quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Renúncia do Papa Bento XVI. Demonstração de fraqueza ou humildade?


Papa Bento XVI, durante o anúncio de sua renúncia.  Imagem: http://www.acidadevotuporanga.com.br.

Hoje trago um tema que tem sido uma avalanche de informações na mídia. A recente renúncia do Papa Bento XVI, o Bispo de Roma da Igreja Católica Romana. Foi algo que pegou todos os católicos e inclusive membros de outras denominações cristãos, que veem na figura do Papa, um baluarte do cristianismo mundial, pois além de sacerdote Cristão o Papa é um grande mediador de causas internacionais e um líder respeitado por diversas nações inclusive não cristãs que veem nele a figura de um justo representante do Estado do Vaticano, a menor nação do mundo, mas com um poder de influência incrível.

Embora diante da surpresa dos fiéis pelo mundo, desde que foi eleito em 19 de abril de 2005, sabia-se no Vaticano que seu papado seria curto devido à idade avançada de Joseph Alois Ratzinger, foi eleito como o 265º Papa com a idade de 78 anos e três dias.
O anuncio de sua renúncia foi feito nesta segunda-feira (11 de fevereiro de 2013) oficialmente que renuncia ao Pontificado por sua "idade avançada". Ele disse que ficará no posto até 28 de fevereiro, quando será convocada nova eleição.

A tradição dita que os papas devem ficar no posto até a morte. Mas Bento XVI, que completará 86 anos em abril, disse que lhe falta vigor "tanto do corpo como do espírito" para continuar no cargo, e que tem consciência da "seriedade" do seu ato. Em suas próprias palavras vemos a humildade e respeito pela responsabilidade que lhe cabe. Vemos pois, sua demonstração de sabedoria, ao mostrar que os líderes devem fazer o melhor para seu povo e não ficar apegados a cargos políticos por interesses pessoais, dessa forma Bento XVI, deu um exemplo aos governantes das diversas nações, um exemplo de desapego a ser seguido por cada cristão seja lá aonde estiver, Cristo deve estar acima de qualquer obra, então lemos:

“Após ter examinado perante Deus reiteradamente minha consciência, cheguei à certeza de que, pela idade avançada, já não tenho forças para exercer adequadamente o ministério petrino. Sou muito consciente que este ministério, por sua natureza espiritual, deve ser realizado não unicamente com obras e palavras, mas também e em não menor grau sofrendo e rezando.”

Papa Bento XVI, Bispo de Roma da Igreja Católica Romana, 11 de fevereiro de 2013, Vaticano.

Quando anunciou sua renúncia, Bento XVI, afirmou que não tem mais forças para continuar. Na terça-feira (12 de fevereiro de 2013), o Vaticano confirmou que o papa usa um marca-passo há dez anos. E foi confirmado que Bento XVI se submeteu a uma cirurgia para trocar o aparelho há cerca de três meses. O irmão dele, Georg Ratzinger, disse que o papa estava considerando a renúncia há alguns meses porque sentia dificuldades para andar. Seu médio o advertiu a não fazer viagens transatlânticas e diminuir o ritmo.

“No entanto, no mundo de hoje, sujeito a rápidas transformações e sacudido por questões de grande relevo para a vida da fé, para conduzir a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor tanto do corpo como do espírito, vigor que, nos últimos meses, diminuiu em mim de tal forma que eis de reconhecer minha incapacidade para exercer bem o ministério que me foi encomendado.”

Papa Bento XVI, Bispo de Roma da Igreja Católica Romana, 11 de fevereiro de 2013, Vaticano.

Para aqueles que consideram um ato de fraqueza a renúncia do Papa é porque não acompanharam seu papado, não possuem a menor ideia da quantidade de responsabilidades que cerca um homem que gere a maior religião cristã do mundo. Que possuí certa de dois bilhões de fiéis espalhados pelos quatro cantos da terra. Que além de cuidar da vida espiritual e material da Igreja, realiza o trabalho mediador e evangelístico pelo mundo com diversas atividades. Isso tudo para um homem de 86 anos. Para um jovem no auge da juventude já seria uma tarefa terrivelmente desgastante, imagine para um senhor entrando na casa dos noventa anos? 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

História, um acontecimento em si.




Construction History Society. Imagem: http://www.constructionhistory.co.uk/

Estava pensando em algo relevante para abordar no dia de hoje, e achei nada mais justo do que um blogue que trata da História, falar sobre as raízes que ligam o “nós humanos” com “nossas histórias de vida.” Pois todos somos sujeitos na História, todos, sem exceção alguma, pois nascemos, vivemos e durante essa vida produzimos ligações materiais e pessoais e isso nos torna humanos e então após um período morremos e deixamos um legado. Esse legado pode como os de alguns grandes homens da humanidade dos quais cito  nosso compatriota Alberto Santos Dumont perdurar para sempre ou enquanto formos à civilização que somos.

“No começo deste século, nós, os fundadores da Aeronáutica, havíamos sonhado com um futuro pacífico e grandioso para ela. Mas a guerra veio, apoderou-se de nossos trabalhos e, com todos os seus horrores, aterrorizou a humanidade.”

Alberto Santos Dumont

Nestas palavras vemos o homem histórico Santos Dumont, expressar sua insatisfação com o mal uso de seu maravilhoso invento. Muitas vezes esse é um fardo que os grandes ícones da história humana acabam carregando por décadas, séculos e quem sabe milênios após sua morte, devido a interpretações erradas de suas ideias e de seus inventos.

Outras pessoas aparentemente não deixam legado, pois após duas gerações são esquecidos em sua família. Mas será isso realmente uma verdade absoluta? Pois, ainda que seus bisnetos e tataranetos não se lembrem dele, não foi devido a ele que seus descendentes tornaram-se seres históricos capazes de criar suas próprias histórias de vida e inclusive fazer a diferença nas horas mais obscuras da história. Por isso eu sempre digo:

“Pode ser uma pequena fagulha de fogo em um pequeno pedaço de palha, mas trará suas consequências!”
Leandro Claudir

No inicio de minha vida estudantil e inclusive acadêmica, também considerava somente aqueles que deixaram seus nomes marcados na pedra ao longo de uma estrada muito movimentada, aonde todos poderiam ler e saber quem ele foi, e os seus grandes feitos para nossa vila, povo, nação etc. Mas nessa jornada em busca do conhecimento reconheci que haviam pessoas que seus nomes haviam sidos esquecidos, heróis e heroínas desconhecidos, mas mesmo que desconhecidos seus feitos não foram menores do que aqueles “escolhidos”, para serem lembrados por gerações sem fim.

