terça-feira, 30 de outubro de 2012

Winchester: com quantos tiros se fez uma história.


Os soldados sulistas perguntavam que arma era aquela “que se carregava aos domingos e atira a semana inteira”. Era o Henry, o pai da Winchester 66 que se vê acima na imagem. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.74.

A carabina Winchester, modelo 1866 é a carabina mais famosa do mundo. Ela pertence à história do Oeste dos Estados Unidos, quase da mesma forma que a ferrovia, como instrumento de progresso e da presença do homem branco na terra dos ‘peles-vermelhas’. Somente outra a supera: o revólver de seis balas, carga dupla, em suas numerosas versões. Se o revólver – no caso específico o modelo Paterson, do Colt – foi o primeiro instrumento eficiente do homem contra as investidas e as flechas dos índios, a Winchester foi à arma que completou a bagagem do colono, do cowboy, do caçador, por seu poder e volume de fogo.

Carabina Winchester, modelo 66. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.74.

A História da Winchester começa pelo menos 10 anos antes de seu aparecimento. E se do ponto de vista comercial e industrial esta história é clara e simples, do técnico ela o é um pouco menos. Desde a metade 1850, apareceram vários fuzis interessantes nos Estados Unidos: o Colt, com tambor, o Sharps, de cartucho de papel e recarga, o Hunt e o Jennings. Com estes dois últimos, estamos ainda na pré-história da Winchester, que manterá, do Hunt e do Jennings, apenas o princípio do carregador tubular sob o cano. No resto – mecânica e cartucho – se diferenciará de forma substancial.

O mistério técnico do princípio de carregamento e disparo da Winchester começa com uma pistola de repetição fabricada por Horace Smith e Daniel B. Wesson (os fundadores da Smith & Wesson), nos anos 1854/55. A pistola possuía um tambor tubular sob o cano, mas o sistema que impulsionava o cartucho na câmara de explosão tinha muito pouco parentesco com o do Hunt e do Jennings. Entretanto, era igualzinho ao sistema de outra pistola de repetição de carregador tubular: a Venditti, fabricada, segundo afirmam alguns estudiosos, no fim de 1848, em Langusi, província de Salerno (Itália), sob a rubrica de um certo Venditti.

Eis o detalhe de um fuzil Colt, pertencente ao Museu de Pusterla, na Italia. Ele recebia o cartucho pelo tambor, era muito caro e bem construído, mas tinha um defeito grave: quando disparava, o cartucho costumava explodir, prejudicando o atirador. Por essa razão, não conseguiu se impor no Oeste, onde a arma era a única garantia. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.76.

Plagiando ou não o Sr. Venditti – a história nada esclarece e tampouco se interessa por essas sutilezas comerciais –a verdade é que a Winchester estava prestes a nascer. Em 1855, Smith & Wesson venderam a sua fábrica, e entre os compradores não havia um só que entendesse de armas: eram sete fabricantes de relógios, dois padeiros, dois farmacêuticos, três fabricantes de carroças, um fabricantes de sapatos, o proprietário de uma empresa de mineração e um fabricante de camisas. Este último se chamava Oliver H. Winchester, e era dentre os sócios, o que possuía maior faro comercial.

Henry, o fuzil-pai da Winchester.

A nova fábrica tomou o nome de Volcanic Arms Company, e instalou sua sede em New Haven, Connecticut. Além de pistolas, nos anos seguintes começou a fabricar fuzis e carabinas, com a característica do aro alongado, típica dos vários modelos de Winchester nos primeiros anos do século XX.

O Remington Rolling Block. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.76.

Estas armas usavam um projétil diferente da pistola Hunt, já que possuíam a espoleta aplicada à base. Mas a produção da Volcanic era pouco satisfatória e a causa estava no cartucho. Em 1857, uma audaciosa operação financeira fez Winchester o dono de toda a fábrica, começando sua fortuna e a da arma que leva seu nome.

A Guerra Civil estava às portas, e era fácil compreender que a criação de uma arma poderosa e veloz iria assegurar uma generosa comissão do Exército. Foi então que Winchester contratou os serviços de um técnico que já havia feito modificações no fuzil de Jennings: B. Tyler Henry. Ele criou para a carabina da Volcanic um cartucho de percussão anular, calibre 44 (11mm). Nascia o fuzil Henry, que sem hesitação pode ser considerado o pai da Winchester 66.

O objetivo de Winchester era tornar o Henry o fuzil preferido pelos soldados da Guerra Civil, mas a sorte foi pouca. O fuzil era frágil e o Exército do Norte preferia o Spencer, seu rival mais forte e mais resistente à rudeza da guerra.

Apesar de seus 16 tiros e sua velocidade, o Henry fracassou. Terminada a guerra, Winchester contratou o mecânico Nélson King, para substituir a Henry e fazer algumas modificações no fuzil criado pelo seu antecessor. King, depois de várias soluções, propôs duas mudanças fundamentais: o carregamento seria feito do lado direito da caixa e não mais através de uma abertura do tambor próxima à boca da arma; a carga de pólvora do cartucho foi aumentada e o peso da bala, diminuído. Isto permitiria um tiro mais pesado.

O Sharp (à esq.) e o Henry. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.76.

