversa na delegacia. Ao sentar-se na cadeira, a pessoa impregnava, sem saber, uma flanela escondida no assento. Cães eram usados para farejar as duas amostras e dar sinal caso elas coincidissem. "Em 1988, a Stasi mantinha 26 cães treinados para farejar e rastrear pessoas e outros 15 para diferenciar amostras de cheiro", diz a pesquisadora Kristie Macrakis.

Outra técnica desenvolvida pelos cientistas a serviço da Stasi foram perfumes feitos com substâncias como almíscar e hormônios de plantas para facilitar o monitoramento de dissidentes. A essência era aplicada nos pneus do carro da pessoa a ser seguida. Assim, cães podiam rastrear carros e sujeitos facilmente - a distância ou no meio de uma multidão.

4. Radiação para seguir suspeitos

Logo depois da queda do Muro de Berlim, correu na Alemanha a lenda de que os agentes oficiais usavam radiação para marcar e monitorar suspeitos. Com a abertura dos arquivos confidenciais da Stasi, essa aparente lenda urbana foi revelada como verdadeira. Até 1989, mais de 1 000 pessoas foram vigiadas dessa forma. A radiação era borrifada, com um spray, sobre o cidadão suspeito de ser um dissidente, ou pelo uso de alfinetes impregnados de radiação, escondidos em casacos e maletas. Com isso, o suspeito seria identificado por aparelhos que contam o nível de raios gama. Em vez de apitar, os aparelhos vibravam sempre que o suspeito irradiado se aproximava. Um dos átomos instáveis mais usados era o scandio 46, que permanece ativo por mais de 80 dias.

Para monitorar carros, usavam-se balas de chumbo impregnadas com prata radioativa. As balas eram disparadas contra o pneu do veículo a uma distância de 25 metros. A partir daí, era possível seguir o carro a centenas de metros, mesmo no tráfego de Berlim. O césio 137 marcava carros suspeitos de atravessar a fronteira entre as duas Alemanhas. "Por ser muito penetrante, o césio é mais perceptível aos contadores de radiação, mesmo que o alvo esteja protegido por paredes de concreto", diz Kristie Macrakis, historiadora da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA.

Essas ferramentas foram criadas pelo programa Cloud, liderado pelo físico nuclear Franz Leuteriz nos laboratórios técnicos da Stasi. Na década de 1970, 100 operações com radiação eram realizadas por ano pela Stasi, afirma o físico Klaus Becker no estudo Uso ilegal de fontes de radiação pelo governo. Suspeita-se que a prática esteja ligada à morte, por câncer, de dissidentes que haviam sido espionados quando o muro estava em pé.


5. A polícia da paranoia

A abertura dos arquivos da Stasi frequentemente provoca surpresas. Não por trazerem à luz fatos inesperados de biografias, mas por revelarem a mesquinhez de algumas ações da Stasi. Diversas tinham como único objetivo intimidar e desacreditar pessoas disseminando a paranoia.

Uma das vítimas foi o escritor, psicólogo e ativista Jürgen Fuchs. Foi o que revelou um documento de setembro de 1982, narrando o que vinha sendo feito para colocá-lo sob pressão. Fuchs recebia chamadas anônimas durante a madrugada; táxis e ambulâncias apareciam em seu apartamento durante o dia ou à noite, reuniões e serviços comerciais eram marcados em seu nome sem que ele soubesse. Depois de ler seus arquivos, a também ativista Ulrike Poppe descobriu que agentes haviam sido escalados para missões como roubar o carrinho de bebê da filha dele ou esvaziar os pneus de sua bicicleta. "Após banir o uso de violência física, mais comum nos anos 50, a Stasi usou essa tática contra os investigados, tanto para desacreditá-los aos olhos de seus amigos e colegas, quanto para fazê-los duvidar de sua própria sanidade", afirma o historiador Konrad Jarausch, professor da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA.

Outras técnicas para instaurar o estado de paranoia consistiam em invadir a casa do dissidente trocando objetos de lugar, segui-lo ou plantar mentiras entre seu círculo de amigos. "Vazava-se a informação de que a pessoa recebia privilégios do governo, ou que teria delatado um amigo ou que traía seu cônjuge. Destruíam-se relacionamentos até a vítima ficar isolada", diz o historiador Zatlin. Era uma forma de neutralizar os colaboradores do Ocidente. "Tendo de suportar tanta pressão, alguns sofriam de pânico e colapsos nervosos", diz Zatlin.  

6. Quase tudo era crime

O código criminal da Alemanha Oriental afirmava, em sua introdução, que o objetivo do conjunto de leis era "salvaguardar a dignidade humana, sua liberdade e direitos". Pura ironia. Muitos dos crimes atribuídos a cidadãos da RDA, característicos de regimes totalitários, iam contra esses princípios. Os chamados "crimes de traição" são um bom exemplo disso, já que serviram de amparo legal para prisões de segurança máxima ou de trabalho forçado por infrações como pedir vistos de saída do país ou consultar um consulado ocidental sobre os procedimentos para imigração.

Existem vários exemplos da arbitrariedade da Justiça na interpretação do que era ou não crime. Um rapaz foi apresentado às autoridades por agentes da Stasi após afirmar que as fortificações na fronteira entre as duas Alemanhas eram "um absurdo". No tribunal, ele admitiu assistir a programas ocidentais na TV e falar sobre eles com amigos. Foi condenado por "propaganda hostil" a um ano e meio de trabalho forçado.

Por ter pendurado um cartaz na janela do apartamento em protesto depois que o governo negou seu visto de saída, um jovem foi sentenciado com um ano e dez meses na penitenciária por "interferência nas atividades do Estado". Uma carta escrita a um amigo ocidental pedindo assistência para emigrar legalmente e outra, com o mesmo conteúdo, enviada ao chefe de Estado da RDA, renderam a seu autor uma pena de 4 anos, por "estabelecimento de contatos ilegais e calúnia pública". Dava cadeia até mesmo frequentar a igreja (parasitismo social) e reclamar de problemas da cidade, como buracos de rua (incentivo ao negativismo social).


Reunião do Congresso Stasi.

