sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sem espaço, direita brasileira busca identidade.

Um nacionalista jamais esquece de seus heróis

Karla Correia

Os vinte anos de ditadura militar e os reflexos do período na sociedade brasileira, somados a uma seqüência de governos auto-intitulados "de esquerda" - em especial os dois mandatos consecutivos de Luiz Inácio Lula da Silva, marcados pela alta popularidade do chefe de governo e pela bandeira dos programas sociais - provocaram um radical encolhimento no espaço ocupado pela direita no espectro partidário do País.

Nos Estados Unidos pós-11 de setembro e na União Européia o conservadorismo voltou ao poder, duas décadas depois do emblemático ano de 1968, auge da resistência ao regime militar, em nível nacional, e dos protestos ligados a movimentos de esquerda, em todo o mundo. No Brasil, esse mesmo pensamento murchou. E empobreceu o debate político. Ao menos no que diz respeito à representação partidária, à sua presença dentro do Congresso. "De repente, ninguém é de direita, todo mundo é centro, ironiza o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos raros baluartes da chamada extrema-direita no Parlamento.

A carga pejorativa sobre a direita em comparação à celebração da esquerda seria, em parte, reflexo da ditadura militar, acredita o deputado. Direita era quem estava a favor do regime autoritário e anti-democrático. Já a esquerda ficou identificada com quem se opôs ao comando implementado pelo golpe de 1964, defendeu os direitos humanos e filosofou sobre programas sociais. Muito embora esse bloco tenha pegado em armas para lutar pela ditadura do proletariado, observa Bolsonaro.

"Esse pormenor, entretanto, é esquecido e a idéia que se passa é que os esquerdistas, na época, defendiam a democracia. Nada mais incorreto", reclama o deputado.

A mudança de nome do Partido da Frente Liberal (PFL) que, no ano passado, mudou para Democratas (DEM), ilustra a resistência que políticos brasileiros têm, hoje, em assumir uma orientação mais inclinada à direita do espectro ideológico. Mesmo mantendo intactos a estrutura partidária, ideário e principais líderes, a legenda antes conhecida como PFL mudou para se livrar da imagem ligada à direita - mais particularmente com a Arena, partido que serviu de sustentáculo do regime militar, nos anos de chumbo - e com o liberalismo. Expurgado do nome da legenda, mas ainda defendido por ela.

Para Dom Bertrand de Orleans e Bragança, membro da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Prosperidade (TFP) e coordenador do movimento Paz no Campo, contraponto ruralista ao Movimento dos Sem-Terra (MST), a transformação do PFL em DEM dá a medida do vácuo que existe na representação política do pensamento conservador. "Não há no Congresso, hoje, nenhum parlamentar que possa ser considerado como um expoente do pensamento de direita."

Segundo ele, muito dessa ausência do pensamento conservador é reflexo do que seria uma tática da esquerda de colar na direita a identificação com movimentos como o nazismo e o fascismo. "O que é uma total inverdade." "O nazismo sempre foi uma expressão do socialismo, do comunismo, um regime que matou milhões de pessoas em todo o mundo. O resultado dessa contra-propaganda de esquerda foi o gradual esvaziamento da direita na representação partidária. Os políticos hoje podem até defender a livre iniciativa, a propriedade privada e o Estado mínimo. Mas têm vergonha em assumir essas bandeiras como pensamento conservador".

Rachaduras

Se a representação política anda esvaziada, a movimentação de grupos de direita na chamada sociedade civil organizada anda bem viva, embora desunida. Rachada por uma briga entre dois grupos pelo controle da organização desde a morte de seu fundador, Plínio Corrêa de Oliveira, a TFP, tem entre suas principais bandeiras a defesa da propriedade. O que coloca a organização em posição diametralmente oposta a movimentos em defesa da reforma agrária, tópico tratado com zelo nos programas de governo do presidente Lula e também de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

A reforma agrária, contudo, é defendida pelos membros do novo movimento integralista, que ressuscitou parte do ideário do partido fundado em 1932 por Plínio Salgado, identificado com a extrema-direita durante o primeiro governo de Getúlio Vargas. Na corrente inversa da TFP, pregam a desapropriação de terras improdutivas em um ritmo muito mais intenso do que o praticado nos governos Lula e FHC, e conduzido pelos trabalhadores rurais.

"A reestruturação do modelo de produção rural é essencial para manter a paz no campo e garantir a ocupação do território nacional, preservando a soberania territorial", observa Sérgio de Vasconcellos, membro do movimento, que tem conquistado mais membros abaixo dos 30 anos. Corrente política ultra-nacionalista, o integralismo também atraiu os skinheads, que aos poucos abandonaram os emblemas nazistas para abraçar uma ideologia que consideram 100% nacional.

"Os jovens estão sem muitas referências e à cata de um rumo para seguir. Além disso, a esquerda já cumpriu seu papel histórico. As ideologias costumam obedecer a um movimento pendular e, agora, é o conservadorismo que está em ascensão. A juventude sabe interpretar esse movimento e o segue", diz Dom Bertrand. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (ligada ao PT) em 2004 parece confirmar a interpretação. O Perfil da Juventude Brasileira, divulgado um ano depois da chegada do PT ao poder, mostrou 21% dos jovens entre 15 e 24 anos declarando-se como de direita e 16%, de esquerda. Nada menos que 80% se declararam contra o aborto, 75% favoráveis à redução da idade penal para 16 anos, 81% contra a liberação do uso de maconha. E 45% disseram desconhecer o significado da palavra socialismo.

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