quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

UMA BREVE INTRODUÇÃO AO POSITIVISMO E SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL.




 Autor: LEANDRO CLAUDIR PEDROSO

RESUMO

Para aqueles que estudam a História a presença e influência do positivismo no Brasil sempre foi uma realidade analisada e estudada como base de nossa República, pois em nossas terras encontrou terreno fértil nas mentes sedentas por novas ideias. Para tanto vemos que o mesmo foi trazido para o Brasil por vários pensadores que tiveram sua experiência no exterior ou a proximidade com as ideias de Comte. Aqui em nossa pátria são muitos os nomes que se sobressaíram por meio das doutrinas do mestre de Montpellier e cada um destes trouxe suas peculiaridades e acréscimos para o Apostolado Positivista no Brasil. O mesmo se da em relação à ampla abrangência da atuação do movimento em praticamente todos os Estados da Federação, ainda que com diferenças e particularidades de cada região. Em todo o envolvimento que o comtismo teve em nosso país, ele conseguiu abranger praticamente todas as áreas de atuação intelectual, seja da medicina a política chegando à literatura e ensino de modo a confundir-se com a nossa própria história. E devido a todas essas marcas, o Positivismo no Brasil serviu como uma alavanca evolutiva em nossa cultura, uma cultura jovem de uma nação jovem, que carecia de sua presença e o mesmo não deixou faltar.
Palavras chaves: História. Positivismo. Brasil. República. Augusto Comte.

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho traremos ao conhecimento do leitor as informações concernentes ao positivismo em tratando de sua origem e ideias, seus pensamentos baseados nas ideias de Augusto Comte, bem como os propostos objetivos estabelecidos pelo Mestre de Montpellier como era também chamado Comte. Nos pontos relativos aos pensadores internacionais que difundiram as ideias comtianas traremos as principais mentes envolvidas e sua relação com a propagação do movimento pelo mundo, suas ideias e as vertentes de pensamentos dentro do positivismo ao qual pertenciam e aqueles relacionados a ascensão das ciências naturais aos quais muito influenciou. Desenvolveremos as ideias com base nos eventos históricos datados da origem da filosofia Positivistas e depois de deixarmos os leitores cientes dos propósitos de Comte com o mesmo e seu interesse com o olhar cientifico sobre a sociologia, embarcaremos na influência que o mesmo teve no Brasil, sua ação em nosso país que se desenvolveu no meio dos centros culturais dos Estados de nossa nação, conheceremos os principais centros de difusão do Positivismo no Brasil e o modo como os mesmo influenciou a vida politica e intelectual de nossa nação em meados do século XIX e inicio do XX. Discorreremos pelos principais nomes relacionados às ações da filosofia comtiana e os Estados aonde atuaram e a ligação dos mesmos com a causa republicana, uma das ações aonde o Positivismo foi predominante para a derrocada do império e a ascensão da República. Poderemos observar ao longo do trabalho a relação entre as Escolas politécnicas do sudeste do Brasil e a influência das mesmas em seus alunos e professores, aos quais viriam a ser divulgadores dos pensamentos de Augusto Comte em nossa pátria. Bem como também não seria diferente nas faculdades de ciências exatas e biológicas, o positivismo teve ai uma grande influência, em trabalhos e teses dos quais muitas foram elaboradas por aqueles que viriam ser os divulgadores da filosofia do Mestre de Montpellier. Apresentaremos as datas aproximadas da chegada das primeiras obras positivistas no Brasil e a regiões aonde foram divulgadas e o impacto causado por elas nas diversas áreas da cultura e politica nacionais. Bem como o nome dos primeiros divulgadores da filosofia positivista aqui e sua busca no exterior e em terras nacionais por aprimorarem seus conhecimentos. Em por menores traremos com alguns detalhes aqueles nomes de positivistas nacionais que marcaram suas épocas pelo engajamento com as ideias de Comte. E ao final exporemos em amplo espectro as ações e os engajados nelas por cada região do Brasil respectivamente, desde o momento da chegada da filosofia as suas respectivas regiões e suas principais influências e aqueles que por ela fizeram uso para um melhor desenvolvimento da sociedade com base na ciência pelos pensamentos filosóficos comtianos.


2 ENTENDENDO O POSITIVISMO

O Positivismo é uma escola filosófica, chamada tempos depois de Filosofia Científica, fundada por Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857), sendo sua principal marca a revolta antimetafísica. As bases de Comte se desenvolveram a partir de reflexões na ciência e filosofia do século XIX, acreditando que somente através da ciência pode conduzir as pessoas ao conhecimento através da experiência, sendo considerado pelo mesmo como a base e fundamento metodológico de uma nova ciência social, a física social ou sociologia que tempos depois também seria vista por Comte como a Religião da Humanidade. Mas mesmo ele se considerava continuador de uma ideia iniciada pelo filosofo ligado à Enciclopédia, Nicolas de Condorcet (1743-1794) que foi talvez o primeiro a formular de maneira precisa a ideia de que a ciência da sociedade, nas suas várias formas, deve tomar o caráter de uma matemática social, mas com uma diferença fundamental, ele os considerava demasiadamente críticos e negativos. Na sua visão, o pensamento deve ser inteiramente positivo, eliminando as críticas e negatividade, mas mesmo com essas divergências, sempre considerou com apresso as ideias de Condorcet mesmo segundo ele nunca ter chegado a entender as leis que regem a sociedade devido aos seus preconceitos revolucionários como definiu Comte.
Pela visão positivista as ações filosóficas e cientificas devem ser norteadas a atuar somente na análise dos fatos que podem ser comprovados pela experiência, pois domínio das coisas em si como nos ensina não é acessível ao espirito humano que deve rejeitar aquilo que estabelecido sem verificação, demarcando deste modo, as leis e reações entre os fenômenos observados e sua influência. Dentro do positivismo distinguem-se duas vertentes de pensamento: o então Positivismo Clássico de Augusto Comte, e o Positivismo lógico, movimento filosófico surgido entre as duas grandes guerras, que teve no Círculo de Viena a sua maior expressão. O Positivismo Lógico caracteriza-se por relacionar a tradição empirista ao formalismo da lógica matemática, recomendando a interação entre o objeto de estudo a análise da relação entre fatos objetivos e a linguagem que busca considerá-los. Em relação a esse assunto a posição dos linguistas que limitavam suas considerações aos fatos da linguagem como um conjunto de fenômenos que deveriam ser expostos indiferentes aos que as utilizam. Ação esta que chegou a última instancia em fins do século XIX, com a ascensão das ciências naturais e do método analítico. Contra ela reagiram além dos linguistas da chamada escola idealista, alguns linguistas independentes, como Graziadio Isaia Ascoli (1829-1907) e Hugo Ernst Mario Schuchardt  (1842-1927).
Michael Löwy (1938) nos escreve suas ideias de como seria um positivismo ideal, e para tanto ele apresenta três ideias principais da qual norteia seus pensamentos, em seu primeiro apontamento refere-se ao fato de que a sociedade humana é organizada por leis naturais que atuam independente do querer humano ou de suas ações em prol disso. O positivismo propõe que essas leis e organizam as atividades da vida social, econômica e politica, tem por base as mesmas estruturas das leis que regem a natureza, e desse modo segundo o positivismo o que manda na sociedade é a harmonia vigente como no mundo natural. Com isso temos as bases epistemológicas de que os métodos para conhecer a sociedade e a natureza são os mesmo, a partir dessa conclusão Löwy denomina essa ação de naturalismo positivista. Para o próprio Löwy a mais importante de suas três conclusões sobre o tipo ideal de positivismo é que as ciências sociais devem ser como as ciências naturais, objetivas, neutras, livre de juízos de valores e de ideologias.  Trabalhando com a objetividade cientifica, analisando a sociedade com o mesmo espírito, uma concepção positivista onde as ciências sociais estão afastadas de qualquer vinculo com as classes sociais, posições politicas, valores morais, ideologias e visões de mundo. Resume-se em apagar os elementos ideológicos da ciência social que não passam de preconceitos para o positivismo e prejuízos para que a objetividade científica.

2.1 METODOLOGIA

Para a elaboração deste trabalho foi realizada uma pesquisa bibliografia nas obras em que foram encontrados temas referentes ao Positivismo no Brasil como estão presentes nas referências. As obras foram estudas para a composição do trabalho, segundo as informações contidas nas mesmas de modo a extrair os princípios particulares que foram necessários para a composição deste trabalho. Foi observado o fenômeno positivista e sua influência em nossa realidade brasileira, aonde procuramos mostrar a veracidade ou refutar as hipóteses apresentas aqui.