Os documentos disponíveis até o momento mostram que 40 mil pessoas foram condenadas por crimes políticos durante a existência da Alemanha Oriental. Mas o Centro de Coleta de Evidência Documental, entidade que há anos reúne material sobre a repressão na Alemanha Oriental, acredita que esse número poderia chegar a 300 mil. Por trás das condenações estava a ação de colegas, vizinhos e amigos que trabalhavam como informantes.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Como pensavam os kamikazes

Nem fanáticos, nem voluntários - os jovens pilotos suicidas japoneses foram vítimas da hierarquia militar e de um projeto tão ousado quanto estúpido para tentar reverter uma invasão que não chegou a acontecer.


Após quase quatro horas no ar, a pequena esquadrilha de cinco Mitsubishi A6M Zero avistou navios norte-americanos próximos à Ilha de Samar, nas Filipinas. Pelo rádio, o tenente Yukio Seki anunciou aos oficiais em terra: "Melhor morrer que viver como um covarde". Os aviões se dividiram em direção aos navios, descendo a até poucos metros acima do mar para evitar o fogo antiaéreo. Seki e outro piloto tentaram um ataque ao porta-aviões USS White Plains. Atingidos, o parceiro caiu no mar e o líder saiu soltando fumaça, desviando rumo ao USS St. Lo, outro porta-aviões. Eram 10h47 de 25 de outubro de 1944 quando o avião de Seki se desintegrou no convés do St. Lo. O caos tomou conta: uma série de explosões estremeceu o navio de 156 m. Os feridos foram primeiro baixados com cordas ao mar, depois simplesmente atirados do convés. Em 30 minutos, o incêndio atingiu o paiol principal e o porta-aviões sofreu uma explosão catastrófica, indo a pique. Ao preço de um piloto japonês, morreram 140 americanos.


Nem pelo Japão, nem pelo Imperador.

Nove dias antes, o vice-almirante Takijiro Onishi, velho aviador naval que havia se oposto ao ataque a Pearl Harbor, convocou uma reunião de oficiais. Como comandante da Primeira Frota Aérea da Marinha Imperial Japonesa, anunciou seus planos de defesa: "Só existe uma forma como nossa força minúscula será eficiente num grau máximo. É organizar unidades de ataque suicida compostas de caças A6M Zero armados com bombas de 250 kg, com cada avião devendo colidir num mergulho contra um porta-aviões inimigo... O que vocês acham?"

Os militares conheciam bem a gravidade da situação. Na Batalha do Mar das Filipinas pela posse das Ilhas Marianas, em apenas dois dias, 19 e 20 de junho de 1944, os japoneses perderam cerca de 600 aviões, num episódio que ficou conhecido entre os pilotos americanos pelo sarcástico título de Great Marianas Turkey Shoot, a "Grande Caçada ao Peru das Marianas". Quando os japoneses começaram a guerra em Pearl Harbor, em dezembro de 1941, os Mitsubishi AM6 Zero eram um grande desafio aos norte-americanos, por serem mais ágeis e manobráveis. A introdução do F6F Hellcat, em 1943, muito superior ao Zero ou qualquer outro avião japonês, além do uso de radar, novidades táticas e simples vantagem numérica, fruto de uma indústria intacta, destruíram qualquer chance de os japoneses disputarem o domínio aéreo dos EUA. Na Batalha de Formosa, entre 10 e 20 de outubro de 1944, os japoneses perderam mais 500 aviões. "Quando Onishi chegou às Filipinas, descobriu que tinha menos de 100 aviões operacionais", afirma David Sears em At War with the Wind (sem tradução). Sears descreveu o que se passou a seguir na reunião: "Ali estava a oportunidade de apagar a vergonha. Sacrificar um piloto e um avião pela destruição de um navio com uma equipe de 3 mil homens e mais de 50 aviões. Ainda que o estado de espírito entre a plateia de Onishi provavelmente variasse entre entusiasmo feroz, resignação estoica e puro terror, os que finalmente falaram pediram para organizar as forças eles mesmos". Os oficiais fizeram os preparativos, mas nenhum foi voluntário. Coube ao tenente Seki, um instrutor de voo, liderar o primeiro ataque. Daí a provocação em suas palavras: seus superiores eram os covardes que ficaram vivos.

Não foi a única rebeldia do primeiro kamikaze. O tenente foi entrevistado pelo jornalista Onoda Masahi, em preparação para a avalanche de propaganda oficial que se seguiria. Masahi planejava incluir em seu texto o lado humano dos pilotos, e conseguiu: "Se é uma ordem, eu vou. Mas não irei morrer pelo imperador ou pelo Império Japonês. Vou morrer por minha amada esposa. Se o Japão perder, ela pode acabar estuprada pelos norte-americanos. Estou morrendo por quem mais amo, para protegê-la", afirmou Seki, que foi além. "O futuro do Japão é sombrio quando se é obrigado a matar um de seus melhores pilotos." Obviamente, nada disso foi publicado pela imprensa japonesa. O tenente e o resto de sua esquadrilha ganharam placas comemorativas no santuário de Yasukini, o que os tornava, dentro do xintoísmo oficial do Estado, espíritos guardiães da pátria, semideuses honrados pela visita do imperador duas vezes por ano - assim como todos os outros 3 843 pilotos que se seguiriam a eles. Não há consenso sobre o número exato de pilotos suicidas, estes são de Kyomi Morioka, da Universidade de Tóquio. O santuário lista 5 843.


A cultura da morte e seus descontentes

O bushidô, o caminho do samurai, sempre foi um componente importante da cultura japonesa, codificado em clássicos do Período Tokugawa (1603-1867) como Hagakure, de Yamamoto Tsunemono e O Livro dos Cinco Anéis, de Miyamoto Musashi. Mas seus ensinamentos se destinavam, um tanto obviamente, aos samurais - categoria que foi extinta no início da Era Meiji (1868-1912). Em 1899, o economista, diplomata e escritor Inazo Nitobe lançou, em inglês, Bushido: The Soul of Japan (sem tradução no Brasil). Destinado a apresentar o Japão ao mundo, quando traduzido para o japonês tornou-se a maior expressão do novo regime. Nitobe, cristão que havia estudado nos EUA, transformou o que eram ideais de uma classe guerreira na ideologia de um Estado militarista, que assumiria feições claramente fascistas nos anos 20.

