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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A Lenda dos Nove Desconhecidos e os Livros do Saber Universal


Conselho dos Nove Desconhecidos.

A tradição dos Nove Desconhecidos remonta à época do imperador Ashoka, que governou as Índias a partir do ano 273 a.C. Era neto do Chandragunta, primeiro unificador da Índia. Cheio de ambição como o seu antepassado, cuja tarefa quis completar, empreendeu a conquista de Kalinga, que se estendia desde a atual Calcutá até Madras. Os “kalinganeses” resistiram e perderam cem mil homens na batalha. O espetáculo dessa multidão massacrada transtornou Ashoka. Ficou, para todo o sempre, com horror à guerra. Renunciou a prosseguir na integração dos países insubmissos, declarando que a verdadeira conquista consiste em captar a estima dos homens pela lei do dever e da piedade, pois a Majestade Sagrada deseja que todos os seres animados usufruam de segurança, liberdade, paz e felicidade. Convertido ao budismo e devido à sua maneira de agir, Ashoka espalhou esta religião através das Índias e do seu império, que ia até à Malásia, Ceilão e Indonésia. Depois o budismo chegou ao Nepal, Tibete, China e Mongólia. No entanto, Ashoka respeitava todas as seitas religiosas. Aconselhava os homens a serem vegetarianos, aboliu o álcool e o sacrifício de animais. H. G. Wells, no seu sumário da história universal, escreve: “Entre as dezenas de milhares de nomes de monarcas que se amontoam nos pilares da história, o de Asoka brilha quase isolado, como uma estrela”.

Diz-se que, consciente dos horrores da guerra, o imperador Ashoka quis proibir para sempre aos homens que utilizassem a inteligência de uma forma prejudicial. Sob o seu reinado, a ciência da natureza passou a ser secreta, tanto passada como futura.

As pesquisas, indo da estrutura da matéria às técnicas de psicologia coletiva, esconder-se-ão, dali em diante e durante vinte e dois séculos, atrás do rosto místico de um povo que o mundo julga apenas preocupado com o êxtase e o sobrenatural. Ashoka fundou a mais poderosa sociedade secreta do Universo: a dos Nove Desconhecidos. Nove Homens, Nove livros, todo o conhecimento do universo. Possuir um dos livros tornaria um dos nove seres mais fortes do mundo. Os nove, o mais forte da Terra. Todos os segredos residem nos Nove Livros que Ashoka fez questão de ocultar. Entretanto, como o portador de um livro teria um profundo respeito por outro portador, sendo que jamais tentariam roubá-los um do outro. Assim eles eram repassados de geração em geração, exceto pelo portador do livro que possuía a chave da imortalidade, que segundo a lenda continua a ser o mesmo desde o inicio da sociedade secreta.

Continua a dizer-se que os grandes responsáveis pelo atual destino da Índia – e sábios como Bose e Ram acreditam na existência dos Nove Desconhecidos – deles recebiam conselhos e mensagens. Com alguma imaginação, é possível avaliar-se a importância dos segredos que poderiam guardar nove homens beneficiando diretamente das experiências, dos trabalhos, dos documentos acumulados durante mais de duas dezenas de séculos. Quais os objetivos que esses homens têm em vista? Não deixar cair em mãos profanas os meios de destruição. Prosseguir as investigações benéficas para a humanidade. Esses homens seriam renovados por cooptação a fim de defender os segredos técnicos de um passado longínquo.


Imperador Ashoka.

É fato que Ashoka enviou monges budistas pela Ásia e além, incluindo um de seus filhos, para difundir os princípios do Dharma, isto é, o budismo. Não se distraia pelo fato de Ashoka estar difundindo uma “religião”, pois o que “dharma” significa é: “o caminho das verdades mais altas” ou “o princípio universal que rege toda a realidade”. Trata-se (bem, faça um esforço, em nome da brincadeira) de puro conhecimento racional, e o resto seria fachada.
Pois bem, os monges eram dez, mas foram enviados a nove lugares. A sugestiva lista a seguir saiu de um livro antigo chamado “Mahavamsa”. Eis nossos primeiros “nove” (de muitos suspeitos):
1. Majjhantika
2. Mahadeva
3. Rakkhita
4. Yona Dhammarakkhita
5. Mahadhammarakkhita
6. Maharakkhita
7. Majjhima
8. Sona e Uttara
9. Mahamahinda (filho de Ashoka)
Não é difícil imaginar alguém que, partindo destes “nove”, tenha criado uma versão rudimentar do que, muito depois, viria a ser a rica mitologia dos Nove Desconhecidos. Vamos a ela, afinal.

São raras as manifestações exteriores dos Nove Desconhecidos. Uma delas está ligada ao prodigioso destino de um dos homens mais misteriosos do Ocidente: o papa Silvestre II, conhecido sob o nome de Gerbert d’Aurillac. Nascido em Auvergne no ano 920, falecido em 1003, Gerbert foi monge beneditino, professor da universidade de Reims, arcebispo de Ravena e papa por mercê do imperador Otão III. Teria passado algum tempo em Espanha, depois, uma misteriosa viagem tê-lo-ia levado até às Índias, onde captara diversos conhecimentos que causaram assombro no seu séquito. Também possuía, no seu palácio, uma cabeça de bronze que respondia SIM ou NÃO às perguntas que ele lhe fazia sobre a política e a situação geral da cristandade.


Grande Stupa em Sanchi, construída por Ashoka.

Na opinião de Silvestre II (volume CXXXIX da Patrologia Latina, de Migne), esse processo era muito simples e correspondia ao cálculo feito com dois números. Tratar-se-ia de um autómato análogo às nossas modernas máquinas binárias. Essa cabeça “mágica” foi destruída quando da sua morte, e os conhecimentos trazidos por ele cuidadosamente escondidos. A biblioteca do Vaticano proporcionaria sem dúvida algumas surpresas ao investigador autorizado. O número de Outubro de 1954 de Computers and Automation, revista de cibernética, declara: “Temos de imaginar um homem de um saber extraordinário, de uma destreza e de uma habilidade mecânica fora do comum. Essa cabeça falante teria sido feita “sob determinada conjunção das estrelas que se dá exatamente no momento em que todos os planetas estão prestes a iniciar o seu percurso”. Não se tratava nem de passado, nem de presente, nem de futuro, pois aparentemente essa invenção ultrapassava de longe a importância da sua rival: o perverso “espelho sobre a parede” da rainha, precursor dos nossos modernos cérebros automáticos. Houve quem dissesse, evidentemente, que Gerbert apenas foi capaz de construir semelhante máquina porque mantinha relações com o Diabo e lhe jurara eterna fidelidade”.

