Ela não mediu esforços para
se manter no poder: manipulou os filhos, conspirou e, pior de tudo, contribuiu
para o massacre de protestantes, certo? Errado!
A regente, mãe de três reis
da França, pregava uma política de tolerância e de pacificação religiosa.
Florentina, filha de Lourenço II de Médicis, desposou muito jovem o filho de
Francisco I, o futuro Henrique II. Na morte de seu marido, num torneio, em
1559, enquanto o luto real era marcado pelo branco, ela decidiu vestir somente
preto, daí a alcunha “viúva negra”. A partir de então, ocupou um lugar
preponderante nos destinos do reino.
O breve reinado de seu filho
Francisco II testemunhou a eclosão dos problemas religiosos e o recurso à
violência para solucioná-los. Perante um partido católico intransigente, que
desejava erradicar o protestantismo, Catarina se posicionou, com o chanceler
Michel de L’Hospital, ao lado do partido dos políticos que buscavam, antes de
tudo, manter a coesão do Estado e a autoridade monárquica. A morte de Francisco
II em 1560 e a menoridade de Carlos IX permitiram que se tornasse regente,
tomando as rédeas do poder. Desde então, ela multiplicou os atos de conciliação.
Os Estados Gerais foram convocados em Orléans e, em 1561, deu-se o colóquio de
Passy, afim de tentar reconciliar os reformados e os católicos. Em 17 de
janeiro de 1562, ela chegou a promulgar um edito autorizando a liberdade de
culto aos protestantes, desde que suas cerimônias se realizassem fora das
cidades.
Essa política de concórdia
fracassou diante da intransigência dos dois partidos. A primeira guerra
religiosa eclodiu com o massacre de Wassy, em 1562 – e foi seguida de sete
outras até 1598. Catarina de Médicis tentou restabelecer a paz para
salvaguardar a herança de seus filhos e a unidade do reino, objetivo alcançado
em 1563, com o edito de Amboise, que autorizou o culto protestante e estipulou
que ninguém deveria ser perturbado por suas opiniões religiosas. Esse edito de
paz servirá de modelo a todos os que seriam assinados em seguida: os conflitos,
contudo, não cessaram. As tréguas foram alternadas com períodos de tensão e
guerras abertas. Foi durante uma delas, na noite de 23 a 24 de agosto de 1572,
que aconteceu o Massacre de São Bartolomeu, que deveria visar somente os chefes
protestantes. Viu-se no episódio a mão de Catarina, ainda que as
responsabilidades não estejam claramente determinadas.
Assim nasceu, ainda durante
a vida de Catarina, a lenda de uma mulher austera, maquiavélica, que não
recuava perante nada para se manter no poder. Essa italiana, que conservara
ainda um sotaque muito pronunciado, seria para sempre considerada uma
estrangeira, favorável demais aos protestantes para os católicos e não
tolerante o bastante para os reformados.
Foi, porém, uma das maiores mecenas da
história da França. Promoveu festas suntuosas, protegeu os artistas – Ronsard,
Montaigne... –, mandou construir o castelo das Tulherias. Introduziu na França
o garfo, o sorvete e a técnica de montar tendo as duas pernas do mesmo lado do
cavalo.
O fim da dinastia de Valois,
em 1589, não permitiu sua reabilitação. A Revolução Francesa não mediu esforços
para denegrir Catarina de Médicis e, através dela, a monarquia, exemplo seguido
pelos republicanos. Os romancistas eternizam essa imagem deformada, notadamente
Alexandre Dumas, com A rainha Margot, ou Balzac, que assinou uma biografia
falsamente histórica da personagem.
Texto: Olivier Tosseri
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