Posso citar dentre esses nossos heróis anônimos, os heróis negros da Revolução Farroupilha, conhecidos como Lanceiros Negros, considerados nas palavras de Giuseppe Garibaldi:

“os maiores guerreiros de todos os tempos.”

Giuseppe Garibaldi

Giuseppe Garibaldi, foi herói da unificação italiana, que lutou ao lado dos Farrapos, e ainda disse mais a respeito de nossos Lanceiros Negros. Acompanhemos suas palavras:

“Nunca vi um corpo militar lutar com tanta bravura como os destemidos guerreiros chamados Lanceiros Negros, que lutavam sem armas de fogo, mas de posse de uma lança um pouco maior do que aquelas chamadas comuns.”

Giuseppe Garibaldi

Relembro aqui aos amigos que nós, brasileiros, não sabemos sequer o nome desses grandes guerreiros chamados Lanceiros Negros. Quando Garibaldi voltou para a Itália, levou um quadro no qual estavam os lanceiros negros e contou sobre sua bravura lutavam com lanças e não com armas de fogo. Agora faço uma pequena pergunta aos meus amigos leitores. Alguém sabe o que aconteceu quando terminou a Revolução Farroupilha com os bravos guerreiros chamados lanceiros negros? 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Djinns, Ghul, Ifrit, Jann, Marid e os Shaitan. Seres mitológicos da arabia Pré-islâmica.


Foto artística que retrata um Djinn. Imagem: Channel CWtv.

Há uns tempos atrás aluguei um filme em VHS, de nome “Djinn - O Senhor dos Desejos” (“Wishmaster”). O  filme não era uma super-produção mas a sua história despertou-me o interesse e como tal resolvi pesquisar sobre a criatura. Espanto o meu quando descubro que Djinn é muito mais do que um simples fato de látex avermelhado, propriedade de um estúdio de cinema qualquer de Hollywood. De facto, Djinn é uma criatura ancestral da Mitologia Árabe Pré-islâmica, uma personagem supra-humana e mais do que isso, neste caso é um “semi-demónio”, não porque é feio mas porque fluentemente é persuasivo, e maléfico até, nos seus actos e propósitos, pode causar dor e desespero onde se encontra mas... já lá vamos!

Djinn do Árabe “Jin”, possuí em português o equivalente a grosso modo de “Génio”! O Djinn provém de uma raça de seres sobrenaturais, os Djinni, remetente a Djanna (do Árabe), que significa coisa dissimulada ou invisível. Têm origem na Mitologia Árabe e mais tarde são “assimilados” pelo Islamismo. A sua presença é notada por diversas vezes no Alcorão, inclusive, para além de constantes referências suas nos textos sagrados, existe uma Sura (capítulo do Alcorão) inteiramente dedicada aos Djinni, a “Al-Jinn” (Sura nº 72).


Fotografia artística retratando um Ifrit. Imagem: Channel CWtv.

A história desta “espécie”, segundo rezam diversas escrituras, é já milenar, os Djinni são criaturas antiquíssimas postas a vaguear no paraíso há cerca de quatro mil anos atrás, dois mil anos antes da criação de Adão. Alá fê-los de ar e fogo razão pela qual se diz que estes podem assumir todo o tipo de formas animadas e inanimadas, inclusive a humana, podendo assim permanecer e caminhar “camuflados” entre nós sem que possam ser detectados, ou então simplesmente permanecerem ocultos no ar que nos rodeia a observarem a seu belo prazer a nossa sociedade. A princípio, ainda antes da chegada do Islamismo ao mundo Árabe os Djinni eram criaturas com virtudes e defeitos, nas “hierarquias sobrenaturais” são considerados inferiores tanto em relação aos Anjos (pois estes possuíam apenas a face da obediência) como aos Demônios (pois não eram tão maus nem poderosos quanto os mesmos). No entanto e relativamente aos segundos, eram igualmente detentores de uma enorme força e astúcia que usariam sem hesitar, independentemente do meio, para atingirem os seus objetivos. Após domínio Islâmico e por influência do mesmo, a alguns dos Djinni foram-lhes progressivamente retiradas as suas “qualidades”  ficando assim criaturas negras e enraivecidas, aos restantes foram-lhes conservada a capacidade de ajuda e interacção com os homens, embora na maior parte das vezes estes o façam para proveito e gozo próprio e não pela afinidade com a inferior espécie!



Ilustração artística de um Ghul. Imagem: Channel CWtv.

Aquando da criação de Adão, Alá ordenou que os Djinni se curvassem perante o recém-criado ser, no entanto estes refutaram a ordem, dada a sua “antiguidade” no Paraíso e sob o comando e liderança de Iblis (o actual equivalente cristão de Satan), um dos mais “negros” Djinni caracterizado como sendo orgulhoso e ciumento do poder de Alá,iniciaram uma revolta contra o seu criador. Como consequência de tal irreverência os Djinni, juntamente com Iblis, foram atirados para a terra e  ficaram sujeitos à mortalidade e a todas as restantes necessidades fisiológicas dos homens, com a excepção da forma física. Assim como os humanos também estas criaturas ficaram, segundo o Islamismo, sujeitos à salvação ou à condenação divina. Já na Terra, segundo as escrituras, os Djinni alojaram-se nas Montanhas de Káf, que se acreditava, na mitologia da antiga Pérsia, circundarem o mundo. São seis os grandes clãs ou tribos de Djinns que constituem os Djinni. Os Jinn, os Jann, os Marid, os Shaitan, os Ghul e os Ifrit. Iblis pertence a os Ifrit. Podemos ainda “catalogar rudemente” estas seis tribos em duas categorias; os que conseguem interagir com os humanos de forma harmoniosa e os que aterrorizam e existem para castigar e troçar dos mortais. Na primeira categoria incluem-se os Jinn juntamente com os Jann, os primeiros são os mais comuns na referida espécie sobrenatural e os que mais frequentemente interagem com os humanos, os segundos, os Jann, são conhecidos por se encontrarem e viverem em Oásis nos desertos. Já os Marid, a tribo mais antiga, encontram-se em menor número nesta superior sociedade, não obstante são os mais sábios e poderosos dos Djinni e como tal acharam por direito que os membros da mesma tribo pudessem ter o livre arbítrio sobre “de que lado  ficariam”. Os Marid alojam-se normalmente perto da costa e são conhecidos por controlarem o estado do tempo, estes podem aparecer aos humanos sob a forma de cavalo ou de um velho homem. Na segunda categoria inserem-se os “génios negros”, os Ifrit que são os mais comuns de entre os maus e são conhecidos pela tenacidade com que se opõem aos mortais; os seus aliados Shaitan, que vivem nas montanhas e no subsolo, são a segunda tribo mais antiga dos Djinni, são conhecidos por serem persuasivos e por se divertirem a manipular tanto humanos como outros Djinni para atingirem os seus propósitos. Os Shaitan podem adquirir a forma de chacal, nuvens de fumo, camelos negros ou a forma de uma bela mulher com uma parte de animal no seu corpo. Por fim os Ghul são os mais depravados deste subgrupo, deles diz-se que estão possessos de uma enorme gula, podem ser encontrados nos becos das grandes cidades a alimentarem-se de restos, muitos são avistados em cemitérios a devorarem os cadáveres dos recém-falecidos. 


