Catedral testemunhou as
mudanças na vida de Paris e o avanço das técnicas de arquitetura para chegar a
2013 em clima de celebração.
As comemorações do 850º
aniversário da catedral de Notre-Dame de Paris ocorrerão até 24 de novembro. A
atração principal foi o Dia Mundial do Órgão, em 6 de maio. Mais de 850
concertos ecoaram as obras do repertório de Notre-Dame nos locais de culto e nas
salas de concerto do mundo todo. Em razão dos diferentes fusos horários, o
evento se estendeu por 24 horas, passando, inclusive, por São Paulo, Rio de
Janeiro e Porto Alegre.
A catedral está em festa. Os
novos sinos – oito na torre norte, fabricados em Valledieu-les-Poêles, no
Manche, e um novo bordão, batizado Marie, na torre sul, fundido na Holanda –
tocaram pela primeira vez em 23 de março para a solenidade do Domingo de Ramos.
Notre-Dame reencontrou sua “paisagem sonora” – termo empregado pelos especialistas
em sinos–, essa musicalidade que a caracterizava no final do século XVIII e que
contribuiu para seu renome. Um espaço de cerca de 1.200m2, batizado Caminho do
Jubileu, foi construído na esplanada. Essa estrutura gigante, dominada por uma
torre provisória de 13 metros de altura, que inclui uma arquibancada,
estende-se até os portais, onde o público pode assistir aos espetáculos e aos
jogos de luz da fachada. Na esplanada, estandes acolhem exposições que
ressaltam as diferentes corporações de ofício necessárias à construção e à
manutenção de Notre-Dame, dos canteiros aos fabricantes de órgãos, mas também
ações de solidariedade em favor dos mais necessitados. A esplanada, ampliada no
século XVII, foi, depois das reformas empreendidas no Segundo Império pelo
barão Haussmann, liberada de qualquer habitação. A cripta arqueológica,
recentemente renovada, mostra, por meio de uma nova cenografia interativa, os
vestígios descobertos quando das escavações realizadas nos anos 1960 e a
construção, em 3D, da catedral.
TEMPLO DE JÚPITER Mas
voltemos no tempo... Na época galo-romana, um templo pagão dedicado a Júpiter
foi erguido no local. Em seguida, foi substituído por uma basílica paleocristã
com cinco naves. Teria sido construída no século IV, depois modificada, ou
dataria do século VI, tendo sido reparoveitadas as pedras de outras
construções. Os especialistas nada sabem com exatidão. Seja como for, para
construir essa catedral dedicada a Santo Estêvão, a maior da Gália Franca, com
70 metros de comprimento e 36 metros de largura – dimensões excepcionais para a
época –, foi preciso nivelar o trecho sudeste da muralha, erguida no Baixo
Império (século III). Sua fachada ocidental se encontrava então mais a oeste
que a atual Notre-Dame.
O conjunto episcopal dos
tempos merovíngios, do qual Saint-Étienne é a igreja principal, compreende
também a basílica de Notre-Dame (sob a Notre-Dame de Paris), o batistério
Saint-Jean-le-Rond, na rua Cloître-Notre-Dame – que hoje não existe mais – e a
basílica Saint-Germain-le-Vieux, no canto sudeste do atual Comissariado de
Polícia.
Em meados do século XII, a
igreja de Saint-Étienne foi demolida. O bispo Maurice de Sully (por volta de
1120-1196) e o capítulo decidiram construir uma outra, mais comprida, mais
alta, mais iluminada, possível graças às recentes técnicas de cruzamento de
ogivas e de arcobotantes. Uma arte nova que os italianos do Renascimento
chamaram “gótica” em referência aos godos, esses bárbaros!
Vários grandes edifícios
religiosos já haviam sido construídos: a abadia Saint-Denis, por iniciativa do
abade Suger (por volta de 1140), depois as catedrais de Noyon (a partir de
1145), de Senlis (1153), de Laon e de Sens (1160). Mas esse projeto implicava
outras transformações, um verdadeiro canteiro urbano, que acarretaria a destruição
de várias residências e a expropriação dos habitantes. O bispo, amigo de Luís
VII, que apoiava seu projeto, desejava construir uma esplanada, passarela entre
os mundos profano e sagrado, e traçar uma nova via através do labirinto de
ruelas margeadas por casas com estruturas de madeira: a rua Neuve-Notre-Dame,
com 6 metros de largura, por meio da qual os materiais de construção, depois os
peregrinos e as procissões, teriam acesso ao edifício. Durante os 36 anos de
seu episcopado, o bispo de Paris não recuaria diante de nenhum obstáculo para
concluir sua obra-prima monumental.
Em 1163, a primeira pedra de
Notre-Dame de Paris foi colocada na presença do papa Alexandre III. Quatro
campanhas de edificação se sucederiam, conduzidas por quatro arquitetos
diferentes cujos nomes não chegaram até nós. Os 20 primeiros anos foram
dedicados à construção do coro e de seus dois deambulatórios. Em 11 de maio de
1182, o altar-mor foi enfim consagrado. Foram necessários oito anos, de 1182 a
1190, para serem erguidas as três estruturas da nave, as naves laterais e as
tribunas. Em 1190, o bispo Maurice de Sully pôde celebrar em sua catedral os
funerais de uma jovem rainha da França, Isabel de Hainaut, esposa de Filipe
Augusto, morta aos 20 anos ao dar à luz. Foi enterrada no coro de Notre-Dame.