3 INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO NO BRASIL


Outra contribuição do Positivismo para o Brasil foi à bandeira nacional, adotada pelo Decreto nº 4, de 19 de novembro de 1889, projeto de Teixeira Mendes, com a cooperação de Miguel Lemos, cujo protótipo se encontra ainda hoje no Templo da Humanidade do Rio de Janeiro. Muitas influências do Positivismo podem apontar para a organização da República de 1889. Dentre elas o acrescimento ao Projeto da Constituição do Governo Provisório que afirma que nenhuma guerra pode ter lugar, salvo no caso de agressão imediata, sem recorrer-se ao arbitramento. Outra influência positivista diz respeito à reforma do ensino, tanto civil quanto militar em 1890.
No Brasil o desenvolvimento do Positivismo foi importantíssimo para o desenvolvimento de nossas próprias ideias nacionais e de nossa identidade como nação para o mundo moderno. Sua história em nosso país tem grande importância, pois foi sob as bases positivistas em sua grande parte que nossa nação se preparou teoricamente para receber o novo sistema de governo, a República. Logo após a queda do império se olharmos para os principais envolvidos vemos que a grande maioria dos republicanos eram de propagandistas positivistas e que logo após a ruína do império encontramos os mesmos ocupando cargos elevados do governo e da administração pública. Na área política de nossa nação temos nomes como o de Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), positivista e republicano, fez-se sentir sobre grande número de oficiais principalmente do Exercito, e de civis que mais tarde tiveram postos de comando na vida brasileira. A primeira constituição gaúcha de cunho republicano teve fortemente presente as ideias de Comte, ocupou o governo positivista Júlio Prates de Castilhos (1860-1903), sucedido por outro, Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961). Liderando o executivo de outros Estados também estiveram presentes os positivistas: Lauro Nina Sodré e Silva (1858-1944), no Pará; Alexandre José Barbosa Lima (1862-1931), em Pernambuco; João Pinheiro da Silva (1860-1908), em Minas Gerais, sendo estes apenas alguns nomes das constelações de positivistas republicanos. O Positivismo de Comte e suas ideias influenciaram as constituições republicanas do Amazonas e do Espírito Santo.
No período em que o positivismo esteve presente na vida pública brasileira duas vertentes de pensamento se destacaram: a primeira era o Positivismo ortodoxo, seguido pelos que não queriam qualquer atualização no espirito da doutrina, defendendo até mesmo “os aparatos do culto externo”, que Comte havia prescrito para dar forma à religião da Humanidade; a segunda era uma visão positivista que abrangia dentro de uma área mais extensa em que as ideias de Comte eram as principais, mas sem ser as únicas ideias aceitas. De acordo com Stuart Mill, estes acreditavam que a simples adesão ás criações dos grandes espíritos científicos, cujas descobertas foram capitais para a humanidade. Diante destas duas correntes positivistas do Brasil e suas opiniões divergentes, entraram em confronto na segunda metade do século XIX e inicio do XX, os seguidores do segundo grupo voltaram-se para duas áreas distintas, em uma poderiam aceitar a doutrina comtiana sem a rigidez da ideologia ortodoxa aonde só os pensamentos de Comte valiam. Essas duas novas áreas nos quais se dirigiram, podem ser representadas pelas orientações dada ao Positivismo por Littré e pelo Evolucionismo de Spencer, aonde os ensinamentos de Comte acham um crescimento junto as ideias de Darwin e Spencer. Deixando de ser algo fechado em si próprio e permitindo a presença de novas ideias em seu meio como nos mostra Littré, respondendo deste modo as necessidades da ciência que está em constante aprimoramento. Deste modo encontrou o Positivismo em Spencer um novo nome para estenderem suas doutrinas e em Littré alguém que as reformulou para as necessidades da ciência moderna. Mesmo que com muitas divergências, seus seguidores encontravam muitas ideias convergentes e assim puderam trabalhar em conjunto com as ideias filosóficas de cunho cientifica presentes na época. Mas o interesse pelas reformas de Littré foi se esvanecendo e por fim o Positivismo Ortodoxo agregou os grupos em uma vertente.
No inicio do século XX, Augusto Comte tornou-se um nome presente nos círculos acadêmicos do Brasil, ao ponto de ser visto lado a lado com as ideias dos filósofos da Antiguidade. Criando um clima geral de completa fascinação por suas ideias. Em São Paulo ainda que vigorasse as ideias conservadoras da filosofia, os acadêmicos paulistas abraçavam as novas correntes de pensamento. As mais influentes eram o materialismo e o positivismo, mas a ação do positivismo no Brasil instaurou um conflito entre os bispos e o poder civil.   Comte sempre suscitou que o Positivismo espalhar-se-ia rapidamente pelo mundo, mas nunca imaginou que seria o Brasil a terra mais fértil aonde suas ideias cresceriam áreas dos estudos e também exercendo influência nas instituições sócias por várias regiões de nosso pais.
Augusto Comte considerava a incorporação da massa obreira à sociedade um dos mais graves problemas sociais de todos os tempos, pois a mesma vivia a margem, acampada ao redor da sociedade. Dessas ideias comtianas, Teixeira Mendes por meio de Benjamin Constant submeteu em 25 de dezembro de 1889 as medidas a favor dos trabalhadores ao Governo Provisório. Outra importante influência do Apostolado Positivista foi à liberdade no exercício das profissões, quer sejam elas morais, intelectuais ou industriais. E do mesmo modo não admiti privilégios para diplomados no serviço público. Essa inovação foi transplantada para a Constituição Federal em 1891 e para a Constituição do Rio grande do Sul. São também de inspiração positivista os artigos da Constituição de 1891 que proíbem o anonimato na imprensa.
Grande preocupação teve o Apostolado Positivista com nossas populações fetichistas, chegando mesmo a definir o Brasil em seu projeto de constituição como uma Federação composta pelas populações brancas, de origem europeia, mais as hordas aborígenes espalhadas pelo território nacional. Vale a pena transcrever os princípios sob os quais Cândido Rondon, uma simpatizante do positivismo conduziu sua obra humanitária em nosso interlan, pelos quais podemos nos aperceber que muito dificilmente alguém teve para com nossos humildes irmãos da floresta melhor atitude de coexistência pacífica:
“I-Morrer se preciso for; mas matar, nunca. II- Respeitar as tribos indígenas como nações independentes, embora sociologicamente embrionárias. II- Garantir aos índios a posse das terras que habitam, necessárias à sua sobrevivência. IV- Assegurar aos índios a proteção direta do Estado, não como favor, mas como dever de assistência à sociedade fetichista, que não pode competir com tecnologia do civilizado.” (SOARES, 1998, p. 105.)

Dentre as diversas áreas de ação do positivismo encontramos sua atividade na liberdade de cultos, uma questão que mereceu maior interesse através da separação da Igreja do Estado, sendo está uma de suas principais conquistas após a instituição da República. O próprio Comte via a separação entre poderes temporais e espirituais o principio capital da política moderna. Ficando assim proposto por Benjamin Constant em 9 de dezembro de 1889: “Art.1º-É livre o exercício de qualquer culto, ficando abolida a união entre Estado e a Igreja Católica.”

4 GRANDES NOMES DO POSITIVISMO NO BRASIL

O aparecimento escrito da doutrina positivista de no Comte no Brasil ocorreu pela primeira vez na metade do século XIX, escrita em português na obra de Antônio Ferrão Moniz de Aragão (1813-1887), em seu livro Introdução dos Elementos de Matemática, publicados na Bahia em 1858, e declarando-se abertamente como seguidor de Augusto Comte difusor de suas ideias positivistas. Atuando de principio diretamente contra as filosofias com base espiritualista, que até então eram a única e exclusiva base da filosofia no Brasil por meio de seus renomados representantes dos quais cito os seguintes nomes como o de Frei Francisco de Mont’Alverne (1784-1858), Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882), Eduardo Ferreira França (1809-1857), Padre Patrício Muniz Tavares (1793-1876), Soriano de Sousa (1833-1895) e Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905). Nesse confronto se engajaram em uma frente, o Positivismo ao lado do Materialismo e do Evolucionismo, que marcavam suas posições entre os pensadores da época, mas foi a influência positivista que predominou durante esta fase aonde as ideias filosóficas no Brasil começaram a se renovar. Advindo primeiramente de brasileiros que estudaram na França, alguns chegando a se alunos do próprio Augusto Comte, nomes como os de José P. d’Almeida, Antônio Campos Belos, Agostinho Roiz Cunha dentre outros. Com o passar do tempo o positivismo expandiu seu campo de ação em virtude de teses que diversos professores defenderam em escolas superiores, nesse aspecto destacam-se nomes como os de Luís Pereira Barreto (1840-1923), com suas sobras, Teoria das Gastralgias e das Nervoses em Geral, em dois vol., e As Três Filosofias. A cidade de Recife era o principal centro de onde por meio da denominada Escola de Recife, cujo iniciador foi Tobias Barreto (1839-1889) homem de mente ativa e pensamento inquieto logo buscou outros caminhos sem seus estudos do pensamento. O mesmo ocorreu com outros dois vultos eminentes deste grupo, Sílvio Romero e Clóvis Bevilacqua, que passaram a orientar-se pelo Evolucionismo spenceriano, pensamento filosófico fundado por Herbert Spencer (1820-1903), filósofo e sociólogo inglês. Apesar da influência comtiana que os acompanhou sempre. A filosofia de Spencer, para esses dois pensadores, nada mais era que um desdobramento do positivismo comtiano, sua verdadeira adaptação à doutrina de Darwin, como podemos ver através dessa citação de Spencer:
"Passando do homem como indivíduo, ao homem em sociedade, encontramos novos e mais variados exemplos da lei geral. A passagem do homogêneo ara o heterogêneo verificam-se também nos progressos da civilização, vista em conjunto, do mesmo modo que nós de cada nação ou tribo". (SPENCER, 2002, Pg. 30)

