domingo, 5 de dezembro de 2010

Johannes Kepler (1571 – 1630).

Com as comemorações do Ano Internacional de Astronomia, o matemático e astrônomo alemão Kepler deve ser lembrado e reverenciado como um pioneiro que mudou os rumos dos estudos dos astros. Ele precedeu Galileu, o italiano que viveu de 1564 a 1642 e ficou mais famoso.

Naquela época vigorava o modelo de Universo proposto por Aristóteles (século IV a.C.) e Ptolomeu (século I d.C.), segundo o qual a Terra estava no centro do Universo e os astros tinham trajetórias circulares. Depois veio Copérnico (1473 – 1543), que foi o primeiro a afirmar que a Terra não seria o centro do Universo, mas girava em torno do Sol.

Kepler partiu daí e, além de confirmar a teoria do Heliocentrismo (os planetas giram em torno do sol), esclareceu que suas órbitas são elípticas e não circulares. Ele propôs um conjunto de leis, que foram básicas para os trabalhos de Newton e o levaram à Teoria da Gravitação Universal (1687):

1. Os planetas descrevem órbitas elípticas, com o Sol em um dos focos;

2. O raio vetor que une um planeta ao Sol descreve áreas iguais em tempos iguais;

3. Os quadrados dos períodos de revolução (T) são proporcionais aos cubos das distâncias médias (a) do Sol aos planetas.


Kepler também iniciou a distinção entre Astronomia e Astrologia. A primeira passou a ser o estudo dos astros, de suas naturezas e movimentos e os astrônomos deixaram de fazer horóscopos para reis e nobres.

Ele precisou ser extremamente cuidadoso em relação a eventuais perseguições por parte da Inquisição movida pela Igreja Católica Romana, pois sua mãe havia sido queimada devido a acusações de bruxaria Mesmo assim, disse que a Lua não seria tão diferente da Terra quanto desejavam os poetas e os religiosos e chegou até a escrever um conto de ficção científica falando de seres extra-terrestres de dois tipos, que viveriam em cada um dos lados (escuro e claro) da Lua.

Você quer saber mais?

Gleiser, Marcelo. “A Harmonia do Mundo”, São Paulo, 2006.

ENTREVISTA - PROFISSÃO: ASTRÔNOMO.

Entrevistado: Prof. Dr. Roberto Ortiz
Perfil: possui bacharelado em Física pela Universidade de São Paulo (USP),
mestrado e doutorado em Astronomia pela USP
e pós-doutorado pelo Sterrewacht Leiden (Holanda).
Atualmente é professor livre-docente da
Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP).

1. Como são formados os astrônomos no Brasil?


Calculo que talvez uns 90% dos astrônomos brasileiros sejam bacharéis em Física, que depois optam por fazer pós-graduação em Astronomia. Os 10% restantes incluem pessoas com graduação em Astronomia (pela UFRJ), engenheiros, matemáticos, etc. Em grande parte isso decorre do fato de que, até o ano passado, somente a UFRJ tinha um curso de Astronomia em nível de graduação. Então, geralmente quem fazia esse curso é quem morava na cidade do Rio de Janeiro e adjacências. Este ano (2009), o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP) iniciou a primeira turma de graduação em Astronomia. Os primeiros astrônomos formados por esse curso devem se formar daqui a 4 anos.

2. Quais as atribuições do profissional ligado à área de Astronomia?


Ele pode trabalhar em atividades de pesquisa e/ou divulgação. Quando o astrônomo é um pesquisador, ele geralmente faz parte do corpo docente de alguma universidade. No Brasil, a maioria dos astrônomos (cerca de 300) trabalha em Departamentos de Física e/ou Astronomia das universidades federais. Uma minoria se dedica à divulgação da Astronomia, geralmente em planetários e centros de divulgação de Ciências.

3. Qual a importância das atividades de divulgação científica na área de Astronomia?


A Astronomia talvez seja a ciência que mais desperta a atenção no público. Há diversos motivos para isso, tais como as imensas escalas de distância e tempo do universo, a beleza das imagens astronômicas, e até mesmo questões essenciais do ser humano, como: “De onde viemos?” ou “Estamos sozinhos no Universo?”. Então, eu vejo a Astronomia como uma espécie de “porta de entrada” para as demais ciências. Conheci muitas pessoas que, durante a infância ou adolescência, sentiram-se extremamente atraídas pela Astronomia e que, embora não tenham se tornado astrônomas, seguiram uma carreira científica ou tecnológica. Então, nesses casos acho que a Astronomia teve um papel decisivo.

