terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Biografia de São João da Cruz


São João da Cruz nasceu em 1542 em Fontiveros, província de Ávila, na Espanha. Seus pais se chamavam Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. Gonzalo pertencia a uma família de posses da cidade de Toledo. Por ter-se casado com uma jovem de classe “inferior” foi deserdado por seus pais e tornou-se tecelão de seda.

Em 1548, a família muda-se para Arévalo. Em 1551 transfere-se para Medina del Campo, onde o futuro reformador do Carmelo estuda numa escola destinada a crianças pobres. Por suas aptidões, torna-se empregado do diretor do Hospital de Medina del Campo. Entre 1559 a 1563 estuda Humanidades com os Jesuítas. Ingressou na Ordem dos Carmelitas aos vinte e um anos de idade, em 1563, quando recebe o nome de Frei João de São Matias, em Medina del Campo. Pensa em tornar-se irmão leigo, mas seus superiores não o permitiram. Entre 1564 e 1568 faz sua profissão religiosa e estuda em Salamanca. Tendo concluído com êxito seus estudos teológicos, em 1567 ordena-se sacerdote e celebra sua Primeira Missa.

Infelizmente, ficou muito desiludido pelo relaxamento da vida monástica em que viviam os conventos carmelitas. Decepcionado, tenta passar para a Ordem dos Cartuxos, ordem muito austera, na qual poderia viver a severidade de vida religiosa à que se sentia chamado. Em setembro de 1567 encontra-se com Santa Teresa, que lhe fala sobre o projeto de estender a Reforma da Ordem Carmelita também aos padres. O jovem de apenas vinte e cinco anos de idade aceitou o desafio. Trocou o nome para João da Cruz. No dia 28 de novembro de 1568, juntamente com Frei Antônio de Jesús Heredia, inicia a Reforma. O desejo de voltar à mística religiosidade do deserto custou ao santo fundador maus tratos físicos e difamações. Em 1577 foi preso por oito meses no cárcere de Toledo. Nessas trevas exteriores acendeu-se-lhe a chama de sua poesia espiritual. “Padecer e depois morrer” era o lema do autor da “Noite Escura da alma”, da “Subida do monte Carmelo”, do “Cântico Espiritual” e da “Chama de amor viva”.

A doutrina de João da Cruz é plenamente fiel à antiga tradição: o objetivo do homem na terra é alcançar “Perfeição da Caridade e elevar-se à dignidade de filho de Deus pelo amor”; a contemplação não é um fim em si mesma, mas deve conduzir ao amor e à união com Deus pelo amor e, por último, deve levar à experiência dessa união à qual tudo se ordena”. “Não há trabalho melhor nem mais necessário que o amor”, disse o Santo. “Fomos feitos para o amor”. “O único instrumento do qual Deus se serve é o amor”. “Assim como o Pai e o Filho estão unidos pelo amor, assim o amor é o laço da união da alma com Deus”.

O amor leva às alturas da contemplação, mas como o amor é produto da fé, que é a única ponte que pode salvar o abismo que separa a nossa inteligência do infinito de Deus, a fé ardente e vívida é o princípio da experiência mística. João da Cruz costuma pedir a Deus três coisas: que não deixasse passar um só dia de sua vida sem enviar-lhe sofrimentos, que não o deixasse morrer ocupando o cargo de superior e que lhe permitisse morrer humilhado e desprezado.

Faleceu no convento de Ubeda, aos quarenta e nove anos, no dia 14 de dezembro de 1591, após três meses de sofrimentos atrozes. A primeira edição de suas obras deu-se em Alcalá, em 1618. No dia 25 de janeiro de 1675 foi beatificado por Clemente X. Foi canonizado e declarado Doutor da Igreja por Pio XI . Em 1952 foi proclamado “Patrono dos Poetas Espanhóis”.

A Doutrina da Cruz segundo São João da Cruz

"Quão estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida. Poucos são os que o encontram. Devemos observar bem a ênfase dada à partícula 'quão', pois é como se dissesse 'na verdade é muito estreita, mais do que podeis imaginar...' Essa via ao alto monte da perfeição, exige viajantes que não levem fardos que os façam pender para baixo... Já que se tem o propósito de somente buscar e alcançar a Deus, somente a ele se há de buscar e alcançar de fato! Instruindo-nos e incitando-nos nesse caminho, Jesus Cristo proferiu essa doutrina tão admirável e, receio dizer, tanto menos praticada pelas amas (que se sentem atraídas à vida espiritual) quanto mais necessária!

'Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, irá perdê-la; mas o que perder a sua vida por causa de mim e do evangelho, irá salvá-la'.

Oh! Quem poderia aqui agora dar a entender, praticar e saborear este conselho!... aniquilação de toda a suavidade em Deus... aridez... tédio... sofrimentos... eis a pura cruz espiritual e a nudez do espírito pobre, segundo Jesus. O verdadeiro espírito antes procura em Deus a amargura que as delícias, prefere o sofrimento ao consolo, a privação ao gozo, a aridez e as aflições às doces comunicações celestes, sabendo que isto é seguir a Cristo e renunciar-se. Agir de outro modo é buscar-se a si mesmo em Deus, o que é muito contrário ao amor. Buscar a Deus nele mesmo... é inclinar-se a escolher, por amor a Cristo, tudo quanto há de mais áspero, seja de Deus, seja do mundo". A renúncia, segundo a vontade divina, consiste em "morrer para sua natureza... aniquilando-a... em tudo quanto a vontade julga ser valioso na ordem temporal, natural e espiritual... Quem assim tomar a cruz sobre si experimentará o jugo suave e o fardo leve, encontrando em todas as coisas grande alívio e suavidade... Quando a alma ficar desfeita em nada - isto é, a suprema humildade - estará realizada a união espiritual entre a alma e Deus... união que consiste numa viva morte de cruz, sensitiva e espiritual, interior e exterior".


S. João da Cruz, Subida ao Monte Carmelo, Livro II.

domingo, 8 de janeiro de 2017

São João da Cruz, conhecido como doutor místico


Nasceu em Fontiveros, na Espanha, em 1542. Seus pais, Gonçalo e Catarina, eram pobres tecelões. Gonçalo morreu cedo e a viúva teve de passar por dificuldades enormes para sustentar os três filhos: Francisco, João e Luís, sendo que este último morreu quando ainda era criança. Como João de Yepes (era este o seu nome de batismo) mostrou-se inclinado para os estudos, a mãe o enviou para o Colégio da Doutrina. Em 1551, os padres jesuítas fundaram um colégio em Medina (centro comercial de Castela). Nele, esse grande santo estudou Ciências Humanas.
Com 21 anos, sentiu o chamado à vida religiosa e entrou na Ordem Carmelita, na qual pediu o hábito. Nos tempos livres, gostava de visitar os doentes nos hospitais, servindo-os como enfermeiro. Ocasião em que passou a ser chamado de João de Santa Maria. Devido ao talento e à virtude, rapidamente foi destinado para o colégio de Santo André, pertencente à Ordem, em Salamanca, ao lado da famosa Universidade. Ali estudou Artes e Teologia. Foi nesse colégio nomeado de “prefeito dos estudantes”, o que indica o seu bom aproveitamento e a estima que os demais tinham por ele. Em 1567 foi ordenado sacerdote.
Desejando uma disciplina mais rígida, São João da Cruz quase saiu da Ordem para ir ingressar na Ordem dos Cartuxos, mas, felizmente, encontrou-se com a reformadora dos Carmelos, Santa Teresa D’Ávila, a qual havia recebido autorização para a reforma dos conventos masculinos. João, empenhado na reforma, conheceu o sofrimento, as perseguições e tantas outras resistências. Chegou a ficar nove meses preso num convento em Toledo, até que conseguiu fugir. Dessa forma, o santo espanhol transformou, em Deus e por Deus, todas as cruzes num meio de santificação para si e para os irmãos. Três coisas pediu e acabou recebendo de Deus: primeiro: força para trabalhar e sofrer muito; segundo: não sair deste mundo como superior de uma comunidade; e terceiro: morrer desprezado e escarnecido pelos homens.
Pregador, místico, escritor e poeta, esse grande santo da Igreja faleceu após uma penosíssima enfermidade, em 1591, com 49 anos de idade. Foi canonizado no ano de 1726 e, em 1926, o Papa Pio XI o declarou Doutor da Igreja. Escreveu obras bem conhecidas como: Subida do Monte Carmelo; Noite escura da alma (estas duas fazem parte de um todo, que ficou inacabado); Cântico espiritual e Chama viva de amor. No decurso delas, o itinerário que a alma percorre é claro e certeiro. Negação e purificação das suas desordens sob todos os aspectos.
São João da Cruz é o Doutor Místico por antonomásia, da Igreja, o representante principal da sua mística no mundo, a figura mais ilustre da cultura espanhola e uma das principais da cultura universal. Foi adotado como Patrono da Rádio, pois, quando pregava, a sua voz chegava muito longe.