É de imaginar que Seki não gostaria de saber que sua imagem destemida, reproduzida em inúmeros artigos de jornal e peças de propaganda, serviria para promover tal ideologia, a senha para o suicídio de milhares de compatriotas. Muitos kamikazes eram adeptos convictos do culto à morte promovido pelo Estado. Mas a relutância irreverente de Seki estava longe de ser raridade. Em entrevista a AVENTURAS NA HISTÓRIA, em 2008, o sobrevivente Tokio Mao mostrou suas próprias razões: "Não, nada de glória ao imperador. Era acabar com a guerra. E ter uma morte com honra!" Os diários desses pilotos, mais vítimas que algozes do Império, revela personalidades muito mais complexas, perturbadas pela ideia de morte. Alguns eram inimigos declarados do sistema político do Japão.

A imagem dos kamikazes no Ocidente, um bando de fanáticos se matando pelo seu deus-imperador, que frequentemente é comparada aos homens-bomba islâmicos contemporâneos, é fruto de uma "parceria" entre a propaganda japonesa e a imprensa ocidental. Os japoneses da época recebiam apenas as partes "construtivas" dos relatos kamikazes, geralmente seus testamentos, escritos para serem lidos por autoridades após a morte - que contêm loas ao imperador, ao yamato damashii (o espírito japonês), e poesias de morte mencionando a sakura, a flor de cerejeira, o símbolo nacional cujas pétalas, que caem em poucos dias, significavam a fragilidade da vida do soldado - um sentido em grande parte construído pelo Estado, segundo a antropóloga Emiko Ohnuki-Tierney, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), autora de livros sobre os kamikazes. Ela rejeita a comparação com os homens-bomba islâmicos. "Os kamikazes eram soldados de uma nação em guerra, não indivíduos. Eram recrutados, não voluntários, que recebiam ordens para morrer. E nunca foram usados contra alvos civis."

Do outro lado do Pacífico, a imprensa dos EUA trouxe os primeiros relatos dos kamikazes em abril de 1945, após meses de censura pelos militares. Os jornalistas não só inflaram a imagem de fanatismo como, de certa forma, criaram a expressão. O nome das unidades era tokubetsu kõgekitai (unidade de ataque especial), geralmente abreviado para tokkõtai. As unidades da marinha ganhavam o nome de shinpu tokubetsu kõgekitai. Shinpu quer dizer "vento divino", as tempestades que salvaram os japoneses da invasão mongol duas vezes, em 1274 e 1281 - a Marinha japonesa acreditava que os pilotos suicidas salvariam o país dos novos mongóis, os norte-americanos, bárbaros sem cultura que acabariam com o país, tornando o sacrifício uma questão mais de morrer antes, de forma gloriosa, que depois, acuado dentro das próprias fronteiras. "Kamikaze" é a leitura em japonês popular dos mesmos ideogramas, que não era usada pelos japoneses, mas pelos militares americanos. A imprensa ocidental tornou o termo tão popular que hoje ele é usado no Japão.


Um passo adiante

A imensa maioria dos kamikazes era formada por estudantes, recrutados de universidades antes do início da ação, principalmente a partir de dezembro de 1943, quando 6 mil foram removidos das salas de aula em apenas três dias. Antes ou depois do início do programa, ninguém era convocado para se suicidar. A posição oficial do governo japonês era que todos os kamikazes eram voluntários. "A operação tokkõtai era uma garantia de morte e o alto oficialato japonês, hipocritamente, decidiu não torná-la um programa oficial da Marinha ou Exército, onde ordens eram dadas em nome do imperador", escreveu Emiko em Kamikaze, Cherry Blossoms and Nationalism. Mesmo para quem se voluntariava, a decisão estava longe de ser uma alternativa totalmente livre.

O treinamento era brutal. A tropa apanhava por qualquer motivo. Para "formar o caráter" ou simplesmente por causa da inveja dos sargentos, que consideravam os soldados universitários filhinhos de papai. Entre as razões para apanhar estava não saber recitar o Decreto Imperial ao Soldado, que terminava com palavras sombrias: "Entendam que a obrigação é mais pesada que as montanhas, mas a morte é mais leve que uma pluma". Segundo o relato do historiador e sobrevivente Irokawa Daikichi, no Ano-Novo de 1945, ele não conseguiu sentir o gosto do zoni, a sopa de bolinhos de arroz com que os japoneses costumam comemorar a passagem - porque só percebia o gosto de sangue na própria boca. "Batiam em meu rosto tão forte e frequentemente que meu rosto não era mais reconhecível."

Finalmente, com o espírito quebrado, chegava o dia de se "voluntariar". Os soldados eram chamados a uma sala onde ouviam um discurso patriótico sobre o valor de se sacrifícar pelo imperador. Então eram postos de pé e pedia-se aos voluntários para darem um passo a frente. Raramente alguém desafiava as pressões da autoridade, da ideologia martelada em suas mentes desde a infância e a culpa de continuarem vivos enquanto seus companheiros iam para a morte. O estudante Kenjiro Kuroda se recusou, apenas para ver seu nome publicado na lista de voluntários no dia seguinte, enquanto seu oficial se gabava que todos em sua companhia haviam se candidatado. O cristão Ryu Yamada relatou que foi simplesmente forçado, o que ele considerou um assassinato. E isso não era incomum. "Muitos pilotos kamikazes, tanto no Exército quanto na Marinha, eram apontados como membros de esquadrões suicidas sem sequer ter a chance de se tornarem voluntários. Desses jovens, se esperava que seguissem tais ordens como qualquer outra", afirma o historiador William Gordon, da Universidade Wesleyan (EUA).


A vida dos mortos

Quando o piloto era designado para um grupo tokkõtai, recebia um breve treinamento específico. Ele devia saber quais partes dos navios atingir, principalmente os porta-aviões, os alvos prioritários. A instrução mais importante era para não fechar os olhos na hora de mergulhar - muitos kamikazes atingiam a água ao ceder ao instinto. Depois disso, eram meses de espera até que chegasse o momento do voo fatal.