Mahdi. O 12° Profeta do Islã


Na ilustração vemos os 12 Profetas do Islã, o primeiro com o Alcorão aberto é o 12° Mahdi, ao fundo vemos o mesmo ao centro e a sua esquerda Maomé e a direita Jesus. Imagem: http://tele-fe.com/

Mahdi que em árabe significa "O Guiado", de acordo com as versões xiitas e sunitas da  escatologia islâmica, é o redentor profetizado do Islã, que permanecerá na Terra por sete, nove ou dezenove anos (de acordo com as diferentes interpretações) antes da chegada do dia final, o Yawm al-Qiyamah (lit. "Dia da Ressurreição"). Os muçulmanos acreditam que o Mahdi, juntamente com Jesus, livrará o mundo do erro, da injustiça e da tirania.

Mahdi não é mencionado de maneira explícita no Alcorão, nem nas primeiras compilações de hadiths consideradas autênticas pelos sunitas, como o Sahih al-Bukhari (embora conste de seis outros destes livros); alguns teólogos sunitas, por este motivo, questionam as crenças mahdistas, que formam, no entanto, uma parte crucial da doutrina xiita.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O que é Zooarqueologia?


Zooarqueologia no MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia – Zooarqueologia). Marcos Santos/usp imagens. 

A palavra pode parecer estranha quando ouvimos pela primeira vez, mas após este momento, se busca então tentar entender o que ela significa.
De maneira geral, o significado da palavra é desconhecido para a maioria das pessoas, independente do meio em que se encontram, inclusive no meio acadêmico. Muitos alunos e professores não fazem ideia do que significa a palavra Zooarqueologia.

Pois então vamos entende-la: o conceito ZOO nos remete a animal, vem de Zoologia, que é a ciência que trata dos animais; e ARQUEOLOGIA pode ser entendida como a ciência que estuda todo o tipo de vestígios de antigas populações humanas.

Bom, a partir daqui já nos é possível entender o que faz a Zooarqueologia, é a disciplina ligada à Arqueologia, que se dedica ao estudo dos vestígios faunísticos encontrados associados a sítios arqueológicos.

Mas agora você pode estar se perguntando o que é Vestígio Faunístico? O que é Sítio Arqueológico? Bom, vamos entender o que significam estes termos: Vestígios Faunísticos são, em geral, fragmentos de conchas e/ou ossos que restaram dos animais; Sítio Arqueológico pode ser denominado como o local onde se encontram remanescentes culturais de antigas populações.

Agora que já sabemos o que é a Zooarqueologia, podemos inferir que o profissional ligado a este tipo de estudo é o Zooarqueólogo. Os estudos zooarqueológicos ocorrem através da análise dos remanescentes, sejam eles conchas ou ossos, escavados em sítios arqueológicos.

Com base nestes elementos é possível se obter conhecimentos sobre padrões alimentares, padrões de assentamento, processos de formação dos sítios, paleoambientes (“Ambientes Antigos”), paleodistribuição (“Distribuição Antiga”), entre outros conhecimentos. Estas são informações muito importantes para entendermos de que forma as antigas populações humanas se distribuíram e ocuparam os espaços,a fim de desenvolver seu modo de vida.

A análise e identificação dos remanescentes faunísticos ocorrem principalmente através de comparação com os elementos conchíferos (de conchas) e ósseos de coleções de referência (em geral Coleção Conquiliológica e Osteológica) e da consulta em bibliografias especializadas no assunto.


Esquema ósseo de uma Anta. Imagem: Instituto Anchietano de Pesquisas.

O trabalho do Zooarqueólogo exige minúcia, paciência, dedicação e estudo. São necessários conhecimentos da área de zoologia, ecologia e paleontologia, fundamentais para as interpretações em conjunto com a Antropologia e Arqueologia. Para o desenvolvimento de seu trabalho se utilizam muitas técnicas, várias delas vindas da Paleontologia, ciência que se dedica ao estudo de animais e vegetais fósseis.

Mary Leakey, contribuições ao conhecimento humano!


Mary Leakey (Londres, 6 de fevereiro de 1913 – 9 de dezembro de 1996) foi uma arqueóloga e antropóloga do Reino Unido.
Descobriu os primeiros fósseis do Proconsul, um gênero de primatas fósseis que viveram no Mioceno africano, de 14 a 18 milhões de anos atrás. O proconsul é considerado um antropoide muito primitivo que já apresentava traços dos símios, como a ausência de cauda, mas ainda conservava alguns dos macacos.

Leakey nasceu em 6 de fevereiro de 1913, em Londres e morreu em 9 de dezembro de 1996 no Quênia. As primeiras pesquisas e descobertas da arqueóloga foram publicadas pelo seu marido, Louis S. B. Leakey.
Era filha de um pintor que viajava o mundo retratando paisagens, Mary Leakey desenvolveu gosto pela aventura logo cedo. Em 1925, aos 12 anos, começou a escavar uma caverna na França, onde sua família estava morando. Seu interesse pela pré-história foi desperto, e ela passou a colecionar as ferramentas que encontrava, criando seu primeiro sistema de classificação. Por parte de mãe, Leakey era prima de um arqueólogo.

Mary Leakey também fazia ilustrações dos objetos que encontrava. Em 1932, seu trabalho chamou a atenção da famosa arqueóloga Gertrude Caton–Thompson, que a convidou para acompanhá-la em suas jornadas. Como artista e arqueóloga amadora, a britânica participou de expedições; em uma delas, conheceu Louis Leakey, que precisava de uma ilustradora. Enquanto trabalhavam juntos, eles se apaixonaram e mantiveram um romance, apesar de Louis estar casado à época.

Louis e Mary Leakey tiveram três filhos ao longo da década de 1940. Os garotos passaram a maior parte da infância em sítios arqueológicos. Os Leakeys faziam escavações e explorações como uma família. Em 1960, ela se tornou diretora de escavações na garganta de Olduvai, na África. Com a morte do marido, em 1972, Mary e os três filhos mantiveram vivo o interesse pela arqueologia, criando uma tradição na área como a família Leakey.

