Estrela de Davi na bandeira de Israel. Imagem: Numinosumteologia.
Circula no youtube um vídeo que afirma que
a Estrela de Davi, símbolo que aparece na bandeira de Israel, foi uma
imposição de uma seita secreta chamada illuminati aos judeus por ocasião da formação do Estado de
Israel em 1948. O símbolo, diz ainda o vídeo, teria origem pagã e não
judaica.
É verdade que o símbolo não é originalmente judaico
(aliás, a cruz também não é um símbolo originalmente cristão), mas a versão que
afirma ser o hexagrama uma imposição de uma suposta seita chamada illuminati
não passa de um delírio sem fundamento.
Abaixo uma explicação sobre a origem do símbolo num
livro especializado em cultura e religião judaica:
A estrela de Davi, de
seis pontas, ou selo de Salomão, também chamada de “Magen Davi”, tornou-se um
símbolo dos judeus no fim da Idade Média (grifo nosso). Em tempos
anteriores, ela figurava também em símbolos cristãos e islâmicos. Foi, mais
tarde, adotada pelo movimento sionista e na bandeira de Israel [1].
Sinagoga, séc. III. Imagem: Numinosumteologia.
Ronald Eisenberg diz que o símbolo remonta a uma
época ainda mais antiga. Ele afirma que a Estrela de Davi já era um símbolo popular na Europa e no Oriente Médio
desde os tempos antigos por causa de sua simetria geométrica. O primeiro uso
conhecido do hexagrama judaico foi encontrado em um selo de cerca do século VI
a.C. Na sinagoga de Cafarnaum, em Israel (segundo ou terceiro século d.C.), o
hexagrama aparece como decoração em um friso de pedra, que também possui um
pentagrama (estrela de cinco pontas) e uma suástica [2].
Hexagrama em colar assírio (centro). Imagem: Numinosumteologia.
Uma investigação mais atenta confirma que o hexagrama
não é um símbolo originalmente judaico. Ele aparece em gravuras budistas e
até mesmo em relevos assírios[3] feitos algumas dezenas de séculos antes de Cristo. Ao
que parece, o movimento sionista resgatou esse emblema antigo e lhe deu novo
significado. Seja como for, em dado momento os judeus viram no símbolo uma
ótima representação para a nação judaica.
Muitas tentativas foram feitas para explicar o emprego
da estrela da Davi pelos judeus, que em hebraico transliterado aparece como “magen David” (lê-se maguén David),
literalmente “escudo de Davi”. Segundo Elza Galdino há uma tradição judaica [em
minha opinião, pouco crível] que diz que os soldados do rei Davi tinham em seus
escudos a estrela de seis pontas [4]. Outra tradição, continua Elza Galdino,
diz que os dois triângulos seriam formados pelo entrelaçamento de duas letras gregas “delta” (Δ), equivalente à letra hebraica “dalet” (ד), que aparece no
começo e no fim da grafia hebraica do nome desse rei. Esta
última explicação faz sentido, desde que o símbolo seja admitido que uma
assimilação cultural e não uma criação judaica. É possível que algum judeu
tenha notado que o hexagrama lembra dois deltas entrelaçados e acabou achando
que seria um bom emblema para a nação judaica. Acho esta uma explicação
aceitável, ainda assim carece de provas.
Os dois deltas no nome de Davi. Imagem: Numinosumteologia.
Sobre o
primeiro uso do hexagrama como símbolo dos judeus, recorro a Grace Cohen:
O principal símbolo que
representa o povo judeu hoje é a estrela de seis
pontas. Embora geralmente referido como Magen David (escudo
de David), não há nenhuma referência bíblica ou
talmúdica para esta associação. Amplamente utilizado como um
motivo geométrico ou amuleto em outras culturas, a
estrela de seis pontas foi oficialmente usada como
um símbolo judaico em Praga, em 1354, quando o imperador
Carlos IV concedeu o privilégio aos judeus de exibirem a
sua própria bandeira em ocasiões especiais [5].
Quanto
ao fato de ter sido originalmente um símbolo pagão, é preciso lembrar que assim
como o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem [6], o significado
de um símbolo é o seu uso cultural, religioso. O símbolo é uma forma aberta a
possibilidades significantes. Enfim, eles não possuem significado ontológico.
Referências bibliográficas:
[1]
FINE, Doreen. O que sabemos sobre o judaísmo, p.11.
[2] Fiz uma tradução livre. No original: “A popular
symbol in Europe and the Middle East since ancient days because of its
geometric symmetry, the earliest known jewish use of the hexagram was on a seal
from about the sixth century B.C.E. In the synagogue of Capernaum in Israel
(second or third century C.E.), the hexagram appears as a decorative design on
a stone frieze, which also features the pentagram (five-pointed star) and the
swastika (another ancient symbol). During the Middle Ages, hexagrams appeared
frequently on seals and in churches but rarely in sinagogues or on jewish
ritual objects. Indeed, from antiguity until after the renaissance, the menorah
rather than hexagram was the primary symbol of judaism”. EISENBERG, Ronald L.
The JPS guide the jewish traditions. Philadelphia: The Jewish Publication
Society, 2004, p.575.
[4] GALDINO, Elza. Estado sem Deus, o obrigação da
laicidade na Constituição, p.36.
[5] Fiz uma tradução livre. No original: “The primary
symbol representing the Jewish people today is the six-pointed star. Though
generally referred to as the magen David (shield of David), there is no
biblical or talmudic reference for this association. Widely used as a geometric
and often amuletic motif in many cultures, the six-pointed star was first
officially used as a Jewish symbol in Prague in 1354, when Emperor
Charles IV granted the jews privilege of their own flag displaying
on state occasions”. GROSSMAN, Grace Cohen. Jewish art, 1995, p. 64.
[6] Wittgenstein,
Investigações filosóficas, § 43.
Jones F. Mendonça
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