Pelagianismo. Imagem: Ministério Bereia.
Dando
continuidade ao nosso estudo sobre as “Questões acerca do Pelagianismo”,
avaliaremos nesta postagem sua compreensão da desobediência no pecado original
e a hereditariedade da culpa trazida a todos os humanos, que como tais são descendentes
de nossos primeiros pais Adão e Eva. E como consequência a compreensão dos pelagianos
dos escritos canônicos ante os Católicos.
Quando
analisamos a vida dos cristãos abastados do baixo Império Romano vemos que como
tais continuavam a fazer parte de uma classe dominante comprometida com a
manutenção das leis do império, mediante a imposição de castigos brutais.
Estavam dispostos a lutar com unhas e dentes para proteger suas vastas
propriedades e, à mesa de jantar, eram capazes de discutir tanto a mais recente opinião
teológica, pela qual se orgulhavam como especialistas, quanto o tipo de punição
judicial que houvesse acabado de infligir a algum assassino/estuprador.
Nessa
confusão, a mensagem dura e firme de Pelágio surgia como uma libertação. Ele
oferecia ao indivíduo a certeza absoluta, pela obediência absoluta. Podemos
perceber isso na carta de um homem que se viu subitamente sob a influência de
uma dama da nobreza, figura dominante de um grupo de entusiastas pelagianos na
Sicília.
“Quando morava em minha terra, eu pensava ser um adorador de Deus.
(...) Agora, pela primeira vez, comecei a saber como posso ser um verdadeiro
cristão.(...) É fácil dizer que conheço Deus, creio em Deus, temo a Deus e
sirvo a Deus. Mas não se conhece Deus quando não se acredita n’Ele; e não se
acredita n’Ele a menos que se o ame; e não se ode dizer que se O ama, quando
não se O teme quando não se O serve; e não se pode dizer que se serve a Deus
quando se desobedece a Ele em qualquer aspecto. (...) Quem crê em Deus obedece
a Suas ordens. Isto é amar a Deus: fazer o que Ele ordena.”
Era
uma época séria. Os imperadores, ao
insistirem no cumprimento de suas leis, usavam a mesma linguagem desesperada
que Pelágio empregava ao falar das leis de Deus. Os homens que liam os
textos pelagianos haviam acabado de assistir a uma série de acontecimentos que
tinham abalado a confiança de toda uma classe: expurgos brutais, a ruína de
famílias inteiras, assombrosos assassinatos políticos e, mais tarde, os
horrores de uma invasão bárbara. Mas, enquanto alguns eram impelidos para o
retraimento por essas catástrofes, os pelagianos pareciam determinados a se
voltar para fora, a reformar toda a Igreja Cristã. Este foi o aspecto mais
notável de seu movimento: o estreito fluxo de perfeccionismo que empurrara os
nobres seguidores de Jerônimo para Belém, levara Paulino de Nola e Agostinho,
de Milão, para uma vida de pobreza na África de repente voltou-se para fora nos
escritos pelagianos, de modo a abarcar toda a Igreja Cristã:
“Decerto não é verdade que a Lei da conduta cristã não foi formulada
para todos aqueles que se chamam cristãos. (...) Porventura credes que as
fogueiras do Inferno arderão com menos calor para os homens que têm permissão
(como governadores) de dar vazão a seu sadismo, e que só ficarão mais quentes
para aqueles cujo dever profissional é serem devotos? (...) Não pode haver dois
padrões num único e mesmo povo.“
Em
toda a literatura do baixo Império Romano, esse é o protesto mais pungente
contra a pressão sutil, experimentada pelos bispos católicos, para que se
deixassem a vida cristã para os santos reconhecidos e se continuasse a levar a
vida de homens comuns, como pagãos. Pelágio queria que todos os cristãos fossem monges..