Ainda que a propaganda japonesa mostrasse os pilotos sempre serenos e sorridentes em seus momentos finais, a verdade tinha uma face bem mais humana (veja os depoimentos ao longo desta reportagem). Os pilotos frequentemente caíam em depressão e lutavam internamente para racionalizar suas decisões.

Quando chegava o dia do voo para a morte, os pilotos ganhavam um brinde de saquê, amarravam a hachimaki (faixa) na cabeça, e talvez também o senninbari, um cinto costurado por mil mulheres, cada uma dando um ponto - espécie de amuleto de "corpo fechado" do soldado japonês. Levavam ainda a bandeira japonesa, uma espada e uma pistola - para o caso de falharem e terem de evitar a captura com o suicídio. Se estivesse na época da florada, carregavam ramos de cerejeira. E escreviam poesias, seguindo o exemplo dos samurais condenados a cometer seppuku, o suicídio honroso.

E então decolavam. A maioria pilotava seu próprio Zero, carregado com uma única bomba de 250 kg. Mas foram usados outros modelos de aviões, inclusive bombardeiros com a tripulação completa, além de torpedos tripulados, os kaiten. Nunca era uma viagem tranquila e sem escalas direto para a morte. Assim que detectavam os japoneses no radar, caças norte-americanos partiam dos porta-aviões, mais rápidos, bem armados e em maior número. Os kamikazes até podiam tentar lutar e às vezes contavam com a escolta de caças regulares. Mas, em geral, o melhor que podiam esperar é que o avião resistisse o suficiente para explodir no convés do navio inimigo.

Os japoneses tinham outras cartas. Em 12 de abril de 1945, o destróier Mannert L. Abele estava acompanhado por dois navios de transporte a 130 km a noroeste de Okinawa. Sua função era patrulhar o oceano por radar, justamente para impedir ataques de pilotos kamikazes. No começo da tarde, acabou cercado por aviões japoneses e destruiu quatro que tentaram investir contra ele. Às 14h40, enquanto as baterias estavam distraídas com a última investida kamikaze, um estranho objeto apareceu no céu e mergulhou contra o Mannert, acelerando de forma inimaginável.


Vítimas do sucesso

As baterias antiaéreas simplesmente não conseguiram acompanhar o movimento do bólido, que penetrou na câmara do motor e explodiu, matando a equipe e fazendo o destróier perder o controle de todos os seus sistemas, inclusive o dos armamentos. Um minuto depois, outro objeto idêntico atingiu o navio no casco lateral, partindo-o o em dois e levando ao fundo do oceano a maior parte de sua tripulação.

O Mannert L. Abele foi a primeira vítima do Yokosuka MXY7 Ohka, a tecnologia mais avançada das forças kamikazes. Era uma bomba voadora pilotada, movida a foguete, lançada de bombardeiros Mitsubishi G4M. Podia chegar a 1 040 km/h, levando uma carga explosiva de 1,2 mil kg, quase cinco vezes mais que um kamikaze convencional. O Ohka era impossível de ser interceptado, mas estava longe de ser uma arma milagrosa. A pesada e frágil "nave-mãe" tinha que chegar perto do alvo, já que o Ohka só tinha autonomia para 36 km de voo. Um piloto tinha mais chances de morrer ainda preso nas asas do bombardeiro ou, pior, ser lançado longe demais do alvo, para um voo curto e inútil rumo à morte solitária no oceano. Assim, apenas três outros navios partilhariam o destino do Mannert L. Abele.

Não que os pilotos de aviões convencionais tivessem uma chance muito melhor. As ações nas Filipinas, quando os Estados Unidos ainda não estavam preparados para os ataques, teve apenas 20,8% de acertos - 41% dos aviões suicidas deram meia-volta por falta de combustível, tempo ruim ou simplesmente por não encontrar o inimigo. Em toda a guerra, 11,6% dos 3,3 mil aviões kamikazes acertaram seus alvos, contra 27,5% que voltaram à base. Os kamikazes que retornavam sofriam humilhação dos oficiais, com a habitual violência física, até voar para a morte novamente um outro dia - o fato explica o "mistério" por que usavam capacete e por que é absurda a lenda que afirma que eram fechados com solda na cabine do avião.

Durante toda a guerra, 47 navios norte-americanos foram afundados, pela estimativa do historiador William Gordon. Apenas três deles eram porta-aviões, todos de escolta, relativamente pequenos, desprotegidos e desimportantes. Segundo dados da Força Aérea dos Estados Unidos, 4,9 mil marinheiros foram mortos pelos kamikazes e outros 4,8 mil, feridos.

Os efeitos da campanha são bastante discutíveis. "Acredito que os ataques kamikazes fizeram a maioria dos norte-americanos mais determinada a derrotar o Japão. Especialmente durante a Batalha de Okinawa, alguns poucos marinheiros sofreram mentalmente pelos contínuos ataques suicidas contra navios dos EUA, dia após dia, mas quase todo o pessoal da Marinha tinha moral alta para continuar a derrubar aviões japoneses não importasse quantos fossem enviados", diz Gordon.

A partir de julho de 1945, a intensidade das ações kamikazes diminuiu. Os japoneses começaram a se preparar para a invasão americana, e sua principal arma seriam contra-ataques suicidas. Eles esperavam afundar 400 navios em caso de aproximação - algo não totalmente infundado, já que partiriam de uma distância muito mais próxima, e os últimos modelos do Ohka, movidos a jato em vez de foguete, podiam decolar de terra e tinham maior autonomia.

Mas a invasão nunca ocorreu. Em 26 de julho, os Estados Unidos, Grã-Bretanha e China lançaram a Declaração de Potsdam, ameaçando o Japão de "completa e total destruição" caso não se rendesse. E mostraram o que queriam dizer em 6 de agosto, quando três bombardeiros B-29 cruzaram céus desimpedidos, já que quase todos os aviões japoneses estavam reservados para a ação kamikaze. E assim Hiroshima viveu a maior ação de terror já vista na história. Três dias depois, o mesmo ocorreu em Nagasaki.