A primeira atividade de um positivista que se tem noticia no Brasil foi a de Justiniano da Silva Gomes, que realizou uma tese de concurso para a cadeira de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Bahia em 5 de setembro de 1844, com o título de “Plano e Método de um Curso de Fisiologia”. Nesta tese ele aplicou a Lei dos Três Estados, cita Comte diretamente e suas ideias positivistas. Diferente do que muitos pensavam o positivismo chegou ao Brasil por meio da Biologia e não das ciências exatas como era o consenso há muito tempo. O crescimento da filosofia de Comte somente cresceu desde a publicação da tese de Justiniano que serviu como uma alavanca propulsora das ideias comtianas. Muitos brasileiros foram até a França estudar com o próprio Augusto Comte e trouxeram ou vieram posteriormente inspirados pelo interesse dos acadêmicos brasileiros pelo positivismo vários discípulos de Comte. Que posteriormente difundiam os conhecimentos que adquiriram no contato com os discípulos de Comte. A partir da metade do século XIX as ideias positivistas vem entrando e estando presente mais frequentemente nas Escolas Politécnicas e Faculdades do Brasil, aonde teses de matemática, física e astronomia são defendidas sob a bandeira do positivismo.
Dois nomes que desenvolveram grandes ações no Apostolado Positivista do Brasil e sua expansão no Rio de Janeiro após sua conversão foram Miguel Lemos e Teixeira Mendes, aonde foi instalada a Igreja Positivista. Outra façanha de ambos foi a idealização da bandeira da República com sua máxima positivista “Ordem e Progresso. O apostolado positivista também foi pioneiro ao dar assistência aos índios baseados em seus ideais de justiça e fraternidade. E para tanto não poderíamos deixar de ter outro grande nome, nosso conhecido Cândido Rondon, pioneiro e em grande parte responsável pela criação das atuais leis de amparo aos índios.
Como não poderia ser diferente os nomes daqueles envolvidos com o positivismo sempre estiveram afrente do seu tempo e isso se deu com Nisia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), foi pioneira na luta pela emancipação feminina, pela abolição dos escravos, se envolveu com a educação e literatura, sendo a mantenedora por muitos anos do Colégio Augusta no Rio de Janeiro. Sua paixão pelo positivismo pelo inicio em 1857, quando então participou e uma conferencia aonde Augusto Comte apresentou suas ideias e desde esse momento manteve uma amizade muito próxima com o filosofo. Do mesmo modo como cresceu a amizade entre ambos, cresceu os ideais do positivismo em Nisia, tornando-se uma das grandes discípulas de Comte, que viajou pelo Brasil e o mundo levando o pensamento positivista.
Luiz Pereira Barreto (1840-1923) é o nome que nos vem em mente quando se trata da difusão do positivismo nas terras brasileiras, médico, homem de mente aberta, pronto a ampliar sua visão de mundo, lutou pela aplicação das campanhas de vacinação em massa obrigatória contra a varíola, indo contra até os colegas positivistas ortodoxos que consideravam essa ação uma afronta às liberdades pessoais e uma violência moral, pois invadia a consciência das pessoas. Sua inteligência e discernimento fizeram de Barreto um propagandista de primeira ordem do Positivismo no Brasil, sendo o mesmo difusor direto das ideias de Comte e utilizando as mesmas de forma atenta aos principais problemas do Brasil e as soluções apontados pela filosofia positivista. Escreveu centenas de artigos de cunho filosófico, a maioria de caráter polêmico. Publicou também na Europa vários artigos de difusão do Positivismo em várias línguas.
Em 1857, outro brasileiro cujo nome seria reconhecido como um dos grandes positivistas do Brasil foi Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1837-1891), este chegou aos ensinos do mestre de Montpellier através da matemática e do qual se tornou um propagandista árduo e fervoroso. Sua personalidade foi uma das grandes marcas de sua pessoa que somente ajudaram o positivismo a se difundir. Benjamin Constant lutou durante a Guerra do Paraguai e após o termino do conflito trabalhou como diretor do Instituto de Cegos, do qual adquiriu experiência e elaborou um relatório do qual por meio de técnicas inovadoras, mas polêmicas para a época demonstrou sua compreensão do papel da educação. Fundou um dos maiores colégios de educação, voltado para o domínio cultural, baseado nas ideias de Comte que veio a se tornar um dos maiores formadores de grandes mentes da época, a Escola de Educação Superior.  Benjamin Constant era um homem intimamente ligado a politica, da qual teve um papel crucial para a formação da República brasileira. Trabalhou junto com Deodoro da Fonseca, e sua ligação com o mesmo transformou as atividades republicanas de forma efetiva. Entrou para os anais da História positivista como o fundador da República brasileira, sendo o mesmo inteiramente fiel aos ensinamentos do mestre de Montpellier no que diz respeito aos ensinos científicos, políticos e religiosos. Chegou a ser Ministro da Instrução Pública, de onde realizou intensas mudanças no ensino básico, técnico e superior.
Demétrio Nunes Ribeiro (1853-1933), bacharel em ciências físicas e matemáticas, foi um dos fundadores do Partido Republicano Rio-grandense, primeiro Ministro da Agricultura do regime republicano em 1889.  Mesmo diante  do pouco tempo que permaneceu como ministro, foi o suficiente para realizar conquistas básicas como a separação da Igreja e do Estado. Diante disto se deu ampla liberdade espiritual, benéfica a todos os cultos. Outras consequências foram o casamento civil e a secularização dos cemitérios. Demétrio Ribeiro foi ainda proponente do Decreto relativo às festas e aos feriados nacionais.
Outro nome que não pode esquecido é de Edgar Roquette-Pinto e suas teses sobre a cultura brasileira, escritas sob as ideias de grandes mentes do positivismo no Brasil. Como nos mostra Jorge Antonio Rangel em sua biografia sobre Edgar Roquette-Pinto:




“A vocação pública de Roquette-Pinto manifestou-se por uma aproximação heterodoxa do positivismo comtiano que, por sua vez, oscilou entre as duas correntes do liberalismo, a conservadora e da democracia liberal, o que se expressou na apreensão e incorporação críticas que Roquette-Pinto fez de autores nacionais e internacionais ligados ao comtismo, tais como, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Manoel Bonfim, Bancroft, Bichat, Mendel, Galton, Davenport que o influenciaram na produção de suas teses argumentativas acerca  dos conceitos de cultura e de brasilidade.”  ( RANGEL. 2010 pg. 22.)

Na segunda parte de sua tese de doutorado Roquette-Pinto mostra seu interesse pelo positivismo em sua visão de médico recém-formado, pois elabora toda sua síntese filosófica sobre os povos nativos da América pelas ideias comtianas.

Sacramento da Eucaristia


Sagrada Eucaristia é o Sacramento em que Jesus Cristo entrega o Seu corpo e o Seu sangue Ele próprio – por nós, para que também nos entreguemos a Ele em amor e nos unamos a Ele na Sagrada Comunhão. Assim nos ligamos ao corpo único de Cristo, a Igreja.

A Eucaristia é, depois do Batismo e da Confirmação, o terceiro sacramento da iniciação cristão da Igreja Católica. A Eucaristia é o misterioso centro de todos estes sacramentos, pois a imolação histórica de Jesus na cruz torna-se presente, de uma forma oculta e incruenta, durante a consagração do pão e do vinho. A Eucaristia é, portanto, “fonte e centro de toda a vida cristã” (Concílio Vaticano II, Lumen gentium, n°.11). Tudo aponta para ela; aliás, não há nada maior que se possa alcançar. Quando comemos o pão partido, unimo-nos ao amor de Jesus, que no madeiro da cruz nos ofereceu o Seu corpo; quando bebemos do cálice, unimo-nos Àquele que até derramou sangue durante a Sua oferta por nós. Não inventamos este rito; foi o próprio Jesus que celebrou com os Seus discípulos a Última Ceia e antecipou a Sua morte; Ele ofereceu-Se aos Seus discípulos sob os sinais do pão e do vinho e exortou-os a celebrarem a Eucaristia a partir da Sua morte: “Fazei sito em memória de Mim!” (I Cor 11,24).

