domingo, 7 de outubro de 2018

Mitologia egípcia e o conhecimento através dos números. (Continuação)!




Para os egípcios, o maior mistério de todos era a “transformação” (o número nove) do Criador de Não visto para Visto, o Um que se manifesta como muitos. Essa transformação foi revelada através de sucessivos estágios: Atum (ou Rá) em Heliópolis, Ptah em Mênfis, Toth em Hermópolis e Amun em Tebas. Segundo o Papiro de Qenna do Museu de Leyden, escrito durante a décima oitava dinastia:

“Os deuses ao todo são três: Amun, Rá e Ptah, que não têm iguais. Aquele cuja natureza (literalmente, “cujo nome”) é um misterioso, sendo Amun; Rá é a cabaça, Ptah o corpo. Suas cidades na terra, estabelecidas para sempre são: Tebas, Heliópolis e Mênfis (estáveis) para sempre. Quando uma mensagem vem do céu, é ouvida em Heliópolis, repetida em Mênfis para Ptah, e transformada em carta escrita com letras de Toth (em Hermópolis) para a cidade de Amun (Tebas)”.

Essa ideia de mensagem representa o progresso da “transformação” de Céu para Terra. Porque Heliópolis era considerada o “ouvido do coração”, foi lá que a mensagem do ouvida. Nos textos sagrados, como o Sol era tido como o coração do sistema solar, então Heliópolis era o coração do Egito, a cidade do Sol. O nome Heliópolis, como é usado nos textos funerários, significa “a origem absoluta das coisas”, o que não quer dizer que isso se referia estritamente à cidade física de mesmo nome. Quando se diz em textos egípcios: “vim de Heliópolis” ou “vou para Heliópolis”, significa que “eu procedo do início” ou “estou retornando para a Fonte”.

Segundo os ensinamentos em Heliópolis, o Um que iniciou a “transformação“ é Atum, cujo nome significa “tudo” e “nada” e representa o potencial de criação imanifesto. Atum é “um” com Nun, que é o oceano cósmico e indefinível. O primeiro ato de Atum foi se distinguir de Nun, conforme é descrito na mitologia egípcia. Assim que Atum (o Todo ou Absoluto) tomou consciência de si, emergiu de Nun como a colina primordial e criou Shu, o princípio de espaço e ar, e Tefnut, o princípio do fogo, que, segundo os textos da Pirâmide de Saqqara, ele cuspiu para a existência (os textos da Pirâmide de Saqqara são um conjunto de hieróglifos, datando da quinta e da sexta dinastias do Antigo Império, aproximadamente 2350 a 2175 AEC, e que foram inscritos nas paredes das pirâmides, embora se acredite que tenha sido composto muito antes, por volta de 3000 AEC).

Em outra versão, ele se autocriou projetando o seu coração, formando os oitos princípios primários conhecidos como a Grande Enéade de Heliópolis. A Grande Enéade era composta pelos nove grandes deuses osirianos: Atum, Shu, Tefnut, Geb, Nut, Osíris, Ísis, Seth e Néftis. O termo também é usado para descrever o grande conselho de deuses e também como uma designação coletiva para todos os deuses. Osíris, Ísis, Seth e Néftis representam a natureza cíclica da vida, morte e renascimento, sendo que nada disso é dissocidado de Atum, segundo os Textos da Pirâmide.

Atum representa a “Causa” inescrutável. Pode ser pensado em termos do conceito ocidental de deus. A partir dele tudo foi criado. Está no topo da Enéade. Dele, todos os demais princípios do universo emanam. De Atum nasceram Shu (ar/vento) e Tefnut (água/umidade), os elementos mais importantes para a vida, representando o estabelecimento da ordem social. Shu apresenta o principio da Vida e Tefnut, o principio da ordem. De Shu e Tefnut, foram criados Geb e Nut, terra e céu. De Geb nasceu o Sol. Quando Nut e Geb encontraram Tefnut, ocorreu a escuridão. De Nut e Geb nasceram Osíris, Ísis, Seth e Néftis.

A aplicarmos os quatro princípios (umidade, dualidade, conciliação e o conceito de matéria), Osíris representa a encarnação e reencarnação, vida e morte, que é renovação. Seth é o princípio de oposição, ou antagonismo.

Esses acontecimentos da criação têm lugar fora dos limites do tempo terreno, além da esfera temporal. Ocorrem no céu, não na terra. De acordo com Schwaller, esses mistérios não são para serem entendidos pelos processos de raciocínio da inteligência mental. É um mistério que não é compreendido pela mente racional e só pode ser percebido pelo que os simbolistas chamam de “inteligência do coração”. Trata-se de fato, do mistério primordial de deus e sua criação, Atum, que se tornou um, dois, e assim por diante até chegar a oito.

“Eu sou Um que se transformou em
Dois. Eu sou Dois que se transformou em Quatro. Eu sou Quatro que se transformou em Oito. Depois disso eu sou Um”.

Sarcófago de Pentamon, Museu do
Cairo, [artefato] n°1160.

Essa manifestação ou proliferação de um em muitos, que ocorreu em Heliópolis, é o princípio abstrato da criação. Em Mênfis, Ptah leva mais longe essa abstração e traz para a Terra fogo do céu. Em Hermópolis o fogo divino começa a interagir com o mundo terreno. Em Tebas, a reiteração desses três processos é combinada em um, representado pela tríade de Amun.

Segundo John Anthony West, em Serpent in the Sky, a Grande Enéade emana do Absoluto, ou “fogo central”. Os nove neteru (princípios) são contidos pelo Um (o absoluto), que se torna tanto um e dez, e é a simbólica semelhança da unidade original. A Grande Enéade é a repetição e um retorno à fonte, que é vista na mitologia egípcia como Hórus, o divino filho que vinga o assassinato e desmembramento do seu pai, Osíris.

Os egípcios propugnavam uma filosofia holística, natural, que descrevia a criação do homem não como um ser lançado num mundo perigoso e violento, mas como a encarnação do divino num sentido espiritual. O homem era o Cosmo e o papel do indivíduo era de perceber isso, para alcançar a eternidade. Pitágoras compreendeu essa filosofia e descreveu-a de maneira muito coerente em seus escritos e ensinamentos. Os egípcios falavam disso na forma de mitos que encerravam uma verdade espiritual.


Leandro Claudir Pedroso

Referências:

MALKOWSKI, Edward F. O Egito Antes dos Faraós: e suas misteriosas origens Pré-históricas. São Paulo: Cultrix, 2010.


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