A campanha kamikaze tornou o Japão a "vítima ideal" para a bomba atômica. "Os americanos não podiam acreditar que os pilotos japoneses se matavam para destruí-los. Isso deu a eles a crença que os inescrutáveis japoneses não se renderiam até o último cair morto, dando a `desculpa¿ para as bombas atômicas, o que é bem documentado", afirma Emiko Ohnuki-Tierney. "A decisão do presidente Harry Truman de lançar as bombas atômicas me parece adequada por causa das perdas que os japoneses, especialmente por aviões kamikazes e outras armas suicidas, infligiriam aos aliados se tentassem invadir o Japão", diz Bill Gordon.

Em 15 de agosto, o imperador Hirohito anunciou a rendição. Ao ouvir a notícia, o almirante Matome Ugaki vestiu um uniforme sem insígnias e decolou num Yokosuka D4Y. Pelo rádio, transmitiu seu último recado. "Farei um ataque em Okinawa, onde meus homens caíram como flores de cerejeira. Lá irei colidir meu avião e destruir o inimigo arrogante, no verdadeiro espírito do bushido, com firme convicção e fé na eternidade do Japão Imperial. Confio que os membros de todas as unidades sob meu comando irão superar todas as dificuldades do futuro e prosperar na reconstrução de nossa grande pátria, que ela viva para sempre. Longa vida ao imperador!" Ugaki foi encontrado no dia seguinte, nos destroços de seu avião numa praia. É provável que o último kamikaze tenha sido abatido sem atingir seu alvo. No dia seguinte, o inventor da operação kamikaze, Takijiro Onishi, cometeu seppuku. Em sua carta de suicídio, pediu desculpas a todos os quase 4 mil japoneses que se mataram em vão.


Hachiro Sasaki, o marxista: 23 anos, 14 de abril de 1945.

Formado em economia pela Universidade de Tóquio, Sasaki acreditava que a guerra se justificava por ser contra os Estados Unidos e Inglaterra, sedes do capitalismo. Antes de sua última missão, ganhou o privilégio de visitar os pais, mas não contou a eles que havia se voluntariado para uma missão suicida. Como todos os pais de pilotos kamikazes, dias depois eles receberam uma caixa vazia contendo um papel com o nome do filho, e nada mais - os "restos mortais".

"De certa forma, não consigo ficar eufórico com as notícias das vitórias japonesas. Eu sinto ansiedade. Queria saber o que acontecerá ao capitalismo após a guerra. (...) O poder do velho capitalismo é algo do qual não podemos nos livrar facilmente, mas se ele pode ser esmagado pela derrota na guerra, transformaremos um desastre em algo positivo. (...) Lembro-me que os trabalhadores ficam desencorajados ao perceber como os chefes os exploram. Sinto-me tolo por me orgulhar de meu talento como piloto. Os que escaparam por não se qualificarem devem ser os realmente inteligentes."


Ichizo Hayashi, o cristão: 23 anos, 12 de abril de 1945

A história da única experiência de administração comunista do Brasil: Natal, no Rio Grande do Norte, foi governada por revolucionários, na única experiência de administração soviética no Brasil.


Ilustração Sergio Bergocce

Durante quatro dias, o Brasil viveu a experiência de um governo comunista. Foi em 1935, em Natal, no Rio Grande do Norte. Após um levante militar ocorrido no Batalhão do Exército, a capital potiguar caiu nas mãos dos rebeldes, que destituíram os governantes locais dos seus cargos - incluindo o governador do estado e a Assembleia - e assumiram o poder com apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Luís Carlos Prestes. Sob o lema "pão, terra e liberdade", os revolucionários almejavam dar o pontapé inicial para a instalação de um regime soviético no Brasil.

O levante começou na manhã de 23 de novembro, um sábado. O dia em Natal, que contava com cerca de 40 mil habitantes, começou calmo e prometia poucas novidades. A principal notícia era a formatura de um grupo de contabilistas do Colégio Santo Antônio no Teatro Carlos Gomes, à noite, que contaria com a presença do governador Rafael Fernandes.

No quartel militar do 21º Batalhão de Caçadores (21º BC) o dia também corria tranquilo até que chegou a informação de que o general Manuel Rabello, comandante da 7ª Região Militar, no Recife, havia autorizado o licenciamento de alguns cabos, soldados e tenentes que estavam com tempo vencido na carreira militar e a expulsão de outros, acusados de envolvimento em incidentes de rua ocorridos dias antes em Natal, incluindo assaltos a bondes.

O documento com a ordem de expulsão precipitou um movimento que estava sendo articulado havia vários dias entre lideranças militares e sindicatos locais junto com membros do PCB estadual. O objetivo era apoiar a revolução nacional que estava sendo preparada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), no Rio.

"Havia uma preparação para o levante sob a direção do Partido Comunista, que atuava no 21º Batalhão de Caçadores e em vários sindicatos locais. Eles apenas aguardavam as orientações do comitê central", afirma Homero de Oliveira Costa, professor de ciências políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e estudioso da insurreição de Natal. Somando-se a isso, Costa lembra que a cidade já vivia momentos de tensão política desde o ano anterior. "O Rio Grande do Norte teve uma das mais tumultuadas eleições do país, com diversos conflitos de ruas, assassinatos, prisões e repressão. Isso criou uma situação muito tensa no Estado, e em Natal em particular", diz.

Os acontecimentos daquele sábado se precipitaram de tal maneira que não houve tempo nem de avisar a ANL, cujos líderes (incluindo Prestes) aguardavam o melhor momento para eclodir a revolução em nível nacional. Em função das expulsões ordenadas pelo comando militar no Recife, o PCB estadual e os integrantes do Batalhão decidiram dar início ao motim naquele mesmo dia.


Por volta das 19h30, um grupo de militares rebeldes, liderados pelo sargento Quintino Clementino de Barros, rendeu os oficiais de plantão do quartel e, com fuzis apontados para a cabeça dos soldados, ordenaram: "Os senhores estão presos em nome do capitão Luís Carlos Prestes". Não houve resistência e, a partir daí, os revolucionários, liderados por Quintino e apoiados por grupos civis organizados (como o sindicato dos estivadores, que era muito forte na cidade), tomaram o quartel e ocuparam locais estratégicos: o palácio do governo, a Vila Cincinato - residência oficial do governador -, a central elétrica, a estação ferroviária e as centrais telefônica e telegráfica.