A celebração da Eucaristia é o cerne da comunhão cristã. Nela a Igreja torna-se Igreja. Distintos nomes designam este mistério insondável: Santo Sacrifício,  Santa Missa, Missa Sacrificial, Ceia do Senhor, Fração do Pão, Assembleia Eucarística, Memorial da Paixão, Morte e Ressurreição, Santa e Divina Liturgia, Sagrados Mistérios, Sagrada Comunhão. A palavra Missa provém d fórmula de despedida em língua latina ITE MISSA EST, que significa “Ide, sois enviados!”

Youcat – Catecismo Jovem da Igreja Católica. São Paulo: Paulus Editora, 2011. Pg. 123-125.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Sobre a santidade de Maria


Deus quis que Jesus Cristo tivesse uma verdadeira mãe humana, reservando a Si próprio a paternidade do Seu Filho, pois desejava estabelecer um novo início que não se devesse às forças humanas, mas só a Ele.

A virgindade de Maria não é uma noção retirada da mitologia, mas está basicamente ligada à vida de Jesus. Ele nasceu de uma mulher, mas não teve um pai biológico. Jesus Cristo é um novo início, instituído no mundo pelo Alto. No Evangelho segundo São Lucas, Maria pergunta ao anjo Gabriel; “Como será isto, se eu não conheço homem?” (Lc 1,34); o anjo respondeu-lhe; “O Espírito Santo virá sobre ti.” (Lc 1,35).Embora se tenha feito troçado da Igreja, desde o princípio, por causa da sua crença na virgindade de Maria, ela sempre acreditou que aqui se tratava de uma virgindade real, e não meramente simbólica.

Outro fato importante que devemos abordar é referente ao fato que Maria não teve outros filhos senão Jesus, seu único filho biológico. Já na Igreja antiga se partia do princípio de que a virgindade de Maria era perene, o que excluía a ideia de que Jesus tivesse irmãos biológicos. Em aramaico a língua-mãe de Jesus, só existe uma palavra para ‘irmão’ e ‘irmã’, ‘primo’ e ‘prima’. Onde, nos evangelhos, se fala de ‘irmãos’ de Jesus (por exemplo, Mc 3,31-35), refere-se a parentes próximos d’Ele.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Biografia de São João da Cruz


São João da Cruz nasceu em 1542 em Fontiveros, província de Ávila, na Espanha. Seus pais se chamavam Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. Gonzalo pertencia a uma família de posses da cidade de Toledo. Por ter-se casado com uma jovem de classe “inferior” foi deserdado por seus pais e tornou-se tecelão de seda.

Em 1548, a família muda-se para Arévalo. Em 1551 transfere-se para Medina del Campo, onde o futuro reformador do Carmelo estuda numa escola destinada a crianças pobres. Por suas aptidões, torna-se empregado do diretor do Hospital de Medina del Campo. Entre 1559 a 1563 estuda Humanidades com os Jesuítas. Ingressou na Ordem dos Carmelitas aos vinte e um anos de idade, em 1563, quando recebe o nome de Frei João de São Matias, em Medina del Campo. Pensa em tornar-se irmão leigo, mas seus superiores não o permitiram. Entre 1564 e 1568 faz sua profissão religiosa e estuda em Salamanca. Tendo concluído com êxito seus estudos teológicos, em 1567 ordena-se sacerdote e celebra sua Primeira Missa.

Infelizmente, ficou muito desiludido pelo relaxamento da vida monástica em que viviam os conventos carmelitas. Decepcionado, tenta passar para a Ordem dos Cartuxos, ordem muito austera, na qual poderia viver a severidade de vida religiosa à que se sentia chamado. Em setembro de 1567 encontra-se com Santa Teresa, que lhe fala sobre o projeto de estender a Reforma da Ordem Carmelita também aos padres. O jovem de apenas vinte e cinco anos de idade aceitou o desafio. Trocou o nome para João da Cruz. No dia 28 de novembro de 1568, juntamente com Frei Antônio de Jesús Heredia, inicia a Reforma. O desejo de voltar à mística religiosidade do deserto custou ao santo fundador maus tratos físicos e difamações. Em 1577 foi preso por oito meses no cárcere de Toledo. Nessas trevas exteriores acendeu-se-lhe a chama de sua poesia espiritual. “Padecer e depois morrer” era o lema do autor da “Noite Escura da alma”, da “Subida do monte Carmelo”, do “Cântico Espiritual” e da “Chama de amor viva”.

A doutrina de João da Cruz é plenamente fiel à antiga tradição: o objetivo do homem na terra é alcançar “Perfeição da Caridade e elevar-se à dignidade de filho de Deus pelo amor”; a contemplação não é um fim em si mesma, mas deve conduzir ao amor e à união com Deus pelo amor e, por último, deve levar à experiência dessa união à qual tudo se ordena”. “Não há trabalho melhor nem mais necessário que o amor”, disse o Santo. “Fomos feitos para o amor”. “O único instrumento do qual Deus se serve é o amor”. “Assim como o Pai e o Filho estão unidos pelo amor, assim o amor é o laço da união da alma com Deus”.

O amor leva às alturas da contemplação, mas como o amor é produto da fé, que é a única ponte que pode salvar o abismo que separa a nossa inteligência do infinito de Deus, a fé ardente e vívida é o princípio da experiência mística. João da Cruz costuma pedir a Deus três coisas: que não deixasse passar um só dia de sua vida sem enviar-lhe sofrimentos, que não o deixasse morrer ocupando o cargo de superior e que lhe permitisse morrer humilhado e desprezado.

Faleceu no convento de Ubeda, aos quarenta e nove anos, no dia 14 de dezembro de 1591, após três meses de sofrimentos atrozes. A primeira edição de suas obras deu-se em Alcalá, em 1618. No dia 25 de janeiro de 1675 foi beatificado por Clemente X. Foi canonizado e declarado Doutor da Igreja por Pio XI . Em 1952 foi proclamado “Patrono dos Poetas Espanhóis”.

A Doutrina da Cruz segundo São João da Cruz

"Quão estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida. Poucos são os que o encontram. Devemos observar bem a ênfase dada à partícula 'quão', pois é como se dissesse 'na verdade é muito estreita, mais do que podeis imaginar...' Essa via ao alto monte da perfeição, exige viajantes que não levem fardos que os façam pender para baixo... Já que se tem o propósito de somente buscar e alcançar a Deus, somente a ele se há de buscar e alcançar de fato! Instruindo-nos e incitando-nos nesse caminho, Jesus Cristo proferiu essa doutrina tão admirável e, receio dizer, tanto menos praticada pelas amas (que se sentem atraídas à vida espiritual) quanto mais necessária!

'Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, irá perdê-la; mas o que perder a sua vida por causa de mim e do evangelho, irá salvá-la'.

Oh! Quem poderia aqui agora dar a entender, praticar e saborear este conselho!... aniquilação de toda a suavidade em Deus... aridez... tédio... sofrimentos... eis a pura cruz espiritual e a nudez do espírito pobre, segundo Jesus. O verdadeiro espírito antes procura em Deus a amargura que as delícias, prefere o sofrimento ao consolo, a privação ao gozo, a aridez e as aflições às doces comunicações celestes, sabendo que isto é seguir a Cristo e renunciar-se. Agir de outro modo é buscar-se a si mesmo em Deus, o que é muito contrário ao amor. Buscar a Deus nele mesmo... é inclinar-se a escolher, por amor a Cristo, tudo quanto há de mais áspero, seja de Deus, seja do mundo". A renúncia, segundo a vontade divina, consiste em "morrer para sua natureza... aniquilando-a... em tudo quanto a vontade julga ser valioso na ordem temporal, natural e espiritual... Quem assim tomar a cruz sobre si experimentará o jugo suave e o fardo leve, encontrando em todas as coisas grande alívio e suavidade... Quando a alma ficar desfeita em nada - isto é, a suprema humildade - estará realizada a união espiritual entre a alma e Deus... união que consiste numa viva morte de cruz, sensitiva e espiritual, interior e exterior".