4. 2009 é o ano internacional da Astronomia. Quais são os impactos esperados a partir das atividades programadas para este ano comemorativo?


A percentagem de pessoas que alguma vez já observou o céu com um telescópio não deve passar de uns 2%. Com o aumento da poluição luminosa das cidades, as pessoas não possuem mais o hábito de olhar o céu, e isso limita o horizonte dos cidadãos. Quando ele desconhece o que se passa acima de sua cabeça, seu horizonte torna-se mais limitado, sua visão de Universo torna-se míope e a pessoa pode se tornar excessivamente centrada em si. Até mesmo o conceito de preservação do nosso planeta, incluindo seus recursos naturais, passa pela compreensão do nosso planeta como um corpo celeste que teve uma origem e evolução. Marte, por exemplo, teve água no passado e hoje é um planeta seco. Acredito que a compreensão do que houve com os outros planetas pode nos ajudar a compreender e ajudar a preservar a Terra.
Os astrônomos brasileiros estabeleceram a meta de que pelo menos 1 milhão de brasileiros observe algum objeto celeste através de um telescópio durante 2009. Em todo o Brasil haverá telescópios disponíveis à população em lugares de grande circulação, tais como a Avenida Paulista, o Parque Ibirapuera, o Villa-Lobos, além é claro, da Cidade Universitária.

5. O que você diria a um jovem que gostaria de se dedicar à Astronomia?


O estudo da Astronomia, mesmo como hobbie, traz muitos benefícios. Geometria espacial, por exemplo, é amplamente utilizada em Astronomia, assim como muitos outros conceitos matemáticos como logaritmos, trigonometria, geometria plana, etc. Há também muitas aplicações da Física, como por exemplo, na temperatura dos planetas, das estrelas, etc. A Química entra na composição química da atmosfera dos planetas e as transformações que nela ocorrem, na coloração do solo dos planetas, na cauda dos cometas, etc. Eu diria que um estudante que lê sobre Astronomia e faz algum tipo de atividade astronômica tem mais chances de se dar bem na escola e, consequentemente, em sua carreira futura.
Como profissão, é um pouco difícil de avaliar, porque a formação do astrônomo leva muito tempo (cerca de 10, 12 anos) e é difícil prever como estará o mercado de trabalho nessa escala de tempo. O que posso dizer é que, entre meus ex-colegas de pós-graduação que não desistiram da carreira, todos estão empregados. Alguns têm empregos melhores, outros piores, mas pode-se dizer que praticamente não há astrônomos da minha geração desempregados. A profissão exige estudo e aprimoramento contínuos. Também acho importante citar que o computador é uma das ferramentas mais importantes do astrônomo. Embora o telescópio seja imprescindível, o astrônomo passa mais tempo à frente do computador do que do telescópio.

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EXAME DE FEZES PRÉ-HISTÓRICAS.

Conhecendo os hábitos alimentares de animais extintos

André Perticarrari
Educador da Casa da Ciência / Hemocentro de Ribeirão Preto-USP

Os animais apresentam os mais variados hábitos alimentares, se alimentando de vegetais a outros animais, além de detritos e outro itens. Essa seqüência onde um ser vivo serve de alimento para outro e cada um tenta conseguir sua cota de energia para sobrevivência chama-se cadeia alimentar.

Os animais podem ser herbívoros, outros carnívoros e ainda podem se alimentar tanto de outros animais quanto de vegetais, sendo, portanto onívoros.

Que os animais têm hábitos alimentares tão variados é fato, mas como os biólogos fazem para estudar o comportamento alimentar das espécies?

É fácil, estudando e analisando suas fezes. Parece um trabalho não muito agradável, porém, a análise das fezes pode indicar o hábito alimentar de um animal, ou seja, se ele alimenta-se de pequenos animais, se é “vegetariano” (herbívoro) ou onívoro.
Portanto, para se estudar o “cardápio” preferido dos animais é só ir a busca de suas fezes e analisá-las.

Agora responda rápido: como os cientistas conseguem saber sobre os hábitos alimentares de animais extintos? Como é possível saber que um dinossauro era herbívoro ou carnívoro, se alimentava de insetos ou era onívoro?

Você deve estar pensando que esse conhecimento é apenas uma hipótese ou imaginação dos cientistas, pois se conhecem apenas os ossos destes animais, ou seja, os fósseis.