Informado sobre a confusão e a organização dos amotinados ainda na cerimônia dos contabilistas, o governador e demais autoridades civis e militares fugiram e se esconderam na casa de aliados, inclusive na do cônsul da Itália no Rio Grande do Norte. No quartel da Força Pública, cuja sede ficava próxima ao batalhão rebelado, ensaiouse uma resistência legalista com policiais fiéis ao governo, vencida pelos militares rebeldes, no momento mais organizados e bem-armados.

Na manhã seguinte, Natal estava completamente dominada. Na residência do governador, sede dos rebelados, formou-se uma junta provisória de governo, autodenominada Comitê Popular Revolucionário, que era formada pelo sapateiro José Praxedes (secretário de Abastecimento); sargento Quintino Barros (Defesa); Lauro Lago (Interior e Justiça); estudante João Galvão (Viação); e José Macedo (Finanças), este último funcionário dos Correios e Telégrafos.

Em seguida, o Comitê Revolucionário começou a tomar medidas práticas. A primeira foi um decreto com a destituição do governador do cargo e a dissolução da Assembleia Legislativa "por não consultar mais os interesses do povo". As tarifas de bondes foram extintas e o transporte coletivo tornou-se gratuito. Na segunda-feira, o comércio e os bancos não abriram. À tarde, foi ordenado o saque dos cofres da agência do Banco do Brasil e Recebedoria de Rendas. O dinheiro foi confiscado em nome do governo revolucionário e parte dele distribuído à população, que adorou a novidade, mesmo sem ter muita noção do que estava acontecendo.


Pura farra

"A população confraternizava com os rebeldes. Era mais uma festa popular ou um carnaval exaltado, do que uma revolução", explica o historiador Hélio Silva em seu livro 1935 ¿ A Revolta Vermelha. "Casas comerciais foram despojadas de víveres, roupas e utensílios domésticos que aquela gente não podia comprar. Houve populares que, pela primeira vez, comeram presunto", de acordo com o historiador.

Um dos líderes do movimento, João Galvão, relatou posteriormente o que aconteceu naqueles dias: "O povo de Natal topou a revolução de pura farra. Saquearam o depósito de material do 21º BC e todos passaram a andar fantasiados de soldado. Minha primeira providência como 'ministro' foi decretar que o transporte coletivo seria gratuito. O povo se esbaldou de andar de bonde sem pagar".


Para se comunicar com a população, um avião foi confiscado no aeroporto e sobrevoou a cidade despejando milhares de folhetos. No curto período em que se mantiveram no poder, os revolucionários também distribuíram o primeiro ¿ e único ¿ número do jornal A Liberdade, impresso nas oficinas da Imprensa Oficial do Estado. Nele, foi publicado o expediente do novo governo e um manifesto, inspirado no programa do PCB e sob o lema "todo poder à ANL".


Cada um por si

Segundo o professor Homero Costa, o pouco tempo em que permaneceram no poder impediu que os revolucionários tomassem outras medidas práticas. "Houve boatos de que na Vila Cincinato estavam distribuindo alimentos à população, o que levou muita gente a se deslocar para lá, mas não era verdade", diz Costa.

Mesmo assim, algumas medidas típicas de regimes de exceção foram tomadas naquele começo de semana, como salvo-condutos para circulação nas ruas e ordens para que o comércio e os bancos funcionassem normalmente, o que, claro, não aconteceu. "Os comerciantes foram orientados a negociar como de costume, sem estocarem alimentos para elevar os preços. Caso isso ocorresse, os estoques seriam confiscados pelo governo", diz Elias Feitosa, professor de história do Brasil do Cursinho da Poli, lembrando que alguns gêneros alimentícios, como o pão, também tiveram o preço reduzido.

O levante não ficou restrito a Natal. Houve uma interiorização do movimento no Rio Grande do Norte rumo a Mossoró e à divisa com a Paraíba. "Foram formadas três 'colunas guerrilheiras' que ocuparam 17 dos 41 municípios do estado, destituindo prefeitos e nomeando outros", diz Homero Costa. Pequenas localidades, como São José de Mipibu, Ceará Mirim e Baixa Verde foram ocupadas sem resistência e os prefeitos substituídos por simpatizantes da ANL. Agências bancárias e do governo (as coletorias de renda) foram saqueadas e o dinheiro enviado para a capital. Na terça-feira, a intentona potiguar começou a revelar sua fragilidade com a movimentação de tropas do Exército da Paraíba e de Pernambuco rumo a Natal para debelar o movimento e restabelecer a ordem.

Em uma localidade chamada Serra do Doutor, um dos grupos da ANL foi preso por tropas leais a Getúlio Vargas. Informados de que tropas federais entrariam em Natal e com a possibilidade de bombardeamento aéreo, os líderes do "governo revolucionário" fugiram na base do cada um por si. Um deles, Praxedes, viveu foragido durante anos. Os demais foram capturados e enviados para o Rio de Janeiro com outros presos políticos, como o escritor Graciliano Ramos.

O mesmo aconteceu nas cidades do interior. Com a fuga, os militares enviados pelo governo federal não tiveram dificuldades de controlar a situação. O governador Rafael Fernandes foi reconduzido ao cargo e, a partir de quarta-feira, dia 27 de novembro, a vida voltou ao normal na cidade que, durante cerca de 90 horas, abrigou, como escreveu Hélio Silva, "o primeiro, único e fugaz governo soviete na história do Brasil."


No mesmo dia em que o "governo comunista" era encerrado no Rio Grande do Norte, o movimento tenentista deflagrava, no Rio de Janeiro, uma insurreição para derrubar o presidente Getúlio Vargas e instaurar um regime comunista no Brasil. Liderado por Luís Carlos Prestes, o levante ficou conhecido como Intentona Comunista, ou Revolta Vermelha. Os amotinados se rebelaram em vários regimentos e batalhões do Rio, mas foram rapidamente sufocados pelas forças de segurança nacional.