S. João da Cruz, Subida ao Monte Carmelo, Livro II.

domingo, 8 de janeiro de 2017

São João da Cruz, conhecido como doutor místico


Nasceu em Fontiveros, na Espanha, em 1542. Seus pais, Gonçalo e Catarina, eram pobres tecelões. Gonçalo morreu cedo e a viúva teve de passar por dificuldades enormes para sustentar os três filhos: Francisco, João e Luís, sendo que este último morreu quando ainda era criança. Como João de Yepes (era este o seu nome de batismo) mostrou-se inclinado para os estudos, a mãe o enviou para o Colégio da Doutrina. Em 1551, os padres jesuítas fundaram um colégio em Medina (centro comercial de Castela). Nele, esse grande santo estudou Ciências Humanas.
Com 21 anos, sentiu o chamado à vida religiosa e entrou na Ordem Carmelita, na qual pediu o hábito. Nos tempos livres, gostava de visitar os doentes nos hospitais, servindo-os como enfermeiro. Ocasião em que passou a ser chamado de João de Santa Maria. Devido ao talento e à virtude, rapidamente foi destinado para o colégio de Santo André, pertencente à Ordem, em Salamanca, ao lado da famosa Universidade. Ali estudou Artes e Teologia. Foi nesse colégio nomeado de “prefeito dos estudantes”, o que indica o seu bom aproveitamento e a estima que os demais tinham por ele. Em 1567 foi ordenado sacerdote.
Desejando uma disciplina mais rígida, São João da Cruz quase saiu da Ordem para ir ingressar na Ordem dos Cartuxos, mas, felizmente, encontrou-se com a reformadora dos Carmelos, Santa Teresa D’Ávila, a qual havia recebido autorização para a reforma dos conventos masculinos. João, empenhado na reforma, conheceu o sofrimento, as perseguições e tantas outras resistências. Chegou a ficar nove meses preso num convento em Toledo, até que conseguiu fugir. Dessa forma, o santo espanhol transformou, em Deus e por Deus, todas as cruzes num meio de santificação para si e para os irmãos. Três coisas pediu e acabou recebendo de Deus: primeiro: força para trabalhar e sofrer muito; segundo: não sair deste mundo como superior de uma comunidade; e terceiro: morrer desprezado e escarnecido pelos homens.
Pregador, místico, escritor e poeta, esse grande santo da Igreja faleceu após uma penosíssima enfermidade, em 1591, com 49 anos de idade. Foi canonizado no ano de 1726 e, em 1926, o Papa Pio XI o declarou Doutor da Igreja. Escreveu obras bem conhecidas como: Subida do Monte Carmelo; Noite escura da alma (estas duas fazem parte de um todo, que ficou inacabado); Cântico espiritual e Chama viva de amor. No decurso delas, o itinerário que a alma percorre é claro e certeiro. Negação e purificação das suas desordens sob todos os aspectos.
São João da Cruz é o Doutor Místico por antonomásia, da Igreja, o representante principal da sua mística no mundo, a figura mais ilustre da cultura espanhola e uma das principais da cultura universal. Foi adotado como Patrono da Rádio, pois, quando pregava, a sua voz chegava muito longe.

Carta Encíclica Humani Generis

CARTA ENCÍCLICA
HUMANI GENERIS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII 
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES, 
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR 
EM PAZ E COMUNHÃO 
COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE OPINIÕES FALSAS QUE
AMEAÇAM A DOUTRINA CATÓLICA


INTRODUÇÃO
1. As dissensões e erros do gênero humano em questões religiosas e morais têm sido sempre fonte e causa de intensa dor para todas as pessoas de boa vontade e, principalmente, para os filhos fiéis e sinceros da Igreja; mas, de maneira especial, o continuam sendo hoje em dia, quando vemos combatidos até os próprios princípios da cultura cristã.
2. Não é de admirar que haja constantemente discórdias e erros fora do redil de Cristo. Pois, embora possa realmente a razão humana com suas forças e sua luz natural chegar de forma absoluta ao conhecimento verdadeiro e certo de Deus, único e pessoal, que sustém e governa o mundo com sua providência, bem como ao conhecimento da lei natural, impressa pelo Criador em nossas almas, entretanto, não são poucos os obstáculos que impedem a razão de fazer uso eficaz e frutuoso dessa sua capacidade natural. De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus transcendem por completo a ordem dos seres sensíveis e, quando entram na prática da vida e a enformam, exigem o sacrifício e a abnegação própria. Ora, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, já pela ação dos sentidos e da imaginação, já pelas más inclinações, nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.
3. Por isso deve-se defender que a revelação divina é moralmente necessária para que, mesmo no estado atual do gênero humano, todos possam conhecer com facilidade, com firme certeza e sem nenhum erro, as verdades religiosas e morais que não são por si inacessíveis à razão.[1]
4. Ademais, por vezes, pode a mente humana encontrar dificuldade mesmo para formar juízo certo sobre a credibilidade da fé católica, não obstante os múltiplos e admiráveis indícios externos ordenados por Deus para se poder provar certamente, por meio deles, a origem divina da religião cristã, exclusivamente com a luz da razão. Isso ocorre porque o homem, levado por preconceitos, ou instigado pelas paixões e pela má vontade, não só pode negar a evidência desses sinais externos, mas também resistir às inspirações sobrenaturais que Deus infunde em nossas almas.

I. FALSAS DOUTRINAS ATUALMENTE EM VOGA
5. Se olharmos para fora do redil de Cristo, facilmente descobriremos as principais direções que seguem não poucos dos homens de estudo. Uns admitem sem discrição nem prudência o sistema evolucionista, que até no próprio campo das ciências naturais não foi ainda indiscutivelmente provado, pretendendo que se deve estendê-lo à origem de todas as coisas, e com ousadia sustentam a hipótese monista e panteísta de um mundo submetido a perpétua evolução. Dessa hipótese se valem os comunistas para defender e propagar seu materialismo dialético e arrancar das almas toda noção de Deus.
6. As falsas afirmações de semelhante evolucionismo pelas quais se rechaça tudo o que é absoluto, firme e imutável, vieram abrir o caminho a uma moderna pseudo-filosofia que, em concorrência contra o idealismo, o imanentismo e o pragmatismo, foi denominada existencialismo, porque nega as essências imutáveis das coisas e não se preocupa mais senão com a "existência" de cada uma delas.
7. Existe igualmente um falso historicismo, que se atém só aos acontecimentos da vida humana e, tanto no campo da filosofia como no dos dogmas cristãos, destrói os fundamentos de toda verdade e lei absoluta.
8. Em meio a tanta confusão de opiniões nos é de algum consolo ao ver os que hoje, não raramente, abandonando as doutrinas do racionalismo em que haviam sido educados, desejam voltar aos mananciais da verdade revelada e reconhecer e professar a palavra de Deus conservada na Sagrada Escritura como fundamento da ciência sagrada. Contudo, ao mesmo tempo, lamentamos que não poucos desses, quanto mais firmemente aderem à palavra de Deus, tanto mais rebaixam o valor da razão humana; e quanto mais entusiasticamente enaltecem a autoridade de Deus revelador, tanto mais asperamente desprezam o magistério da Igreja, instituído por nosso Senhor Jesus Cristo para defender e interpretar as verdades reveladas. Esse modo de proceder não só está em contradição aberta com a Sagrada Escritura, como ainda pela experiência se mostra equívoco. Tanto é assim que os próprios "dissidentes" com freqüência se lamentam publicamente da discórdia que entre eles reina em questões dogmáticas, a tal ponto que se vêem obrigados a confessar a necessidade de um magistério vivo.

II. INFILTRAÇÃO DESSES ERROS NO PENSAMENTO CATÓLICO
9. Os teólogos e filósofos católicos, que têm o grave encargo de defender e imprimir nas almas dos homens as verdades divinas e humanas, não devem ignorar nem desatender essas opiniões que, mais ou menos, se apartam do reto caminho. Pelo contrário, é necessário que as conheçam bem; pois não se podem curar as enfermidades antes de serem bem conhecidas; ademais, nas mesmas falsas afirmações se oculta por vezes um pouco de verdade; e, por fim, essas opiniões falsas incitam a mente a investigar e ponderar com maior diligência algumas verdades filosóficas ou teológicas.
10. Se nossos filósofos e teólogos somente procurassem tirar esse fruto daquelas doutrinas, estudando-as com cautela, não teria motivo para intervir o magistério da Igreja. Embora saibamos que os doutores católicos em geral evitam contaminar-se com tais erros, consta-nos, entretanto, que não faltam hoje os que, como nos tempos apostólicos, amando a novidade mais do que o devido e também temendo que os tenham por ignorantes dos progressos da ciência, intentam subtrair-se à direção do sagrado Magistério e, por esse motivo, acham-se no perigo de apartar-se insensivelmente da verdade revelada e fazer cair a outros consigo no erra.
11. Existe também outro perigo, que é tanto mais grave quanto se oculta sob a capa de virtude. Muitos, deplorando a discórdia do gênero humano e a confusão reinante nas inteligências dos homens e guiados por imprudente zelo das almas, sentem-se levados por interno impulso e ardente desejo a romper as barreiras que separam entre si as pessoas boas e honradas; e propugnam uma espécie de "irenismo" que, passando por alto as questões que dividem os homens, se propõe não somente a combater em união de forças contra o ateísmo avassalaste, senão também a reconciliar opiniões contrárias, mesmo no campo dogmático. E, como houve antigamente os que se perguntavam se a apologética tradicional da Igreja constituía mais impedimento do que ajuda para ganhar almas a Cristo, assim também não faltam agora os que se atreveram a propor seriamente a dúvida de que talvez seja conveniente não só aperfeiçoar mas também reformar completamente a teologia e o método que atualmente, com aprovação eclesiástica, se emprega no ensino teológico, a fim de que se propague mais eficazmente o reino de Cristo em todo o mundo, entre os homens de todas as civilizações e de todas as opiniões religiosas.
12. Se tais propugnadores não pretendessem mais do que acomodar, com alguma renovação, o ensino eclesiástico e seus métodos às condições e necessidades atuais, não haveria quase nada que temer; contudo, alguns deles, arrebatados por imprudente "irenismo", parecem considerar como óbice para restabelecer a unidade fraterna justamente aquilo que se fundamenta nas próprias leis e princípios legados por Cristo e nas instituições por ele fundadas, ou o que constitui a defesa e o sustentáculo da integridade da fé, com a queda do qual se uniriam todas as coisas, sim, mas somente na comum ruína.
13. Os que, ou por repreensível desejo de novidade, ou por algum motivo louvável, propugnam essas novas opiniões, nem sempre as propõem com a mesma intensidade, nem com a mesma clareza, nem com idênticos termos, nem sempre com unanimidade de pareceres; o que hoje ensinam alguns mais encobertamente, com certas cautelas e distinções, outros mais audazes propalarão amanhã abertamente e sem limitações, com escândalo de muitos, em especial do clero jovem, e com detrimento da autoridade eclesiástica. Mais cautelosamente é costume tratar dessas matérias nos livros que são postos à publicidade, já com maior liberdade se fala nos folhetos distribuídos privadamente e nas conferências e reuniões. E não se divulgam somente estas doutrinas entre os membros de um e outro clero, nos seminários e institutos religiosos, mas também entre os seculares, principalmente aqueles que se dedicam ao ensino da juventude.