Carta Encíclica Humani Generis

CARTA ENCÍCLICA
HUMANI GENERIS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII 
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES, 
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR 
EM PAZ E COMUNHÃO 
COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE OPINIÕES FALSAS QUE
AMEAÇAM A DOUTRINA CATÓLICA


INTRODUÇÃO
1. As dissensões e erros do gênero humano em questões religiosas e morais têm sido sempre fonte e causa de intensa dor para todas as pessoas de boa vontade e, principalmente, para os filhos fiéis e sinceros da Igreja; mas, de maneira especial, o continuam sendo hoje em dia, quando vemos combatidos até os próprios princípios da cultura cristã.
2. Não é de admirar que haja constantemente discórdias e erros fora do redil de Cristo. Pois, embora possa realmente a razão humana com suas forças e sua luz natural chegar de forma absoluta ao conhecimento verdadeiro e certo de Deus, único e pessoal, que sustém e governa o mundo com sua providência, bem como ao conhecimento da lei natural, impressa pelo Criador em nossas almas, entretanto, não são poucos os obstáculos que impedem a razão de fazer uso eficaz e frutuoso dessa sua capacidade natural. De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus transcendem por completo a ordem dos seres sensíveis e, quando entram na prática da vida e a enformam, exigem o sacrifício e a abnegação própria. Ora, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, já pela ação dos sentidos e da imaginação, já pelas más inclinações, nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.
3. Por isso deve-se defender que a revelação divina é moralmente necessária para que, mesmo no estado atual do gênero humano, todos possam conhecer com facilidade, com firme certeza e sem nenhum erro, as verdades religiosas e morais que não são por si inacessíveis à razão.[1]
4. Ademais, por vezes, pode a mente humana encontrar dificuldade mesmo para formar juízo certo sobre a credibilidade da fé católica, não obstante os múltiplos e admiráveis indícios externos ordenados por Deus para se poder provar certamente, por meio deles, a origem divina da religião cristã, exclusivamente com a luz da razão. Isso ocorre porque o homem, levado por preconceitos, ou instigado pelas paixões e pela má vontade, não só pode negar a evidência desses sinais externos, mas também resistir às inspirações sobrenaturais que Deus infunde em nossas almas.

I. FALSAS DOUTRINAS ATUALMENTE EM VOGA
5. Se olharmos para fora do redil de Cristo, facilmente descobriremos as principais direções que seguem não poucos dos homens de estudo. Uns admitem sem discrição nem prudência o sistema evolucionista, que até no próprio campo das ciências naturais não foi ainda indiscutivelmente provado, pretendendo que se deve estendê-lo à origem de todas as coisas, e com ousadia sustentam a hipótese monista e panteísta de um mundo submetido a perpétua evolução. Dessa hipótese se valem os comunistas para defender e propagar seu materialismo dialético e arrancar das almas toda noção de Deus.
6. As falsas afirmações de semelhante evolucionismo pelas quais se rechaça tudo o que é absoluto, firme e imutável, vieram abrir o caminho a uma moderna pseudo-filosofia que, em concorrência contra o idealismo, o imanentismo e o pragmatismo, foi denominada existencialismo, porque nega as essências imutáveis das coisas e não se preocupa mais senão com a "existência" de cada uma delas.
7. Existe igualmente um falso historicismo, que se atém só aos acontecimentos da vida humana e, tanto no campo da filosofia como no dos dogmas cristãos, destrói os fundamentos de toda verdade e lei absoluta.
8. Em meio a tanta confusão de opiniões nos é de algum consolo ao ver os que hoje, não raramente, abandonando as doutrinas do racionalismo em que haviam sido educados, desejam voltar aos mananciais da verdade revelada e reconhecer e professar a palavra de Deus conservada na Sagrada Escritura como fundamento da ciência sagrada. Contudo, ao mesmo tempo, lamentamos que não poucos desses, quanto mais firmemente aderem à palavra de Deus, tanto mais rebaixam o valor da razão humana; e quanto mais entusiasticamente enaltecem a autoridade de Deus revelador, tanto mais asperamente desprezam o magistério da Igreja, instituído por nosso Senhor Jesus Cristo para defender e interpretar as verdades reveladas. Esse modo de proceder não só está em contradição aberta com a Sagrada Escritura, como ainda pela experiência se mostra equívoco. Tanto é assim que os próprios "dissidentes" com freqüência se lamentam publicamente da discórdia que entre eles reina em questões dogmáticas, a tal ponto que se vêem obrigados a confessar a necessidade de um magistério vivo.

II. INFILTRAÇÃO DESSES ERROS NO PENSAMENTO CATÓLICO
9. Os teólogos e filósofos católicos, que têm o grave encargo de defender e imprimir nas almas dos homens as verdades divinas e humanas, não devem ignorar nem desatender essas opiniões que, mais ou menos, se apartam do reto caminho. Pelo contrário, é necessário que as conheçam bem; pois não se podem curar as enfermidades antes de serem bem conhecidas; ademais, nas mesmas falsas afirmações se oculta por vezes um pouco de verdade; e, por fim, essas opiniões falsas incitam a mente a investigar e ponderar com maior diligência algumas verdades filosóficas ou teológicas.
10. Se nossos filósofos e teólogos somente procurassem tirar esse fruto daquelas doutrinas, estudando-as com cautela, não teria motivo para intervir o magistério da Igreja. Embora saibamos que os doutores católicos em geral evitam contaminar-se com tais erros, consta-nos, entretanto, que não faltam hoje os que, como nos tempos apostólicos, amando a novidade mais do que o devido e também temendo que os tenham por ignorantes dos progressos da ciência, intentam subtrair-se à direção do sagrado Magistério e, por esse motivo, acham-se no perigo de apartar-se insensivelmente da verdade revelada e fazer cair a outros consigo no erra.
11. Existe também outro perigo, que é tanto mais grave quanto se oculta sob a capa de virtude. Muitos, deplorando a discórdia do gênero humano e a confusão reinante nas inteligências dos homens e guiados por imprudente zelo das almas, sentem-se levados por interno impulso e ardente desejo a romper as barreiras que separam entre si as pessoas boas e honradas; e propugnam uma espécie de "irenismo" que, passando por alto as questões que dividem os homens, se propõe não somente a combater em união de forças contra o ateísmo avassalaste, senão também a reconciliar opiniões contrárias, mesmo no campo dogmático. E, como houve antigamente os que se perguntavam se a apologética tradicional da Igreja constituía mais impedimento do que ajuda para ganhar almas a Cristo, assim também não faltam agora os que se atreveram a propor seriamente a dúvida de que talvez seja conveniente não só aperfeiçoar mas também reformar completamente a teologia e o método que atualmente, com aprovação eclesiástica, se emprega no ensino teológico, a fim de que se propague mais eficazmente o reino de Cristo em todo o mundo, entre os homens de todas as civilizações e de todas as opiniões religiosas.
12. Se tais propugnadores não pretendessem mais do que acomodar, com alguma renovação, o ensino eclesiástico e seus métodos às condições e necessidades atuais, não haveria quase nada que temer; contudo, alguns deles, arrebatados por imprudente "irenismo", parecem considerar como óbice para restabelecer a unidade fraterna justamente aquilo que se fundamenta nas próprias leis e princípios legados por Cristo e nas instituições por ele fundadas, ou o que constitui a defesa e o sustentáculo da integridade da fé, com a queda do qual se uniriam todas as coisas, sim, mas somente na comum ruína.
13. Os que, ou por repreensível desejo de novidade, ou por algum motivo louvável, propugnam essas novas opiniões, nem sempre as propõem com a mesma intensidade, nem com a mesma clareza, nem com idênticos termos, nem sempre com unanimidade de pareceres; o que hoje ensinam alguns mais encobertamente, com certas cautelas e distinções, outros mais audazes propalarão amanhã abertamente e sem limitações, com escândalo de muitos, em especial do clero jovem, e com detrimento da autoridade eclesiástica. Mais cautelosamente é costume tratar dessas matérias nos livros que são postos à publicidade, já com maior liberdade se fala nos folhetos distribuídos privadamente e nas conferências e reuniões. E não se divulgam somente estas doutrinas entre os membros de um e outro clero, nos seminários e institutos religiosos, mas também entre os seculares, principalmente aqueles que se dedicam ao ensino da juventude.

