Todo
psicopata é, por definição, psicologicamente invencível. Por mais que você lhe mostre seus erros e prove
os seus crimes, ele continuará não só proclamando inocência, mas cantando
vitória.
O
psicopata não sente culpa, não sabe o que é o arrependimento interior, mas foge
da vergonha exterior com uma obstinação inflexível, defendendo com a ferocidade
de mil leões o único patrimônio moral que possui: o amor próprio. Aquele mesmo
amor próprio que o cristão destrói sistematicamente todos os dias ao confessar
seus pecados num tribunal interior onde o autoengano não escapa ileso, é para o
psicopata o supremo bem, a arma da qual depende para garantir sua subsistência,
sua ascensão social, seu sucesso no mundo. Mesmo pego em flagrante, exibida ante os olhos do mundo a
prova do seu crime, ele jamais admitirá: “Pequei, necessito do
perdão.” Ele jamais sofrerá interiormente por ter feito o mal, por ter
prejudicado um inocente, por ter lesado um irmão, por ter arruinado um amigo ou
atacado covardemente um inimigo pelas costas. Em vez disso, produzirá do nada os mais
extraordinários subterfúgios e racionalizações, apelando, se necessário e
possível, ao mais rebuscado e postiço arremedo de erudição, para não dar o
braço a torcer. Nenhuma lágrima de arrependimento correrá sobre a
sua face, nenhum sincero pedido de perdão brotará da sua boca.
Essa
é a reação normal de um ser humano, mesmo sem fé religiosa. A religião pode
aprimorar a consciência moral, mas só quando esta existe antes disso. Nenhuma conversão
religiosa, por si, corrigirá um psicopata. Será
preciso uma dura fiscalização externa para mantê-lo nos limites da conduta
tolerável. Ou, para mudá-lo por dentro, um milagre.
Numa
situação normal, as pessoas têm geralmente alguma defesa instintiva contra
esses indivíduos. Percebem vagamente que há neles algo de errado e, sem
acusá-los de nada, se afastam deles por precaução.
A
confusão moral generalizada no ambiente mental brasileiro, nos últimos anos,
favorece, ao contrário, a ascensão de milhares desses tipos a lugares de
destaque na sociedade: tornam-se jornalistas, professores, formadores de opinião,
não raro políticos e governantes.
Dois
fatores concorrem para o seu sucesso.
O primeiro é de ordem
neurofisiológica. Eles não têm
sentimentos morais, mas percebem os dos outros e sabem manipulá-los em vantagem
própria. Isso acontece porque, diante de situações que normalmente deveriam
tocar os seus corações, o que se ativa no seu cérebro não são as áreas
emocionais, como nas demais pessoas, e sim a área da comunicação linguística.
Com a maior facilidade, eles dissolvem a percepção moral alheia numa pasta
confusa de subterfúgios verbais que bloqueiam a certeza intuitiva e a
substituem por dúvidas e desconversas desesperadoramente artificiosas, em geral
superiores à capacidade de análise lógica do cidadão comum. Groucho Marx
satirizou a situação com a famosa tirada: “Afinal, você vai crer em mim ou nos
seus próprios olhos?”
O segundo, decorrência do
primeiro, pertence mais à sociologia. Os sentimentos morais
profundos são em geral difíceis de verbalizar. Permanecem guardados no fundo
das almas, só comunicáveis em relações de excepcional intimidade, quando um
olhar diz mais que mil palavras. Ver os seus sentimentos morais mais pessoais e
autênticos ser remexidos, contestados, esfarelados com as artes de uma lógica
infernal é, para a quase totalidade das pessoas, uma experiência atemorizante.
Daí que, se não conseguem evitar a companhia dos psicopatas mediante uma
precaução instintiva, podem acabar cedendo e se submetendo ao domínio da mente
mais agressiva, mais veloz, mais maliciosa e mais hábil.
Quando
escrevo, procuro expressar não somente o que vejo e sinto, mas o que os meus
leitores também veem e sentem. Milhares deles me enviam mensagens do tipo
"Você disse exatamente o que eu estava tentando dizer e não
conseguia." O psicopata, ao contrário, escreve para insinuar que você NÃO
SENTIU O QUE SENTIU, NÃO VIU O QUE VIU, NÃO SABE O QUE SABE. E muitas vezes
consegue mesmo instilar no cérebro das pessoas a Síndrome do Piu-Piu.
Quando
começo alguma discussão, parto do princípio de que o meu antagonista, se não é
um primor de honestidade, é pelo menos uma pessoa normal. Procuro então ater-me
ao assunto da discussão, sem reparar muito na “forma mentis” do adversário.
Meus leitores são testemunhas da atenção sem fim que dou aos argumentos de
críticos e antagonistas, mesmo quando obviamente idiotas. Já quando percebo que
o debatedor é um desequilibrado, que portanto o tema em discussão não é o
verdadeiro foco dos seus pensamentos, mas apenas o pretexto ocasional para a
busca de uma compensação neurótica ou a expressão de uma genuína fantasia
psicótica, paro imediatamente a discussão para não ferir mais fundo uma mente
que já vem ferida. Mas, se identifico nele algo de mais grave, não uma simples
doença mental, uma neurose ou psicose, e sim uma psicopatia em sentido
estrito, é preciso algo mais do que interromper um debate. É preciso
advertir à platéia que estamos todos na presença de um criminoso.