A insurreição estava sendo preparada desde o ano anterior. No final de 1934, Prestes, que estava na União Soviética havia três anos, retornou ao Brasil para organizar a revolução comunista. Acompanhado de sua mulher, Olga Benário, militante do partido comunista alemão, eles desembarcaram clandestinamente com os nomes falsos de Antônio Villar e Maria Villar. Além do casal, vieram outros estrangeiros para ajudar na revolução. Entre eles, o argentino Rodrigo Ghioldi e sua mulher, Carmen; o casal alemão Elisa Sabarowski e Arthur Ewert; os belgas Lion Valle e sua mulher, Alphonsine; o alemão Franz Gruber e o norte-americano Victor Allen Baron.

A invenção do alfabeto cirílico: letras que dividem um continente. O cirílico marca as fronteiras culturais e religiosas da Europa.


Em 863, quando os missionários Cirilo e Metódio chegaram à Grande Morávia, a terra ainda estava crivada de flechas e esqueletos. Tinham sido convidados pelo príncipe Rastislav, um eslavo que havia sido posto no trono pelos francos, herdeiros do império de Carlos Magno, e se recusava a cumprir seu papel de marionete. Cinco anos antes, após décadas de combates sangrentos, pilhagens, traições e alianças instáveis, o príncipe havia conseguido um reino só para si, que englobava o território das atuais Repúblicas Checa e Eslováquia. Ele queria que os missionários, que eram irmãos, traduzissem a Bíblia para o eslavo. Cirilo e Metódio perceberam que não tinham instrumentos para a tarefa, pois alguns fonemas não se adequavam às letras ocidentais. Assim, decidiram que precisavam de um alfabeto próprio, que não usasse nem letras gregas nem latinas. Quando deram início à tarefa monumental, não tinham a menor ideia de que se tratava do primeiro passo para criar uma forma diferente de expressão - que acabaria dividindo a Europa para sempre.

Língua bárbara

São Cirilo e seu irmão criaram o glagolítico (do antigo eslavo glagol, "palavra"), com 41 letras e cujo A, simbolicamente, é uma cruz. O príncipe Rastislav queria ser cristão, mas dispensava a tutela dos francos, e o trabalho dos irmãos missionários era uma maneira de se aliar ao Império Bizantino. Constantinopla era a cidade rival que nunca aceitou completamente a primazia do papado em Roma. Pregar em língua bárbara e, pior ainda, usando um alfabeto incompreensível irritou os francos - que competiam com os ortodoxos pela conversão dos eslavos.

Os irmãos foram chamados a Roma para se explicar e ganharam as bênçãos do papa Adriano II para pregar aos eslavos em sua própria língua. Cirilo adoeceu e morreu em Roma, em 869, enquanto seu irmão continuou a missão entre os eslavos. Mas a situação não era mais a mesma. Rastislav havia sido capturado pelos francos e morreria na masmorra em 870. Ainda assim, Metódio prosseguiu desimpedido até o ano de sua morte, 885, quando ascendeu um novo papa, Estevão V, um italiano que assumiu o trono sem esperar a confirmação do imperador dos francos, Carlos III.

Numa manobra para se proteger, o papa cedeu à pressão dos francos e proibiu as missas em língua eslava e o uso do novo alfabeto, mas os padres continuaram trabalhando e criaram uma versão com formas mais familiares aos leitores de grego ou latim. Era o cirílico, batizado em homenagem ao santo que nunca escreveu uma única linha nele - e que acabaria substituindo o glagolítico.

O cirílico teria acabado se dependesse de Roma. Mas os fiéis eslavos se tornaram protegidos do clero bizantino. Em 1054, o patriarca de Constantinopla foi excomungado por um bispo enviado pelo papa. Pagou na mesma moeda e excomungou o bispo. Foi o Grande Cisma do Oriente, que separou para sempre as igrejas Católica Romana e Ortodoxa. Os eslavos que celebravam a missa em sua própria língua ficaram do lado dos bizantinos. Assim, surgiria a grande divisão do mundo europeu, espécie de "cortina de ferro" medieval, refletida em minúsculas diferenças teológicas, mas um abismo cada vez maior em cultura, alianças políticas, história militar e arquitetura. Após a expulsão dos discípulos de Cirilo e Metódio, os eslavos da Morávia se tornaram católicos e passaram a escrever usando o alfabeto latino, como ainda hoje fazem os checos e eslovacos da região, assim como os também católicos croatas e poloneses.



Mapa: Luciana Steckel

Atração do Ocidente

Cristãos ortodoxos, como ucranianos, russos, sérvios e bielo-russos, adotaram o cirílico. Mesmo os romenos, que falam uma língua latina, mas são ortodoxos, escreveriam em cirílico até o século 19. "Por uma questão de cultura e de religião, não haveria razões de passar do cirílico para o latino", afirma Aurora Bernardini, da Universidade de São Paulo (USP).

O cirílico tornou-se um elemento de identidade nos países ortodoxos. Mas é claro que o resto da Europa ainda causava fascínio. Quando o czar Pedro I (1672-1725) tentou modernizar a Rússia, o que, para ele, significava aproximá-la da Europa católica e protestante, forçou oficiais do governo e do Exército a cortar a barba e usar roupas ocidentais, chegando até mesmo a estabelecer um insólito imposto sobre barbas, em 1703, para forçar os cidadãos a aderirem à moda - entre cristãos ortodoxos, o pelo facial era símbolo de devoção, já que os monges faziam (e ainda fazem) votos de jamais se tosarem.

Em 1708, o czar aplicou suas ideias ao alfabeto, introduzindo a "escrita civil", em oposição à religiosa, tradicional. Pedro chamou tipógrafos da Holanda para uma grande reforma, que removeu várias letras obsoletas e acentos gráficos, e deu ao cirílico sua forma atual, com serifas e desenho geométrico, bastante próximo ao latino. Também foram introduzidas as minúsculas e, algumas décadas depois, a letra cursiva.