Bem! Antes de respondermos as perguntas anteriores, precisamos entender o que são fósseis.

Os fósseis: pistas do passado

É fato que a vida na Terra surgiu a mais ou menos a 3,5 bilhões de anos atrás e que desde então ela vem se transformando ao longo do tempo. Muitos seres vivos já não existem mais, outros surgiram a muitos milhões de anos e apresentam representantes nos dias atuais. Conhecer esses seres é conhecer o passado da Terra e entender como a vida evolui. E esse conhecimento vem através do estudo dos fósseis.

Estes organismos deixaram vestígios de sua existência, como restos de plantas, ossos, além de pegadas, ovos de animais entre outros. Esses vestígios são chamados de FÓSSEIS. Os restos de seres vivos sofreram um processo de mineralização dos tecidos “transformando-se em pedras”. As partes duras do corpo, como por exemplo os ossos, dentes, conchas, são as mais facilmente fossilizadas. Contudo, impressões deixadas por organismos, como pegadas, impressões de folhas e conchas, rastros e penas também são fósseis, mais especificamente ICNOFÓSSEIS, que evidenciam a atividade dos organismos extintos.
Voltando as nossas perguntas, é possível sim conhecer os hábitos alimentares de animais extintos. Mas, como isso é feito? Como vimos, fóssil é qualquer vestígio de organismos que viveram em um passado remoto. E as fezes de animais extintos também podem sofrer o processo de fossilização. Fezes fósseis são conhecidas pelos cientistas como COPRÓLITOS (do grego antigo, copros = fezes + litos = pedra), um tipo de icnofóssil (FIGURA 1). Elas podem fornecer importantes informações a respeito da dieta destes animais. Entretanto, é muito difícil associar uma fezes fossilizada ao animal que a originou.

coprolito29b
http://www2.igc.usp.br/replicas/coprolito29c.jpg
http://webpages.fc.ul.pt/~cmsilva/Paleotemas/Mineralizacao/Minerl05.jpg
A
B

Figura 1. Fotos de coprólitos (A). Em B coprólito de mamífero. fonte:IGC/USP.

Para estudar os coprólitos, os paleontólogos fazem cortes muitos finos através de técnicas especiais, para observá-las ao microscópio. A partir destas análises é possível identificar restos de comidas petrificadas, como exoesqueletos de insetos, ossos e partes de plantas. Com isso, os cientistas podem afirmar com alguma certeza que um animal, como um dinossauro, era herbívoro, carnívoro ou onívoro.

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Kuck D.W., 2003. Fezes fossilizadas revelam hábitos de dinossauros: estudo de coprólitos ajuda a entender dieta de espécies pré-históricas do Brasil. Ciência Hoje on line.

O processo de Galileu.


Prof. Rogério C. Trajano da Costa, IFSC Transcrição da Revista do CDCC, agosto/1988

“A Bíblia nos ensina como se vai para o céu e não para onde o céu vai”
Cardeal Baronius (1538 – 1607)

Uma das razões pelas quais o processo de Galileu sempre despertou o interesse dos leitores da História das Ciências foi, sem dúvida, a simpatia que em todos nós desperta a condição daqueles que, armados de verificações objetivas, ousam desafiar as verdades estabelecidas pelas antigas tradições.

Mas, mesmo deixando de lado os aspectos mais emocionais do problema, ainda há, no processo de Galileu, muita coisa para despertar o interesse do investigador sóbrio e imparcial, por causa da ausência de registros escritos sobre alguns fatos que permaneceram obscuros até os dias de hoje.

Embora seja obviamente impossível apresentar neste artigo uma cobertura completa dos acontecimentos que resultaram neste famoso processo, vamos procurar, mesmo nos limitando aos fatos essenciais, dar ao leitor uma idéia geral daquilo que realmente se sabe e dos acontecimentos sobre os quais só podemos infelizmente fazer suposições.

Todos concordam, em princípio, que a causa imediata do processo de Galileu foi a publicação da sua obra “Diálogo sobre os dois maiores sistemas do mundo”, onde se discute, sob a forma de um debate entre três personagens, os méritos dos sistemas astronômicos de Ptolomeu e Copérnico. Devemos lembrar aqui que, desde sua publicação em 1543, a teoria de Copérnico (segundo a qual os planetas giram em torno do sol) encontrou forte oposição, tanto entre os astrônomos como entre os teólogos.