Teriam outros europeus estado em contato com essa sociedade dos Nove Desconhecidos? Foi preciso esperar pelo século XIX para que reaparecesse este mistério, através dos livros do escritor francês Jacolliot.

Jacolliot era cônsul de França em Calcutá na época de Napoleão III. Escreveu uma obra de antecipação considerável, comparável, se não superior, à de Jules Verne. Deixou, além disso, várias obras consagradas aos grandes segredos da humanidade. Essa obra extraordinária foi roubada pela maior parte dos ocultistas, profetas e taumaturgos. Completamente esquecida em França, é célebre na Rússia. Jacolliot é formal: a Sociedade dos Nove Desconhecidos é uma realidade. E o mais estranho é que cita a este respeito técnicas absolutamente inimagináveis em 1860, como seja, por exemplo, a libertação da energia, a esterilização por meio de radiações e a guerra psicológica.


Ashoka e o símbolo da Dinastia Mauryan.

Yersin, um dos mais próximos colaboradores de Pasteur e de Roux, teria sido informado de segredos biológicos por ocasião da sua viagem a Madras, em 1890, e, segundo as indicações que lhe teriam sido dadas, preparou o soro contra a peste e a cólera.

A primeira divulgação da história dos Nove Desconhecidos deu-se em 1927, com a publicação do livro de Talbot Mundy, que pertenceu, durante vinte e cinco anos, à polícia inglesa das Índias. Esse livro está a meio caminho entre o romance e a investigação.

Os Nove Desconhecidos utilizariam uma linguagem sintética. Cada um deles estaria de posse de um livro constantemente renovado e contendo o relatório pormenorizado de uma ciência.

O primeiro destes livros seria consagrado às técnicas da propaganda e da guerra psicológica. “De todas as ciências, diz Mundy, a mais perigosa seria a do controle do pensamento dos povos, pois permitiria governar o mundo inteiro”.

É de notar que a Semântica Geral, de Korjybski, apenas data de 1937 e que foi necessário aguardar a experiência da última guerra mundial para que principiassem a cristalizar-se no Ocidente as técnicas da psicologia da linguagem, quer dizer, da propaganda.

O primeiro colégio de semântica americano só foi criado em 1950. Em França, apenas conhecemos A Violação das Multidões, de Serge Tchokhotine, cuja influência nos meios intelectuais e políticos foi importante, apesar de só ao de leve tocar no assunto.

O segundo livro seria consagrado à psicologia. Falaria especialmente na maneira de matar um homem ao tocar-lhe, provocando a morte pela inversão do influxo nervoso. Diz-se que o judô deriva de certos trechos dessa obra.

O terceiro livro estudaria a microbiologia e especialmente os coloides de proteção. O quarto trataria da transmutação dos metais. Diz uma lenda que nas épocas de fome, os templos e as organizações religiosas de proteção recebem de uma fonte secreta enormes quantidades de ouro muito fino.

O quinto livro incluía o estudo de todos os meios de comunicação.

O sexto livro continha os segredos da gravitação.

O sétimo livro seria a mais vasta cosmogonia concebida pela nossa humanidade.

O oitavo livro trataria da luz, do eletromagnetismo e do magnetismo.

O nono livro seria consagrado à sociologia, indicaria as leis da evolução das sociedades e permitiria a previsão da queda.

À lenda dos Nove Desconhecidos está ligado o mistério das águas do Ganges. Multidões de peregrinos, portadores das mais pavorosas e diversas doenças, ali se banham sem prejuízo para os de boa saúde. Dizem que as águas sagradas purificam tudo. Pretendeu atribuir essa estranha propriedade do rio à formação de bacteriófagos.

Mas por que motivos não se formariam eles igualmente no Bramaputra, no Amazonas ou no Sena? A hipótese de uma esterilização por meio de radiações aparece na obra de Jacolliot, cem anos antes de se saber possível um tal fenómeno. Essas radiações, segundo Jacolliot, seriam originárias de um templo secreto cavado sob o leito do Ganges. Técnicas conhecidas hoje pela nossa Ciência para proliferação e oxidação de micro-organismos

Afastados das agitações religiosas, sociais e políticas, resoluta e perfeitamente dissimulados, os Nove Desconhecidos encarnam a imagem da ciência calma, da ciência com consciência. Senhora dos destinos da humanidade, mas abstendo-se de utilizar o seu próprio poder, essa sociedade secreta é a mais bela homenagem possível à liberdade em plena elevação. Vigilantes no âmago da sua glória escondida, esses nove homens veem fazer-se, desfazer-se e tornar a fazer-se as civilizações, menos indiferentes que tolerantes, prontos a auxiliar, mas sempre sob essa imposição de silêncio que é a base da grandeza humana. Mito ou realidade?


Legendary Nine Unknown.
Há aqueles que arriscam uma teoria, uma das mais interessantes é essa:

“O Vedas possui diversos trechos que supostamente demonstram a interferência de um povo possuidor de uma tecnologia avançadíssima. Esse povo passou para os indianos o seu conhecimento. Porém despreparados, os humanos começaram a utilizar de modo errado, como é o caso dos Vimanas ceifando milhares no campo de batalha com um único ataque. O povo cansado dessa destruição, retornou para casa. A matança continuou até o dia que Ashoka decidiu por um fim. Dividiu o conhecimento entre os membros da sociedade e estes foram ocultados para sempre e utilizados apenas quando necessário.”

domingo, 30 de agosto de 2015

A História da Batalha de Poitiers ou Tours


Batalha de Poitiers

Seis anos antes da derrota do exército muçulmano em Constantinopla, de 717 a 718, uma pequena força árabe conseguiu passar pela costa norte da África, cruzou o Estreito de Gibraltar e conquistou toda a Espanha visigótica. Parecia bem possível que os exércitos árabes que estavam na Espanha seguissem para o norte e se juntassem a seus semelhantes contra os bizantinos na Ásia Menor e em Constantinopla. Atento a esse perigo, os francos, moradores da Gália (atual França), procuraram um líder e um novo estilo de guerrear que pudesse resistir aos árabes.

Carlos Martel (688? – 741), também conhecido como Carlos, o Martelo, desenvolveu uma falange de infantaria tipo barreira, composta de uma força armada de veterenos francos que lembrava a falange usada pelos gregos de Alexandre, o Grande (356 – 323 a.C.). Martel vigiava atentamente as montanhas dos Pireneus que marcavam a fronteira entre França e Espanha. Em 732, Martel soube do avanço de um grande corpo de tropas árabes, a maior parte a cavalo. Alguns comentaristas dizem que o líder árabe, Abderrahman Ibu Abdillah, atravessou os Pireneus até a França com oitenta mil homens; muitos historiadores dizem que o número é exagerado, já que ele não teria conseguido alimentar um grupo tão grande.