Mary morreu em 9 de Dezembro de 1996, 83 anos de idade, paleoantropóloga de renome, que não só realizou uma pesquisa significativa de sua própria, mas tinha sido de valor inestimável para as carreiras de investigação de seu marido Louis Leakey e seus filhos Richard, Philip and Jonathan.

Em 1948, Maria encontrou o primeiro fóssil verdadeiramente importante de sua carreira como arqueóloga, o Proconsul africanus. O fóssil consistia de metade do crânio, as maxilas superior e inferior, e todos os dentes.

Mary e Louis examinando fóssil de Zinjanthropus boisei. Imagem: Notícias Terra.


A primeira grande descoberta de Mary revelou um símio extinto, que se acredita ser um ancestral muito antigo dos seres humanos. O gênero Proconsul de primatas hoje tem quatro espécies conhecidas.

Em 1959, Mary descobriu um crânio de hominídeo, que ela reconstruiu a partir de centenas de fragmentos, e seu marido chamou de Zinjanthropus Bosei (mais tarde reclassificado para Australopithecus boisei).

Primeiro discurso contra Catilina de Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), cônsul de Roma, recitado no Templo de Júpiter em 8 de Novembro de 63 a.C., local para onde tinha sido convocado o Senado de Roma.


Marcus Tullius Cicero. Imagem: Arquivo pessoal CHH.

A etimologia da palavra CATILINÁRIA tem a sua origem de uma acusação violenta, como a que Cícero fez a Catilina.

Oh tempos, oh costumes! Uma das mais famosas frases de todos os tempos, foi pronunciada há mais de 2000 anos por Cícero, ao discursar perante o Senado de Roma começando a destruir um tentativa de golpe de estado contra a República. Cícero tinha confirmado os seus dotes oratórios quando sete anos antes, em 70 a.C., tinha conseguido que o corrupto governador da Sicília Caio Verres fosse impugnado (demitido do seu cargo) mas agora enquanto cônsul de Roma o caso era mais grave.
A conspiração contra o Senado dirigida por Lúcio Sérgio Catilina, candidato vencido ao cargo de cônsul nas eleições de Julho de 64 a.C. assim como nas de 63, lugar-tenente de Sila durante a ditadura deste, antigo governador da província de África, amigo de Júlio César e de Crasso, os dois dirigentes do Partido Popular em Roma, tinha começado em Setembro de 63 a.C., após a realização das eleições e já tinha provocado reações de Cícero e do Senado, mas o chefe da conspiração tinha conseguido até aí não ser incriminado. 

Na noite de 6 para 7 de Novembro Catilina reuniu novamente os dirigentes da conspiração para tomarem as últimas decisões antes da nova tentativa de golpe, mas Cícero foi informado da reunião e das decisões aí tomadas e decidiu convocar o Senado para o Templo de Júpiter Estátor para o dia seguinte. Quando o chefe da conjura apareceu na reunião, Cícero ficou tão indignado que se dirigiu diretamente a Catilina, acusando-o violenta e diretamente, no primeiro de quatro célebres discursos - as Catilinárias -, que acabaram por convencer o incrédulo Senado da existência da conspiração e das culpas de Catilina. Mas neste primeiro discurso Cícero sabia que por lei não poderia condenar, nem mesmo mandar desterrar, Catilina e por isso tentou que este saísse voluntariamente da cidade, o que de facto conseguiu. Em meados de Novembro Catilina entrou em revolta aberta e acabou por ser condenado à morte pelo Senado em princípios de Dezembro, após um discurso de Cícero - a quarta Catilinária - mas tendo recusado entregar-se foi morto em Janeiro de 62 a.C. no campo de batalha de Pistóia, o que lhe valeu um elogio de Floro: «Bela morte, assim tivesse tombado pela Pátria.»

Este discurso, o mais famoso de Cícero, foi usado como exercício escolar no ensino da retórica durante séculos, como é exemplo em Portugal a tradução do padre António Joaquim que teve três edições e que tem uma componente pedagógica muito importante.
JÁ NÃO PODES VIVER MAIS TEMPO CONOSCO
I


Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura. à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.

Pois não é verdade que uma personagem tão notável. como era Públio Cipião, pontífice máximo. mandou, como simples particular, matar Tibério Graco, que levemente perturbara a constituição do Estado? E Catilina. que anseia por devastar a ferro e fogo a face da terra, haveremos nós, os cônsules, de o suportar toda a vida? E já não falo naqueles casos de outras eras, como o facto de Gaio Servílio Aala ter abatido, por suas próprias mãos, Espúrio Mélio e, que alimentava ideias revolucionárias. Havia, havia outrora nesta República, uma tal disciplina moral que os homens de coragem puniam com mais severos castigos um cidadão perigoso do que o mais implacável dos inimigos. Temos um decreto do Senados contra ti, Catilina, um decreto rigoroso e grave; não é a decisão clara nem a autoridade da Ordem aqui presente que falta à República; nós, digo-o publicamente, nós, os cônsules, é que faltamos.

II

Decidiu um dia o Senado que o cônsul Lúcio Opímio velasse para que a República não sofresse dano algum. Pois nem uma noite passou. Gaio Graco, apesar da sua tão nobre ascendência, de pai, de avô e de seus maiores, foi morto por causa de certas suspeitas de revolta; juntamente com os filhos foi executado Marco Fúlvio, um consular. Com um mesmo decreto do Senado, foi a República confiada aos cônsules Gaio Mário e Lúcio Valério. Acaso adiaram eles mais um dia sequer a pena de morte, por crime de lesa-república, a Lúcio Saturnino, um tribuno da plebe, e a Gaio Servílio, um pretor?
Nós, porém, há já vinte dias que consentimos no enfraquecimento do vigor de decisão destes homens. Temos um destes decretos do Senado, mas está fechado nos arquivos como espada metida em bainha; e, segundo esse decreto senatorial, tu, Catilina, deverias ter sido imediatamente condenado à morte. E eis que continuas vivo, e vivo, não para abdicares da tua audácia, mas para nela te manteres com inteira firmeza. É meu desejo, venerandos senadores, ser clemente; é meu desejo, no meio de tamanhos perigos da República, não parecer indolente; mas já eu próprio de   inacção e moleza me acuso.
Há acampamentos em Itália contra o povo romano. estabelecidos nos desfiladeiros da Etrúria, aumenta em cada dia o número dos inimigos; e, no entanto, o general desses acampamentos e o comandante desses inimigos, eis que o vemos no interior das nossas muralhas e dentro do próprio Senado, urdindo a cada instante algum atentado contra a República. Se. neste momento eu te mandar prender, Catilina, se eu decretar a tua morte, o que sobretudo terei de temer, tenho a certeza, é que todos os bons cidadãos me censurem por ter actuado tarde, e não que haja alguém a dizer que usei de crueldade excessiva.
A mim, porém, aquilo que já há muito deveria ter sido feito, fortes razões me levam a não o fazer ainda. Hás-de ser morto, sim, mas só no momento em que já não for possível encontrar-se ninguém tão perverso, tão depravado, tão igual a ti, que não reconheça a inteira justiça desse acto.
Enquanto houver alguém que ouse defender-te, continuarás a viver, e a viver como agora vives, cercado pelas minhas muitas e fiéis guardas, para não poderes sublevar-te contra o Estado. È até os olhos e os ouvidos de muita gente, sem disso te aperceberes, te hão-de espiar e trazer vigiado como até hoje o têm feito.
III

Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite com suas trevas pode manter ocultos os teus criminosos conluios, nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração, se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público? É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia, e importa que os recordes comigo nesta hora.
Não te lembras de eu dizer no Senado, no dia 12 antes das Calendas de Novembro, que, em dia determinado, dia esse que havia de ser o sexto antes das Calendas de Novembro , haveria de pegar em armas Gaio Mânlio, um lacaio e instrumento da tua audácia? Enganei-me, porventura, ó Catilina, não só quanto a um acontecimento tão importante, tão horroroso e tão incrível, como também. o que é muito mais para admirar, quanto ao próprio dia? Fui eu ainda que disse no Senado teres tu fixado para o dia 5 antes das Calendas de Novembro a chacina da aristocracia. justamente na altura em que muitas das altas personalidades do Estado fugiram de Roma, não tanto por motivo de segurança pessoal, como para reprimirem as tuas maquinações. Serás capaz de negar que nesse mesmo dia, estando tu cercado pelas minhas guardas e pela minha vigilância, te não pudeste insurgir contra a República, quando tu, perante o afastamento dos restantes, dizias no entanto que a morte de quem tinha ficado, que éramos só nós, bastava para te contentar?
Pois quê? Quando tu, nas próprias Calendas de Novembro, estavas plenamente seguro de que tomarias Preneste num ataque nocturno, não deste conta, porventura, de que tinha sido por ordens minhas que aquela colónia fora guarnecida pelos meus destacamentos, sentinelas e rondas nocturnas? Nada fazes, nada intentas, nada imaginas que eu não só não oiça, mas veja e disso tenha pleno conhecimento.
IV

Recorda comigo, por fim, aquela noite famigerada de anteontem e logo verás que eu velo com mais ardor pela segurança do Estado que tu pela sua ruína. Afirmo que tu, na noite anterior a esta, vieste aos Cuteleiros (não vou falar por meias palavras), a casa de Marco Leca, e que no mesmo local se reuniu grande parte dos cúmplices da mesma criminosa loucura. Ousas, porventura, nega-lo? Porque te calas? Se o negas, eu to provarei, pois que vejo aqui presentes no Senado alguns dos que lá estiveram juntamente contigo.
Oh deuses imortais! Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso? Em que cidade vivemos nós? Estão aqui, aqui dentro do nosso número, venerandos senadores, neste Conselho. mais sagrado e mais respeitável da face da terra, aqueles que meditam a morte de todos nós, aqueles que trazem no pensamento a destruição desta cidade e até a do mundo inteiro. É a estes que eu, como cônsul, tenho na minha frente e lhes peço conselho acerca dos interesses do Estado, a eles, que deveriam ser passados a fio de espada e que eu nem com a palavra atinjo ainda.
Estiveste, pois, Catilina, em casa de Leca nessa noite; procedeste à partilha das regiões da Itália; determinaste para onde gostarias que cada um partisse; escolheste quem deixarias em Roma, quem levarias contigo; designaste os bairros da cidade destinados a incêndio; afirmaste que, por ti, já estavas disposto a partir; disseste que ainda te demorarias, contudo, um pouco, porque eu continuava vivo. Encontraste dois cavaleiros romanos, para te aliviarem" desta preocupação e se comprometerem a assassinar-me no meu próprio leito nessa mesma noite, pouco antes da alvorada.
Tudo isto eu vim a saber mal tinha ainda sido dissolvida a vossa reunião; guarneci e reforcei a minha casa com mais guardas; e àqueles que tu me enviaras pela manhã para me saudarem, tranquei-lhes a porta quando eles chegaram, a esses mesmos cuja intenção de me visitarem àquela hora eu já havia previamente comunicado a muitas e das mais altas personalidades.

V

Sendo assim, prossegue, Catilina, o caminho encetado; sai da cidade de uma vez para sempre; as portas estão abertas; põe-te a caminho. Há muito que te reclamam como general supremo esses teus acampamentos manlianos. Leva também contigo todos os teus; se não todos, pelo menos o maior número possível. Limpa a cidade. Libertar-me-ás de um grande receio quando entre ti e mim um muro se levantar. Já não podes conviver por mais tempo connosco; não o suporto, não o tolero, não o consinto.
Grande deverá ser o nosso reconhecimento para com os deuses imortais, particularmente para com o próprio Júpiter Estátor aqui presente, o mais antigo protector desta cidade, por tantas vezes termos escapado a esta peste tão abominável, tão horrorosa e tão hostil à República. Nunca mais a suprema segurança do Estado deve ser posta em perigo por causa de um homem apenas. De tantas vezes que tu, Catilina, me armaste ciladas quando eu era cônsul designado, não foi com a guarda pública, mas com os meus próprios meios, que eu procurei defender-me. Quando, por ocasião dos últimos comícios consulares, tu pretendeste matar-me no Campo de Marte, a mim que era cônsul e aos teus competidores, reprimi os teus criminosos intentos com a ajuda e recursos dos amigos, sem proclamar oficialmente o estado de sítio; numa palavra, todas as vezes que me atacaste, foi por mim mesmo que te resisti, muito embora eu visse que a minha morte ficaria ligada a uma grande desgraça do Estado.
Mas agora é a toda a República que tu diriges abertamente o teu ataque; são os templos dos deuses imortais, são as casas da cidade, é a vida de todos os cidadãos, é a Itália inteira, é tudo isto que tu arrastas para a ruína e a devastação. E, uma vez que não ouso ainda pôr em prática o que se imporia em primeiro lugar e que é próprio destes poderes" e da tradição dos nossos maiores, tomarei uma posição mais moderada quanto ao rigor, porém mais útil no que toca à salvação comum. É que, se eu te matar, continuará na República o restante bando dos teus conjurados; mas, se tu saíres, como já há muito te estou convidando, a cidade ficará vazia dos teus sectários, dessa profunda sentina que empesta o Estado.
Então, Catilina, que se passa? Hesitas em fazer por minha ordem o que tu já te dispunhas a realizar por tua livre vontade? É a um inimigo público que o cônsul manda sair da cidade. Perguntas-me se para o exílio? Não to ordeno, mas, se pedes o meu parecer, aconselho-to.