III. CONSEQÜÊNCIAS
1. Desprezo da teologia escolástica
14. Quanto à teologia, o que alguns pretendem é diminuir o mais possível o significado dos dogmas e libertá­los da maneira de exprimi-los já tradicional na Igreja, e dos conceitos filosóficos usados pelos doutores católicos, a fim de voltar, na exposição da doutrina católica, às expressões empregadas pela Sagrada Escritura e pelos santos Padres. Esperam que, desse modo, o dogma, despojado de elementos que chamam extrínsecos à revelação divina, possa comparar-se frutuosamente com as opiniões dogmáticas dos que estão separados da unidade da Igreja, e que, por esse caminho, se chegue pouco a pouco à assimilação do dogma católico e das opiniões dos dissidentes.
15. Reduzindo a doutrina católica a tais condições, crêem que se abre também o caminho para obter, segundo exigem as necessidades atuais, que o dogma seja formulado com as categorias da filosofia moderna, quer se trate do imanentismo, ou do idealismo, ou do existencialismo, ou de qualquer outro sistema. Alguns mais audazes afirmam que isso se pode e se deve fazer também em virtude de que, segundo eles, os mistérios da fé nunca se podem expressar por conceitos plenamente verdadeiros, mas só por conceitos aproximativos e que mudam continuamente, por meio dos quais a verdade se indica, é certo, mas também necessariamente se desfigura. Por isso não pensam ser absurdo, mas antes, pelo contrário, crêem ser de todo necessário que a teologia, conforme os diversos sistemas filosóficos que no decurso do tempo lhe servem de instrumento, vá substituindo os antigos conceitos por outros novos; de sorte que, de maneiras diversas e até certo ponto opostas, porém, segundo eles, equivalentes, faça humanas aquelas verdades divinas. Acrescentam que a história dos dogmas consiste em expor as várias formas que sucessivamente foi tomando a verdade revelada, de acordo com as várias doutrinas e opiniões que através dos séculos foram aparecendo.
16. Pelo que foi dito é evidente que tais esforços não somente levam ao relativismo dogmático, mas já de fato o contém, pois o desprezo da doutrina tradicional e de sua terminologia favorece tal relativismo e o fomenta. Ninguém ignora que os termos empregados, tanto no ensino da teologia como pelo próprio magistério da Igreja, para expressar tais conceitos podem ser aperfeiçoados e enriquecidos. É sabido também que a Igreja não foi sempre constante no uso dos mesmos termos. Ademais, é evidente que a Igreja não se pode ligar a qualquer efêmero sistema filosófico; entretanto, as noções e os termos que os doutores católicos, com geral aprovação, foram compondo durante o espaço de vários séculos para chegar a obter alguma inteligência do dogma não se assentam, sem dúvida, sobre bases tão escorregadias. Fundam-se realmente em princípios e noções deduzidas do verdadeiro conhecimento das coisas criadas; dedução realizada à luz da verdade revelada, que, por meio da Igreja, iluminava, como uma estrela, a mente humana. Por isso, não há que admirar terem sido algumas dessas noções não só empregadas mas também sancionadas por concílios ecumênicos; de sorte que não é lícito apartar-se delas.
17. Abandonar, pois, ou repelir, ou negar valor a tantas e tão importantes noções e expressões que homens de talento e santidade não comuns, com esforço multissecular, sob a vigilância do sagrado magistério e com a luz e guia do Espírito Santo, conceberam, expressaram e aperfeiçoaram para exprimir as verdades da fé cada vez com maior exatidão, e substituí-las por noções hipotéticas e expressões flutuantes e vagas de uma filosofia moderna que, assim como a flor do campo, hoje existe e amanhã cairá, não só é de suma imprudência, mas também converte o dogma numa cana agitada pelo vento. O desprezo dos termos e noções que os teólogos escolásticos costumam empregar leva naturalmente a abalar a teologia especulativa, a qual, por fundar-se em razões teológicas, eles julgam carecer de verdadeira certeza.
2. Desprezo do magistério da Igreja
18. Desgraçadamente, esses amigos de novidades facilmente passam do desprezo da teologia escolástica ao pouco caso e até mesmo ao desprezo do próprio magistério da Igreja, que tanto prestígio tem dado com a sua autoridade àquela teologia. Apresentam este magistério como empecilho ao progresso e obstáculo à ciência; e já existem acatólicos que o consideram como freio injusto, que impede alguns teólogos mais cultos de renovar a teologia. Embora este sagrado magistério, em questões de fé e moral, deva ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade (visto que a ele confiou nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina), contudo, por vezes se ignora, como se não existisse, a obrigação que têm todos os fiéis de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam mais ou menos da heresia e, portanto, de observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões. [2] Alguns há que de propósito desconhecem tudo quanto os sumos pontífices expuseram nas encíclicas sobre o caráter e a constituição da Igreja, a fim de fazer prevalecer um conceito vago, que eles professam e dizem ter tirado dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os sumos pontífices, dizem eles, não querem dirimir questões disputadas entre os teólogos; e, assim, cumpre voltar às fontes primitivas e explicar com os escritos dos antigos as modernas constituições e decretos do magistério.
19. Esse modo de falar pode parecer eloqüente, mas não carece de falácia. Pois é verdade que os romanos pontífices em geral concedem liberdade aos teólogos nas questões controvertidas entre os mais acreditados doutores; porém, a história ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre discussão já não podem ser discutidas.
20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10, 16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.
21. Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da revelação; pois, a eles cabe indicar de que maneira "se encontra, explícita ou implicitamente" na Sagrada Escritura e na divina Tradição o que ensina o magistério vivo. Ademais, ambas as fontes da doutrina revelada contêm tantos e tão sublimes tesouros de verdade que nunca realmente se esgotarão. Por isso, com o estudo das fontes sagradas rejuvenescem continuamente as sagradas ciências; ao passo que, pelo contrário, a especulação que deixa de investigar o depósito da fé se torna estéril, como vemos pela experiência. Entretanto, isto não autoriza a fazer da teologia, mesmo da chamada positiva, uma ciência meramente histórica. Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à sua Igreja o magistério vivo para esclarecer também e salientar o que no depósito da fé não se acha senão obscura e como que implicitamente. E o divino Redentor não confiou a interpretação autêntica desse depósito a cada um dos fiéis, nem mesmo aos teólogos, mas exclusivamente ao magistério da Igreja. Se a Igreja exerce esse múnus (como o tem feito com freqüência no decurso dos séculos pelo exercício, quer ordinário, quer extraordinário desse mesmo ofício), é evidentemente falso o método que pretende explicar o claro pelo obscuro; antes, pelo contrário, faz-se mister que todos sigam a ordem inversa. Eis porque nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, ao ensinar que é dever nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou aquelas palavras; "com o mesmo sentido com o qual foi definida pela Igreja".[3]
3. Desprezo das Sagradas Escrituras
22. Voltando às novas teorias de que acima tratamos, alguns há que propõem ou insinuam nos ânimos muitas opiniões que diminuem a autoridade divina da Sagrada Escritura. Pois atrevem-se a adulterar o sentido das palavras com que o concílio Vaticano define que Deus é o autor da Sagrada Escritura, e renovam uma teoria já muitas vezes condenada, segundo a qual a inerrância da Sagrada Escritura se estende unicamente aos textos que tratam de Deus mesmo, ou da religião, ou da moral. Ainda mais, sem razão falam de um sentido humano da Bíblia, sob o qual se oculta o sentido divino, que é, segundo eles, o único infalível. Na interpretação da Sagrada Escritura não querem levar em consideração a analogia da fé nem a tradição da Igreja; de modo que a doutrina dos santos Padres e do Sagrado magistério deveria ser aferida por aquela das Sagradas Escrituras explicadas pelos exegetas de modo puramente humano; o que seria preferível a expor a sagrada Escritura conforme a mente da Igreja, que foi constituída por nosso Senhor Jesus Cristo guarda e intérprete de todo o depósito das verdades reveladas.
23. Além disso, o sentido literal da Sagrada Escritura e sua exposição, que tantos e tão exímios exegetas, sob a vigilância da Igreja, elaboraram, deve ceder lugar, segundo essas falsas opiniões, a uma nova exegese a que chamam simbólica ou espiritual; por meio dela, os livros do Antigo Testamento, que seriam atualmente na Igreja uma fonte fechada e oculta, se abririam finalmente para todos. Dessa maneira, afirmam, desaparecerão todas as dificuldades que somente encontram os que se atêm ao sentido literal das Escrituras.
24. Todos vêem quanto se afastam essas opiniões dos princípios e normas de hermenêutica justamente estabelecidos por nossos predecessores de feliz memória, Leão XIII, na encíclica Providentissimus, e Bento XV, na encíclica Spiritus Paraclitus, e também por nós mesmo, na encíclica Divino Afflante Spiritu.
4 . Erros subseqüentes
25. E não há que admirar terem essas novidades produzido frutos venenosos em quase todos os capítulos da teologia. Põe-se em dúvida que a razão humana, sem o auxílio da divina revelação e da graça divina, possa demonstrar a existência de Deus pessoal, com argumentos tirados das coisas criadas; nega-se que o mundo tenha tido princípio e afirma-se que a criação do mundo é necessária, pois procede da necessária liberalidade do amor divino; nega-se também a Deus a presciência eterna e infalível das ações livres dos homens; opiniões de todo contrárias às declarações do concílio Vaticano.[4]
26. Alguns também põem em discussão se os anjos são pessoas; e se a matéria difere essencialmente do espírito. Outros desvirtuam o conceito de gratuidade da ordem sobrenatural, sustentando que Deus não pode criar seres inteligentes sem ordená-los e chamá-los à visão beatífica. E não só isso, mas, ainda, passando por cima das definições do concílio de Trento, destrói-se o conceito de pecado original juntamente com o de pecado em geral, como ofensa a Deus, e também o da satisfação que Cristo ofereceu por nós. Nem faltam os que defendem que a doutrina da transubstanciação, baseada como está num conceito filosófico já antiquado de substância, deve ser corrigida; de maneira que a presença real de Cristo na santíssima eucaristia se reduza a um simbolismo, no qual as espécies consagradas não são mais do que sinais externos da presença espiritual de Cristo e de sua união íntima com os féis, membros seus no corpo místico.
27. Alguns não se consideram obrigados a abraçar a doutrina que há poucos anos expusemos numa encíclica e que está fundamentada nas fontes da revelação, segundo a qual o corpo místico de Cristo e a Igreja católica romana são uma mesma coisa.[5] Outros reduzem a uma fórmula vã a necessidade de pertencer à Igreja verdadeira para conseguir a salvação eterna. E outros, malmente, não admitem o caráter racional da credibilidade da fé cristã.
28. Sabemos que esses e outros erros semelhantes serpenteiam entre alguns filhos nossos, desviados pelo zelo imprudente ou pela falsa ciência; e nos vemos obrigado a repetir-lhes, com tristeza, verdades conhecidíssimas e erros manifestos, e a indicar-lhes, não sem ansiedade, os perigos de erro a que se expõem.