III. CONSEQÜÊNCIAS
1. Desprezo da teologia escolástica
14. Quanto à teologia, o que alguns pretendem é diminuir o mais possível o significado dos dogmas e libertá­los da maneira de exprimi-los já tradicional na Igreja, e dos conceitos filosóficos usados pelos doutores católicos, a fim de voltar, na exposição da doutrina católica, às expressões empregadas pela Sagrada Escritura e pelos santos Padres. Esperam que, desse modo, o dogma, despojado de elementos que chamam extrínsecos à revelação divina, possa comparar-se frutuosamente com as opiniões dogmáticas dos que estão separados da unidade da Igreja, e que, por esse caminho, se chegue pouco a pouco à assimilação do dogma católico e das opiniões dos dissidentes.
15. Reduzindo a doutrina católica a tais condições, crêem que se abre também o caminho para obter, segundo exigem as necessidades atuais, que o dogma seja formulado com as categorias da filosofia moderna, quer se trate do imanentismo, ou do idealismo, ou do existencialismo, ou de qualquer outro sistema. Alguns mais audazes afirmam que isso se pode e se deve fazer também em virtude de que, segundo eles, os mistérios da fé nunca se podem expressar por conceitos plenamente verdadeiros, mas só por conceitos aproximativos e que mudam continuamente, por meio dos quais a verdade se indica, é certo, mas também necessariamente se desfigura. Por isso não pensam ser absurdo, mas antes, pelo contrário, crêem ser de todo necessário que a teologia, conforme os diversos sistemas filosóficos que no decurso do tempo lhe servem de instrumento, vá substituindo os antigos conceitos por outros novos; de sorte que, de maneiras diversas e até certo ponto opostas, porém, segundo eles, equivalentes, faça humanas aquelas verdades divinas. Acrescentam que a história dos dogmas consiste em expor as várias formas que sucessivamente foi tomando a verdade revelada, de acordo com as várias doutrinas e opiniões que através dos séculos foram aparecendo.
16. Pelo que foi dito é evidente que tais esforços não somente levam ao relativismo dogmático, mas já de fato o contém, pois o desprezo da doutrina tradicional e de sua terminologia favorece tal relativismo e o fomenta. Ninguém ignora que os termos empregados, tanto no ensino da teologia como pelo próprio magistério da Igreja, para expressar tais conceitos podem ser aperfeiçoados e enriquecidos. É sabido também que a Igreja não foi sempre constante no uso dos mesmos termos. Ademais, é evidente que a Igreja não se pode ligar a qualquer efêmero sistema filosófico; entretanto, as noções e os termos que os doutores católicos, com geral aprovação, foram compondo durante o espaço de vários séculos para chegar a obter alguma inteligência do dogma não se assentam, sem dúvida, sobre bases tão escorregadias. Fundam-se realmente em princípios e noções deduzidas do verdadeiro conhecimento das coisas criadas; dedução realizada à luz da verdade revelada, que, por meio da Igreja, iluminava, como uma estrela, a mente humana. Por isso, não há que admirar terem sido algumas dessas noções não só empregadas mas também sancionadas por concílios ecumênicos; de sorte que não é lícito apartar-se delas.
17. Abandonar, pois, ou repelir, ou negar valor a tantas e tão importantes noções e expressões que homens de talento e santidade não comuns, com esforço multissecular, sob a vigilância do sagrado magistério e com a luz e guia do Espírito Santo, conceberam, expressaram e aperfeiçoaram para exprimir as verdades da fé cada vez com maior exatidão, e substituí-las por noções hipotéticas e expressões flutuantes e vagas de uma filosofia moderna que, assim como a flor do campo, hoje existe e amanhã cairá, não só é de suma imprudência, mas também converte o dogma numa cana agitada pelo vento. O desprezo dos termos e noções que os teólogos escolásticos costumam empregar leva naturalmente a abalar a teologia especulativa, a qual, por fundar-se em razões teológicas, eles julgam carecer de verdadeira certeza.
2. Desprezo do magistério da Igreja
18. Desgraçadamente, esses amigos de novidades facilmente passam do desprezo da teologia escolástica ao pouco caso e até mesmo ao desprezo do próprio magistério da Igreja, que tanto prestígio tem dado com a sua autoridade àquela teologia. Apresentam este magistério como empecilho ao progresso e obstáculo à ciência; e já existem acatólicos que o consideram como freio injusto, que impede alguns teólogos mais cultos de renovar a teologia. Embora este sagrado magistério, em questões de fé e moral, deva ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade (visto que a ele confiou nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina), contudo, por vezes se ignora, como se não existisse, a obrigação que têm todos os fiéis de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam mais ou menos da heresia e, portanto, de observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões. [2] Alguns há que de propósito desconhecem tudo quanto os sumos pontífices expuseram nas encíclicas sobre o caráter e a constituição da Igreja, a fim de fazer prevalecer um conceito vago, que eles professam e dizem ter tirado dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os sumos pontífices, dizem eles, não querem dirimir questões disputadas entre os teólogos; e, assim, cumpre voltar às fontes primitivas e explicar com os escritos dos antigos as modernas constituições e decretos do magistério.
19. Esse modo de falar pode parecer eloqüente, mas não carece de falácia. Pois é verdade que os romanos pontífices em geral concedem liberdade aos teólogos nas questões controvertidas entre os mais acreditados doutores; porém, a história ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre discussão já não podem ser discutidas.
20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10, 16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.
21. Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da revelação; pois, a eles cabe indicar de que maneira "se encontra, explícita ou implicitamente" na Sagrada Escritura e na divina Tradição o que ensina o magistério vivo. Ademais, ambas as fontes da doutrina revelada contêm tantos e tão sublimes tesouros de verdade que nunca realmente se esgotarão. Por isso, com o estudo das fontes sagradas rejuvenescem continuamente as sagradas ciências; ao passo que, pelo contrário, a especulação que deixa de investigar o depósito da fé se torna estéril, como vemos pela experiência. Entretanto, isto não autoriza a fazer da teologia, mesmo da chamada positiva, uma ciência meramente histórica. Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à sua Igreja o magistério vivo para esclarecer também e salientar o que no depósito da fé não se acha senão obscura e como que implicitamente. E o divino Redentor não confiou a interpretação autêntica desse depósito a cada um dos fiéis, nem mesmo aos teólogos, mas exclusivamente ao magistério da Igreja. Se a Igreja exerce esse múnus (como o tem feito com freqüência no decurso dos séculos pelo exercício, quer ordinário, quer extraordinário desse mesmo ofício), é evidentemente falso o método que pretende explicar o claro pelo obscuro; antes, pelo contrário, faz-se mister que todos sigam a ordem inversa. Eis porque nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, ao ensinar que é dever nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou aquelas palavras; "com o mesmo sentido com o qual foi definida pela Igreja".[3]
3. Desprezo das Sagradas Escrituras
22. Voltando às novas teorias de que acima tratamos, alguns há que propõem ou insinuam nos ânimos muitas opiniões que diminuem a autoridade divina da Sagrada Escritura. Pois atrevem-se a adulterar o sentido das palavras com que o concílio Vaticano define que Deus é o autor da Sagrada Escritura, e renovam uma teoria já muitas vezes condenada, segundo a qual a inerrância da Sagrada Escritura se estende unicamente aos textos que tratam de Deus mesmo, ou da religião, ou da moral. Ainda mais, sem razão falam de um sentido humano da Bíblia, sob o qual se oculta o sentido divino, que é, segundo eles, o único infalível. Na interpretação da Sagrada Escritura não querem levar em consideração a analogia da fé nem a tradição da Igreja; de modo que a doutrina dos santos Padres e do Sagrado magistério deveria ser aferida por aquela das Sagradas Escrituras explicadas pelos exegetas de modo puramente humano; o que seria preferível a expor a sagrada Escritura conforme a mente da Igreja, que foi constituída por nosso Senhor Jesus Cristo guarda e intérprete de todo o depósito das verdades reveladas.
23. Além disso, o sentido literal da Sagrada Escritura e sua exposição, que tantos e tão exímios exegetas, sob a vigilância da Igreja, elaboraram, deve ceder lugar, segundo essas falsas opiniões, a uma nova exegese a que chamam simbólica ou espiritual; por meio dela, os livros do Antigo Testamento, que seriam atualmente na Igreja uma fonte fechada e oculta, se abririam finalmente para todos. Dessa maneira, afirmam, desaparecerão todas as dificuldades que somente encontram os que se atêm ao sentido literal das Escrituras.
24. Todos vêem quanto se afastam essas opiniões dos princípios e normas de hermenêutica justamente estabelecidos por nossos predecessores de feliz memória, Leão XIII, na encíclica Providentissimus, e Bento XV, na encíclica Spiritus Paraclitus, e também por nós mesmo, na encíclica Divino Afflante Spiritu.
4 . Erros subseqüentes
25. E não há que admirar terem essas novidades produzido frutos venenosos em quase todos os capítulos da teologia. Põe-se em dúvida que a razão humana, sem o auxílio da divina revelação e da graça divina, possa demonstrar a existência de Deus pessoal, com argumentos tirados das coisas criadas; nega-se que o mundo tenha tido princípio e afirma-se que a criação do mundo é necessária, pois procede da necessária liberalidade do amor divino; nega-se também a Deus a presciência eterna e infalível das ações livres dos homens; opiniões de todo contrárias às declarações do concílio Vaticano.[4]
26. Alguns também põem em discussão se os anjos são pessoas; e se a matéria difere essencialmente do espírito. Outros desvirtuam o conceito de gratuidade da ordem sobrenatural, sustentando que Deus não pode criar seres inteligentes sem ordená-los e chamá-los à visão beatífica. E não só isso, mas, ainda, passando por cima das definições do concílio de Trento, destrói-se o conceito de pecado original juntamente com o de pecado em geral, como ofensa a Deus, e também o da satisfação que Cristo ofereceu por nós. Nem faltam os que defendem que a doutrina da transubstanciação, baseada como está num conceito filosófico já antiquado de substância, deve ser corrigida; de maneira que a presença real de Cristo na santíssima eucaristia se reduza a um simbolismo, no qual as espécies consagradas não são mais do que sinais externos da presença espiritual de Cristo e de sua união íntima com os féis, membros seus no corpo místico.
27. Alguns não se consideram obrigados a abraçar a doutrina que há poucos anos expusemos numa encíclica e que está fundamentada nas fontes da revelação, segundo a qual o corpo místico de Cristo e a Igreja católica romana são uma mesma coisa.[5] Outros reduzem a uma fórmula vã a necessidade de pertencer à Igreja verdadeira para conseguir a salvação eterna. E outros, malmente, não admitem o caráter racional da credibilidade da fé cristã.
28. Sabemos que esses e outros erros semelhantes serpenteiam entre alguns filhos nossos, desviados pelo zelo imprudente ou pela falsa ciência; e nos vemos obrigado a repetir-lhes, com tristeza, verdades conhecidíssimas e erros manifestos, e a indicar-lhes, não sem ansiedade, os perigos de erro a que se expõem.
5. Desprezo da filosofia escolástica
29. É coisa sabida o quanto estima a Igreja a humana razão, à qual compete demonstrar com certeza a existência de Deus único e pessoal, comprovar invencivelmente os fundamentos da própria fé cristã por meio de suas notas divinas, expressar de maneira conveniente a lei que o Criador imprimiu nas almas dos homens, e, por fim, alcançar algum conhecimento, por certo frutuosíssimo, dos mistérios.[6] Mas a razão somente poderá exercer tal oficio de modo apto e seguro se tiver sido cultivada convenientemente, isto é, se houver sido nutrida com aquela sã filosofia, que é já como que um patrimônio herdado das precedentes gerações cristãs e que por conseguinte goza de uma autoridade de ordem superior, porquanto o próprio Magistério da Igreja utilizou os seus princípios e os seus fundamentais assertos, manifestados e definidos lentamente por homens de grande talento, para comprovar a mesma revelação divina. Essa filosofia, reconhecida e aceita pela Igreja, defende o verdadeiro e reto valor do conhecimento humano, os inconcussos princípios metafísicos, a saber, os da razão suficiente, causalidade e finalidade, e a posse da verdade certa e imutável.
30. É verdade que em tal filosofia se expõem muitas coisas que, nem direta, nem indiretamente, se referem à fé ou aos costumes, e que, por isso mesmo, a Igreja deixa à livre disputa dos peritos; entretanto, em outras muitas não existe tal liberdade, principalmente no que diz respeito aos princípios e aos fundamentais assertos que há pouco recordamos. Mesmo nessas questões fundamentais pode-se revestir a filosofia com mais aptas e ricas vestes, reforçá-la com mais eficazes expressões, despojá-la de certos modos escolares menos adequados, enriquecê-la com cautela com certos elementos do progressivo pensamento humano; contudo, jamais é licito derrubá-la ou contaminá-la com falsos princípios, ou estimá-la como um grande monumento, mas já fora de moda. Pois a verdade e sua expressão filosófica não podem mudar com o tempo, principalmente quando se trata dos princípios que a mente humana conhece por si mesmos, ou daqueles juízos que se apóiam tanto na sabedoria dos séculos como no consenso e fundamento da revelação divina. Qualquer verdade que a mente humana, procurando com retidão, descobre não pode estar em contradição com outra verdade já alcançada, pois Deus, verdade suprema, criou e rege a humana inteligência, de tal modo que não opõe cada dia novas verdades às já adquiridas, mas, apartados os erros que porventura se tiverem introduzido, edifica a verdade sobre a verdade, de forma tão ordenada e orgânica como vemos estar constituída a própria natureza da qual se extrai a verdade. Por esse motivo o cristão, seja filósofo, seja teólogo, não abraça apressada e levianamente qualquer novidade que no decurso do tempo se proponha, mas deve sopesá-la com suma diligência e submetê-la a justo exame a fim de que não venha perder a verdade já adquirida ou a corrompa, com grave perigo e detrimento da mesma fé.
31. Se tudo quanto expusemos for bem considerado, facilmente se compreenderá porque a Igreja exige que os futuros sacerdotes sejam instruídos nas disciplinas filosóficas,  segundo o método, a doutrina e os princípios do Doutor Angélico,[7]visto que, através da experiência de muitos séculos, conhece perfeitamente que o método e o sistema do Aquinate se distinguem por seu valor singular, tanto para a educação dos jovens quanto para a investigação das mais recônditas verdades, e que sua doutrina está afinada como que em uníssono com a divina revelação e é eficacíssima para assegurar os fundamentos da fé e para recolher de modo útil e seguro os frutos do são progresso.[8]
32. E, pois, altamente deplorável que hoje em dia desprezem alguns a filosofia que a Igreja aceitou e aprovou, e que, imprudentemente, a tachem de antiquada em suas formas e racionalística, como dizem, em seus processos. Pois afirmam que essa nossa filosofa defende erroneamente a possibilidade de uma metafísica absolutamente verdadeira, ao passo que eles sustentam, contrariamente, que as verdades, principalmente as transcendentes, só podem ser expressas por doutrinas divergentes que mutuamente se completam, embora pareçam opor-se entre si. Pelo que, concedem que a filosofia ensinada em nossas escolas, com a lúcida exposição e solução dos problemas, com a exata precisão de conceitos e com as claras distinções, pode ser conveniente preparação ao estudo da teologia, como de fato o foi adaptando-se perfeitamente à mentalidade medieval; crêem, porém, que não é o método que corresponde à cultura e às necessidades modernas. Acrescentam, ainda, que a filosofia perene é só a filosofia das essências imutáveis, enquanto a mente moderna deve considerar a "existência" de cada um dos seres e a vida em sua fluência contínua. E, ao desprezarem esta filosofia, enaltecem outras, antigas ou modernas, orientais ou ocidentais, de forma tal a parecer insinuar que toda filosofia ou doutrina opinável, com o acréscimo de algumas correções ou complementos, se for necessário, harmonizar-se-á com o dogma católico; o que nenhum fiel pode duvidar seja de todo falso, principalmente quando se trata dos errôneos sistemas chamados imanentismo, ou idealismo, ou materialismo, seja histórico, seja dialético, ou também existencialismo, tanto no caso de defender o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico.
33. Por fim, acusam a filosofia ensinada em nossas escolas do defeito de atender só à inteligência no processo do conhecimento, sem levar em conta o papel da vontade e dos sentimentos. O que certamente não é verdade; de fato, a filosofia cristã jamais negou a utilidade e a eficácia das boas disposições de toda alma para conhecer e abraçar plenamente os princípios religiosos e morais; ainda mais, sempre ensinou que a falta de tais disposições pode ser a causa de que o entendimento, sufocado pelas paixões e pela má vontade, se obscureça a ponto de não mais ver como convém. E o Doutor Comum crê que o entendimento é capaz de perceber de certo modo os mais altos bens correspondentes à ordem moral, tanto natural como sobrenatural, enquanto experimentar no íntimo certa afetiva "conaturalidade" com esses mesmos bens, seja ela natural, seja fruto da graça; [9] e claro está quanto esse conhecimento, por assim dizer, subconsciente, ajuda as investigações da razão. Porém, uma coisa é reconhecer a força dos sentimentos para auxiliar a razão a alcançar conhecimento mais certo e mais seguro das realidades morais, e outra o que intentam esses inovadores, isto é, atribuir às faculdades volitiva e afetiva certo poder de intuição, e afirmar que o homem, quando, pelo exercício da razão, não pode discernir o que deva abraçar como verdadeiro, recorra à vontade, mediante a qual escolherá livremente entre as opiniões opostas, com inaceitável mistura de conhecimento e de vontade.
34. Nem há que admirar se ponham em perigo, com essas novas opiniões, as duas disciplinas filosóficas que, pela sua própria natureza, estão estreitamente relacionadas com a doutrina católica, a saber, a teodicéia e a ética, cuja função acreditam não seja demonstrar coisa alguma acerca de Deus ou de qualquer outro ser transcendente, mas antes mostrar que os ensinamentos da fé sobre Deus, ser pessoal, e seus preceitos, estão inteiramente de acordo com as necessidades da vida e que por isso mesmo todos devem aceitá-los para evitar a desesperação e obter a salvação eterna; tudo isso está em oposição aberta aos documentos de nossos predecessores Leão XIII e Pio X e não se pode conciliar com os decretos do concílio Vaticano. Não haveria, certamente, tais desvios da verdade que deplorar se também no terreno filosófico todos olhassem com a devida reverência ao magistério da Igreja, ao qual compete, por divina instituição, não só custodiar e interpretar o depósito da verdade revelada, mas também vigiar sobre as disciplinas filosóficas para que os dogmas católicos não sofram dano algum da parte das opiniões não corretas.
6. Erros relativos a certas ciências positivas
35. Resta-nos agora dizer algo acerca de algumas questões que, embora pertençam às disciplinas a que é costume chamar positivas, entretanto, se entrelaçam mais ou menos com as verdades da fé cristã. Não poucos rogam insistentemente que a religião católica tenha em máxima conta a tais ciências; o que é certamente digno de louvor quando se trata de fatos na realidade demonstrados, mas que hão de admitir-se com cautela quando se trata de hipóteses, ainda que de algum modo apoiadas na ciência humana, que tocam a doutrina contida na sagrada Escritura ou na tradição. Se tais conjecturas opináveis se opõem direta ou indiretamente à doutrina que Deus revelou, então esses postulados não se podem admitir de modo algum.
36. Por isso o magistério da Igreja não proíbe que nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus), segundo o estágio atual das ciências humanas e da sagrada teologia, de modo que as razões de uma e outra opinião, isto é, dos que defendem ou impugnam tal doutrina, sejam ponderadas e julgadas com a devida gravidade, moderação e comedimento, contanto que todos estejam dispostos a obedecer ao ditame da Igreja, a quem Cristo conferiu o encargo de interpretar autenticamente as Sagradas Escrituras e de defender os dogmas da fé.[10] Porém, certas pessoas, ultrapassam com temerária audácia essa liberdade de discussão, agindo como se a própria origem do corpo humano a partir de matéria viva preexistente fosse já certa e absolutamente demonstrada pelos indícios até agora achados e pelos raciocínios neles baseados, e como se nada houvesse nas fontes da revelação que exigisse a máxima moderação e cautela nessa matéria.
37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.[11]
38. Da mesma forma que nas ciências biológicas e antropológicas, há alguns que também nas históricas ultrapassam audazmente os limites e cautelas estabelecidos pela Igreja. De modo particular, é deplorável a maneira extraordinariamente livre de interpretar os livros históricos do Antigo Testamento. Os fautores dessa tendência, para defender a sua causa, invocam indevidamente a carta que há não muito tempo a Comissão Pontifícia para os estudos bíblicos enviou ao arcebispo de Paris.[12] Essa carta adverte claramente que os onze primeiros capítulos do Gênesis, embora não concordem propriamente com o método histórico usado pelos exímios historiadores greco-latinos e modernos, não obstante, pertencem ao gênero histórico em sentido verdadeiro, que os exegetas hão de investigar e precisar; e que os mesmos capítulos, com estilo singelo e figurado, acomodado à mente do povo pouco culto, contêm as verdades principais e fundamentais em que se apóia a nossa própria salvação, bem como uma descrição popular da origem do gênero humano e do povo escolhido. Mas, se os antigos hagiógrafos tomaram alguma coisa das tradições populares (o que se pode certamente conceder), nunca se deve esquecer que eles assim agiram ajudados pelo sopro da divina inspiração, a qual os tornava imunes de todo erro ao escolher e julgar aqueles documentos.
39. Todavia, o que se inseriu na Sagrada Escritura tirado das narrações populares, de modo algum deve comparar-se com as mitologias e outras narrações de tal gênero, as quais procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade que tanto resplandece nos livros do Antigo Testamento, a tal ponto que os nossos hagiógrafos devem ser tidos neste particular como claramente superiores aos antigos escritores profanos.