Com pequenas alterações, o cirílico de Pedro I era usado na Rússia durante a Revolução de 1917. Uma nova reforma foi imposta em 1918, removendo outras três letras. Mas alguns bolcheviques tinham planos mais ambiciosos. Um artigo anônimo no jornal Izvestia, em março de 1919, afirmava: "Devemos adotar o alfabeto latino, que é mais simples e elegante, da mesma forma que mudamos do calendário russo [juliano] para o europeu [gregoriano] e adotamos o sistema métrico". O autor, segundo o historiador romeno Ion Siscanu, era provavelmente Nikolai Bukharin ou Anatoly Lunacharsky, dois dos maiores ideólogos da revolução bolchevique. "A questão da latinização não era uma ideia nova na Rússia", afirma Siscanu. "Os debates sobre a escrita começaram no Império Russo."


Palavras nacionais

Em 1923, os inguchétios receberam uma notícia de Moscou. A língua do povo seminômade finalmente passaria a contar com escrita, no novíssimo "alfabeto de outubro", que seria imposto também aos vizinhos Azerbaijão, Cazaquistão, Ossétia e Chechênia. Essa escrita "revolucionária" vinha a ser apenas as velhas e familiares letras latinas. No começo dos anos 30, 50 das 72 línguas com versão escrita na União Soviética usavam o latino, e não o cirílico de Moscou. "O alfabeto latino era um instrumento para estender a revolução socialista a uma escala mundial", afirma Siscanu. O que os intelectuais soviéticos acreditavam é que a revolução, se quisesse ser internacional, deveria abandonar o cirílico. Não apenas as letras os isolavam de seus colegas continentais, mas o cirílico era também a escrita da Igreja Ortodoxa e do velho Império Russo, que chegou a tentar impô-lo à Polônia, no século 19.

Alice no país das maravilhas: Muito além da toca de coelho. Livro revela detalhes sobre a Inglaterra do século XIX.



Ilustração de Jessie Willcox Smith (1923)

Quando publicou seu romance Alice’s Adventures in Wonderland, em 1865, o reverendo e escritor Charles Lutwidge optou por usar o pseudônimo de Lewis Carroll. Deve ter se arrependido do anonimato, porque, rapidamente, o livro tornou-se um estrondoso sucesso. Foi lido pela rainha Vitória (1819-1901) e inspirou o jovem escritor Oscar Wilde (1854-1900). Tudo havia começado três anos antes, durante um inocente passeio de barco pelo rio Tâmisa, em Londres, com o reverendo Robinson Duckworth e três crianças - uma delas Alice Liddell, de 10 anos. Mas a obra não se resumia a um conto infantil. Em Alice no País das Maravilhas, o autor revelou hábitos e conceitos de sua época. Seu trabalho era tão baseado em fatos reais que muitos de seus personagens foram inspirados em pessoas que Carroll conheceu enquanto lecionou matemática na Universidade de Oxford.


A obra logo chegaria ao cinema. Foi lançada pela primeira vez como um curta-metragem em 1903 e teve inúmeras versões, como a animação lançada pelos estúdios Walt Disney em 1951. Dirigida por Tim Burton, a mais recente adaptação deve chegar às telas brasileiras em abril. O roteiro mostra Alice dez anos depois, retornando a Wonderland. O próprio Charles Lutwidge fez algo parecido em Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, de 1871 (ele morreria em 1898). Quem ler o livro ou for ao cinema vai comprovar: seu legado permanece.

O lado real do país surreal

A obra é cheia de referências ao mundo de Lewis Carroll

Violência

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Joaquim Falcão 'falou e disse' sobre o cerceamento da liberdade acadêmica: é doutrinação e idolatria!


"Ensino sem ampla liberdade de pesquisar não é ensino. É doutrinação. Pesquisa sem erros e acertos, debate e experimentação não é pesquisa. É idolatria."


            JC e-mail 4848, de 04 de novembro de 2013
8. Em favor da liberdade acadêmica


Artigo de Joaquim Falcão* publicado na Folha. Eis aí, ao lado da defesa da liberdade acadêmica, uma boa campanha para nossos artistas: a exigência de uma Justiça responsabilizante


Vetar biografias não autorizadas por herdeiros dos retratados é proibição de múltiplas inconstitucionalidades. Muito além da violação da liberdade de expressão. Fere gravemente a liberdade acadêmica, a liberdade de ensinar e de pesquisar.

A Constituição Federal é clara no seu artigo 206. O ensino será ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Em seu artigo 218, determina que a pesquisa científica e tecnológica é prioritária e é obrigação do Estado incentivá-la.

A posição de alguns artistas de exigir seu consentimento aos livros publicados sobre suas vidas fere gravemente programas e projetos de inúmeros centros, cursos, institutos e faculdades de história.

Atinge professores, pesquisadores e historiadores profissionais. E todos os que usam do método histórico para fazer avançar o conhecimento em suas áreas de atuação não históricas.

Não se pode pesquisar a vida das instituições sem conhecer a vida dos que fizeram essas instituições. Não se pode melhor saber do Supremo sem conhecer seus ministros. Sem pesquisar, explicar e aplaudir a coragem cívica de ministros como Adauto Lúcio Cardoso, Evandro Lins e Silva e Aliomar Baleeiro. Teríamos que pedir permissão aos seus herdeiros? E se negassem? Reduzir-se-ia o Brasil?

Não se pode saber a história da advocacia sem conhecer a vida de Sobral Pinto ou Rui Barbosa. Nem conhecer nosso patrimônio arquitetônico e cultural sem conhecer as vidas de Lúcio Costa, Mário de Andrade ou Aloísio Magalhães.

Pesquisar é formar profissionais, investir em instituições, tecnologias, bibliotecas. Custa recursos, talento e sonhos. Quem irá pesquisar se os herdeiros é que vão decidir o destino do trabalho acadêmico? Não devemos transformar nossa história em capitanias hereditárias.

Ensino sem ampla liberdade de pesquisar não é ensino. É doutrinação. Pesquisa sem erros e acertos, debate e experimentação não é pesquisa. É idolatria.

Não posso ser professor nem pesquisador --o que a Constituição Federal de 1988 me assegura-- se a liberdade de publicar minhas pesquisas, inclusive comercialmente, não me for assegurada.

Defender a privacidade é necessário. Mas quem abre para revistas de celebridades sua casa, seu quarto, sua festa, sua intimidade já fez juridicamente uma opção: abriu mão voluntariamente de um conceito mais amplo de seu direito à privacidade. Assim tem entendido a nossa Justiça.