5. Desprezo da filosofia escolástica
29. É coisa sabida o quanto estima a Igreja a humana razão, à qual compete demonstrar com certeza a existência de Deus único e pessoal, comprovar invencivelmente os fundamentos da própria fé cristã por meio de suas notas divinas, expressar de maneira conveniente a lei que o Criador imprimiu nas almas dos homens, e, por fim, alcançar algum conhecimento, por certo frutuosíssimo, dos mistérios.[6] Mas a razão somente poderá exercer tal oficio de modo apto e seguro se tiver sido cultivada convenientemente, isto é, se houver sido nutrida com aquela sã filosofia, que é já como que um patrimônio herdado das precedentes gerações cristãs e que por conseguinte goza de uma autoridade de ordem superior, porquanto o próprio Magistério da Igreja utilizou os seus princípios e os seus fundamentais assertos, manifestados e definidos lentamente por homens de grande talento, para comprovar a mesma revelação divina. Essa filosofia, reconhecida e aceita pela Igreja, defende o verdadeiro e reto valor do conhecimento humano, os inconcussos princípios metafísicos, a saber, os da razão suficiente, causalidade e finalidade, e a posse da verdade certa e imutável.
30. É verdade que em tal filosofia se expõem muitas coisas que, nem direta, nem indiretamente, se referem à fé ou aos costumes, e que, por isso mesmo, a Igreja deixa à livre disputa dos peritos; entretanto, em outras muitas não existe tal liberdade, principalmente no que diz respeito aos princípios e aos fundamentais assertos que há pouco recordamos. Mesmo nessas questões fundamentais pode-se revestir a filosofia com mais aptas e ricas vestes, reforçá-la com mais eficazes expressões, despojá-la de certos modos escolares menos adequados, enriquecê-la com cautela com certos elementos do progressivo pensamento humano; contudo, jamais é licito derrubá-la ou contaminá-la com falsos princípios, ou estimá-la como um grande monumento, mas já fora de moda. Pois a verdade e sua expressão filosófica não podem mudar com o tempo, principalmente quando se trata dos princípios que a mente humana conhece por si mesmos, ou daqueles juízos que se apóiam tanto na sabedoria dos séculos como no consenso e fundamento da revelação divina. Qualquer verdade que a mente humana, procurando com retidão, descobre não pode estar em contradição com outra verdade já alcançada, pois Deus, verdade suprema, criou e rege a humana inteligência, de tal modo que não opõe cada dia novas verdades às já adquiridas, mas, apartados os erros que porventura se tiverem introduzido, edifica a verdade sobre a verdade, de forma tão ordenada e orgânica como vemos estar constituída a própria natureza da qual se extrai a verdade. Por esse motivo o cristão, seja filósofo, seja teólogo, não abraça apressada e levianamente qualquer novidade que no decurso do tempo se proponha, mas deve sopesá-la com suma diligência e submetê-la a justo exame a fim de que não venha perder a verdade já adquirida ou a corrompa, com grave perigo e detrimento da mesma fé.
31. Se tudo quanto expusemos for bem considerado, facilmente se compreenderá porque a Igreja exige que os futuros sacerdotes sejam instruídos nas disciplinas filosóficas,  segundo o método, a doutrina e os princípios do Doutor Angélico,[7]visto que, através da experiência de muitos séculos, conhece perfeitamente que o método e o sistema do Aquinate se distinguem por seu valor singular, tanto para a educação dos jovens quanto para a investigação das mais recônditas verdades, e que sua doutrina está afinada como que em uníssono com a divina revelação e é eficacíssima para assegurar os fundamentos da fé e para recolher de modo útil e seguro os frutos do são progresso.[8]
32. E, pois, altamente deplorável que hoje em dia desprezem alguns a filosofia que a Igreja aceitou e aprovou, e que, imprudentemente, a tachem de antiquada em suas formas e racionalística, como dizem, em seus processos. Pois afirmam que essa nossa filosofa defende erroneamente a possibilidade de uma metafísica absolutamente verdadeira, ao passo que eles sustentam, contrariamente, que as verdades, principalmente as transcendentes, só podem ser expressas por doutrinas divergentes que mutuamente se completam, embora pareçam opor-se entre si. Pelo que, concedem que a filosofia ensinada em nossas escolas, com a lúcida exposição e solução dos problemas, com a exata precisão de conceitos e com as claras distinções, pode ser conveniente preparação ao estudo da teologia, como de fato o foi adaptando-se perfeitamente à mentalidade medieval; crêem, porém, que não é o método que corresponde à cultura e às necessidades modernas. Acrescentam, ainda, que a filosofia perene é só a filosofia das essências imutáveis, enquanto a mente moderna deve considerar a "existência" de cada um dos seres e a vida em sua fluência contínua. E, ao desprezarem esta filosofia, enaltecem outras, antigas ou modernas, orientais ou ocidentais, de forma tal a parecer insinuar que toda filosofia ou doutrina opinável, com o acréscimo de algumas correções ou complementos, se for necessário, harmonizar-se-á com o dogma católico; o que nenhum fiel pode duvidar seja de todo falso, principalmente quando se trata dos errôneos sistemas chamados imanentismo, ou idealismo, ou materialismo, seja histórico, seja dialético, ou também existencialismo, tanto no caso de defender o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico.
33. Por fim, acusam a filosofia ensinada em nossas escolas do defeito de atender só à inteligência no processo do conhecimento, sem levar em conta o papel da vontade e dos sentimentos. O que certamente não é verdade; de fato, a filosofia cristã jamais negou a utilidade e a eficácia das boas disposições de toda alma para conhecer e abraçar plenamente os princípios religiosos e morais; ainda mais, sempre ensinou que a falta de tais disposições pode ser a causa de que o entendimento, sufocado pelas paixões e pela má vontade, se obscureça a ponto de não mais ver como convém. E o Doutor Comum crê que o entendimento é capaz de perceber de certo modo os mais altos bens correspondentes à ordem moral, tanto natural como sobrenatural, enquanto experimentar no íntimo certa afetiva "conaturalidade" com esses mesmos bens, seja ela natural, seja fruto da graça; [9] e claro está quanto esse conhecimento, por assim dizer, subconsciente, ajuda as investigações da razão. Porém, uma coisa é reconhecer a força dos sentimentos para auxiliar a razão a alcançar conhecimento mais certo e mais seguro das realidades morais, e outra o que intentam esses inovadores, isto é, atribuir às faculdades volitiva e afetiva certo poder de intuição, e afirmar que o homem, quando, pelo exercício da razão, não pode discernir o que deva abraçar como verdadeiro, recorra à vontade, mediante a qual escolherá livremente entre as opiniões opostas, com inaceitável mistura de conhecimento e de vontade.
34. Nem há que admirar se ponham em perigo, com essas novas opiniões, as duas disciplinas filosóficas que, pela sua própria natureza, estão estreitamente relacionadas com a doutrina católica, a saber, a teodicéia e a ética, cuja função acreditam não seja demonstrar coisa alguma acerca de Deus ou de qualquer outro ser transcendente, mas antes mostrar que os ensinamentos da fé sobre Deus, ser pessoal, e seus preceitos, estão inteiramente de acordo com as necessidades da vida e que por isso mesmo todos devem aceitá-los para evitar a desesperação e obter a salvação eterna; tudo isso está em oposição aberta aos documentos de nossos predecessores Leão XIII e Pio X e não se pode conciliar com os decretos do concílio Vaticano. Não haveria, certamente, tais desvios da verdade que deplorar se também no terreno filosófico todos olhassem com a devida reverência ao magistério da Igreja, ao qual compete, por divina instituição, não só custodiar e interpretar o depósito da verdade revelada, mas também vigiar sobre as disciplinas filosóficas para que os dogmas católicos não sofram dano algum da parte das opiniões não corretas.
6. Erros relativos a certas ciências positivas
35. Resta-nos agora dizer algo acerca de algumas questões que, embora pertençam às disciplinas a que é costume chamar positivas, entretanto, se entrelaçam mais ou menos com as verdades da fé cristã. Não poucos rogam insistentemente que a religião católica tenha em máxima conta a tais ciências; o que é certamente digno de louvor quando se trata de fatos na realidade demonstrados, mas que hão de admitir-se com cautela quando se trata de hipóteses, ainda que de algum modo apoiadas na ciência humana, que tocam a doutrina contida na sagrada Escritura ou na tradição. Se tais conjecturas opináveis se opõem direta ou indiretamente à doutrina que Deus revelou, então esses postulados não se podem admitir de modo algum.
36. Por isso o magistério da Igreja não proíbe que nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus), segundo o estágio atual das ciências humanas e da sagrada teologia, de modo que as razões de uma e outra opinião, isto é, dos que defendem ou impugnam tal doutrina, sejam ponderadas e julgadas com a devida gravidade, moderação e comedimento, contanto que todos estejam dispostos a obedecer ao ditame da Igreja, a quem Cristo conferiu o encargo de interpretar autenticamente as Sagradas Escrituras e de defender os dogmas da fé.[10] Porém, certas pessoas, ultrapassam com temerária audácia essa liberdade de discussão, agindo como se a própria origem do corpo humano a partir de matéria viva preexistente fosse já certa e absolutamente demonstrada pelos indícios até agora achados e pelos raciocínios neles baseados, e como se nada houvesse nas fontes da revelação que exigisse a máxima moderação e cautela nessa matéria.
37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.[11]
38. Da mesma forma que nas ciências biológicas e antropológicas, há alguns que também nas históricas ultrapassam audazmente os limites e cautelas estabelecidos pela Igreja. De modo particular, é deplorável a maneira extraordinariamente livre de interpretar os livros históricos do Antigo Testamento. Os fautores dessa tendência, para defender a sua causa, invocam indevidamente a carta que há não muito tempo a Comissão Pontifícia para os estudos bíblicos enviou ao arcebispo de Paris.[12] Essa carta adverte claramente que os onze primeiros capítulos do Gênesis, embora não concordem propriamente com o método histórico usado pelos exímios historiadores greco-latinos e modernos, não obstante, pertencem ao gênero histórico em sentido verdadeiro, que os exegetas hão de investigar e precisar; e que os mesmos capítulos, com estilo singelo e figurado, acomodado à mente do povo pouco culto, contêm as verdades principais e fundamentais em que se apóia a nossa própria salvação, bem como uma descrição popular da origem do gênero humano e do povo escolhido. Mas, se os antigos hagiógrafos tomaram alguma coisa das tradições populares (o que se pode certamente conceder), nunca se deve esquecer que eles assim agiram ajudados pelo sopro da divina inspiração, a qual os tornava imunes de todo erro ao escolher e julgar aqueles documentos.
39. Todavia, o que se inseriu na Sagrada Escritura tirado das narrações populares, de modo algum deve comparar-se com as mitologias e outras narrações de tal gênero, as quais procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade que tanto resplandece nos livros do Antigo Testamento, a tal ponto que os nossos hagiógrafos devem ser tidos neste particular como claramente superiores aos antigos escritores profanos.