É
que os pelagianos ainda pensavam na Igreja cristã como um pequeno grupo num
mundo pagão. Estavam preocupados em dar um bom exemplo: o “sacrifício do louvo”, matéria tão íntima para os bispos católicos,
significava, para os pelagianos, o louvor da opinião pública pagã, que seria
conquistada pela Igreja como instituição composta por homens perfeitos. Foi nisso, é claro, que o movimento
pelagiano afetou a Igreja Católica intimamente. Para a Igreja cristã, era
como se as novas afirmações dos pelagianos de que poderiam chegar a uma Igreja “sem
mácula nem imperfeição” meramente dessem continuidade à asserção dos donatistas
de que só eles pertenciam justamente a essa Igreja.
A Igreja não estava disposta
a tolerar as classes de cristãos “perfeitos” que haviam surgido na Sicília e
noutros lugares, sob influência pelagiana. Por essa razão a vitoriada
Igreja Católica sobre Pelágio foi também
uma vitória da média de bons católicos leigos do baixo Império Romano
sobre um ideal austero e reformista.
A Igreja Católica descreveu
exatamente o tipo de homem para o qual havia encontrado lugar nela:
* Homens com poucas
boas obras em seu currículo;
* Que dormia unicamente
com sua esposa;
* Que era
melindroso nas questões de honra e propenso a justiça;
* Que não era um
usurpador de terras, mas se mostrava capaz de lutar pela conservação de suas
propriedades, ainda que apenas no tribunal do bispo;
* E que, apesar
disso tudo, era um bom cristão no sentido geral;
* Que se via como indigno e
rendia glórias a Deus.
Mas
a vitória da Igreja Católica sobre os pelagianos veio de uma batalha travada em
circunstâncias muito diferentes daquelas do cisma donatista.
Continua...
Leandro Claudir
COPYRIGHT ATRIBUIÇÃO - NÃO COMERCIAL ©
Copyright
Atribuição –Não Comercial©
construindohistoriahoje.blogspot.com. Este texto está sob a licença de Creative Commons Atribuição-Não
Comercial. Com sua atribuição, Não Comercial — Este
trabalho não pode ser usado para fins comerciais. Você pode republicar
este artigo ou partes dele sem solicitar permissão, contanto que o conteúdo não
seja alterado e seja claramente atribuído a “Construindo História Hoje”. Qualquer
site que publique textos completos ou grandes partes de artigos de Construindo História Hoje tem
a obrigação adicional de incluir um link ativo parahttp:/www.construindohistoriahoje.blogspot.com.br. O link não é exigido para citações. A republicação de
artigos de Construindo História Hoje que são originários de outras fontes está
sujeita às condições dessas fontes e seus atributos de direitos autorais.
Você quer saber mais?
ANATALINO, João .Conhecendo a Arte Real: a
maçonaria e suas influências históricas e filosoficas. São Paulo: Editora
Madras. 2007.
BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia.
Rio de Janeiro: Editora Record, 2011.
ALTANER, B; STUIBER, A. Patrologia – Vida e
Doutrina dos Padres da Igreja. 2ª ed. São Paulo: Editora Paulinas, 1972.
CÂMARA, J.B. Apontamentos de História
Eclesiástica. 3ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1957.
CRISTIANI, M. Breve História das Heresias. São
Paulo: Editora Flamboyant, 1962.
GOMES, C.J. Antropologia dos Santos Padres. 3ª
ed. São Paulo: Editora Paulinas, 1985.
GRESHAKE, F. Geschenkte Freiheit
Einfuhrung in die Gnadenlehre. Heder: Freiburg
Basel-Wien, 1981.
JEDIN, H. Nanual de História de 1ª Iglesia. Tomo
II. Barcelona: Editora Herder, 1980.
DICIONÁRIO DE FILOSOFIA. Pecado. São Paulo:
Editora Mestre Jou, 1982.
GRAM ENCICLOPÉDIA RIALP. Pelágio y Pelagianismo.
Tomo XVIII. Madrid: Ediciones
Ralp, 1989.
REALE, G; ANTISERI, O. História da
Filosofia Antiguidade e Idade Média. vol. 1. Coleção História da
Filosofia. São Paulo: Editora Paulinas, 1990.
Nenhum comentário:
Postar um comentário