Alegavam os primeiros que o modelo copernicano não era suficientemente preciso para suplantar o de Ptolomeu (onde a Terra se encontra imóvel, no centro do sistema solar) no cálculo da posição dos astros, e que um corpo tão grande e pesado como a Terra não poderia girar em torno do sol. Mais perigosa, entretanto, que as dúvidas dos astrônomos era a oposição das autoridades eclesiásticas, baseada no apoio que desde longa data a Igreja tinha dado às idéias de Aristóteles e Ptolomeu, e também no fato de que a hipótese de uma Terra em movimento era contrária à verdade revelada nas Sagradas Escrituras. O próprio Galileu parece não ter tido uma opinião definitiva a respeito deste problema até a época de suas primeiras investigações telescópicas (1609 – 1610), quando teve a oportunidade de observar as montanhas da lua, os satélites de Júpiter e as fases do planeta Vênus.
Os dois primeiros resultados, que podem parecer secundários nos dias de hoje, eram importantes para a época, pois mostravam que:

1. a lua era semelhante à Terra e girava em torno desta, o que tornava plausível o fato da Terra girar em torno do Sol, e
2. ser o centro de um sistema em rotação não era privilégio do nosso planeta, como queria a teoria de Ptolomeu.


É verdade, entretanto, que a aparência de Vênus, vista no telescópio era o argumento mais importante contra a teoria de Ptolomeu. De fato, de acordo com esta teoria, a órbita deste planeta estaria sempre contida entre a Terra e o Sol, o que estava em franco desacordo com as observações de Galileu que viu suas fases indo desde a Vênus “nova” até a Vênus “cheia” (caso em que o Sol deveria estar entre a Terra e Vênus).

Apesar de convencido da superioridade do sistema de Copérnico, Galileu esperou até 1632 para publicar seu “Diálogo”. A razão desta demora é conhecida: em 1616 ele foi chamado para uma entrevista com o cardeal Bellarmino (um dos maiores teólogos da época) na qual ele foi oficialmente informado da posição da Igreja, contrária à teoria de Copérnico, conforme consta de uma declaração (preservada até hoje) na qual o cardeal acrescenta, provavelmente a pedido do próprio Galileu, que este não tinha recebido nenhuma penitência ou sido forçado a desmentir qualquer opinião herética. (Deve-se acrescentar que a Igreja não se opunha diretamente à discussão das idéias de Copérnico, desde que estas fossem tratadas como uma hipótese matemática conveniente para ilustrar a disposição dos corpos celestes).

Por que então Galileu decidiu-se a escrever o “Diálogo”? O motivo para esta resolução deve ter ocorrido a partir de 1623, quando o cardeal Barberini, colega de Galileu na “Academia dos Linces” (uma das primeiras sociedades científicas), que mostrara anteriormente interesse pelos seus estudos, foi eleito papa adotando o nome de Urbano VIII. Se, ao que tudo indica, Galileu julgou que a situação tornava-se mais favorável para a divulgação de suas idéias ele estava certamente equivocado, pois assim que a obra foi publicada houve logo forte pressão, da parte dos seus adversários, para que ele fosse oficialmente condenado.

Em fevereiro de 1633, apesar do rigoroso inverno e da idade avançada, Galileu teve que comparecer perante o tribunal em Roma, onde foi acusado de desobedecer uma ordem formal do Cardeal Bellarmino (na famosa entrevista de 1616) para nunca mais discutir a teoria de Copérnico sob qualquer pretexto. (Esta acusação estava apoiada num documento, retirado dos arquivos do Vaticano, que o consenso dos historiadores modernos considera como tendo sido forjado especialmente para livrar a Igreja do embaraço de condenar uma obra cuja publicação tinha sido aprovada pelas autoridades eclesiásticas).
Apesar de ter apresentado o atestado do próprio cardeal, Galileu foi obrigado a confessar seus erros e condenado à pena de prisão domiciliar em sua própria casa, na qual veio a falecer em 1642.