IV. DIRETRIZES
40. Sabemos, é verdade, que a maior parte dos doutores católicos, que com sumo proveito trabalham nas universidades, nos seminários e nos colégios religiosos, estão muito longe desses erros que hoje aberta e ocultamente se divulgam, ou por certo afã de novidades, ou por imoderado desejo de apostolado. Porém, sabemos também que tais opiniões novas podem atrair os incautos, e, por isso mesmo, preferimos nos opor aos começos do que oferecer remédio a uma enfermidade inveterada.
41. Pelo que, depois de meditar e considerar largamente diante do Senhor, para não faltar ao nosso sagrado dever, mandamos aos bispos e aos superiores religiosos, onerando gravissimamente suas consciências, que com a máxima diligência procurem que, nem nas classes, nem nas reuniões, nem em escritos de qualquer gênero, se exponham tais opiniões de modo algum, nem aos clérigos, nem aos fiéis cristãos.
42. Saibam quantos ensinam em institutos eclesiásticos que não poderão em consciência exercer o oficio de ensinar, que lhes foi comado, se não receberem religiosamente as normas que temos dado e se não as cumprirem escrupulosamente na formação dos discípulos. E procurem infundir nas mentes e nos corações dos mesmos aquela reverência e obediência que eles próprios em seu assíduo labor devem professar ao magistério da Igreja.
43. Esforcem-se com todo o alento e emulação por fazer avançar as ciências que professam; mas, evitem também ultrapassar os limites por nós estabelecidos para salvaguardar a verdade da fé e da doutrina católica. Às novas questões que a moderna cultura e o progresso do tempo suscitaram, apliquem sua mais diligente investigação, entretanto, com a conveniente prudência e cautela; e, finalmente, não creiam, cedendo a um falso "irenismo", que os dissidentes e os que estão no erro possam ser atraídos com pleno êxito, a não ser que a verdade íntegra que está viva na Igreja seja ensinada por todos sinceramente, sem corrupção nem diminuição alguma.