Martel e suas tropas francas encontraram o inimigo árabe/mouro em Cenon, a meio caminho entre Tours e Poitiers. Martel dispôs seus homens em uma firme falange, usando lanças e espadas para repelir ataques de cavalaria do inimigo. Os árabes estavam acostumados a lutar com energia e a vencer as batalhas rapidamente. Eles haviam derrotado muitos de seus inimigos por meio de sua audácia e da crença de que Alá os guiava nos combates. Os homens de Martel se mantiveram firmes contra os ataques dos cavaleiros árabes, que usavam armas leves mas eram altamente motivados. Comentaristas árabes declaram que a batalha durou dois dias, enquanto os registros cristãos alegam que ela continuou por sete dias. Os soldados de infantaria de Martel conseguiram resistir aos ataques e os árabes acabaram por recuar, deixando para trás os tesouros que haviam pilhado em suas conquistas no sul da França. Ibu Abdillah foi morto na batalha e seus homens se retiraram para a Espanha. Embora posteriormente tenham ocorrido alguns ataques contra a costa sul da França (atual Riviera), os árabes não comandaram nenhuma outra grande invasão. A vitória de Martel garantiu que a Europa central não fosse tomada pelos muçulmanos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Ifigênia em Áulis


Ifigênia em Áulis (gr. ΙΦΙΓΕΝΕΙΑ Η ΕΝ ΑΥΛΙΔΙ — Ifigênia em Áulis) é, provavelmente, a última tragédia de Eurípides. Foi representada pela primeira vez em -405 no concurso trágico das Dionísias Urbanas de Atenas e era parte da trilogia que e recebeu a primeira colocação. Os dramas que a acompanharam eram Bacantes e Alcmeon em Corinto, esta conhecida somente pelos fragmentos.

Eurípides havia morrido alguns meses antes do concurso de -405 e "Eurípides o Jovem", filho (ou sobrinho) do poeta, encenou a trilogia. Acredita-se ainda que ele compôs alguns trechos da Ifigênia em Áulis, que o pai /tio deixara inacabada.

Os últimos versos da tragédia (1532-1629), tal qual a conhecemos, também não são de Eurípides. Esse final, conservado pelos manuscritos disponíveis, foi aparentemente criado durante o Período Bizantino[1]. A maior parte dos eruditos concorda que o texto, embora alterado por diversos outros autores ao longo dos séculos em várias cenas, segue o sentido geral dos planos de Eurípides para a tragédia (Ribeiro Jr., 2006).

Hipótese

A tragédia se baseia em um dos episódios do Ciclo Troiano. Agamêmnon, rei de Micenas (ou Argos), comandante das forças gregas que se preparam para atacar Tróia, é compelido a sacrificar sua filha Ifigênia para que a deusa Ártemis cesse a longa calmaria que impede o embarque dos gregos. A inesperada chegada de Clitemnestra em companhia da filha e a intervenção de Aquiles, alheio à trama, complicam seus planos.

Dramatis personae

Agamêmnon: rei de Micenas (Argos), marido de Clitemnestra, pai de Ifigênia

Velho: antigo servidor de Agamêmnon e Clitemnestra

Coro: jovens mulheres casadas de Cálcis, Eubéia

Menelau: rei de Esparta, irmão de Agamêmnon, tio de Ifigênia, marido de Helena

Clitemnestra: esposa de Agamêmnon, mãe de Ifigênia e irmã de Helena

Ifigênia: Filha mais velha de Agamêmnon e de Clitemnestra

Aquiles: o mais poderoso guerreiro grego, líder dos mirmidões

Primeiro Mensageiro

Segundo Mensageiro

Servos mudos

O bebê Orestes era representado por um boneco e Helena, causa imediata da Guerra de Troia, é tão mencionada que se pode considerá-la outro personagem da tragédia.

Esta é uma das poucas peças em que Eurípides não recorreu ao deus ex machina: Ártemis, principal personagem divino da tragédia, é apenas mencionada. Há evidências, porém, de que o êxodo original de Eurípides ou de Eurípides junior, hoje perdido, pode ter contado com a voz da deusa Atena em cena, dirigindo-se talvez a Agamêmnon (cf. a voz de Ártemis no Hipólito).

Mise en scène

A cena se passa no acampamento das forças gregas estacionadas em Áulis, cidade da Beócia que faz frente à Eubéia, na época da Guerra de Tróia. O protagonista fazia Agamêmenon e Aquiles; o deuteragonista, Menelau e Clitemnestra; o tritagonista, o velho, Ifigênia e os mensageiros.

A tragédia contém 1629 versos e ocupa cerca de 68 páginas da edição de Jouan (1983), na qual se baseia este resumo.

INITgitado, Agamêmnon convoca um velho servidor, relembra os antecedentes da Guerra de Tróia e revela que Ártemis impede os ventos de soprarem para que o exército grego não embarque. Um oráculo havia ordenado que sacrificasse sua filha mais velha, Ifigênia, para aplacar a deusa, e assim ele avisara Clitemnestra, sua esposa, para enviar a filha até Áulis sob o falso pretexto de casá-la com o herói Aquiles. Arrependido, pede a um velho servidor que leve a Argos uma mensagem com ordens contrárias (Prólogo, 1-163).

O coro descreve o acampamento, os guerreiros e os navios de cada contigente grego, e as atividades de alguns deles enquanto esperam o embarque (Párodo, 164-302).

Menelau surpreende o velho, toma-lhe as tabuinhas com a mensagem de Agamêmnon e lê; os dois irmãos discutem e ofendem-se mutuamente. Chega o Mensageiro e comunica que Clitemnestra, Ifigência e Orestes estavam chegando; Agamêmnon lamenta-se, e Menelau mostra simpatia pelas atribulações do irmão. Agamêmnon, no entanto, diz a ele que a morte de sua filha é inevitável devido às pressões do exército acampado (1º Episódio, 303-542).

O coro canta as consequências funestas do amor, as obrigações de homens e mulheres, e relembra o encontro entre Páris e Helena e suas consequências (1º Estásimo, 543-589).

Clitemnestra, Ifigênia e Orestes chegam; Agamêmenon os recebe e procura enganar a esposa e a filha. A pedido de Clitemnestra, descreve a genealogia e os méritos de Aquiles e por fim pede, sem sucesso, que a esposa retorne a Argos (2º Episódio, 590-750). O coro descreve o futuro cerco de Tróia e sua destruição, e destaca a culpa de Helena nesses eventos (2º Estásimo, 751-800).

