O
relato que segue foi feito por Albert Speer (1905-1981), o Arquiteto Chefe e
Ministro do Armamento do Terceiro Reich e principalmente amigo de Hitler
durante o auge do partido e a guerra. Speer
ficou 20 anos preso em Spandau prisão aliada em Berlim, e durante o tempo em
que esteve preso pode refletir quem realmente foi Hitler seu partido e suas
próprias ações como subordinado do Führer.
Na
noite de 13 de setembro de 1962 em Spandau, Albert Speer teve um pesadelo com Hitler ao
qual ele relata:
Pouco
antes de Hitler aparecer para uma visita de inspeção, eu mesmo, apesar da
dignidade de meu cargo de Ministro de Armamentos, passo a mão numa vassoura e
pessoalmente ajudo a varrer a sujeira de uma fábrica. E ao mesmo tempo
encontro-me num automóvel, tentando em vão vestir uma jaqueta que tirara para
varrer a fábrica. Em vez de entrar na manga, minha mão sempre acaba enfiada num
bolso. O carro chega e para numa praça enorme, com prédios do governo por todo
lado. Num canto já um monumento honrando
os mortos. Hitler via até lá e coloca uma coroa de flores. Entramos no saguão de mármore de um dos prédios.
Hitler indaga de um assistente: “Onde estão as coroas de flores?” E o
assistente se torna, aborrecido, para um oficial e o censura: “Você sabe muito
bem que em qualquer lugar que ele vai hoje em dia, sempre quer colocar coroas
de flores.” O uniforme deste oficial é muito leve e de um tipo de couro quase
branco. Por cima do terno ele veste um guarda-pó enfeitado com lacinhos e
bordados, mais parecendo a sobrepeliz de um coroinha ajudando missa. A coroa de flores chega. Hitler se dirige
ao lado direito do prédio, onde há mais coroas. O Führer se ajoelha e começa
uma canção melancólica, parecida com um canto gregoriano, e na qual ele repete
sem parar “Jesus, Maria”. A sala é comprida alta e de mármore; nas paredes há
muitas placas em memória de vários mortos. Cada vez mais depressa, Hitler via
colocando uma coroa de flores depois da outra. Seus assistentes quase que
tropeçam uns nos outros para lhe entregar todas as coroas que ele quer. E sua
canção triste se torna cada vez mais monótona, enquanto as coroas de flores que
vai colocando parecem nunca se acabar. Um oficial se atreve a sorrir e é
severamente censurado por seus companheiros.
A
interpretação do sonho de Speer
O pesadelo de Speer
foi interpretado no livro de Erich Fromm, “The Anatomy of Human Destructiveness
– New York: Holt, Rinehard and Winston, 1973, pg. 334.
Esse sonho é interessante por muitas razões. É um desses
sonhos no qual o sonhador se concentra mais numa outra pessoa do que em seus
próprios sentimentos e desejos. E no sonho o sonhador às vezes tem uma ideia
mais exata dessa outra pessoa do que quando está acordado. Nesse caso, Speer
expressa claramente, num estilo à la Chaplin, sua opinião sobre o caráter
necrófilo de Hitler. Ele o vê como um
homem que se dedica exclusivamente a homenagear a morte. Suas ações são,
porém, bem peculiares, totalmente mecânicas e despidas de quaisquer
sentimentos. O ato de colocar uma coroa de flores se torna um ritual
organizado, mas tão organizado a ponto de ser absurdo. Entretanto, esse mesmo
Hitler, tendo retornado às crenças religiosa de sua infância, mergulha
completamente na entonação de canções melancólicas. O sonho termina dando
ênfase à monotonia e ao modo totalmente mecanizado do ritual da dor.
No inicio do sonho, o sonhador imagina uma situação tira
da realidade da época em que era ainda era um Ministro de Estado e um homem
muito ativo e cheio de energia. Talvez a sujeira que varre seja simbólica da
sujeira que foi o regime nazista. O fato de que não consegue enfiar os braços
nas mangas da jaqueta é muito provavelmente uma expressão simbólica de seu
desejo de não mais participar desse sistema político. E isto informa a
transição para a parte central do sonho, a mais importante, na qual ele
reconhece que tudo o que resta são os
mortos e um Hitler necrófilo, mecânico e enfadonho.
Speer ficou conhecido
como o “bom nazista” por ter admitido todas as culpas e crimes cometidos, e
isso lhe custou 20 anos de prisão por ser Ministro Armamento e fazer uso de mão
de obra escrava, sendo acusado de crimes contra a humanidade. Em seu pesadelo,
chamo assim, pois não vejo nada parecido com um sonho em algo tão bizarro, ele
demonstra como um dos homens mais próximos de Hitler realmente o via em seu
subconsciente, um necrófilo, assassino que cultuava a dor e à morte.
Você quer saber mais?
SPEER, Albert. Spandau: o diário secreto. Rio de
Janeiro: Arte Nova, 1977.