V. CONCLUSÃO
44. Fundados nessa esperança, que vossa pastoral solicitude ainda aumentará, concedemos, de todo o coração, como penhor dos dons celestiais e em sinal de nossa paterna benevolência, a todos vós, veneráveis irmãos, a vosso clero e a vosso povo, a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 12 de agosto de 1950, ano XII de nosso pontificado.

PIO PP. XII  

Notas
[1] Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de Fide Cath., c. 2, "De revelatione".
[2] CIC, cân.1324; cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius, de Fide cath., c. 4, "De fide et ratione", post canones.
[3] Pio IX, Inter gravissimas, de 28 de outubro de 1870, Pio IX P.M. Acta, vol. V, p. 260.
[4] Cf. Conc.Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. l, "De Deo rerum omnium creatore".
[5] Cf. Carta. Enc. Mystici Corporis Christi, AAS 35(1943), p.193ss.
[6] Cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. 4 "De fide et ratione".
[7] CIC, cân.1366, § 2. 
[8] AAS 38 (1946), p. 387.
[9] Cf. S. Tomás, Summa Theol, II-II, q. l, a. 4 ad 3; q. 45, a. 2, in c.
[10] Cf. Aloc. Pont. aos membros da Academia das Ciências, 30 nov 1941; AAS, 33(1941), p. 506.
[11] Cf. Rm 5, 12-19; Conc. Trid., sess. V, cân. l - 4.
[12] Dia 16 de janeiro de 1948, AAS 40(1948), pp. 45-48.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Os Deuterocanônicos nas bíblias protestantes antigas - A História que os protestantes não querem saber.




Há alguns meses, publicamos duas matérias mostrando como Bíblia de Genebra e a KJV (bíblias protestantes antigas) traziam os livros deuterocanônicos entre seus livros (embora como apêndice), mas que mostravam e referenciavam as citações que os autores do Novo Testamento faziam a estes 7 livros rejeitados pelo protestantismo.

A seguir estão as referências que várias outras bíblias protestantes inglesas antigas faziam aos livros deuterocanônicos mostrando que os livros e autores do Novo Testamento os citavam da mesma forma que as KJV e Genebra. Fizemos uma seleção de apenas algumas passagens dos deuterocanônicos que são referenciadas nos textos do Novo Testamento destas bíblias, são elas: Baruc 3, 38; Sabedoria 2; Sabedoria 7, 26, Eclesiástico 24, 29 e II Macabeus 7.
Bibia de Myles Coverdale
Deuterocanônico => NTNT => Deuterocanônico
Bar 3, 38 faz referências a João 1
Sabedoria 2 a Mateus 27
Sabedoria 7 a Hebreus 1
João 1, 14 faz referência a Baruc 3
Mateus 27, 43 a sabedoria 2
Hebreus 1, 3 a Sabedoria 7
Bíblia de Mateus 1537 
Judite, Tobias, sabedoria sem ref.
Baruc 3, 38 a João 1

A Bíblia de Taverner 1539 
Sabedoria 2 a Mateus 27
Sabedoria 7 a Hebreus 1:3
Baruc 3, 38 a João 1
A Grande Bíblia 1541
Baruc 3:38 a João 1
Mateus 27, 42 a Sabedoria 2
João 1, 14 a Baruc 3, 38

A Bíblia dos Bispos 1568 
Baruc 3:38 a João 1
Mateus 27, 40 a Sabedoria 2
João 1, 14 a Baruc 3
Hebreus 1, 3 a Sabedoria 8 (sic)
A bíblia de Genebra 1560
N/A
Mateus 27, 43 a sabedoria 2
João 6, 35 a Eclesiástico 24, 29
Hebreus 1, 3 a Sabedoria 7, 26
Hebreus 11, 35 Referência 2 Macabeus 7
A bíblia de Genebra 1583 
Sabedoria 2, 18 a Mateus 27, 42
Sabedoria 7, 26 a Hebreus 1, 3

João 6, 35 a Eclesiástico 24, 29
Hebreus 1, 3 a Sabedoria 7, 26
Hebreus 11, 35 referencia 2 Macabeus 7
A Bíblia do Rei Tiago 1611 
Sabedoria 2, 18 a Mateus 27, 42
Sabedoria 7, 24 a Hebreus 1:3
Baruc 3, 38 a João 1, 14
Mateus 27, 4 a Sabedoria 2, 18
Hebreus 1, 3 a Sabedoria 7, 26
Hebreus 11, 35 a 2 Macabeus 7

CONCLUSÃO

 A Verdade dos fatos testifica que embora hoje os protestantes neguem que o Novo Testamento cita os livros deuterocanônicos em seus textos, as bíblias protestantes antigas referendam isso e ainda traziam as referências claras mostrando que os autores estavam citando textos destes livros. Assim sendo qualquer protestante que queira negar o óbvio, não nega só a argumentação católica, mas também as próprias versões das bíblias protestantes antigas.

PARA CITAR

MICHUTA, Gary. Apologistas Católicos.  Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/614-os-deuterocanonicos-nas-biblias-protestantes-antigas-a-historia-que-os-protestantes-nao-querem-saber>. Desde:  10/09/2013. Tradutor: Rafael Rodrigues

Livro de Sabedoria

Um dos escritos deuterocanônicos do Antigo Testamento, colocado na Vulgata entre o Cântico dos Cânticos e Eclesiástico.
TÍTULOS

Os títulos mais antigos atribuem o livro a Salomão, o representante hebreu da sabedoria. Na tradução siríaca, o título é: "O Livro da Grande Sabedoria de Salomão"; e no latim versão antiga, o título diz: "Sapientia Salomonis". Os primeiros manuscritos gregos - o Vaticanus, o Sinaiticus, o Alexandrinus - tem uma inscrição semelhante e a dos Padres ocidentais e orientais dos três primeiros séculos geralmente falam de "Sabedoria de Salomão", quando se referindo a quem inspirou o escrito, embora alguns deles usem neste contexto honorífico denominações, tais como ele Theia Sophia (sabedoria Divina), Panaretos Sophia (Toda a virtuosa sabedoria). Na Vulgata, o título é: "Liber Sapientiae", "Livro da Sabedoria". Nas versões não católicas, o título comum é: "Sabedoria de Salomão", em contraposição ao Eclesiástico, que normalmente é intitulado: "a sabedoria de Jesus, o Filho de Sirach".