Por que houve tanto empenho na condenação de Galileu? Aqui entramos necessariamente no terreno das conjecturas, sendo perfeitamente possível que mais de um fato tenha contribuído para este fim. O motivo mais comumente lembrado é que teria Galileu “exagerado na dose” ao escrever o “Diálogo”. De fato, o personagem que defende a teoria de Ptolomeu, chamado “Simplício” (nome que por si só já não é dos mais simpáticos), além de amplamente derrotado nas discussões encerra o livro dizendo que, apesar de reconhecer o valor dos argumentos contrários às suas convicções, ele se mantinha fiel à idéia “recebida de uma pessoa eminente”, segundo a qual Deus poderia ter produzido os mesmos resultados por meios totalmente diferentes.
Ora não deve ter sido difícil convencer o papa sobre quem era esta “pessoa eminente” nem este deve ter ficado contente ao ver a posição oficial da Igreja defendida por um personagem que se sai nos debates de modo tão desastrado. Devemos lembrar ainda que tudo ocorreu numa época em que a Igreja Católica não tinha ainda absorvido o impacto da reforma religiosa do século anterior, conforme atesta a opinião dos jesuítas que insistiam (evidente exagero) que a obra de Galileu poderia ter piores conseqüências do que “Lutero e Calvino juntos”.

Mais recentemente outras possibilidades foram lembradas como possíveis motivos para a condenação de Galileu, envolvendo desde o uso que este faz do raciocínio indutivo (que era avançado em relação à argumentação científica da época) até uma possível associação da parte dos seus opositores, da sua obra com a de Giordano Bruno.

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Por que os satélites artificiais não caem.

Prof. Rogério C. Trajano da Costa, IFSC Transcrição da Revista do CDCC, julho/1987

Todos nós sabemos, pela experiência da nossa vida diária, que qualquer corpo projetado para cima acaba caindo de volta na superfície da Terra.

Este fato, como certamente já fomos informados, é devido à força da gravidade que a Terra exerce sobre todos os corpos; de modo que, para nos mantermos afastados de sua superfície, precisamos exercer uma força oposta que anule a influência da atração terrestre.

Esta força tanto pode ser a tensão de uma corda na qual estamos pendurados como o empuxo do ar no caso de um balão (o mesmo tipo de força que permite os navios flutuarem na água), ou ainda a diferença de pressão do ar entre as partes inferior e superior das asas de um avião; mas, num caso ou outro, podemos sempre reconhecer um meio de sustentação capaz de se opor ao efeito da força da gravidade.

Ora, no lançamento de um satélite artificial a propulsão do foguete atua apenas durante um tempo limitado no começo da trajetória, após o qual o satélite permanece em órbita sem o auxílio de qualquer força aparente.
Por que então um satélite não cai?

Para responder a esta pergunta a primeira coisa que devemos saber é que qualquer corpo abandonado nas vizinhanças imediatas da Terra é por esta atraído, com aceleração constante (a aceleração da gravidade).

Dizer que a aceleração de um corpo é constante significa dizer que sua velocidade cresce continuamente numa taxa uniforme, isto é, ela sofre acréscimos iguais em intervalos de tempo de mesma duração. No caso da gravidade, por exemplo, a velocidade de um corpo abandonado a partir do repouso (com velocidade nula portanto) cresce 9,8 m/s em cada segundo. Assim, por exemplo:

  • No fim de 1 segundo sua velocidade será: 0 + 9,8 m/s = 9,8 m/s.
  • No fim de 2 segundos sua velocidade será: 9,8 m/s + 9,8m/s = 19,6 m/s.
  • No fim de 3 segundos sua velocidade será: 19,6 m/s + 9,8m/s = 29,4 m/s.

Observe a Figura 1. No seu lado esquerdo mostramos as posições A0, A1, A2, A3, ocupadas por este corpo em intervalos iguais de 1 segundo, desde o momento em que é largado (0 segundos) até atingir o solo (3 segundos). (Note que os espaços percorridos nestes intervalos são cada vez maiores pois a velocidade está crescendo continua­mente).

Text Box:  Figura 1
Figura 1

Já no lado direito da mesma figura, indicamos as posições B0, B1, B2, B3, ocupadas, nos mesmos instantes de tempo por um outro corpo que foi projetado horizontalmente, a partir da mesma altura, com a velocidade inicial de 10 m/s.

Observamos que:

  • no fim de um mesmo intervalo de tempo os dois corpos encontram-se na mesma altura; isto é, caíram a mesma distância, embora, somente um deles o tenha feito em linha reta;
  • o corpo que foi projetado horizontalmente continua caminhando nesta direção, com a mesma velocidade de 10 m/s.

Veja que ele está a 10 metros à direita da posição inicial no fim de 1 segundo, 20 m no fim de 2 segundos, 30 m no fim de 3 segundos, etc..