Aquiles e Clitemnestra se encontram e descobrem que não são futuro genro e futura sogra; o velho servidor aparece e revela o que na realidade está acontecendo. Clitemnestra implora a ajuda de Aquiles que, furioso com o uso indevido de seu nome, promete socorrê-la (3º Episódio, 801-1035). O coro relembra as núpcias de Peleu e Tétis e lamenta a morte próxima de Ifigênia (3º Estásimo, 1036-1097).

Clitemnestra e Ifigênia confrontam Agamêmnon e suas mentiras; Ifigênia tenta demover o pai, sem sucesso, e lamenta-se. Aquiles volta e revela que o exército está incontrolável e até seus mirmidões voltaram-se contra ele. Prepara-se para enfrentar todos quando Ifigênia intervém e oferece-se voluntariamente para o sacrifício (4º Episódio, 1090-1508). O coro celebra o oferecimento de Ifigênia e faz uma prece aos deuses pela vitória dos gregos (4º Estásimo, 1509-1531).

Um mensageiro relata a Clitemnestra os preparativos para o sacrifício e a misteriosa substituição de Ifigênia por uma corça quando ia ser degolada. Agamêmnon confirma o ocorrido e despede-se, pois os ventos estão soprando e o exército vai partir (Êxodo, 1532-1629).

Manuscritos, edições e traduções

As fontes mais importantes da Ifigênia em Áulis são os manuscritos Laurentianus xxxii 2 (sæc. XIV), da Biblioteca Laurenciana de Florença, e o Palatinus Vaticanus gr. 287 (sæc. XIV), da Biblioteca do Vaticano.

A editio princeps é a Aldina, de 1503. Principais edições modernas: Dindorf (1869), Weil (1879), Headlam (1889), Nauck (1871), England (1891) e Murray (1909); as mais recentes e mais importantes, no entanto, são as de Jouan (1983), Gunther (1988), Stockert (1992), Diggle (1994) e Kovacs (2003), atualizadas e minuciosas. Aqui, foi utilizada a edição de Jouan (o.c.).

Notações musicais referentes a uma pequena parte de um dos cantos corais foram recuperadas a partir do Papiro 510 da Biblioteca de Leyde, Holanda (c. -250). Seu autor pode ter sido o próprio Eurípides, — ou um compositor mais recente, que criou a música para uma das reapresentações da tragédia.

As primeiras traduções para o português foram a de Cândido Lusitano (1719/1773), ainda inédita, e a de Manuel de Figueiredo (1805); em 1974 foi publicada postumamente a excelente tradução de Paes de Almeida, revista em 1998 por Maria de Fátima Silva, da Universidade de Coimbra. Em 2005, completei uma nova tradução do texto e dos fragmentos para minha dissertação de mestrado (Ribeiro Jr., 2006), em publicação.


Notas

"Período Bizantino" é o longo período em que grande parte do Império Romano ficou sediado em Constantinopla, entre 330 e 1453 d.C. Também chamado de "Império Romano do Oriente", foi notável pela cultura greco-romana orientalizada. Os eruditos bizantinos são os responsáveis pela preservação de grande parte das obras gregas que chegaram até nós. Mais informações: Byzantine Empire.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

As Cruzadas


As Cruzadas foram expedições militares europeias enviadas ao Oriente a partir do final do século XI.

A convocação do papa: Em 1076, Jerusalém, cidade sagrada para os cristãos, foi tomada por turcos muçulmanos. No final do século XI, o papa Urbano II convocou os cristãos para reconquistar Jerusalém. Reis, nobres e pessoas provenientes de diferentes regiões da Europa atenderam o chamado do papa e rumaram em direção à cidade. A palavra ‘cruzada’ não é contemporânea ao seu acontecimento, ou seja, não era utilizada por aqueles que viveram no período. Apenas em meados do século XIII, quando o movimento cruzadista declinou é que esse termo apareceu. O nome surgiu por causa da vestimenta dos guerreiros cristãos, que costuravam cruzes em suas roupas. Quando as cruzadas tiveram início forma chamadas apenas de peregrinação ou de guerra-santa.

Além da religiosidade: Não era apenas a Igreja que tinha interesse em promover as Cruzadas. Comerciantes das cidades de Gênova e de Veneza monopolizavam as atividades comerciais no Mar Mediterrâneo. Esses homens procuravam formas de também controlar os portos do Oriente. Para eles, as Cruzadas representavam a oportunidade ideal para ampliar e defender as áreas de comércio. Ainda havia interesses políticos e sociais na organização das Cruzadas. O aumento populacional deixou muitos nobres sem terras, uma vez que apenas o primogênito podia herdar as terras da família. Por isso, muitos nobres aderiram às Cruzadas em busca de riquezas e terras no Oriente. Já para os marginalizados da sociedade europeia, as Cruzadas representavam a oportunidade de conseguir melhores condições de vida nas regiões orientais.

Os resultados das Cruzadas: Os cruzados conquistaram Jerusalém e fundaram pequenos Estados no Oriente. Na metade do século XIII, porém, Jerusalém foi reconquistada pelos muçulmanos e os Estados cristãos desapareceram. Apesar do insucesso religioso, as Cruzadas contribuíram para acelerar as mudanças sociais que já estavam ocorrendo na Europa desse período.

Enfraquecimento do sistema feudal, já que, de um lado, os senhores endividaram-se para montar seus exércitos e, de outro, muitos servos que partiram para as Cruzadas com seus senhores não retornaram.

►Muitas terras do norte da Europa ficaram praticamente despovoadas em razão da partida de seus habitantes para a luta.

►O Mar Mediterrâneo recuperou a importância de antes, pois, com as Cruzadas, aumentou o movimento de embarcações que transitavam por ele.

►O aumento do comércio entre o Oriente e o Ocidente, principalmente pelos portos de Gênova e Veneza, usados pelos cruzados para embarcar para o Oriente.
O contato com os muçulmanos possibilitou ampliar o acesso dos europeus ao conhecimento produzido na Antiguidade greco-romana, preservado pelos árabes, em áreas como filosofia e matemática. Além disso, com as Cruzadas, os europeus tiveram mais contato com o próprio conhecimento produzido pela cultura muçulmana, sobretudo nas áreas da matemática e da arquitetura. Não se pode, no entanto, supervalorizar o papel das Cruzadas no enfraquecimento do sistema feudal. A sua importância foi a de contribuir para a expansão comercial e para a crise do trabalho servil, mudanças que já estavam ocorrendo na Europa.