Sua sepultura – uma das raras que escaparam do vandalismo revolucionário – foi
redescoberta em 1858 pelos operários de Viollet-le-Duc.
EM 1225, FACHADA JÁ ERGUIDA
De 1190 a 1225, as fundações da fachada e as duas primeiras estruturas da nave
foram erguidas. Até a metade do século XIII, as obras compreendiam a galeria
alta, as duas torres, as janelas altas, que foram modificadas e ampliadas, e as
capelas laterais da nave entre os contrafortes dos arcobotantes. Estes últimos
foram concebidos para permitir o escoamento das águas de chuva na parte
superior da catedral. Em 1240, sob o reino de São Luís, a torre sul já estava
concluída e, dez anos mais tarde, a torre norte. A catedral foi considerada
pronta. As reformas posteriores seriam trabalhos de embelezamento, manutenção
ou restauração. Do fim do século XIII ao início do XIV, os nomes dos
arquitetos, dessa vez, chegaram até nós. Jean de Chelles executou o
prolongamento do transepto: ao norte, com a criação do portal do claustro e da
rosácea norte, e ao sul com o portal Saint-Étienne e a rosácea sul. Oferecida
por São Luís, ela representa o Cristo triunfante no céu. Dez anos separam as
duas rosáceas, que têm o mesmo diâmetro: 12,9 metros.
Seu sucessor, Pierre de
Montreuil, reformou as capelas do coro e da abside, e iniciou a substituição
dos grandes arcobotantes de 15 metros de vão. Por seu lado, Pierre de Chelles
edificou o púlpito e as primeiras capelas da abside. Elas foram concluídas por
Jean Ravy, que deu início à construção do claustro de pedra historiado, em
torno do coro e do santuário. Seu sobrinho Jean le Bouteiller e depois Raymond
du Temple deram continuidade aos trabalhos. Estamos na segunda metade do século
XIV.
Foi preciso esperar o reino
de Luís XIV para que importantes renovações fossem realizadas. Em 1699, a fim
de satisfazer o desejo de Luís XIII, foram efetuadas modificações no santuário
e no coro, e o púlpito foi, infelizmente, demolido. Dos dois lados do novo
altar-mor de Nicolas Coustou foram colocadas as estátuas do Rei-Sol e de seu
pai.
NO SÉCULO DAS LUZES Em 1756,
o interior foi considerado muito escuro e os vitrais da Idade Média foram
substituídos por vidro branco. As rosáceas felizmente escaparam desse frenesi
de transformação. Mas 1789 não poupou Notre-Dame, que sofreu as depredações do
vandalismo revolucionário: as estátuas dos reis da galeria da fachada foram
decapitadas. Reencontradas quase em sua totalidade em 1977, essas cabeças estão
expostas no Museu Nacional da Idade Média, em Paris.
Depois de ter sido
transformada em Templo da Razão, um acordo assinado em julho de 1801 devolveu
Notre-Dame ao culto católico romano, o que ocorreria no ano seguinte. O
edifício estava em um estado lamentável. Um grande pórtico efêmero de estilo
neogótico foi construído diante da fachada para a coroação de Napoleão em
dezembro de 1804, tanto para mascarar a degradação do edifício como para
dissimular os estragos causados pelos revolucionários.
No decorrer das décadas
seguintes, a destruição pura e simples do monumento foi cogitada. Mas Victor
Hugo publicou, em 1831, Notre-Dame de Paris. O sucesso fenomenal de seu romance
teve um papel essencial para sua salvação. Em 1844, sob Luís Filipe, a
restauração foi decidida. Ela foi confiada a Eugène Viollet-le-Duc e a
Jean-Baptiste Lassus, mas a morte do segundo em 1857 deixou o primeiro como o
único arquiteto. “Restaurar um edifício”, escreveu Viollet-le-Duc, “não é fazer
uma manutenção, uma reparação ou refazê-lo, é restabelecê-lo em seu estado
completo, que pode nunca ter existido em um dado momento.”
Foi exatamente a isso que se
dedicou o arquiteto com denodo e talento. Viollet-le-Duc conseguiu
principalmente refazer o projeto de esculturas da catedral, inspirando-se em
outras obras conservadas em Amiens ou em Chartres. Graças a ele, o pórtico
central, ornamentado com o Juízo Final, retomou o estado original. Sua
ampliação havia sido realizada por Soufflot no século XVIII. Assim,
Viollet-le-Duc se inscreveu na linhagem dos construtores medievais. Aliás, ele
se retratou como São Tomás, patrono dos arquitetos, no teto da catedral,
contemplando “sua” flecha. As gárgulas, indissociáveis do universo de
Notre-Dame, e cujas reproduções made in China são vendidas aos turistas, jamais
existiram na Idade Média e foram acrescentadas pelo arquiteto. Uma delas é
conhecida no mundo inteiro: a Stryge continua contemplando, do alto de sua
galeria, os 14 milhões de pessoas que, todo ano, visitam a catedral.
Texto:
Véronique Dumas.
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