Ilustração de Jessie Willcox Smith (1923)
Quando publicou seu romance
Alice’s Adventures in Wonderland, em 1865, o reverendo e escritor Charles
Lutwidge optou por usar o pseudônimo de Lewis Carroll. Deve ter se arrependido
do anonimato, porque, rapidamente, o livro tornou-se um estrondoso sucesso. Foi
lido pela rainha Vitória (1819-1901) e inspirou o jovem escritor Oscar Wilde
(1854-1900). Tudo havia começado três anos antes, durante um inocente passeio
de barco pelo rio Tâmisa, em Londres, com o reverendo Robinson Duckworth e três
crianças - uma delas Alice Liddell, de 10 anos. Mas a obra não se resumia a um
conto infantil. Em Alice no País das Maravilhas, o autor revelou hábitos e
conceitos de sua época. Seu trabalho era tão baseado em fatos reais que muitos
de seus personagens foram inspirados em pessoas que Carroll conheceu enquanto
lecionou matemática na Universidade de Oxford.
A obra logo chegaria ao
cinema. Foi lançada pela primeira vez como um curta-metragem em 1903 e teve
inúmeras versões, como a animação lançada pelos estúdios Walt Disney em 1951.
Dirigida por Tim Burton, a mais recente adaptação deve chegar às telas
brasileiras em abril. O roteiro mostra Alice dez anos depois, retornando a Wonderland.
O próprio Charles Lutwidge fez algo parecido em Através do Espelho e o que
Alice Encontrou por Lá, de 1871 (ele morreria em 1898). Quem ler o livro ou for
ao cinema vai comprovar: seu legado permanece.
O
lado real do país surreal
A obra é cheia de
referências ao mundo de Lewis Carroll
Violência
"Cortem-lhe a
cabeça", diz a Rainha de Copas. O trecho revela que os leitores vitorianos
não se chocavam com cenas de violência, mesmo se descritas para crianças.
"Não se deveria permitir que livros como Alice no País das Maravilhas
circulassem entre adultos que estão se submetendo à análise", afirmou o
crítico Martin Gardner.
Crítica
aos colegas
O reinado da rainha Vitória
viu surgir uma nova geração de poetas, como Lewis Carroll e Edward Lear (1812-1888),
que trouxeram humor e absurdo ao tradicional formato do poema clássico. Em
Alice, Carroll ridiculariza diversos autores famosos na época, como Robert
Southey (1774-1843) e Mary Howitt (1799-1888).
Amadurecimento
As transformações corporais
sofridas por Alice são uma metáfora para o crescimento de meninas com a chegada
da puberdade, oportunidade para inúmeras interpretações psicanalíticas.
Carroll, aliás, nunca escapou de analogias (à pedofilia, por exemplo) e
críticas a seu carinho por meninas de 8 a 12 anos, entre elas a Alice original.
Existencialismo
"Lagarta para Alice:
‘Quem é Você?’. Alice responde: ‘Eu... nem eu mesma sei, Sir... pelo menos sei
quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias
mudanças desde então’." Para muitos críticos, tais indagações antecipam a
filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980).
Matemática
aplicada
Autor de estudos de lógica,
Carroll era fascinado por charadas. No capítulo 9, o Grifo (animal mitológico
com cabeça de águia e corpo de leão) diz quantas horas por dia estudava:
"Dez horas no primeiro dia, nove no seguinte, e assim por diante".
Alice responde: "Nesse caso, no décimo-primeiro dia era feriado?" Ela
está certa.
Autor:
Eduardo Lucena
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