VI

Que há, ó Catilina, que ainda te possa causar prazer nesta cidade, em que não há ninguém, fora desta conjuração de homens depravados, que te não tema, ninguém que te não deteste? Que nódoa de escândalos familiares não foi gravada a fogo na tua. vida? Que ignomínia de vida particular não anda ligada à tua reputação? Que sensualidade esteve longe de teus olhos? Que acção infamante deixaram de perpetrar as tuas mãos algum dia? Que torpeza esteve ausente de todo o teu corpo? Que jovem haverá a quem não tenhas ilaqueado nas seduções da tua imoralidade, guiado o ferro na rebeldia ou o archote. na libertinagem?
Pois quê? Há pouco, quando, com a morte da tua primeira mulher, esvaziaste a tua casa com vista a um novo casamento, não acumulaste ainda sobre este delito um outro atentado inacreditável, que eu não refiro e acho melhor deixar passar em silêncio, para que não conste que nesta cidade se verificou a barbaridade de um crime tamanho, ou que este ficou sem castigo? Nem menciono a perda dos teus haveres, que tu verás todos confiscados nos próximos Idos; refiro-me a factos que dizem respeito não à infâmia pessoal dos teus vícios, não à tua penúria doméstica e à tua má fama, mas, sim, aos superiores interesses do Estado e à vida e segurança de todos nós.
Podes tu, Catilina, sentir prazer na luz deste dia ou no ar deste céu que respiras, ao saberes que ninguém dos presentes desconhece que, na véspera das Calendas de Janeiro", durante o consulado de Lépido e Tulo, te apresentaste armado no local dos comícios do povo; que tinhas um grupo de homens preparado para dar a morte aos cônsules e aos principais da cidade e que não foi nenhuma reconsideração da tua parte nem o teu medo, mas, sim, a deusa Fortuna do povo romano que impediu o crime da tua loucura? E já nem conto pois que não são nem desconhecidos nem poucos os delitos cometidos depois quantas vezes, sendo eu cônsul designado, quantas vezes mesmo durante o meu consulado, me tentaste matar! Quantos golpes, vibrados de tal maneira, que parecia impossível escapar-lhes, eu não evitei com um pequeno desvio ou, como costuma dizer-se, só com o corpo! Nada adiantas, nada consegues, e, contudo, não desistes de tentar e de querer.
Quantas vezes já esse punhal de assassino te foi arrancada das mãos! Quantas vezes, por um mero acaso, ele te escapou e caiu aos pés, esse punhal que, sinceramente, não sei em que iniciações mistéricas e a que deus o terás tu consagrado, para julgares necessário cravá-lo no corpo do cônsul.

VII

E agora, que vida é esta que levas? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja que não sou movido pelo rancor, que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste há pouco neste Senado. Quem, dentre esta tão vasta assembleia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saudou? Se isto, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras, quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio? E que dizes ao facto de, à tua chegada, esse lugar ter ficado ao abandono, e ao facto de todos os consulares, que tantas vezes figuraram nos teus planos de assassínio, mal te havias sentado a seu lado, terem deixado deserta e vazia essa zona da bancada? Com que coragem, afinal, julgas tu que hás-de suportar tal afronta?
Se os meus escravos me temessem da maneira que todos os teus concidadãos te receiam, eu, por Hércules!, sentir-me-ia compelido a deixar a minha casa; e tu, a esta cidade, não pensas que é teu dever abandoná-la? E se eu me visse, ainda que injustamente, tão gravemente suspeito e detestado pelos meus concidadãos, preferiria ficar privado da sua vista a ser alvo do olhar hostil de toda a gente; e tu, apesar de reconheceres, pela consciência que tens dos teus crimes, que é justo e de há muito merecido o ódio que todos nutrem por ti, estás a hesitar em fugir da vista e da presença de todos aqueles a quem tu atinges na alma e no coração? Se teus pais te temessem e odiassem e tu não os pudesses apaziguar de modo nenhum, retirar-te-ias, penso eu, do seu olhar para outra qualquer parte. Pois agora é a Pátria, mãe comum de todos nós, que te odeia e teme, e sabe que desde há muito não pensas noutra coisa que não seja o seu parricídio; e tu, nem respeitarás a sua autoridade, nem acatarás as suas decisões, nem te assustarás com o seu poder?
Eis que ela a ti se dirige, ó Catilina, e, no seu silêncio, como que fala:
«Há vários anos já que nenhum crime se viu cometido senão por ti; nenhum escândalo, sem ti; só tu cometeste, sem castigo e com toda a liberdade, o assassínio de muitos cidadãos, a opressão e saque dos nossos aliados; só tu te atreveste não só a desprezar, mas até a subverter e a infringir as leis e os tribunais. Esses crimes de outrora, posto que não devessem ter sido suportados, eu os suportei como pude; mas agora, estar eu toda em sobressalto somente por causa de ti, ser Catilina objecto de medo ao mínimo ruído que surja, não se poder descobrir conjura alguma tramada contra mim em que não esteja implicada a tua intenção criminosa, não, isso é que não devo suportar. Por isso, vai-te daqui e afasta de mim este receio; se ele tem fundamento, para eu não andar oprimida; se é ilusório, para eu, enfim, deixar de uma vez esta vida de medo.»