  • Podemos ir da posição inicial B0, para a posição B1 (1 segundo depois), num processo que envolve duas etapas: primeiro andamos 10 metros em 1 segundo na direção horizontal até atingir o ponto C1, e depois caímos de C1 até B1, durante o mesmo tempo, como se a velocidade inicial fosse nula. Da mesma maneira podemos ir de B0, até B2, indo primeiro até C2, mantendo constante a velocidade inicial (20 metros em 2 segundos), e depois caindo durante 2 segundos até atingir a posição B2. Desta maneira o movimento sempre pode ser dividido em duas partes percorridas no mesmo tempo: uma horizontalmente com a mesma velocidade inicial e a outra caindo, a partir do repouso, na direção vertical (notemos que o tempo de queda é o mesmo para qualquer valor da velocidade horizontal; o alcance de um projétil disparado horizontalmente aumenta com a velocidade porque no mesmo tempo ele caminha uma distância maior).

Para compreender a órbita circular do nosso satélite é importante ter em mente que a Figura 1 só é boa para descrever o movimento dos corpos projetados em baixa velocidade; e isto por duas boas razões. A primeira é que no caso de velocidades maiores devemos levar em conta a diminuição da velocidade horizontal devida ao atrito com o ar. A segunda, que nos interessa mais de perto no momento, é que na Figura 1 consideramos o chão como se fosse plano, com a aceleração de gravidade atuando sempre na mesma direção (vertical). Ora, se a velocidade inicial for muito alta, a distância horizontal percorrida pelo corpo pode ser suficientemente grande para que seja necessário levar em conta a curvatura da Terra. De fato, consideremos a figura 2, onde aparece um satélite projetado tangencialmente da Terra de uma altura h.

Text Box:  Figura 2
Figura 2

Notemos, primeiramente que se não houvesse a atração terrestre, o satélite se afastaria do nosso planeta, seguindo a direção B0C1. É por causa da atração da Terra que o satélite “cai” a distância C1B1, permanecendo, por causa disto, numa altura constante h acima da superfície terrestre.

É interessante comparar a Figura 2 com o lado direito da Figura 1. Nesta a superfície da Terra foi considerada como plana (o que é uma boa aproximação apenas para curtas distâncias), de modo que a velocidade inicial é paralela ao solo e a força da gravidade curva a trajetória até que este seja atingido.

Já na Figura 2, onde levamos em conta a forma esférica da Terra (por causa de alta velocidade dos satélites), a força de gravidade curva a trajetória de modo a mantê-lo numa distância constante (do contrário o satélite iria embora para sempre). A rigor, para usarmos na Figura 2 os mesmos resultados da Figura 1, o ângulo no vértice O do triângulo B0OC1 deve ser pequeno, de modo a podermos desprezar a mudança na direção da força de gravidade ao longo do arco B0B1 Deste modo, a melhor resposta para o título deste artigo deverá ser: os satélites artificiais estão sempre caindo, e é justamente por isto que sua trajetória pode ser circular.

Para encerrar este artigo vale a pena observar, ainda na Figura 2, que para manter o satélite sempre na mesma distância da Terra é preciso que este “caia” a distância C1B1 no mesmo tempo em que ele andaria o comprimento B0C1, caso a gravidade não existisse.

Não é difícil perceber que isto não é possível com qualquer valor de velocidade inicial. Na verdade, fixada uma distância da Terra, só existe um valor que corresponda a uma órbita exatamente circular. Para um movimento feito junto à superfície da Terra esta velocidade é de 7900 m/s, suficiente para dar uma volta ao longo de equador em aproximadamente 1 hora e 25 minutos.

É claro que este movimento nunca poderia ser realizado dentro da atmosfera terrestre pois a resistência do ar nesta velocidade é muito grande (suficiente para destruir o satélite por causa do calor produzido pelo atrito). Esta é a razão pela qual os satélites se movimentam em altitudes elevadas, onde a densidade da atmosfera é desprezível.

E já que estamos falando em satélites, não é justo que nos esqueçamos do nosso satélite natural: a lua.

Para aplicar estes mesmos raciocínios ao movimento lunar, basta leva em conta o fato de que a atração da Terra diminui com o quadrado da distância, razão pela qual a aceleração da gravidade na região onde está a lua é 3600 vezes menor do que na superfície da Terra. O resultado disto é que a velocidade da lua é menor do que a de um satélite artificial o que, somado com um percurso maior para dar uma volta em torno da Terra, resulta num período de 27 dias e 8 horas aproximadamente.

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