O cotidiano das Cruzadas: Não foram apenas clérigos, peregrinos, comerciantes e cavaleiros que participaram das Cruzadas. Muitas crianças, doentes, mulheres e aventureiros seguiram nas expedições. Essas pessoas enfrentavam inúmeras dificuldades: falta de alimentos, enchentes, estradas esburacadas, ataques de bandidos e doenças. Acredita-se que, de cada quatro cruzados que partia da Europa, apenas um conseguia chegar à Terra Santa.

domingo, 26 de julho de 2015

A América antes dos europeus:



Estudar a história da América antes da invasão europeia é uma tarefa difícil, pois muitas sociedades ameríndias não deixaram textos escritos, e os documentos encontrados até hoje sofreram diversas interpretações, o que dificulta um percepção adequada de como os nativos americanos viviam. Devemos destacar ainda que inúmeros povos desapareceram sem deixar muitos vestígios, tornando o estudo complexo e sujeito a constantes revisões.

A procura e interpretação desses vestígios feitos pelos arqueólogos que buscam, em objetos, pinturas e outros registros, indícios de costumes, cultos religiosos, hierarquia social, alimentação, hábitos funerários, entre outras pistas possibilita-nos entender melhor as sociedades ameríndias anteriores à chegada dos europeus. Durante um longo período, o continente americano foi povoado por caçadores e coletores. Somente por volta de 5000 a.C. iniciou-se na região um processo que culminou na agricultura. Esse processo não abrangeu todas as sociedades, e aquelas que desenvolveram a agricultura não o fizeram da mesma forma.

Enquanto alguns grupos de nativos americanos mantiveram a caça e a coleta como atividades principais – como foi o caso dos esquimós, que habitavam as regiões geladas, outros incorporaram também a agricultura a suas atividades, por exemplo, algumas sociedades indígenas brasileiras. Outras sociedades, como a dos maias, astecas e incas, por sua vez, organizaram-se em torno de Estados, com uma hierarquia bem definida e construção de grandes centros habitacionais e áreas agrícolas capazes, inclusive, de produzir excedentes utilizados em relações de troca de produtos.

Quando os europeus chegaram à América no século XV, encontraram sociedades organizadas vivendo na região da América do Norte, da Mesoamérica (terras do atual México e parte da América Central) e na região andina (atuais territórios do Peru, Equador, norte do Chile e Bolívia). Algumas  dessas culturas apresentavam sistemas de escrita, desenvolvimento matemático e astronômico, calendários (muitos deles mais precisos que os dos europeus) e grandes centros habitacionais que chegaram a surpreender os recém chegados.

►Os maias: A civilização maia desenvolveu-se na Península de Yucatán, onde hoje é o sul do México, Guatemala, Belize e partes de El Salvador e Honduras. A data mais antiga de uma inscrição maia e de 292 a.C., e foi encontrada em Tikal, atual Guatemala. Contudo, sabe-se que essa civilização começou a se desenvolver muito antes e foi influenciada culturalmente por povos que os antecederam na região, destacando-se os olmecas, zapotecas e teotihuacanos. Sabe-se da existência de mais de 50 centros maias que se sucederam em importância durante vários períodos.

De 250 a 900, denominado pelos historiadores de Período Clássico: Tikal, Uaxactún e Piedras Negras, na Guatemala; Nakum, em Belize; Copán, em Honduras; Palenque, Bonampak e Yaxchilán, no estado mexicano de Chiapas.

De 900 a 1250,  (Período Pós-Clássico), destacaram-se, na Península de Yucatán, os centros de Chichén Itzá e Uxmal. A hegemonia de Chichén Itzá foi quebrada por volta de 1250 d.C. pela cidade de Mayapán.

A base da economia maia era a agricultura. As terras eram cultivadas coletivamente, porém os camponeses tinham de pagar tributos pelo seu uso, já que, em última instância, elas pertenciam ao Estado. Do ponto de vista político, os centros urbanos estavam ligados a vários tipos de ‘confederações’ ou ‘reinos’. Uma elite de sacerdotes e militares detinha o poder e executava as cerimônias religiosas. Á frente dos ‘reinos’, estava o halac uinic (o ‘homem verdadeiro’), uma espécie de rei-sacerdote. Corporações de artistas, artesãos, camponeses e escravos completavam o quadro social. Os maias eram politeístas, sua religião deificava a natureza e seus cultos eram singulares. Em falta de registros precisos, não podemos afirmar com segurança quais foram os motivos que levaram ao declínio da sociedade maia. Mas acreditasse que um processo de desestruturação social iniciado em 900 d.C, levou a população a abandonar os grandes centros urbanos e a dispersar-se. Somado isso a um período de seca que assolou a América Central nesse período a fragmentação gradativa da sociedade maia foi uma questão de tempo.

►Os astecas: ao chegar ao México, vindos da região de Aztlán, os astecas (ou mexicas), guerreiros conquistadores, foram paulatinamente influenciados pelas culturas toltecas e zapotecas, que já estavam em declínio. Por volta de 1325, os mexicas fundaram Tenochtitlán, que se tornou uma das mais importantes cidades astecas. Depois de violentas lutas durante o reinado de Itzcoatl (Serpente de Obsidiana), este, em aliança com o governador de Texcoco, formou a Tríplice Aliança (Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopán). O fortalecimento militar, combinado com a confiança que tinham em seu próprio destino, possibilitou a contínua expansão política e econômica. Povos de línguas e costumes diferentes foram submetidos pelos mexicas (Astecas). Com relação a estrutura social sabe-se que a sociedade asteca era estratificada e diretamente relacionada com a hierarquia política e econômica. O grupo dominante, dividido em vários níveis hierárquicos, referencias e cargos e títulos diversos, controlava os altos cargos administrativos e não pagava tributos. Ciosos de seus privilégios, os nobres teriam forjado a imagem de que eles eram os responsáveis pela urbanização e embelezamento da cidade, pelo estabelecimento de rotas comerciais, por artes e ofício, pela propagação da língua náhuatl, pela boa administração e pela manutenção e renovação do Sol e da humanidade por intermédio das oferendas, cujo objetivo era a restauração da energia divina. O poder político era centralizado e o tlatoani (aquele que comanda) era eleito vitaliciamente pela elite mexica. Os mexicas estabeleceram uma intensa área de comércio. Os comerciantes chamados pochtecas, constituíam um grupo social a parte, que, além dos produtos trazidos pelos mercadores recebiam tributos pagos pelos povos dominados.

Os astecas adotavam um calendário solar com 18 meses de 20 dias, mais um décimo nono mês de cinco dias, perfazendo 365 dias.

