"Eu sou feliz," ela mente.
Filósofo
Pascal Bruckner
O
que é felicidade? Como disse Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, a
felicidade acontece em pequenos momentos de distração. Segundo Pascal Bruckner,
filósofo, romancista e ensaísta francês, a felicidade não é algo simples e não
é possível controlar sua chegada ou seu momento de partida. Para ele, o
importante é saber reconhecê-la. “Muitas pessoas, sobretudo jovens, esperam um
destino fora do comum, e não sabem aproveitar a felicidade quando ela chega ou
estão com ela. A arte de viver talvez a esteja em aceitar as pequenas
felicidades, sem esperar uma espécie de redenção mágica que traz sofrimento”,
comenta.
Será que a felicidade obtida em
detrimento de outrem merece ser chamada de felicidade? Não poderíamos fazer da
liberdade, da justiça, da solidariedade valores mais importantes que a
felicidade propriamente dita? (Pascal Bruckner, 2014).
Autor de 15 livros, vencedor de
importantes prêmios literários europeus, doutro em Letras pela Universidade de
Paris VII, Bruckner lecionou em Nova York e em San Diego e colabora com a
Revista Nouvel Observateur. Sua obra Lua de fel foi adaptada para o cinema por
Roman Polanski. Ele visitou Porto Alegre para a conferência no Curso de Altos
Estudos Fronteiras do Pensamento, do qual a PUCRS é parceira cultural, e esteve
na Universidade, em outubro, participando do Fórum Extensionista. Na ocasião,
concedeu, com exclusividade, a seguinte entrevista à revista PUCRS.
O capitalismo transformou a felicidade
em obrigação e produto a ser consumido? Como sair desse ciclo?
A
felicidade não é simplesmente um produto que se compra. Se fosse o caso, seria
muito fácil recusar essa obrigação. A obrigação da felicidade vai além do consumismo;
é algo que está ligado à imagem que temos de nós mesmos; tem mais a ver com
construtivismo pessoal que com um simples gesto de um comprador no
supermercado. Somos então intimados a construir nós mesmos nossa felicidade,
dia a dia, do berço ao túmulo. Uma mudança do sistema econômico não mudaria
essa obrigação.
Se a pessoa cria metas que têm como fins
a felicidade, ao alcança-las corre o risco de ficar indiferente?
Sim.
Essa é a ironia da coisa. A felicidade recua à medida que procuramos alcança-la
e às vezes acontece nas coisas muito pequenas e nos escapa quando fixamos metas
grandiosas. Não há meio nenhum de prevê-la. Podemos tentar captura-la como a um
pássaro numa armadilha, mas não podemos ter certeza de que o pássaro da
felicidade vai pousar ali, mesmo que façamos todos os esforços para isso.
Muitas vezes, a preparação para a felicidade leva mais tempo que a própria
felicidade dura e, quando ela chega, estamos exaustos.
A felicidade real é muito diferente da
mostrada em redes sociais? Essa representação
que as pessoas fazem, o desejo de mostrar que são felizes, atrapalha?
É um
código de representação de si mesmo que pressupõe uma espécie de euforia
permanente, como nas eleições quando os candidatos se apresentam sempre
sorrindo, sempre simpáticos, amantes, humanos. Da mesma forma, há uma espécie de sorrir
perpetuo que habita nosso rosto hoje. Devemos todos estar bem, ser simpáticos,
estar abertos e essa evidentemente é uma linguagem puramente artificial.
É uma cultura do sorriso.
O desejo de ser feliz não é mais que uma
ideologia, não é algo intrínseco? É possível não buscar a felicidade e conviver
com essa escolha?
Penso
que o que é inerente em nós é a fuga da infelicidade, evitar a solidão, o
sofrimento, o desamparo. A felicidade não é simplesmente a ausência da
infelicidade, ela tem uma qualidade suplementar, de um momento particular da
vida. Então, ao mesmo tempo em que buscamos não ser infelizes, buscamos também
fugir do tédio. E tentamos levar uma vida mais intensa.