A nova arma, que sofreu reforços na percussão e a caixa de madeira foi prolongada até à metade do tambor, levou o nome do seu produtor, Winchester, e, como modelo, foi marcado o do ano no qual a carabina ganhou patente: 1866. E se entre os militares ela fez pouco sucesso, como o fuzil Henry, no meio civil virou coqueluche. Bastaram poucos anos para que Winchester 66 pudesse afirmar o próprio sucesso. Construída principalmente em duas versõesfuzil de 17 tiros e carabina de 13 – esta última tornou-se a preferida pela facilidade de manejo e tamanho reduzido.

Os caçadores fizeram da carabina Winchester a sua preferida. Animais de porte médio, como o antílope e o cervo negro, não conseguiam resistir à sua potência, quando a caça se tornou a grande ocupação dos homens do Oeste, após a Guerra de Secessão. Principalmente a caça ao bisão, o búfalo americano, espécie quase extinta pela matança excessiva. Outra caça aos peles-vermelhas, ficava fácil quando se tinha uma Winchester e um bom cavalo.

A carabina Henry. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.76.

Alguns homens, como Buffalo Bill, preferiam a Springfield, arma do Exército, de um tiro, calibre 50 (12,5 mm), mais potente que a Winchester. Mas se esta tinha algumas limitações para a caça ao animal de grande porte, era excelente para a defesa pessoal. O seu tiro era ótimo a 270 metros e bom a 500 metros, dependendo do atirador. Não se pode afirmar que a Winchester 66 não tivesse rivais naqueles anos turbulentos. Vários modelos de Spencer, fuzis Sharps de um tiro, e o famoso Remington, também de um tiro, apenas para citar as melhores, eram ótimas armas pela precisão , calibre, tamanho, mas perdiam para a Winchester na rapidez de fogo, condição essencial numa arma a quem se confiava a própria vida.

A arma dos primeiros exploradores

Winchesters 66 foram às armas dos exploradores do rio Colorado nos anos 1869/1871; um Henry estava nas mãos de Thomas P. Roberts, que em 1872 desceu, em viagem de estudos, o curso superior do Missouri, entre Three Forks e Fort Benton. Henry M. Stanley, quando partiu para a legendária viagem ao interior da África, tinha como armamento um fuzil Henry e uma Winchester 66. Os exemplos poderiam continuar e todos testemunham como, naqueles aventurosos anos, a Winchester era arma das mais conhecidas e admiradas.

Uma pistola Remington modelo 1875, em versão militar. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.78.

Não lhe faltaram as glórias militares, mas não nos Estados Unidos; no exterior. Em 1870, na França, incautamente enfronhada na guerra com a Prússia, se procurou um armamento capaz de enfrentar um exército dos mais modernos e eficientes daquela época. As grandes indústrias de armas norte-americanas receberam encomendas. Foram compradas 100 mil Remington, 30 mil Spencer e alguns milhares de Winchester. Estas últimas foram doação dos voluntários garibaldinos que combateram nas vizinhanças de Digione e que e recusaram a abaixar a cabeça diante da arrogância prussiana.

Em fevereiro de 1871, Oliver Winchester, escrevendo a um jornal especializado do seu país, se referiu a carta de um certo capitão Suzanne,  na qual era narrado o episódio dos 400 garibaldinos armados de Winchester que haviam destruído o 61.° Regimento prussiano, apoderando-se, inclusive, de sua bandeira. Mais tarde, em 1877, a Winchester fez ouvir sua voz nos campos de batalha da guerra russo-turca. O Império Otomano, entre 1870 e 1871, tinha comprado um total de cinco mil carabinas e 45 mil mosquetões Winchester, que foram divididos entre a Cavalaria e a Artilharia. A Infantaria estava armada com o Peabody Martini, de um tiro.

Durante o conflito, foi sobretudo na Batalha de Plevna que a Cavalaria Otomana pode fazer valer a potência de fogo concentrado de suas armas de repetição. E convém não esquecer aquele episódio em que Reouf Pachá, com apenas 30 homens, pôs em fuga 600 cavaleiros inimigos, arrasados pelo fogo das Winchesters.

Em 1877, entretanto, já há quatro anos havia aparecido um novo modelo da Winchester, o 73, que era uma modernização do modelo 66. A espoleta da nova arma era a percussão central e não anular; a culatra da arma, em vez de latão, era de ferro. E seu peso foi diminuído. A Winchester 73 era um sucesso ainda maior que o modelo 66, que continuou, porém, a ser construído por vários anos, depois de um período de interrupção em 1875.

A Winchester 66 militar. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.76.

Ao lado da pistola Colt 73 e da carabina Remington modelo 1875, para citar as mais famosas armas da época, a Winchester contribuiu para fazer do Oeste um lugar de Ordem, embora aparecesse, também, nas mãos dos bandidos. Mas se a lenda da carabina chegou ao auge com o modelo 73 – houve até um filme contando sua história – não  se deve esquecer que esta lenda nasceu já com a Winchester 66, a primeira verdadeira carabina de repetição do Oeste, para o homem aventuroso e valente do Oeste dos Estados Unidos.

 Colt 1873, o mais famoso revólver do mundo. Imagem: Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, ano 1, número 1/ maio de 1967, pg.78.

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Você quer saber mais? 

CIMARELLI, Aldo G. Winchester: Com quantos tiros se fez a história. Revista Mensal de Cultura Enciclopédia Bloch, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p. 74-78, maio. 1967.























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