Sua arquitetura era grandiosa sofisticada. A cidade de Tenochtitlán tinha pontes, canais, calçadas, praças e avenidas. Os manuscritos hieroglíficos e pictográficos (chamados códices) atestam a habilidade dos escribas-pintores.

Já a religião mexica caracterizou-se pela variedade de manifestações, pelo politeísmo, pela origem heterogênea e pelos sacrifícios aos deuses. Os astecas empreendiam as chamadas ‘guerras floridas’ para conseguir prisioneiros que, depois, seriam sacrificados.

►Os incas: Na região da Cordilheira dos Andes, na costa oeste da América, desenvolveu-se um grande império: ou Império de Tawantinsuyu – que significa ‘quatro caminhos’ -, também chamado de Império Inca. A origem dos incas é incerta, mas sabe-se que eles estabeleceram na região a partir do século XIV, tendo Cuzco como o centro de seu império. Ao longo do século XIV, uma série de monarcas guerreiros conquistou a hegemonia local e Cuzco passou a ser o centro do mundo incaico. A maioria da população inca vivia em uma multiplicidade de pequenas coletividades agropastoris. O chefe do ayllu era o kuraka, que, entre outras funções, distribuía terras, organizava os trabalhos coletivos e era responsável pela resolução dos conflitos. O território do ayllu chamava-se marca. Cada família tinha, para usufruto, lotes de terra. Extensas áreas de estepes eram utilizadas coletivamente para a atividade agropastoril, com a criação da alpaca e da lhama animais típicos da região. A terra, em última instância, pertencia ao Império Inca, que recebia parte da produção e tinha o direito de exigir a prestação de serviços dos súditos. Todos tinham de trabalhar, somente os inválidos e doentes estavam dispensados. Os instrumentos de trabalho eram simples, como a enxada de madeira chamada taclla. Cultivavam cerca de 300 variedades de batatas, plantavam milho nos vales mais quentes, produziam uma bebida chamada chicha. Nas áreas úmidas produziam a coca, a mastigação dessa planta reduzia a fome e o cansaço e possuía importância em seus rituais religiosos. Produziam a quinoa o arroz andino. As técnicas agrícolas eram avançadas, com a construção de terraços e canais. O guano (excremento de ave marinha) era utilizado como fertilizante.

A sociedade inca era hierarquizada e subdividia-se: No topo da pirâmide social estava o sapa inca ( o ‘único inca’), soberano absoluto e adorado como um deus. Os incas construíram estradas pavimentadas, criaram um sistema de correio. Os templos e palácios bem como as fortalezas, destacavam-se, ainda hoje, pelas técnicas de construção. Os incas integraram as construções às paisagens andinas, como podemos observar em Machu Picchu e Ollantaitambo. Produziam cerâmica e tecidos. Quanto a religião, os incas eram politeístas e idólatras. Cultuavam o deus Sol (Inti) que ocupava um lugar de destaque no panteão andino. Acreditavam em um deus criador Viracocha, cultuavam os mortos e realizavam sacrifícios principalmente de animais, mas também de humanos. Os soberanos eram mumificados e guardados no templo do Sol. Procissões, sacrifícios, danças, jejum e abstinência sexual caracterizavam o ritual dos diversos festivais religiosos.


domingo, 31 de maio de 2015

Fenomenologia


Franz Brentano, mestre de Husserl.

Fenomenologia (do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que se mostra - e logos - explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação". Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema).

Edmund Husserl (1859-1938) - filósofo, matemático e lógico – é o fundador desse método de investigação filosófica e quem estabeleceu os principais conceitos e métodos que seriam amplamente usados pelos filósofos desta tradição. Ele, influenciado por Franz Brentano- seu mestre - lutou contra o historicismo e o psicologismo. Idealizou um recomeço para a filosofia como uma investigação subjetiva e rigorosa que se iniciaria com os estudos dos fenômenos, como estes aparentam à mente, para encontrar as verdades da razão. Suas investigações lógicas influenciaram até mesmo os filósofos e matemáticos da mais forte corrente oposta, o empirismo lógico. A Fenomenologia representou uma reação à eliminação da metafísica, pretensão de grande parte dos filósofos e cientistas do século XIX.

Husserl foi professor em Gotinga e Friburgo em Brisgóvia, e autor de “Ficar Sem Estudar" – 1906. Contrariamente a todas as tendências no mundo intelectual de sua época, quis que a filosofia tivesse as bases e condições de uma ciência rigorosa. Porém, como dar rigor ao raciocínio filosófico em relação a objetos tão variáveis como as coisas do mundo real?

O êxito do método científico está no estabelecimento de uma "verdade provisória" útil, que será verdade até que um fato novo mostre outra realidade. Para evitar que a verdade filosófica também fosse provisória Husserl propõe que ela deveria referir-se às coisas como se apresentam na experiência de consciência, estudadas em suas essências, em seus verdadeiros significados, de um modo livre de teorias e pressuposições, despidas dos acidentes próprios do mundo real, do mundo empírico objeto da ciência. Buscando restaurar a "lógica pura" e dar rigor à filosofia, argumenta a respeito do principio da contradição na Lógica.

No primeiro volume de “Investigações lógicas” - 1900-01, sob o título Prolegomena, Husserl lança sua crítica contra o Psicologismo. Segundo os psicologistas, o princípio de contradição seria a impossibilidade de o sistema associativo estar a associar e dissociar ao mesmo tempo. Significaria que o homem não pode pensar que A é "A" e ao mesmo tempo pensar que A é "não A". Husserl opõe-se a isto e diz que o sentido do princípio de contradição está em que, se A é "A", não pode ser "não A". Segundo ele, o princípio da contradição não se refere à possibilidade do pensar, mas à verdade daquilo que é pensado. Insistiu em que o princípio da contradição, e assim os demais princípios lógicos, têm validez objetiva, isto é, referem-se a alguma coisa como verdadeira ou falsa, independentemente de como a mente pensa ou o pensamento funciona.

Em seu artigo “Filosofia como ciência rigorosa" -1910-11- Husserl ataca o naturalismo e o historicismo. Objetou que o Historicismo implicava relativismo, e por esse motivo era incapaz de alcançar o rigor requerido por uma ciência genuína.

A redução Fenomenológica

 fenomenologia é o estudo da consciência e dos objetos da consciência. A redução fenomenológica, "epoche", é o processo pelo qual tudo que é informado pelos sentidos é mudado em uma experiência de consciência, em um fenômeno que consiste em se estar consciente de algo. Coisas, imagens, fantasias, atos, relações, pensamentos, eventos, memórias, sentimentos, etc. constituem nossas experiências de consciência.