CONTEÚDO


O livro contém duas partes gerais, os nove primeiros capítulos tratam da Sabedoria sob o seu aspecto mais especulativo e os últimos dez capítulos relacionados com a sabedoria de uma perspectiva histórica. A seguinte linha de pensamento do autor é a especulativa (caps. I-ix). Dirigindo-se aos reis, o escritor ensina que a impiedade é alheia à Sabedoria e castiga aos tribunais da morte (i), e ele expõe e refuta os argumentos contrários dos ímpios: segundo ele, o estado de espírito dos ímpios é contrário ao destino imortal do homem; sua vida está presente apenas no aspecto mais feliz do que o justo; e seu destino final é uma prova incontestável da loucura de seu percurso (ii-v). Ele então exorta os reis de procurar Sabedoria, que é preciso mais para eles do que para o mais comum dos mortais (vi, 1-21) e descreve sua própria experiência feliz na busca e posse da sapiência, que é o esplendor de Deus e é concedida por Ele aos suplicantes sinceros  (vi, 22-VIII). Ele se junta a oração (ix) pelo qual ele próprio pediu que a Sabedoria e Espírito Santo de Deus pudessem ser revelados a ele, e que termina com a reflexão de que os anciãos foram guiados pela Sabedoria - Uma reflexão que faz uma transição natural para a revisão da história antiga de Israel, que constitui a segunda parte de sua obra.  A linha de pensamento do autor nesta parte histórica (ix-xix) também podem facilmente serem apontadas. Ele elogia a sabedoria de Deus (1) para suas relações com os patriarcas de Adão a Moisés (x-xi, 4); (2) para a sua justa, e também misericordiosa, conduta para com os habitantes idólatras do Egito e Canaã (xi, 5-xii); (3) no contraste com a loucura total e a consequente imoralidade da idolatria sob suas diversas formas (xiii, xiv); finalmente, (4), para sua discriminada proteção a Israel durante as pragas do Egito, e na travessia do Mar Vermelho, uma defesa que foi estendido para todos os tempos e lugares.

 

UNIDADE E INTEGRIDADE


A maioria dos estudiosos contemporâneos admite a unidade do Livro da Sabedoria. Todo o trabalho é permeado por um único e mesmo propósito geral, o de dar um aviso solene contra a loucura da impiedade. Suas duas principais partes estão intimamente ligadas por uma transição natural (ix, 18), que não tem de modo algum a aparência de uma inserção editorial. Suas subdivisões, o que pode, à primeira vista, ser considerado diferente para o plano primitivo do autor, são, quando analisada de perto, partes integrantes deste plano: este é o caso, por exemplo, com a seção relativa a origem e as consequências da idolatria (xiii, xiv), na medida em que esta seção é conscientemente preparado pelo tratamento do escritor da sabedoria de Deus nas suas relações com os habitantes idólatras do Egito e Canaã, na imediata subdivisão anterior (xi, 5 xii). Não só não há rupturas observáveis na realização do plano como as expressões favoritas, se convertem na fala e as palavras individuais se encontram em todas as seções da obra, e apresenta uma prova de que o Livro da Sabedoria não é uma mera compilação, mas uma unidade literária.
A integridade da obra não é menos certa que sua unidade. Cada examinador imparcial da obra pode ver facilmente que nada nela sugere que o livro chegou a nós de outra forma do que em sua forma primitiva. Assim como em Eclesiástico, Sabedoria não tem feito nenhuma inscrição semelhante aos que se abram os livros de Provérbios e Eclesiastes; mas é evidente que, no caso da Sabedoria, como no caso de Eclesiástico, esta ausência não é sinal necessário de que a obra é fragmentada desde o começo. Tampouco pode o livro da Sabedoria ser considerado com razão como mutilados no final, ao apresentar seu último versículo, finaliza-se adequadamente para o trabalho segundo foi previsto pelo autor. No que diz respeito a algumas passagens da Sabedoria que alguns críticos têm tratado mais tarde como interpolações cristãs (ii, 24; iii, 13; iv, 1; xiv, 7), é claro que foram estas passagens, como se afirma, sua presença não faria viciar a integridade substancial da obra, e ainda, examinando atentamente, que geram um sentido perfeitamente conforme a estrutura judaica da mente do autor.

 

LINGUAGEM E AUTORIA


Sobre a opinião do antigo título: "Sabedoria de Salomão"; alguns estudiosos têm imaginado que o Livro da Sabedoria foi composto em hebraico, como as outras obras atribuídas a Salomão pelo seu título (Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos). Para fundamentar esta posição apelou-se para os hebraísmos do trabalho; aos seus paralelismos, uma característica distinta da poesia hebraica; ao seu uso constante de partículas simples de ligação (kai, de, gar, oti, etc.), as articulações normais das frases em hebraico; às expressões gregas rastreáveis, como eles pensavam, as más versões de um original hebreu, etc. Engenhosos como estes argumentos podiam parecer, eles não provam nada mais que o autor do Livro da Sabedoria foi um hebreu, escrevendo em grego com uma distinta adição de espírito judeu. Já em São Jeronimo (Praef. En libros Salomonis), foi considerado que não era hebreu, mas grega era a língua original do Livro da Sabedoria, e este veredicto é tão poderosamente confirmado pelas características literárias de todo o texto grego, que pode muito bem saber que a teoria de um antigo original hebraico, ou de qualquer outra origem que não grego, jamais deveria ter sido mantida a sério.
É claro que o fato de que todo o Livro da Sabedoria foi composto em grego exclui sua autoria salomônica. É verdade que, escritores eclesiásticos dos primeiros séculos comumente assumem esta autoria com base no título do livro, aparentemente confirmado por aquelas passagens (ix, 7, 8, 12; cf. vii, 1, 5, viii, 13 , 14, etc), onde quem fala é claramente o rei Salomão. Mas esta visão da questão nunca foi unânime na Igreja Cristã Primitiva, e no decorrer do tempo, foi sugerida uma posição intermediaria entre a sua afirmação e sua rejeição absoluta. O Livro da Sabedoria, dizia-se, na medida em que é de Salomão, uma vez que se baseia em obras salomónicas que agora estão perdidos, mas que foram conhecidos e utilizados por judeus helenistas séculos após a morte de Salomão. Este ponto de vista intermediário é apenas uma fraca tentativa de salvar alguma coisa da autoria salomônica conforme se afirmou em épocas anteriores. "É uma suposição que não tem argumentos positivos a seu favor, e que, em si, é improvável, uma vez que pressupõe a existência de escritos Salomônicos de que não há nenhum traço, e que teria sido conhecida apenas para o autor do livro da Sabedoria "(Cornely-Hagen," Introd. nos Libros sacros, Compendium ", Paris, 1909, p. 361). Hoje em dia, é livremente admitido que Salomão não é o autor do Livro da Sabedoria, "que foi atribuído a ele, porque seu autor, através de uma ficção literária, fala como se ele fosse o Filho de Davi" (Vigouroux, "Manuel Biblique", II, n. 868 Ver também o aviso prefixo do Livro da Sabedoria, na actual edição da Versão de Douai). Além de Salomão, o escritor a quem a autoria do trabalho tem sido mais frequentemente atribuída é Philo, principalmente no terreno de um acordo geral em relação às doutrinas, entre o autor da Sabedoria e Philo, o célebre filósofo judeu de Alexandria (d. Sobre AD 40).
A verdade do assunto é que as diferenças doutrinais entre o Livro da Sabedoria e dos escritos de Philo são tais que se evite uma autoria comum. O tratamento alegórico de Philo das narrações bíblicas é totalmente alheio a estrutura da mente do autor do Livro da Sabedoria. Seu ponto de vista da origem da idolatria entra em conflitos em vários pontos com a do autor do Livro da Sabedoria. Sobretudo, sua descrição da sabedoria Divina revela como a concepção, o estilo e a forma de apresentação, numa fase posterior, do pensamento do Alexandrino do que a encontrada em Sabedoria. A autoria da obra foi por vezes atribuída a Zorobabel, como se este líder judeu pudesse ter escrito em grego; o alexandrino Aristóbulo (Séc II aC.), como se este cortesão pudesse ter investido contra os reis conforme o Livro da Sabedoria (vi, 1; etc); e, finalmente, a Apolo (Hch 18:24), como se isso não fosse uma mera suposição contrária à presença do livro na Cânon Alexandrino. Todas estas variações acerca da autoria provam que o nome do autor é desconhecido (cf. o anuncio de prefixo a Sabedoria na versão Douay).