VIII

Se tais palavras, como disse, a Pátria te pudesse dirigir, não deveria ela conseguir o seu intento, muito embora não pudesse fazer uso da força?
E que dizer do facto de tu próprio te haveres entregado sob guarda provisória e teres dito, a fim de evitares suspeitas, que desejavas ficar em casa de Mânio Lépido? Como este não te recebeu, até a mim tiveste cara de te dirigir e de me pedir que te guardasse em minha casa. E, como também de mim levaste a resposta de que eu não podia de modo nenhum sentir-me seguro contigo dentro das mesmas paredes, porquanto já eu corria grande perigo pelo facto de estarmos metidos dentro das mesmas muralhas, foste a casa do pretor Quinto Metelo. E, repudiado por ele, imigraste para casa do teu comparsa Marco Metelo, esse grande homem de quem pensaste, claro está, que havia de ser o mais cuidadoso em te guardar, o mais esperto para te vigiar e o mais enérgico para te defender. Mas em que medida parece justo estar afastado da prisão e das cadeias quem se julgou, por si mesmo, digno de detenção?
Uma vez que assim é, Catilina, se não és capaz de esperar pela morte de coração resignado. ainda hesitas em partir daqui para outras terras e em entregar ao exílio e à solidão essa vida, subtraindo-a a muitos castigos justos e merecidos?
«Propõe-no ao Senado», dizes tu. É isto, com efeito, o que reclamas, e dizes que, se esta Ordem de senadores vier a decidir que é sua vontade a tua partida para o exílio, estás na disposição de obedecer. Não, não vou propor uma coisa que é contra os meus princípios, mas, sim, farei com que vejas o que estes pensam acerca de ti. Sai de Roma, Catilina; liberta o Estado destas apreensões; parte para o exílio, se é esta a palavra de ordem que esperas. Então? Não vês? Não dás conta do silêncio dos presentes? Se estão calados, é porque consentem. Porque esperas pela autoridade das palavras, quando percebes muito bem pelo seu silêncio o que têm na vontade?
Ora, se eu tivesse dito estas mesmas palavras a um jovem tão cheio de qualidades como Públio Séstio aqui presente, se as tivesse dirigido a Marco Marcelo, varão da mais alta virtude, já o Senado, apesar de eu ser cônsul, teria, com plena justiça, lançado contra mim, neste mesmo templo, a sua força e o seu poder. A teu respeito, porém, Catilina, a sua imobilidade é uma aprovação; o seu consentimento, um decreto; o seu silêncio, um clamor. E não apenas estes aqui presentes, cuja autoridade tens, pelos vistos, em grande estima, mas a vida em vil apreço; também aqueles cavaleiros romanos, homens da maior honestidade e excelência, e os restantes cidadãos tão valorosos que de pé circundam este Senado, e de quem tiveste ensejo, há momentos, de ver não só a afluência, mas até de reconhecer claramente as disposições e ouvir distintamente os clamores. É com dificuldade que desde há muito detenho suas mãos e suas armas aparelhadas contra ti; mas, se abandonares estes sítios que há largo tempo pretendes devastar, é com facilidade que os poderei levar a escoltarem-te até às portas da cidade.

IX

Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te? Tu, como tentarás planear alguma fuga? Tu. como podes pensar nalgum exílio? Oxalá os deuses imortais te inspirassem tal propósito, muito embora eu veja que, se tu, apavorado com as minhas palavras, te decidires a partir para o exílio, uma enorme tempestade de ódios ameaça desabar sobre nós, se não no tempo presente, por causa da fresca lembrança dos teus crimes, pelo menos para o futuro. Vale, porém, a pena, desde que essa desgraça seja particular e se não misture com os perigos do Estado. Mas a ti, o que não se deverá exigir é que te afastes dos teus vícios, que alimentes profundo receio dos castigos da lei, que recues perante as conjunturas críticas da República. Nem tu, Caulina, és de molde que a vergonha te afaste da infâmia; ou o medo, do perigo; ou a razão, da loucura.
Por isso mesmo, parte, como já tantas vezes te disse, e, se pretendes, conforme apregoas, atear o ódio público contra mim, teu inimigo, avança já direito ao exílio; se o fizeres, muito me custará suportar a censura dos homens; se partires para o exílio por ordem do cônsul, muito me custará sentir o fardo dessa impopularidade. Se, porém, preferes servir o meu prestígio e a minha glória, sai juntamente com o indesejável bando dos celerados, refugia-te junto de Mânlio, convoca os cidadãos perversos, separa-te dos homens de bem, move guerra contra a Pátria, exulta com uma sacrílega revolta de bandidos, para que se veja que não foste expulso por mim para o meio de estranhos, mas, sim, convidado a partir para junto dos teus.
De resto, para quê convidar-te a isso, uma vez que tenho conhecimento de que tu enviaste homens à frente para te esperarem armados junto do Fórum de Aurélio, e sei que tu combinaste e fixaste a data com Mânlio, e sei que até enviaste à frente aquela famosa águia de prata", uma águia que, assim o espero, há-de tornar-se ruinosa e fatal para ti e para todos os teus, uma águia à qual esteve levantado em tua casa um criminoso santuário? Como é que tu poderás passar mais tempo sem aquela que costumavas adorar ao partir para a carnificina, tu que tantas vezes fizeste passar essa dextra sacrílega, do seu altar para a chacina de cidadãos?

X

Irás, enfim, de uma vez para sempre, para onde há muito tempo te arrastava essa tua paixão desenfreada. e louca, pois não é pesar o que esta partida te causa, mas um estranho e inacreditável prazer. Foi para semelhante loucura que a natureza te gerou, te preparou a vontade, e o destino te guardou. Tu, não só nunca desejaste o tempo de paz, mas nem sequer uma guerra que não fosse criminosa. Topaste uma corja de bandidos formada de gente perversa, enjeitada não só de toda a sorte, mas até de toda a esperança.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Evento de Carrington ou Tormenta Solar


Explosão de Massa Coronal que gera as Tempestades Solares. Imagem: Telegraph.co.uk
O Evento de Carrington ou Tormenta Solar de 1859 foi uma grande tempestade geomagnética provocada por ondas solares ocorrida em 2 de setembro de 1859. Seu nome provém de Richard Carrington, astrônomo inglês, especialista em manchas solares. Esta tormenta solar foi a mais potente já registrada pela história da humanidade. Causou falhas no serviço de telégrafo em toda a Europa e América do Norte. O evento parece ter sido notado em 28 de agosto de 1859 quando foi possível perceber auroras boreais por quase toda América do Norte. Observou-se imensas cortinas de luz de Maine até a Flórida.
A magnetosfera protege a superfície da Terra das partículas carregadas do vento solar. É comprimida no lado diurno (Sol) devido à força das partículas chegantes, e estendido no lado noturno. Imagem: http://www.space.com/

As erupções solares que provocam tormentas magnéticas podem causar danos nos sistemas dos satélites e de comunicação, bem como nas redes de energia. Alguns consideram até a possibilidade de um grande apagão e que poderiam ocorrer detonações atômicas espontâneas.
Um fenômeno suficientemente forte desestabilizaria, inclusive de forma catastrófica, uma boa parte da tecnologia global.
O mundo moderno, depende em excesso da rede satelites, de telecomunicações, aparelhos eletrônicos de todo tipo, tecnologias muito vulneráveis a variações espaciais.
Tempestade solar pode ser causa do apagão no Nordeste
O pulso eletromagnético detectado nos EUA teve origem após uma explosão solar ocorrida no dia 31 de Janeiro de 1989, quando uma grande quantidade de massa coronal foi ejetada da estrela (Sol). A maior parte dessas partículas seguiu em direção ao espaço, enquanto uma pequena parcela atingiu o campo magnético terrestre e pode ter provocado auroras nas latitudes médias e altas.