IV. DIRETRIZES
40. Sabemos, é verdade, que a maior parte dos doutores católicos, que com sumo proveito trabalham nas universidades, nos seminários e nos colégios religiosos, estão muito longe desses erros que hoje aberta e ocultamente se divulgam, ou por certo afã de novidades, ou por imoderado desejo de apostolado. Porém, sabemos também que tais opiniões novas podem atrair os incautos, e, por isso mesmo, preferimos nos opor aos começos do que oferecer remédio a uma enfermidade inveterada.
41. Pelo que, depois de meditar e considerar largamente diante do Senhor, para não faltar ao nosso sagrado dever, mandamos aos bispos e aos superiores religiosos, onerando gravissimamente suas consciências, que com a máxima diligência procurem que, nem nas classes, nem nas reuniões, nem em escritos de qualquer gênero, se exponham tais opiniões de modo algum, nem aos clérigos, nem aos fiéis cristãos.
42. Saibam quantos ensinam em institutos eclesiásticos que não poderão em consciência exercer o oficio de ensinar, que lhes foi comado, se não receberem religiosamente as normas que temos dado e se não as cumprirem escrupulosamente na formação dos discípulos. E procurem infundir nas mentes e nos corações dos mesmos aquela reverência e obediência que eles próprios em seu assíduo labor devem professar ao magistério da Igreja.
43. Esforcem-se com todo o alento e emulação por fazer avançar as ciências que professam; mas, evitem também ultrapassar os limites por nós estabelecidos para salvaguardar a verdade da fé e da doutrina católica. Às novas questões que a moderna cultura e o progresso do tempo suscitaram, apliquem sua mais diligente investigação, entretanto, com a conveniente prudência e cautela; e, finalmente, não creiam, cedendo a um falso "irenismo", que os dissidentes e os que estão no erro possam ser atraídos com pleno êxito, a não ser que a verdade íntegra que está viva na Igreja seja ensinada por todos sinceramente, sem corrupção nem diminuição alguma.