LOCAL E DATA DE COMPOSIÇÃO


Quem examina atentamente o Livro da Sabedoria pode facilmente ver que o seu autor desconhecido não era um judeu palestino, mas um judeu Alexandrino. Monoteísta como o escritor tem toda a sua obra, ele evidencia uma familiaridade com o pensamento grego em termos filosóficos (he calls God "the Author of beauty": 13:3; styles Providence pronoia: 14:3; 17:2; speaks of oule amorphos, "the formless material" of the universe, after Plato's manner: 11:17; numbers four cardinal virtues in accordance with Aristotle's school: 8:7; etc.), que é superior a qualquer coisa encontrada na Palestina. Seu excelente grego, suas alusões políticas, a coloração dos detalhes locais, sua clara censura a idolatria egípcia, etc. Alexandria, como um grande centro de população judia e pagã, onde o autor sentiu-se chamado a dirigir a sua eloquente advertência contra a esplêndida e aviltante indiferença ao politeísmo e epicurismo com que muitos de seus colegas judeus tinham sido gradualmente e profundamente influenciados. E esta inferência a partir de dados internos é confirmada pelo fato de que o Livro da Sabedoria não é encontrado no Canon do Antigo Testamento Palestino, mas sim no Alexandrino. Teria se originado na Palestina a sua poderosa acusação de idolatria e seu exaltado ensino relativo à vida futura teria naturalmente obtido para ele um lugar dentro do Canon dos judeus da Palestina. Mas, como ele foi composto em Alexandria, o seu valor foi devidamente apreciado e seu caráter sagrado reconhecido apenas pelos conterrâneos do autor.
É mais difícil determinar a data do que o lugar da composição do Livro da Sabedoria. É universalmente admitido que, quando o escritor descreve um período de degradação moral e injusta perseguição sob governantes injustos que estão ameaçados de julgamentos pesados, ele tem em vista a época de Ptolomeu IV ou Philopator (221-204 aC), ou Ptolomeu VII Physicon (145 -117 aC), pois é somente sob estes depravados príncipes que os judeus egípcios tiveram que suportar a perseguição. Mas é reconhecidamente difícil decidir qual destes dois monarcas, o autor da Sabedoria tinha realmente em vista. É até possível que o trabalho "foi publicado após o desaparecimento desses príncipes, pois de outro modo não teriam aumentado sua raiva tirânico" (Lesêtre, "Manuel d'Introduction", II, 445).

 

TEXTO E VERSÕES


O texto original do Livro da Sabedoria é preservado em cinco manuscritos unciais (o Vaticanus, o Sinaiticus, o Alexandrinus, o Ephremiticus, e o Venetus) e em dez cursivas (dois dos quais são incompletos). Sua forma mais precisa é encontrado na Vaticanus (século IV), na Venetus (século VIII ou IX), e a letra cursiva 68. As principais obras críticas sobre o texto grego são as de Reusch (Frieburg, 1861), Fritsche (Leipzig, 1871), Deane (Oxford, 1881), Sweete (Cambridge, 1897), e Cornely-Zorell (Paris, 1910). Dentre as versões antigas da Vulgata, que apresenta a versão latina antiga ligeiramente revista por São Jerônimo. É em geral uma estreita e rigorosa tradução do original grego, com adições ocasionais, algumas das quais provavelmente apontam para leituras primitivas que já não existem no grego. A versão siríaca é menos fiel, e do armênio mais literal, que a Vulgata. Entre as versões modernas, a tradução alemã de Siegfried na de Kautzsch "Apocryphen und Pseudepigraphen des AT" (Tübingen, 1900), e a versão francesa do Abbé ponteira (Paris, 1905), merecem uma menção especial.

 

DOUTRINA DO LIVRO


Como poderia se esperar os ensinamentos doutrinários da redação deste texto deuterocanônico são em essência, as dos outros livros inspirados do Antigo Testamento. O Livro da Sabedoria fala de apenas um Deus, o Deus do universo, e do Senhor dos hebreus. Este Deus é "Aquele que é" (xiii, 1), e sua santidade é totalmente oposta ao mal moral (i, 1-3). Ele é o mestre absoluto do mundo [xi, 22 (23)], que Ele criou para fora da "matéria informe" [xi, 18 (17)], uma expressão platônica, que em nada afirma a eternidade da matéria, mas aponta de volta para o estado caótico descrito em Gênesis 1: 2. Um Deus vivo, Ele fez o homem à Sua imagem, criando-o para a imortalidade (ii, 23), de modo que a morte entrou no mundo só através da inveja do diabo (ii, 24). Sua Providência (pronoia) estende-se a todas as coisas, grandes e pequenos [vi, 8 (7); xi, 26 (25); etc], tendo um cuidado paterno de todas as coisas (xiv, 3), e, em particular, do Seu povo escolhido (xix, 20, ss.). Ele se faz conhecer aos homens através da Sua maravilhosa obra (xiii, 1-5), e exerce sua misericórdia para todos eles [xi, 24 (23), xii, 16; xv, 1], seus próprios inimigos incluído (xii, 8 ss.).
A ideia central do livro é a "Sabedoria", que aparece no trabalho sob dois aspectos principais. Na sua relação com o homem é a sabedoria aqui, como em outros livros sapienciais, a perfeição do conhecimento mostrando-se em ação. É particularmente descrito como residente apenas em homens virtuosos (i, 4, 5), como um princípio solicitando a vontade do homem, como dentro de um dom de Deus (vi, 14, ss.) (Vii, 15; viii, 3, 4), e como concedidas por Ele aos suplicantes sinceros (viii, 21-ix). Através de seu poder, o homem triunfa sobre o mal (vii, 30), e através da sua posse, podem-se garantir para si as promessas de ambos no presente e da vida futura (viii, 16, 13). A sabedoria é para ser valorizada acima de tudo (vii, 8-11; viii, 6-9), e quem a despreza está condenado à infelicidade (iii, 11). Em relação direta com Deus, Sabedoria é personificada, e sua natureza, atributos e operação são nada mais, nada menos do que divino. Ela está com Deus desde a eternidade, o parceiro de Seu trono, e o participante dos Seus pensamentos (viii, 3; ix, 4, 9). Ela é uma emanação de Sua glória (vii, 25), o brilho eterno de Sua luz e o espelho de Seu poder e bondade (vii, 26). A Sabedoria é única, e ainda pode fazer tudo; embora imutável, ela faz novas todas as coisas (vii, 27), com uma atividade superior a qualquer movimento (vii, 23). Quando Deus formou o mundo, esteve presente a Sabedoria (ix, 9), e ela dá aos homens todas as virtudes que eles precisam em cada estação e condição de vida (vii, 27; VIII, 21, x, 1, 21; xi) . A Sabedoria também é identificada como a "Palavra" de Deus (ix, 1, etc), e é representada com eminencia com o "Espírito Santo", a quem uma natureza divina e as divinas operações são igualmente atribuídas (i, 5-7; vii, 22, 23, ix, 17). Doutrinas exaltadas como estas estão em uma conexão vital com a revelação do Novo Testamento sobre o mistério da Santíssima Trindade; enquanto outras passagens do Livro da Sabedoria (ii, 13, 16-18; xviii, 14-16) encontram o seu cumprimento em Cristo, a "Palavra" encarnada, e "a Sabedoria de Deus". Em outros aspectos também, nomeadamente no que diz respeito à sua doutrina escatológica (iii-v), o Livro da Sabedoria apresenta uma preparação maravilhosa para Revelação do Novo Testamento. Os escritores do Novo Testamento parecem perfeitamente familiarizados com os escritos deuterocanônicos (cf. Mateus 27: 42-43, com a Sabedoria 2: 13-18; Romanos 11:34, com a Sabedoria 9:13, Efésios 6: 13-17, com sabedoria 5: 18-19; Hebreus 1: 3, com a Sabedoria 07:26, etc). É verdade que para justificar sua rejeição do Livro da Sabedoria do Canon, muitos protestantes afirmam que em 8: 19-20, o seu autor admite o erro do pré-existência da alma humana. Mas esta passagem discriminada, quando vista à luz do seu contexto, produz um sentido perfeitamente ortodoxo.

PARA CITAR 

GIGOT, Francis. Livro da Sabedoria - Enciclopédia Católica, Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/740-livro-da-sabedoria>. Desde: 21/10/2014 Tradução: Adriano Dias.