Vento Solar provindo das Explosões Solares que Ejetam Massa Coronal no espaço em direção da Terra. Imagem: http://www.space.com/

Exatamente nesse mesmo instante, quase toda a região Nordeste ficou às escuras. Segundo relatos feitos no site Painel Global, diversos carros e luzes também apresentaram funcionamento errático e intermitente, além de muita interferência nas estações de rádio.

Em boletim recebido do SWPC, Centro de Previsão de Tempo Espacial dos EUA, às 02h36 UTC (23h36 no Nordeste e 00h36 em Brasília), magnetômetros instalados em Boulder, no Colorado, registraram um repentino pulso eletromagnético de 8 nanoTeslas (Tesla é a unidade de medição de campos magnéticos). Para fins de comparação, o pulso eletromagnético registrado teve intensidade de 8 nanoTeslas. A maior tempestade solar já registrada ocorreu em setembro de 1859 e teve a intensidade estimada em 110 nanoTeslas. Essa tempestade ficou conhecida como Evento Carrington.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte V. Considerações finais.


O Pecado Original: desobediência a Lei de Deus...."do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal dessa não comereis por que no dia em de-la comeres certamente morrereis". Os Pelagianos não acreditavam que o pecado de Adão e Eva foram passados para seus descendentes pelo contrario cria que os homens eram livres para escolher entre o bem e o mal não sofrendo influência nenhuma da natureza desobediente de nossos primeiros pais. Essa crença se opunha contra todas as premissas da Salvação por meio de Cristo segundo a Graça Divina.
Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Chegamos ao final de nosso estudo sobre o Pelagianismo em suas implicações na vida da Igreja Cristã e dos cristãos do século IV e inicio do século V d.C. Agora analisaremos de forma ampla as questões que firmavam o pelagianismo como uma força religiosa que teve respeitável número de adeptos, mas como tal teve um grande adversário pela sempre por meio da Igreja Católica que firmava as premissas de sua fé na tradição Apostólica.

A convicção básica de Pelágio e seus seguidores consistiam em que a natureza do homem era correta e fundamentalmente imutável. Originalmente criados por Deus, reconhecia-se que os poderes da natureza humana tinham sido cerceados pelo peso dos hábitos passados e pela corrupção da sociedade. Mas essa constrição era puramente superficial. A “remissão dos pecados” no batismo podia significar para o cristão a recuperação imediata da plena liberdade de ação, que fora meramente suspensa pela ignorância e pelas convenções.

O homem pelagiano era, essencialmente, um indivíduo separado: o homem católico estava sempre prestes a ser tragado por vastas e misteriosas solidariedades. Para Pelágio, os homens haviam simplesmente resolvido imitar Adão, o primeiro pecador; para os católicos, eles recebiam sua fraqueza essencial da maneira mais íntima e irreversível que havia: nasciam pela mera realidade da descendência física desse pai comum da raça humana.

Para Pelágio o pecado humano era essencialmente superficial: era uma questão de escolha. As escolhas erradas podiam acrescentar uma certa “ferrugem” ao metal puro da natureza humana, mas uma escolha, por definição, era reversível. Para estes o autocontrole era suficiente: bastava defender a cidadela da decisão livre, escolhendo o bem e rejeitando o mal.

Por mais conscientemente cristão que fosse o movimento pelagiano, ele se apoiava solidamente no leito dos antigos ideais éticos do paganismo, sobretudo do estoicismo. Eles achavam que os bebês eram criados por Deus e, portanto, eram bons; que não poderiam ser amaldiçoados por não serem batizados; e “que o homem pode chegar à felicidade por seu livre-arbítrio respaldado pela bondade da natureza humana.” Pretendiam persuadir os homens como tinham feito os filósofos pagãos, de que eles poderiam atingir neste mundo uma “vida completa”, uma beata vita.

Os tratados de Pelágio soam vez por outra, como obras de teoria política racional. Seu Deus é um déspota esclarecido e os cristãos são bem providos de Sua legislação abundante. Pelágio indignava-se com o fato de os homens continuarem a descumprir as ordens de um soberano tão sensato e bem-intencionado:

“Depois de tantos avisos a vos chamar a atenção para a virtude, depois da entrega da Lei, depois dos profetas, do Evangelho e dos apóstolos, simplesmente não sei como Deus poderá vos demonstrar indulgência, se quiserdes cometer um crime.”

Pelágio presumia constantemente que a existência de um bom meio podia influenciar diretamente os homens para melhor. Segundo ele, a vontade dos homens podia ser “impactada” a agir pelo bom exemplo de Cristo e pela terrível sanção do fogo do inferno.

Havia um traço de frieza na mentalidade de todo o movimento pelagiano. Adão fora punido com a pena de morte por desrespeitar uma única proibição; e até ele era menos culpado do que nós, pois, não tivera o grande benefício da execução anterior de um ser humano para detê-lo.  A liberdade podia ser admitida como um fato: simplesmente fazia parte de uma descrição do ser humano feita pelo senso comum. Presumia-se que o homem fosse responsável (caso contrário, como poderiam seus pecados ser chamados pecaminosos?) e ele tinha consciência de exercer escolhas; portanto, insistia Pelágio, era livre para determinar seus atos.

“No começo, Deus instalou o homem e o deixou entregue a seu próprio arbítrio. (...) Colocou diante de ti a água e o fogo, para que estendas a mão para o que quiseres.”

Pelágio e seu discípulo Celéstio, julgavam poder argumentar diretamente a partir das realidades aceitas da escolha e da responsabilidade para completar a autodeterminação humana: “É coisa mais fácil do mundo” escreveu Celéstio, “mudar nossa vontade por um ato de vontade.” Para eles, a diferença entre os homens bons e maus era muito simples: uns escolhiam o bem, e outros o mal.

Para os católicos a liberdade não pode ser reduzida a um sentimento de escolha: trata-se de uma liberdade de agir plenamente. Tal liberdade deve envolver a transcendência do sentimento de opção. É que o sentimento de opção é sintoma da desintegração da vontade: a união final do conhecimento e do sentimento envolveria de tal maneira o homem no objeto de sua escolha, que qualquer outra alternativa seria inconcebível.