V. CONCLUSÃO
44. Fundados nessa esperança, que vossa pastoral solicitude ainda aumentará, concedemos, de todo o coração, como penhor dos dons celestiais e em sinal de nossa paterna benevolência, a todos vós, veneráveis irmãos, a vosso clero e a vosso povo, a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 12 de agosto de 1950, ano XII de nosso pontificado.

PIO PP. XII  

Notas
[1] Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de Fide Cath., c. 2, "De revelatione".
[2] CIC, cân.1324; cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius, de Fide cath., c. 4, "De fide et ratione", post canones.
[3] Pio IX, Inter gravissimas, de 28 de outubro de 1870, Pio IX P.M. Acta, vol. V, p. 260.
[4] Cf. Conc.Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. l, "De Deo rerum omnium creatore".
[5] Cf. Carta. Enc. Mystici Corporis Christi, AAS 35(1943), p.193ss.
[6] Cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. 4 "De fide et ratione".
[7] CIC, cân.1366, § 2. 
[8] AAS 38 (1946), p. 387.
[9] Cf. S. Tomás, Summa Theol, II-II, q. l, a. 4 ad 3; q. 45, a. 2, in c.
[10] Cf. Aloc. Pont. aos membros da Academia das Ciências, 30 nov 1941; AAS, 33(1941), p. 506.
[11] Cf. Rm 5, 12-19; Conc. Trid., sess. V, cân. l - 4.
[12] Dia 16 de janeiro de 1948, AAS 40(1948), pp. 45-48.