Husserl propôs que no estudo das nossas vivências, dos nossos estados de consciência, dos objetos ideais, desse fenômeno que é estar consciente de algo, não devemos nos preocupar se ele corresponde ou não a objetos do mundo externo à nossa mente. O interesse para a Fenomenologia não é o mundo que existe, mas sim o modo como o conhecimento do mundo se realiza para cada pessoa. A redução fenomenológica requer a suspensão das atitudes, crenças, teorias, e colocar em suspenso o conhecimento das coisas do mundo exterior a fim de concentrar-se a pessoa exclusivamente na experiência em foco, porque esta é a realidade para ela.

O Noesis é o ato de perceber e o Noema é o objeto da percepção – esses são os dois pólos da experiência. A coisa como fenômeno de consciência (noema) é a coisa que importa, e refere-se à conclamação "às coisas em si mesmas" que fizera Husserl. "Redução fenomenológica" significa, portanto, restringir o conhecimento ao fenômeno da experiência de consciência, desconsiderar o mundo real, colocá-lo "entre parênteses", o que no jargão fenomenológico não quer dizer que o filósofo deva duvidar da existência do mundo como os idealistas radicais duvidam, mas se preocupar com o conhecimento do mundo na forma que se realiza e na visão do mundo que o indivíduo tem.

Consciência e Intencionalidade

Vivência (Erlebnis) é todo o ato psíquico; a Fenomenologia, ao envolver o estudo de todas as vivências, tem que englobar o estudo dos objetos das vivências, porque as vivências são intencionais e é nelas essencial a referência a um objeto. A consciência é caracterizada pela intencionalidade, porque ela é sempre a consciência de alguma coisa. Essa intencionalidade é a essência da consciência que é representada pelo significado, o nome pelo qual a consciência se dirige a cada objeto.

Em “A Psicologia de um ponto de vista empírico"- 1874 - Franz Brentano afirma: "Podemos assim definir os fenômenos psíquicos dizendo que eles são aqueles fenômenos os quais, precisamente por serem intencionais, contêm neles próprios um objeto". Isto equivale afirmar, como Husserl, que os objetos dos fenômenos psíquicos independem da existência de sua réplica exata no mundo real porque contêm o próprio objeto. A descrição de atos mentais, assim, envolve a descrição de seus objetos, mas somente como fenômenos e sem assumir ou afirmar sua existência no mundo empírico. O objeto não precisa de fato existir. Foi um uso novo do termo "intencionalidade" que antes se aplicava apenas ao direcionamento da vontade.

A Redução Eidética

Reconhecido o objeto ideal, o noema, o passo seguinte é sua “redução eidética”, redução à ideia. Consiste na análise do noema para encontrar sua essência. Isto porque não podemos nos livrar da subjetividade e ver as coisas em si mesmas, pois em toda experiência de consciência estão envolvidos o que é informado pelos sentidos e o modo como a mente enfoca aquilo que é informado. Portanto, dando-se conta dos objetos ideais, uma realidade criada na consciência não é suficiente - ao contrário: os vários atos da consciência precisam ser conhecidos nas suas essências, aquelas essências que a experiência de consciência de um indivíduo deverá ter em comum com experiências semelhantes nos outros.

A redução eidética é necessária para que a filosofia preencha os requisitos de uma ciência genuinamente rigorosa de claridade apodítica, a certeza absolutamente transparente e sem ambigüidade - requisitos antes mencionados por Descartes. Os objetos da ciência rigorosa têm que ser essências atemporais, cuja atemporalidade é garantida por sua idealidade, fora do mundo cambiável e transiente da ciência empírica.

Por exemplo, "um triângulo". Posso observar um triângulo maior, outro menor, outro de lados iguais, ou desiguais. Esses detalhes da observação - elementos empíricos - precisam ser deixados de lado a fim de encontrar a essência da ideia de triângulo - do objeto ideal que é o triângulo -, que é tratar-se de uma figura de três lados no mesmo plano. Essa redução à essência, ao triângulo como um objeto ideal, é a redução eidética.

A Intuição do Invariante

Não importa para a Fenomenologia como os sentidos são afetados pelo mundo real. Husserl distingue entre percepção e intuição. Alguém pode perceber e estar consciente de algo, porém sem intuir o seu significado. A intuição eidética é essencial para a redução eidética. Ela é o dar-se conta da essência, do significado do que foi percebido. O modo de apreender a essência, Wesensschau, é a intuição das essências e das estruturas essenciais. De comum, o homem forma uma multiplicidade de variações do que é dado. Porém, enquanto mantém a multiplicidade, o homem pode focalizar sua atenção naquilo que permanece imutável na multiplicidade, a essência - esse algo idêntico que continuamente se mantém durante o processo de variação, e que Husserl chamou "o Invariante".

No exemplo do triângulo, o "Invariante" do triângulo é aquilo que estará em todos os triângulos, e não vai variar de um triângulo para outro. A figura que tiver unicamente três lados em um mesmo plano, não será outra coisa, será um triângulo. Não podemos acreditar cegamente naquilo que o mundo nos oferece. No mundo, as essências estão acrescidas de acidentes enganosos. Por isso, é preciso fazer variar imaginariamente os pontos de vista sobre a essência para fazer aparecer o invariante.

O que importa não é a coisa existir ou não ou como ela existe no mundo, mas a maneira pela qual o conhecimento do mundo acontece como intuição, o ato pelo qual a pessoa apreende imediatamente o conhecimento de alguma coisa com que se depara – que também é um ato primordialmente dado sobre o qual todo o resto é para ser fundado. Husserl definiu a Fenomenologia em termos de um retorno à intuição, Anschauung, e a percepção da essência. Além do mais, a ênfase de Husserl sobre a intuição precisa ser entendida como uma refutação de qualquer abordagem meramente especulativa da filosofia. Sua abordagem é “concreta”, trata do fenômeno dos vários modos de consciência.

A Fenomenologia não restringe seus dados à faixa das experiências sensíveis, pois admite dados não sensíveis (categoriais) como as relações de valor, desde que se apresentem intuitivamente.

Redução Transcendental

Embora tenha trabalhado até o final de sua vida na definição do que chamou Redução Transcendental, Husserl não chegou a uma conclusão clara. Basicamente seria a redução fenomenológica aplicada ao próprio sujeito, que então se vê não como um ser real, empírico, mas como consciência pura, transcendental, geradora de todo significado.

Para o fenomenólogo, a função das palavras não é nomear tudo que nós vemos ou ouvimos, mas salientar os padrões recorrentes em nossa experiência. Identificam nossos dados dos sentidos atuais como sendo do mesmo grupo que outros que já tenhamos registrado antes. Uma palavra não descreve uma única experiência, mas um grupo ou um tipo de experiências; a palavra "mesa" descreve todos os vários dados dos sentidos que nós consultamos normalmente quanto às aparências ou às sensações de "mesa". Assim, tudo que o homem pensa, quer, ama ou teme, é intencional, isto é, refere-se a um desses universais (que são significados e, como tal, são fenômenos da consciência). E por sua vez, o conjunto dos fenômenos, o conjunto das significações, tem um significado maior, que abrange todos os outros, é o que a palavra "Mundo" significa.

Fenomenologia e Fenomenalismo
A fenomenologia não pode ser confundida com o Fenomenalismo, pois este não leva em conta a complexidade da estrutura intencional da consciência que o homem tem dos fenômenos. A Fenomenologia examina a relação entre a consciência e o Ser. Para o Fenomenalismo, tudo que existe são as sensações ou possibilidades permanentes de sensações, que é aquilo a que chamam fenômeno. O fenomenólogo, diferentemente do fenomenalista, precisa prestar atenção cuidadosa ao que ocorre nos atos da consciência, que são o que ele chama fenômeno.

Outros Pensadores

Max Scheler - um dos grandes expoentes da fenomenologia

Max Scheler

O mais original e dinâmico dos primeiros associados de Husserl, no entanto, foi Max Scheler (1874-1928), que havia integrado o grupo de Munique quem realizou seu principal trabalho fenomenológico com respeito a problemas do valor e da obrigação. Ampliou a idéia de intuição, colocando, ao lado de uma intuição intelectual, outra de caráter emocional, fundamento da apreensão do valor.

Heidegger

Discípulo de Husserl, Heidegger dedicou a ele sua obra fundamental " Ser e Tempo" -1927, mas logo surgiram diferenças entre ele e o mestre. Discutir e absorver os trabalhos de importantes filósofos na história da Metafísica era, para Heidegger, uma tarefa indispensável, enquanto Husserl repetidamente enfatizou a importância de um começo radicalmente novo para a filosofia, queria colocar "entre parênteses" a história do pensamento filosófico - com poucas exceções como Descartes, Locke, Hume e Kant.

Heidegger tomou seu caminho próprio, preocupado que a fenomenologia se dedicasse ao que está escondido na experiência do dia a dia. Ele tentou em “ Ser e tempo” descrever o que chamou de estrutura do cotidiano, ou "o estar no mundo", com tudo que isto implica quanto a projetos pessoais, relacionamento e papeis sociais, pois que tudo isto também são objetos ideais. Em sua crítica a Husserl, Heidegger salientou que ser lançado no mundo entre coisas e na contingência de realizar projetos é um tipo de intencionalidade muito mais fundamental que a intencionalidade de meramente contemplar ou pensar objetos. E é aquela intencionalidade mais fundamental a causa e a razão desta última.

Merleau-Ponty

Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), outro importante representante do Existencialismo na França, foi ao mesmo tempo o mais importante fenomenólogo francês. Suas obras, “A Estrutura do comportamento” (1942) e “Fenomenologia da percepção” (1945), foram os mais originais desenvolvimentos e aplicações posteriores da Fenomenologia produzidos na França.

Em sua tentativa de aplicar a Fenomenologia ao exame da existência humana, como fez Heidegger, Sartre e outros autores franceses desenvolveram uma linguagem sofisticada, recheada de termos que caíram no gosto dos acadêmicos, mas se tornaram um obstáculo ao entendimento da doutrina inclusive entre os próprios intelectuais.

Sartre Jean-Paul Sartre (1905-1980)

Segue estritamente o pensamento de Husserl na análise da consciência em seus primeiros trabalhos, “A Imaginação” (1936) e “O Imaginário: Psicologia fenomenológica da imaginação” (1940), nos quais faz a distinção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa aplicando o conceito de intencionalidade de Husserl.

No seu “A Filosofia do Existencialismo”, de 1965, Sartre declara que "a subjetividade deve ser o ponto de partida" do pensamento existencialista, o que mostra que o existencialista é primeiramente um fenomenólogo. A negação de valores e o convite ao anarquismo implícitos na doutrina atraíram os pensadores de Esquerda e afastaram os conservadores de Direita.

A Fenomenologia e Outras Filosofias

O Empirismo

Galileu (1564-1642), é apontado como um dos fundadores do Empirismo pelo fato de aplicar aos objetos de estudo a experimentação, algo que possui seu limiar na atitude de Galileu em apontar sua luneta para o espaço, descobrindo posteriormente a não-existência das esferas celestes, tal qual determinavam as premissas de Aristóteles. Desta forma, Galileu lançou sua teoria com carência de provas (embora sua teoria fosse consistente e embasada no seu experimento) passando posteriormente por sessões da Inquisição Católica a fim de dirimir as dúvidas em relação ao sistema Aristotélico. A nova atitude naturalista de Galileu de dúvida e observação, inspirou Francis Bacon (1561-1626) a criar tábuas para o controle da experimentação e o estabelecimento de leis científicas, o que levou rapidamente o homem a novos conhecimentos no campo da astronomia, da química e da física. A mesma atitude de observação e interpretação natural levada ao estudo da mente e do conhecimento, deu origem à Corrente Empirista, que haveria de afetar profundamente a filosofia e criar o Positivismo, ou seja, o tratamento científico de todos os fatos e fenômenos, inclusive em Política.

John Locke

O filósofo empirista procurou no seu Essay Concerning Human Understanding (1690) demonstrar que todas as idéias são registros de impressões sensíveis (ou são derivadas de combinações, de associações entre essas idéias de origem sensível), e criticou o pensamento de Descartes (1596-1650) de que existiriam algumas idéias que seriam inatas - que o homem teria no espírito ao nascer -, como, por exemplo, a idéia de perfeição. Segundo John Locke, alguma coisa é enviada pelos objetos e é captada por nossos sentidos e dão causa à formação das idéias. Este pensamento é a base da teoria corpuscular da luz.

David Hume

Ainda mais contundente que seu predecessor, Locke, Hume negou o valor do raciocínio dedutivo e denunciou que a relação de causa e efeito não é suficiente como conhecimento, pois nada encontramos entre causa e efeito senão que um acidente costumeiramente se segue a outro. Estamos habituados a chamar o primeiro acidente de causa apenas porque ele sempre acontece antes do segundo que chamamos de efeito. Ou seja, um efeito não remonta necessariamente a sempre uma mesma causa. "O Sol nasce todos os dias", logo "O Sol nascerá amanhã". Segundo Hume, nada nos garante que NECESSARIAMENTE o sol nascerá amanhã. Entretanto, através do hábito, tomamos uma crença (belief) de que isso acontecerá.